Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
105/14.0YRGMR
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
RECUSA DE CUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO
PRISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: RESUSADA A EXECUÇÃO
Sumário: I – Deve ser recusada a execução de Mandado de Detenção Europeu, assumindo o Estado Português o compromisso da execução em Portugal da pena de 2 anos e 48 dias de prisão, num caso em que o requerido é português, vive em Portugal, tendo centrada neste país a sua vida pessoal e profissional, onde igualmente vivem os seus pais e irmãos que o apoiam.
II – O início da execução da pena em Portugal só deverá ocorrer após a junção aos autos de declaração de que o Estado da emissão do MDE considerará extinta a responsabilidade penal do condenado com o cumprimento da pena em Portugal, bem como dos demais elementos essenciais para o efeito: certidão da sentença condenatória, com nota de trânsito em julgado, e indicação do tempo de pena ou prisão já cumpridos.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

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I- Relatório

O Ministério Público neste Tribunal da Relação de Guimarães requereu a execução de Mandado de Detenção Europeu, emitido pelo Tribunal Penal nº1 de Pontevedra do Reino de Espanha, contra:

Domingos E..., nascido a 6 de Fevereiro de 1987, em B..., concelho de Vila Verde, distrito de Braga, filho de Augusto E... e de Júlia M..., residente no Lugar V... Vila Verde.

A execução do mandado visa o cumprimento de pena de 2 anos e 48 dias de prisão, decorrente da prática de crime contra a saúde pública, na modalidade de tráfico de drogas que não causam grave dano à saúde, p. e p. pelos arts. 368º e 370º, nº1 do Código Penal Espanhol.

São os seguintes os factos que fundamentam a aplicação daquela pena:

“Em 7-10-2008, na localidade de Ponteareas (Pontevedra), Domingos Egas vendeu a um menor de idade 20,5 gramas de marijuana, propondo-lhe que, por sua vez, a vendesse na escola secundária onde estudava”.

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Ouvido o detido nos termos do art. 18º da Lei nº 65/2003, de 23/8, pelo mesmo foi dito que não consente na sua entrega ao Estado requerente e que não renuncia à regra da especialidade, tendo solicitado prazo para deduzir oposição, nos termos do nº4 do art. 21º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, o que foi deferido por despacho judicial que decidiu ainda que o arguido aguardasse detido os ulteriores do presente processo.

A fls. 57 a 68 veio o detido apresentar a sua oposição e juntar documentos, pedindo que seja recusada a execução do presente MDE por se verificar a causa de recusa facultativa prevista na al. g) do art. 12º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, ou seja, requerendo que a pena que lhe foi aplicada em Espanha seja cumprida em Portugal, devendo o Estado português comprometer-se a executar a pena exequenda.

Alega para tanto, em síntese, que é português, vive com a sua esposa desde Junho de 2014 no Lugar V... Vila Verde, está desempregado, vivendo de “biscates” na construção civil para angariar o seu sustento, tendo apoio dos respectivos pais e irmãos residentes no concelho de Vila Verde.

O Ministério Público, de harmonia com o disposto no n.º3 do art. 21 da Lei n.º 65/2003, respondeu à oposição deduzida, concluindo pelo deferimento da recusa facultativa invocada.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

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II- Fundamentação

Factos provados

1- O arguido (presente em julgamento) foi condenado por tribunal espanhol, por sentença proferida em 29/9/2011, transitada em julgado, na pena de 2 anos e 48 dias de prisão, decorrente da prática de crime contra a saúde pública, na modalidade de tráfico de drogas que não causam grave dano à saúde, p. e p. pelos arts. 368º e 370º, nº1 do Código Penal Espanhol.

2- O arguido tem para cumprir, de acordo com o MDE emitido, 2 anos e 48 dias de prisão.

3- É cidadão português, vive com a esposa desde Junho de 2014 no Lugar V... Vila Verde, está desempregado, vivendo de “biscates” na construção civil para angariar o seu sustento.

4- Mantém relacionamento próximo, recebendo apoio dos respectivos pais e irmãos residentes no concelho de Vila Verde.

Motivação

A convicção do tribunal fundou-se na apreciação da prova documental constante dos autos (docs. de fls. 6 a 16 (MDE) e respectiva tradução junta posteriormente, e docs. de fls. 62 a 68 juntos com a oposição do requerido), tudo devidamente conjugado com as respectivas declarações no que respeita à sua situação pessoal e económica.

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Apreciando

A causa de recusa facultativa prevista no art. 12 nº 1 al. g) da Lei 65/03

Não se suscitando quaisquer questões no tocante aos requisitos de forma e conteúdo necessários à execução do presente MDE, a questão a decidir nos presentes autos é, somente, a de saber se aquela execução deve ser recusada por dever o Estado Português comprometer-se a executar a pena de 2 anos e 48 dias de prisão que deu causa à emissão do mesmo MDE, de acordo com o disposto no art. 12º, nº1, al. g) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto que aprova o regime jurídico do mandado de detenção europeu em cumprimento da Decisão quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho.

Ora, na sequência das dúvidas provocadas pela falta de regulamentação da faculdade de recusa de execução de MDE emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança, com fundamento em compromisso do Estado português de executar a reacção criminal respectiva de acordo com a lei portuguesa, tem vindo a ser entendido pelo STJ (vd., por ex., Acds. do STJ de 23-11-2006 (pr. 4352/06-5), 10-9-2009 (pr. 134/09), 26-11-2009 (pr. 325/09), 25-2-2010 (pr. 42/10), 27-5-2010 (pr. 53/10), 2-3-2011 (pr. 213-10) ou de 22-6-2011 (pr. 89/11.7 YRCBR.S1) que aquele compromisso de Portugal enquanto Estado da execução, está contido na própria decisão judicial que recusar a execução do MDE com fundamento na al. g), do nº 1, do art. 12º da Lei 65/2003.

O compromisso do Estado português não depende, pois, da intervenção ou manifestação de qualquer entidade para além do tribunal, uma vez que o processo de execução do MDE se encontra inteiramente jurisdicionalizado, do mesmo modo que não depende de revisão ou confirmação prévia.

A decisão do tribunal de execução há-de assentar, assim, em critérios de natureza objectiva que, não se encontrando especificamente estabelecidos, hão-de ser encontrados por recurso a casos análogos ou a princípios operativos integrados na unidade do sistema jurídico, uma vez que nos encontramos perante lacuna do ordenamento português.

Assim, por exemplo, de acordo com o disposto no art. 40º, nº1 do Código Penal Português uma das finalidades da pena é a reintegração do agente na sociedade, a qual será tanto mais eficaz quanto maior for a ligação do cidadão ao país onde tiver de ser cumprida a pena.

O art. 12º da Lei 65/2003, na al. g) do seu nº 1, prevê a possibilidade de recusa facultativa de execução de MDE, quando “a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa".

No caso destes autos verificam-se os dois primeiros requisitos: o requerido Domingos Egas é português e reside em Portugal e o mandado destina-se ao cumprimento de pena de prisão.

Resta decidir sobre as vantagens do cumprimento da pena em Portugal. A execução do mandado de detenção europeu deverá ser recusada se puder ser formulado o juízo de que será maior a eficácia das finalidades da pena se esta for executada no nosso país. Relevam aqui, essencialmente, razões de reintegração do agente na sociedade, que deverão ser aferidas em função da ligação deste ao seu país, da residência e das condições da sua vida inteiramente adstritas à sociedade nacional.

É o caso do requerido. Resulta da factologia apurada que, sendo português, vive em Portugal, tendo centrada a sua vida pessoal e profissional na zona de Vila Verde, onde igualmente vivem os seus pais e irmãos que o apoiam.

Determinar agora o cumprimento da pena em Espanha seria comprometer as perspectivas de reintegração social do requerido de que o Direito nunca deve desistir.

Assim sendo, impõe-se recusar a execução do mandado, assumindo o Estado Português o respectivo compromisso de execução da pena em Portugal de acordo com a lei portuguesa, permitindo que a mesma seja cumprida na sociedade em que o arguido está integrado, onde se encontram as suas referências e aqueles que lhe dizem algo, de forma a que a dor da reclusão encontre um lenitivo no apoio exterior, para que à pena de prisão não acresça a de desterro, o exílio da pátria.

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Contudo este compromisso não se confunde com o início de execução da pena, nem tão pouco com o pleno reconhecimento da exequibilidade da sentença estrangeira em Portugal, o qual sempre dependerá da verificação de requisitos que não se mostram abrangidos pela Decisão Quadro de 2002 ou pela Lei 65/2003, como sejam os termos da garantia de que o Estado de emissão considerará extinta a responsabilidade penal do condenado com o cumprimento da pena no Estado de execução, in casu Portugal.

Daí que se imponha ordenar a libertação do detido, passando-se para o efeito os competentes mandados, o qual aguardará agora os ulteriores termos do processo em regime de liberdade, sujeito ao termo de identidade e residência (já prestado nos autos), notificar a autoridade judiciária de emissão nos termos do art. 28º da Lei 65/2003, de 23-8, providenciar pela obtenção urgente, junto da mesma autoridade de emissão, dos elementos essenciais ao início do cumprimento da pena, ou seja, certidão da sentença condenatória com nota de trânsito em julgado, indicação do tempo de cumprimento de pena ou prisão preventiva sofridos à ordem do processo, nos termos do art. 99º, nº2 da Lei 144/99, de 31-8 e emissão da já referida declaração de que uma vez cumprida a pena em Portugal, a autoridade judiciária espanhola considerará extinta a responsabilidade penal do condenado (garantia a pedir ao abrigo do art. 96º, nº1, al. h) da Lei 144/99, de 31-8).

Finalmente, importará remeter certidão de todo o processado ao Tribunal da Comarca de Braga (Vila Verde), por ser o tribunal do local da residência do condenado, o competente, à luz do disposto no art. 470º, nº2 do CPP para acompanhar a execução da pena que o requerido tem de cumprir, o que se impõe quer por força do art. 34º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, quer por aplicação analógica do art. 103º da Lei 144/99 de 31 de Agosto Neste sentido vd. Ac. STJ de 29-11-2012, pr. 117/12.9YREVR.S1, rel. Souto Moura, ín www.dgsi.pt

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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

1- recusar a execução do Mandado de Detenção Europeu para entrega do cidadão português Domingos E..., com fundamento no compromisso do Estado português executar a pena a cumprir pelo arguido, de acordo com a lei portuguesa, tudo de harmonia com o disposto no art. 12º, nº1, al. g) da Lei 65/2003, de 23 de Agosto.

2- ordenar que a pena que a ele respeita (na qual deverá ser imputada a prisão preventiva entretanto sofrida) seja executada pelo tribunal de primeira instância português da área da residência actual do condenado - Tribunal da Comarca de Braga (Vila Verde).

3- ordenar a libertação do detido, passando-se para o efeito os competentes mandados, o qual aguardará agora os ulteriores termos do processo em regime de liberdade, sujeito ao termo de identidade e residência (já prestado nos autos).

4- determinar o cumprimento do disposto no art. 28º da Lei 65/03 e se providencie pela obtenção urgente, junto da mesma autoridade de emissão, dos elementos essenciais ao início do cumprimento da pena, ou seja, certidão da sentença condenatória com nota de trânsito em julgado, indicação do tempo de cumprimento de pena ou prisão preventiva sofridos à ordem do processo, nos termos do art. 99º, nº2 da Lei 144/99, de 31-8 e emissão da já referida declaração de que uma vez cumprida a pena em Portugal, a autoridade judiciária espanhola considerará extinta a responsabilidade penal do condenado (garantia a pedir ao abrigo do art. 96º, nº1, al. h) da Lei 144/99, de 31-8).

Oportunamente, remeta certidão de todo o processado ao Tribunal da Comarca de Braga (Vila Verde).

Sem custas, por não serem devidas.

Honorários da Exma. Defensora: os legais, a suportar pelo Cofre do Tribunal.

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Guimarães, 3 / Novembro / 2014