Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
401/12.1TBGMR.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
PRESUNÇÃO DE CULPA
CONCESSIONÁRIO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: I - Assiste à parte notificada simultaneamente com a sentença para se pronunciar sobre a condenação como litigante de má-fé, o direito de juntar documentos para infirmar os factos que lhe são imputados como integradores de litigância de má fé.
II - A parte contrária que se limitou a impugnar tais documentos, não tendo pugnado pela sua inadmissibilidade, não pode em sede de recurso vir requerer que os mesmos não sejam admitidos.
III - Tais documentos passam a integrar o processo e podem ser valorados em sede de recurso.
IV - Tendo o A. configurado a relação jurídica controvertida assente no seu direito de propriedade sobre determinado bem, direito que é posto em causa pela parte contrária, não incumbe ao julgador o dever de ordenar a intervenção do invocado titular desse direito e muito menos a final, confrontado com a falência da prova do A.
V - Para que a parte que pretende juntar a sua posse à posse dos anteriores possuidores para efeitos de usucapião, beneficie da acessão na posse, tem que alegar factos caracterizadores do animus e do corpus dos anteriores utilizadores do bem e invocar como é que adquiriram a posse.
VI - Não é suficiente para ilidir a presunção de culpa que recai sobre a concessionária de uma autoestrada, a prova de que esta realiza patrulhamentos permanentes e regulares à sua concessão, bem como a manutenção e a conservação das estruturas daquela via e que no dia do acidente, previamente a este, os colaboradores da concessionária efetuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, tendo passado várias vezes no local do sinistro sem que hajam destetado qualquer animal.
VII - Para que se pudesse considerar afastada a responsabilidade da ré concessionária, no caso de danos provocados pelo embate de um veículo automóvel num animal, a R. teria que ter provado, o que não provou nem sequer alegou, que o cão se introduziu na autoestrada por um meio que não podia ter evitado, como por exemplo, por ter sido ali propositadamente colocado, ou ter saltado do carro onde era transportado e que tais atos se tinham passado há pouco tempo, de modo que não lhe permitiu, apesar das patrulhas, ter localizado e eliminado o perigo.
VIII - Não sendo conhecido o modo como o animal se introduziu na autoestada que pode ter diversas origens, e que não é só através das vedações, podendo entrar por exemplo pelas portagens, ou pelos nós de acesso, é a favor do lesado/utente, e não da concessionária que a respetiva dúvida tem que ser decidida.
IX - Tendo apenas o A. logrado provar que na ocasião do acidente sentiu pânico quando avistou o canídeo, este estado de alma por si só sentido pelo autor, não reveste gravidade suficiente para efeitos de atribuição de uma indemnização por danos morais.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório
F…, residente na Rua Dr. João Afonso Almeida, nº 351, 3º Esq., Guimarães, melhor id. a fls. 2, intentou contra “Ascendi Norte – Auto-Estradas do Norte, S.A.”, com sede na Rua Antero de Quental, nº 381, 3º, Perafita, Matosinhos, a presente acção declarativa sob a forma sumária, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 7.954,43 acrescida de juros moratórios contados desde a citação até integral pagamento.
Para tanto e em suma alegou que no dia 09.08.2011, pelas 08.15 horas, na auto-estrada A 11, interveio num sinistro estradal determinado pela presença de um cão na faixa de rodagem, facto que imputa à ré.
Por força desse sinistro sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial que peticiona.
Regularmente citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.
Invocou desde logo a ilegitimidade activa do autor, na medida em que à data do sinistro o veículo automóvel que o autor tripulava pertencia à sociedade “M…, Ldª”.
Mais impugnou os factos alegados, por desconhecimento, alegando também que verificou as vedações logo após o sinistro, tendo constatado não existir qualquer anomalia nas mesmas.
Pediu a intervenção da “Companhia de Seguros…, S.A.” a título principal, o que veio a ser deferido mas a título acessório.
O autor respondeu, tendo terminado como na p.i., esclarecendo que o veículo automóvel lhe foi transferido pela sociedade “M…” no dia anterior ao do sinistro.
A chamada aderiu à contestação da ré.
Em sede de saneamento, foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade activa.
Procedeu-se ao julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

CONCLUSÕES
(…)
A R. Ascendi Norte contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
II - Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

.se não devem ser admitidos os documentos ;

.se deve ser alterada a matéria de facto, dando-se como provados os factos considerados não provados nas alíneas h) a m);

.se a Mma. Juíza deveia ter ordenado ao A. para juntar documentos que comprovassem actos de posse/propriedade do A. sobre o veículo desde data anterior ao acidente;

. se assim não se entender, se o Tribunal de 2ª instância o deverá ordenar;

. se a Mma Juíza a quo deveria ter promovido a modificação subjectiva da instância, de modo a chamar aos autos a sociedade M…, Lda.;

. se ainda que não seja alterada a matéria de facto, se o A. deve ser indemnizado do custo da reparação, por ter sido quem pagou a reparação do veículo.


III – Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1) No dia 9 de Agosto de 2011, pelas 08.15 horas o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 04-83-ZA (doravante designado como “ZA”) circulava pela Auto-Estrada 11 (A11), no sentido Guimarães – Braga.
2) O veículo referido em 1) era conduzido pelo aqui autor, F… .
3) Sensivelmente ao km 36,3 da referida A 11, considerando o sentido Guimarães – Braga,
4) (…) surgiu um canídeo na faixa de rodagem oriundo da berma e em direcção ao separador central da AE 11, atravessando-se à frente do “ZA”.
5) Por causa do referido em 4) o “ZA” atropelou o canídeo.
6) Após o referido em 5) o autor contactou imediatamente a ré, que fez chegar junto do local do sinistro um funcionário da Assistência em Viagem.
7) Além do referido em 6), o autor contactou a G.N.R., que tomou nota da ocorrência.
8) Mais contactou o serviço de assistência em viagem proporcionado pela sua seguradora para reboque do veículo.
9) Por causa do referido em 5) o veículo “ZA” ficou com o para-choques amassado e amolgado, com o revestimento frontal da grelha de admissão de ar, da tampa gancho do reboque e faróis partidos.
10) Bem como com o radiador, o ventilador e demais componentes e acessórios daquele sector avariados.
11) Para a completa reparação do veículo “ZA” o autor pagou a quantia de € 3.654,43 (três mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e três cêntimos).
12) Em consequência do sinistro o veículo “ZA” não podia circular.
13) Tendo o autor aguardado pela tomada de posição da ré e pela sua peritagem.
14) A reparação apenas ficou concluída em 8 de Setembro de 2011.
15) O autor possui uma outra viatura.
16) O autor percorre diariamente uma distância de cerca de 25 Km entre os locais onde reside (Rua Dr. João Afonso Almeida, 351, 3.º Esquerdo, 4800- 045 Guimarães) e onde desenvolve a sua actividade profissional na cidade de Braga.
17) O autor utiliza o veículo para deslocações de ordem pessoal que realiza diariamente, seja para transportar a filha até ao respectivo colégio, seja para actividades lúdicas.
18) O autor sentiu pânico no momento em que avistou o animal.
19) No 9 de Agosto de 2011 o autor participou o acidente à ré.
20) No dia 10 de Agosto de 2011 o autor deslocou-se ao local do sinistro e apresentou mais uma reclamação dando conta da existência naquele local da via concessionada de um “buraco” na vedação.
21) Por carta registada remetida para os serviços da ré a 12 de Agosto de 2011 o autor reclamou novamente.
22) Em 22 de Agosto de 2011 a ré referiu ao autor que declinava qualquer tipo de responsabilidade no que tange ao acidente ocorrido, afirmando ter cumprido “cabalmente com todas as obrigações que para si decorrem do contrato de concessão – em especial aquelas respeitantes à segurança de pessoas e bens que utilizam a sua concessão -, estando, para além disso e como, de resto, é habitual, certa de ter procedido com toda a diligência que lhe poderia ser exigível, designadamente no que se refere ao patrulhamento da via”.
23) À data do sinistro as vedações que se encontram implementadas na A11 a uma distância não superior a 1000 m do local onde eclodiu o sinistro em apreço encontravam-se sem falhas, rupturas ou aberturas.
24) A ré realiza patrulhamentos permanentes e regulares à sua concessão, bem como a manutenção e conservação das estruturas daquela via.
25) No dia do acidente mas previamente a este, os colaboradores da ré efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, tendo passado várias vezes no local do sinistro sem que hajam detectado qualquer animal.
26) Previamente à data referida em 1) a ré Ascendi havia celebrado com a “Companhia de Seguros…, S.A.” um acordo com vista à transferência da responsabilidade civil que para si emergisse por força de sinistros ocorridos na área da concessão.
27) O autor registou a aquisição do veículo mencionado em 1) a seu favor no dia 21 de Novembro de 2011 pela ap. 07147.
28) Aos olhos de um entendedor é perceptível que o “ZA” é um veículo acidentado.

E foram dados como não provados os seguintes factos:
a) Que no momento referido em 5) o autor seguisse pela faixa esquerda das faixas de rodagem destinadas a quem seguia na direcção Guimarães/Braga.
b) Que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1) o autor seguisse à velocidade de 110km/hora.
c) Que aquando do referido em 3) o autor estivesse a efectuar uma manobra de ultrapassagem.
d) Que o cão referido em 4) se tenha projectado sobre o veículo automóvel.
e) Que a viatura referida em 15) seja utilizada pelo cônjuge do autor que se desloca diariamente para a freguesia de Brito.
f) Que o autor tenha tido necessidade de socorrer-se do auxílio e ajuda de terceiros, nomeadamente colegas de trabalho, familiares e amigos, para o transportarem diariamente para o seu local de trabalho.
g) Que aquando do sinistro o autor tenha pensado que ia morrer.
h) Que o buraco referido no artigo 20) dos factos provados já existisse no dia referido em 1) e 19).
i) Que em 9 de Agosto de 2011 e desde há 2, 4, 5 e 8 anos, por si e através dos seus antepossuidores, o autor viesse ininterruptamente usando o veículo, utilizando-o diariamente nas suas deslocações para o trabalho e de lazer,
j) Cuidando-o e reparando-o.
k) À vista de todos e sem oposição de alguém.
l) Como se fosse o seu dono.
m) Que anteriormente às circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1) houvesse já sido celebrado um acordo de vontades entre a sociedade “M…” e o ora autor em que aquela houvesse declarado vender ao autor, que por seu turno houvesse declarado comprar, o veículo automóvel identificado no artigo 1º da p.i.
n) Que a brigada de trânsito (BT) da GNR haja estado em serviço na A11 no dia do sinistro e que não haja detectado nos seus patrulhamentos normais a presença de qualquer animal nas imediações do local do sinistro.

Da junção de documentos após a prolação da sentença
Insurge-se a R. contra a junção pelo A. dos documentos que juntou após a sentença.
Estes documentos não foram juntos com as alegações, mas em momento anterior. Os documentos foram juntos com a resposta que o A. apresentou, na sequência da sua notificação para se pronunciar sobre litigância de má fé.
A R. foi notificada deste requerimento e na altura não veio pugnar pela não admissão destes documentos, limitando-se a referir que os impugnava expressamente, “uma vez que desconhece se estes correspondem à realidade e desconhece designadamente o respectivo teor, declarações, conclusões, autoria, reprodução mecânica ou informática e assinatura são verdadeiros” .
No despacho subsequente, a Mma Juíza pronunciou-se sobre a má fé, condenando o A. por litigância de má fé na multa de cinco Ucs, mas não se pronunciou especificamente sobre a junção dos documentos.
Ora, não tendo a R. na resposta que ofereceu insurgido-se contra a junção dos documentos, tendo limitado-se a impugná-los, não pode agora em sede de recurso pôr em causa essa junção.
De qualquer modo e ainda que assim não se entendesse, sempre assistiria ao A. o direito de juntar os documentos que juntou.
A Mma Juíza na sentença referiu expressamente qual tinha sido o comportamento do A. susceptível de configurar litigância de má fé e que, em seu entender, assenta nos seguintes factos:
. juntou documentos para prova de um buraco que não existia no dia do acidente;
. alterou documentos com vista à modificação da efectiva data da compra e venda.
Com os documentos juntos pretendia o A. provar que não tinha praticado os comportamentos que lhe eram imputados, pelo que sempre seria de admitir a sua junção. Quando a parte é notificada para se defender da acusação de má fé, está compreendido no seu direito de defesa, o direito de juntar documentos, ainda que os mesmos pudessem ter sido oferecidos anteriormente. Assim estes documentos encontram-se juntos aos autos e devem ser apreciados em conformidade com a demais prova produzida.

Antes de entrarmos na apreciação do pedido de alteração da matéria de facto, analisemos as seguintes questões suscitadas pela apelante:

Se a Mma Juíza deveria ter notificado o A. para juntar outros documentos que reputasse necessários para a prova da propriedade
Nos termos do artº 411º do CPC incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Nos presentes autos logo na contestação a R. veio suscitar a questão de quem era o real proprietário do veículo, face ao auto de ocorrência do sinistro, elaborado pelo agente de autoridade e no qual se fez constar como proprietário a sociedade M…, Lda. A questão da propriedade do veículo não surgiu assim na audiência de discussão e julgamento, tendo desde a contestação da apelada, o apelante tido conhecimento de que a R. punha em causa que fosse ele o proprietário do veículo sinistrado.
Estava na sua livre disponibilidade juntar aos autos os documentos que entendesse para provar a propriedade do veículo.
Os autos ilustram as inúmeras diligências que foram ordenadas, na sequência de vários pedidos formulados pela R., com vista a apurar quem era o proprietário da viatura sinistrada na ocasião do acidente, com ofícios vários junto da Conservatória do Registo Automóvel, Loja do Cidadão de Braga e ainda um ofício dirigido à M… .
O poder inquisitório não tem a abrangência defendida pelo apelante. Não incumbe ao julgador, quando entende que a prova produzida pela parte não foi suficiente para a prova dos factos que tinha o ónus de provar, notificá-lo para produzir outra prova. Tal conduta consubstanciaria um auxílio à parte, favorecendo-a em detrimento da contra-parte, violando o disposto no artº 4º do CPC.
Não violou assim a Mma Juíza nenhum preceito legal.
E se não incumbia ao Juiz de 1ª instância ordená-lo muito menos incumbe ao Tribunal da Relação, cujos poderes, se bem que ampliados com a Lei 41/2013, continuam a ser mais limitados que os do juiz da 1ª instância neste âmbito específico.
A alínea b) do nº 2 do artº 662º do CPC preceitua que a Relação deve ainda oficiosamente ordenar em caso de fundada dúvida sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova. Será o caso de algum documento suscitar por exemplo dúvidas sobre a sua autenticidade ou proveniência e a Relação para poder apreciar a matéria de facto ter que efectuar alguma diligência para poder formar uma convicção mais segura ou se mostrar necessária a realização de alguma perícia ou perícia complementar.
Mas ainda que assim não se entendesse, não se vislumbra que outros documentos para prova da propriedade do veículo para além dos que já se encontram juntos aos autos poderia este Tribunal ordenar oficiosamente que fossem juntos, pois que se encontra junta a certidão do registo e resulta do alegado pelo A. que não foi reduzido a escrito o alegado contrato de compra e venda celebrado entre si e a M… .
Improcede assim o requerido.

Da pretendida alteração da matéria de facto
(…)
A matéria de facto a considerar é assim a que foi dada como provada e não provada pelo Tribunal a quo, com as seguintes alterações:
Elimina-se dos factos provados o ponto 23 que passa para os factos não provados e dos não provados as alíneas i) a l), que passam a incluir o elenco dos factos provados.
A matéria de facto provada e não provada a considerar passa a ser a seguinte:
1) No dia 9 de Agosto de 2011, pelas 08.15 horas o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 04-83-ZA (doravante designado como “ZA”) circulava pela Auto-Estrada 11 (A11), no sentido Guimarães – Braga.
2) O veículo referido em 1) era conduzido pelo aqui autor, F… .
3) Sensivelmente ao km 36,3 da referida A 11, considerando o sentido Guimarães – Braga,
4) (…) surgiu um canídeo na faixa de rodagem oriundo da berma e em direcção ao separador central da AE 11, atravessando-se à frente do “ZA”.
5) Por causa do referido em 4) o “ZA” atropelou o canídeo.
6) Após o referido em 5) o autor contactou imediatamente a ré, que fez chegar junto do local do sinistro um funcionário da Assistência em Viagem.
7) Além do referido em 6), o autor contactou a G.N.R., que tomou nota da ocorrência.
8) Mais contactou o serviço de assistência em viagem proporcionado pela sua seguradora para reboque do veículo.
9) Por causa do referido em 5) o veículo “ZA” ficou com o para-choques amassado e amolgado, com o revestimento frontal da grelha de admissão de ar, da tampa gancho do reboque e faróis partidos.
10) Bem como com o radiador, o ventilador e demais componentes e acessórios daquele sector avariados.
11) Para a completa reparação do veículo “ZA” o autor pagou a quantia de € 3.654,43 (três mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e três cêntimos).
12) Em consequência do sinistro o veículo “ZA” não podia circular.
13) Tendo o autor aguardado pela tomada de posição da ré e pela sua peritagem.
14) A reparação apenas ficou concluída em 8 de Setembro de 2011.
15) O autor possui uma outra viatura.
16) O autor percorre diariamente uma distância de cerca de 25 Km entre os locais onde reside (Rua Dr. João Afonso Almeida, 351, 3.º Esquerdo, 4800- 045 Guimarães) e onde desenvolve a sua actividade profissional na cidade de Braga.
17) O autor utiliza o veículo para deslocações de ordem pessoal que realiza diariamente, seja para transportar a filha até ao respectivo colégio, seja para actividades lúdicas.
18) O autor sentiu pânico no momento em que avistou o animal.
19) No 9 de Agosto de 2011 o autor participou o acidente à ré.
20) No dia 10 de Agosto de 2011 o autor deslocou-se ao local do sinistro e apresentou mais uma reclamação dando conta da existência naquele local da via concessionada de um “buraco” na vedação.
21) Por carta registada remetida para os serviços da ré a 12 de Agosto de 2011 o autor reclamou novamente.
22) Em 22 de Agosto de 2011 a ré referiu ao autor que declinava qualquer tipo de responsabilidade no que tange ao acidente ocorrido, afirmando ter cumprido “cabalmente com todas as obrigações que para si decorrem do contrato de concessão – em especial aquelas respeitantes à segurança de pessoas e bens que utilizam a sua concessão -, estando, para além disso e como, de resto, é habitual, certa de ter procedido com toda a diligência que lhe poderia ser exigível, designadamente no que se refere ao patrulhamento da via”.
23) Eliminada
24) A ré realiza patrulhamentos permanentes e regulares à sua concessão, bem como a manutenção e conservação das estruturas daquela via.
25) No dia do acidente mas previamente a este, os colaboradores da ré efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, tendo passado várias vezes no local do sinistro sem que hajam detectado qualquer animal.
26) Previamente à data referida em 1) a ré Ascendi havia celebrado com a “Companhia de Seguros…, S.A.” um acordo com vista à transferência da responsabilidade civil que para si emergisse por força de sinistros ocorridos na área da concessão.
27) O autor registou a aquisição do veículo mencionado em 1) a seu favor no dia 21 de Novembro de 2011 pela ap. 07147.
28) Aos olhos de um entendedor é perceptível que o “ZA” é um veículo acidentado.
29) Desde pelo menos 2011 e desde data anterior a 9 de Agosto de 2011 que o A. vinha ininterruptamente usando o veículo, utilizando-o diariamente nas suas deslocações para o trabalho e de lazer.
30) Cuidando-o e reparando-o.
31) À vista de todos e sem oposição de alguém.
32) Como se fosse o seu dono.

E foram dados como não provados os seguintes factos:
a) Que no momento referido em 5) o autor seguisse pela faixa esquerda das faixas de rodagem destinadas a quem seguia na direcção Guimarães/Braga.
b) Que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1) o autor seguisse à velocidade de 110km/hora.
c) Que aquando do referido em 3) o autor estivesse a efectuar uma manobra de ultrapassagem.
d) Que o cão referido em 4) se tenha projectado sobre o veículo automóvel.
e) Que a viatura referida em 15) seja utilizada pelo cônjuge do autor que se desloca diariamente para a freguesia de Brito.
f) Que o autor tenha tido necessidade de socorrer-se do auxílio e ajuda de terceiros, nomeadamente colegas de trabalho, familiares e amigos, para o transportarem diariamente para o seu local de trabalho.
g) Que aquando do sinistro o autor tenha pensado que ia morrer.
h) Que o buraco referido no artigo 20) dos factos provados já existisse no dia referido em 1) e 19).
i) a l) – Eliminadas dos factos não provados
m) Que anteriormente às circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1) houvesse já sido celebrado um acordo de vontades entre a sociedade “M…” e o ora autor em que aquela houvesse declarado vender ao autor, que por seu turno houvesse declarado comprar, o veículo automóvel identificado no artigo 1º da p.i.
n) Que a brigada de trânsito (BT) da GNR haja estado em serviço na A11 no dia do sinistro e que não haja detectado nos seus patrulhamentos normais a presença de qualquer animal nas imediações do local do sinistro.
o) À data do sinistro as vedações que se encontram implementadas na A11 a uma distância não superior a 1000 m do local onde eclodiu o sinistro em apreço encontravam-se sem falhas, rupturas ou aberturas.


Se a Mma Juíza a quo deveria ter mandado intervir a sociedade M…
Entende o apelante que a Mma. Juíza, se considerava que não era ele o proprietário do veículo, deveria ter ordenado oficiosamente a intervenção da M… .
O artº 6º/2 do CPC determina que o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação. Assim, deverá o juiz convidar a parte a suprir a falta de pressupostos processuais.
Tendo o A. configurado a relação jurídica controvertida assente no seu direito de propriedade sobre determinado bem, direito que é posto em causa pela parte contrária, não incumbe ao julgador o dever de ordenar a intervenção do invocado titular desse direito e muito menos a final, confrontado com a falência da prova do A.
E não existe qualquer situação de litisconsórcio entre o A. e a R. nem necessário, nem voluntário, como defende o apelante.

Se o A. deve ser indemnizado
Defende o apelante que deve ser indemnizado ainda que não logre demonstrar ser o titular do direito de propriedade à data do acidente, por ter sido quem pagou a reparação do veículo.

O A. formula os seguintes pedidos de indemnização:
.euros 3.654,43 relativos à reparação do veículo no montante de euros 3.654,43;
. euros 1.500,00 relativos à privação do uso do veículo durante 30 dias;
. 1.050,00 pela desvalorização do veículo, em virtude de ter sofrido um sinistro;
. 1.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Vejamos agora se face às alterações introduzidas na matéria de facto, assiste ao autor os direitos de crédito reclamados.
Na sentença recorrida foi negado ao A. os direitos de crédito que reclamou, por se entender que o A. não tinha logrado provar ser o proprietário do veículo à data do acidente.
Por força das alterações introduzidas deu-se como provado que
. Desde pelo menos 2011 e desde data anterior a 9 de Agosto de 2011 que o A. vinha ininterruptamente usando o veículo, utilizando-o diariamente nas suas deslocações para o trabalho e de lazer.
. Cuidando-o e reparando-o.
. À vista de todos e sem oposição de ninguém.
.Como se fosse seu dono.
Como já se referiu, o A. na resposta à contestação veio invocar duas causas de aquisição:
. a aquisição derivada da propriedade por efeito de um contrato de compra e venda celebrado em 8 de Agosto de 2011 o veículo;
. a aquisição originária da propriedade por usucapião, invocando que desde Agosto de 2011 e há mais de 2, 4, 5 e 8 anos, por si e através dos seus antepossuidores vinha possuindo o veículo, sem interrupção temporal, praticando todos os actos materiais correspondentes à titularidade plena e exclusiva do direito de propriedade, assim se comportando como único e verdadeiro dono do mesmo, utilizando-o diariamente nas suas deslocações para o trabalho e lazer, suportando e pagando todos os encargos e impostos a ele inerentes, cuidando e reparando o mesmo, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e sem prejudicar, de modo contínuo (artºs 13º a 20º).
No seu recurso o apelante vem defender que desde 2004 que está demonstrada a propriedade e a posse sobre o veículo, o qual passou para a posse da M…, em 2006 e em 2011 para si.
A aquisição da posse pode ser originária ou derivada. No primeiro caso, a posse do adquirente surge ex novo na esfera da disponibilidade do sujeito, independentemente de uma posse anterior (nem quanto à existência, nem quanto ao âmbito ou conteúdo, nem quanto à extensão nem à área de incidência); dependendo apenas do facto aquisitivo. Na aquisição derivada a posse é transferida do anterior para o actual titular, fundando-se a deste na anterior posse, quanto à existência, ao âmbito ou conteúdo.

O acto de aquisição da posse, originária ou derivada, tem que conter os elementos que a integram, o corpus e o animus.

Pela usucapião adquirem-se direitos reais sobre coisas, em consequência de uma posse duradoura sobre elas exercida. Constituem requisitos da usucapião a posse e o decurso de um certo período de tempo, que variará consoante a coisa é móvel ou imóvel: e no interior de cada categoria consoante haja ou não título, registo e boa fé.
Para que haja posse é necessária a existência do “corpus” e do “animus”, de tal forma que o possuidor, para poder adquirir por usucapião, terá que provar a verificação destes dois elementos. O corpus, ou elemento material, traduz-se no exercício de actos materiais de uma pessoa sobre uma coisa.
O animus é o elemento psicológico, a intenção de agir como titular do direito. Ou seja, a existência do “corpus” faz presumir a existência do “animus”. Estatui o nº 2 do artº 1252º do CC que, em caso de dúvida, a posse presume-se naquele que exerce o poder de facto. Esta presunção é iuris tantum, podendo ser ilidida, mediante prova do contrário (artº 350/2 do CC). A presunção legal só funciona em caso de dúvida, isto é, quando não se trata de uma situação definida que exclui a titularidade do direito invocado. No acórdão de jurisprudência de 14.05.1996[1] fixou-se jurisprudência no sentido de que podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa.

Ora, desde logo se constata que tendo o exercício de um poder de facto sobre a coisa ocorrido apenas desde 2011, não perdurou por período de tempo necessário para que o A. pudesse adquirir a propriedade sobre o veículo por usucapião.
Embora o A. não o tenha expressamente invocado, ao alegar que vinha possuindo o veículo há 2, 4, 5 e 8 anos por si e através dos seus antepossuidores, estava a fazer apelo à figura da acessão da posse prevista no art. 1256º do Cód. Civil.
Mediante acessão o possuidor pode juntar a sua posse à do antecessor ou antecessores com todos os benefícios que daí resultam, designadamente o poder somar a sua posse à ou às posses anteriores, para efeitos da obtenção do tempo necessário para adquirir por usucapião.
Mas para que o possuidor posterior possa juntar a sua posse aos anteriores teria que ter invocado como é que estes adquiriram a posse e quando, o que o A. não fez. E para que se verifique acessão na posse, é necessário que haja um verdadeiro acto translativo da posse, que haja uma relação jurídica entre os dois possuidores[2], discutindo-se essencialmente na doutrina, se esta transmissão tem que ser formalmente válida, o que para o caso não releva[3]. Ora, o A. não logrou provar a referida relação jurídica relativamente a si, nem a invocou relativamente aos anteriores possuidores, pelo que apenas pode beneficiar para efeitos de usucapião do período de tempo em que deteve o veículo, período que é manifestamente insuficiente para a aquisição por usucapião, face ao que dispõe o artº 1298º do CC.
O apelante na resposta à contestação limitou-se a alegar que possuía há mais de 2, 4, 6, 8 anos, mas não alegou quaisquer factos sobre a posse exercida pelos anteriores possuidores, motivo pelo qual teve necessidade de no seu recurso alegar o que alega nas conclusões XIV e XVII. Só que os factos deveriam era ter sido alegados na resposta à contestação, completados com outros relativos ao negócio jurídico mediante o qual foram sucessivamente adquirindo a propriedade do veículo os sucessivos adquirentes do veículo.
E não se tendo provado factos que permitam concluir que o A. era o proprietário do veículo à data do acidente, não lhe assiste o direito a reclamar os créditos por danos patrimoniais que reclamou, ainda que tenha sido ele a pagar a reparação. Tal pagamento deverá ser discutido com o proprietário do bem ao tempo do acidente.
No entanto, ainda que não se tenha provado a propriedade do A. sobre o AZ à data do acidente, há um direito de crédito, dos reclamados pelo A., que não depende da propriedade do AZ. É o direito de crédito por indemnização por danos morais. Quem pode reclamar este direito é quem sofreu danos morais e no caso quem alega ter sofrido danos morais foi o A. que conduzia o veículo na ocasião do acidente.
Aqui chegados, há que conhecer da ampliação do recurso.
Alega a R. que cumpriu as obrigações a que estava obrigada pelo que não pode ser responsabilizada por quaisquer danos.
No caso, por força das alterações introduzidas à matéria de facto, não se deu como provado que à data do sinistro as vedações que se encontram implementadas na A11 a uma distância não superior a 1000 m do local onde eclodiu o sinistro em apreço encontravam-se sem falhas, rupturas ou aberturas. Mas deu-se como provado que a ré realiza patrulhamentos permanentes e regulares à sua concessão, bem como a manutenção e conservação das estruturas daquela via e que no dia do acidente mas previamente a este, os colaboradores da ré efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, tendo passado várias vezes no local do sinistro sem que hajam detectado qualquer animal (pontos 23 a 25 dos factos provados).
Na discussão em torno da natureza da responsabilidade do concessionário de auto-estrada, uns defendem que se trata de responsabilidade contratual (tendo por base um contrato ou uma relação contratual entre a concessionária e o utente, o qual mediante o pagamento de uma taxa tem autorização para circular numa determinada via) e outros que se trata de responsabilidade extracontratual, a integrar, além do mais, com a demonstração da prática de um ilícito correspondente à violação de uma norma legal destinada a tutelar interesses de terceiros. Numa solução intermédia, admite-se ainda uma presunção de culpa em sede de responsabilidade extracontratual ligada à natureza da via concessionada, sob a guarda e vigilância do concessionário, atento o disposto no art. 493.º, nº 1, do CC. Estes diferentes entendimentos encontram-se reflectidos na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, v.g. os acórdãos de 12.11.96[4] , de 20.05.2003 e de 01.10.2009[5] (tese da responsabilidade extracontratual), e de 22.6.2004 e de 02.02.2006[6] (posição da responsabilidade contratual).
No recente Acórdão do STJ de 14.03.2013[7] referiu-se que «não existem argumentos definitivos para qualquer das soluções”.
A Lei nº 24/07, de 18 de Julho veio procurar pôr fim à controvérsia relativa à distribuição do ónus da prova no âmbito da responsabilidade civil dos concessionários de auto-estradas por danos derivados de acidentes com veículos automóveis, designadamente em situações de colisão com animais.
Dispõe o art. 12º, nº 1, que:
Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosa para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária desde que a respectiva causa diga respeito a:
a)Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b)Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, entendemos que a responsabilidade da concessionária deve ser enquadrada no âmbito da responsabilidade extracontratual, como se defendeu no Ac. do TRG de 18.04.2013[8] que temos vindo a seguir de perto e do qual fomos adjunta. Como se refere no mencionado acórdão, “é o que decorre, aliás, do DL 248-A/99, de 6 de Julho, que aprovou as bases da concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação dos lanços de auto estradas e conjuntos associados na zona norte de Portugal, onde se inclui a A11.
Na base XLIV n.º 1 daquele DL, estabelece-se que «A concessionária deverá manter as Auto- Estradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinem».
Por sua vez, no capítulo XII intitulado “Responsabilidade extracontratual perante terceiros”, dispõe-se na base LXXIII que, «a Concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito”.
A Lei 24/2007 contém uma enumeração de causas de força maior, no nº 3 als. a) a c) do artº 12º que excluem a sua responsabilidade – “condições climatéricas manifestamente excepcionais designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra”, tudo situações que não estão em causa nestes autos.
Impõe-se uma reforçada obrigação de meios por partes das concessionárias em virtude da velocidade permitida e das expectativas dos utentes, o que reflecte numa maior exigência de prova da verificação das condições de segurança ou de uma efectiva vigilância relativamente a eventos susceptíveis de causar perigo à circulação rodoviária, nomeadamente através da prova da periodicidade dos circuitos efectuados pelas equipas de assistência aos utentes.
Para que se pudesse considerar afastada a responsabilidade da ré, esta teria que ter provado o que não provou nem sequer alegou que o cão se introduziu na auto-estrada por um meio que não podia ter evitado, como por exemplo, por ter sido ali propositadamente colocado, ou ter saltado do carro onde era transportado e que tais actos se tinham passado há pouco tempo, de modo que não lhe permitia, apesar das patrulhas, ter localizado e eliminado o perigo.
Não sendo conhecido o modo como o animal se introduziu na auto-estada que pode ter diversas origens, e que não é só através das vedações, podendo entrar por exemplo pelos portagens, ou pelos nós de acesso, é a favor do lesado/utente, e não da concessionária que a respectiva dúvida tem que ser decidida.
E não é suficiente para ilidir a presunção de culpa que recai sobre a concessionária, a prova dos factos referidos nos pontos 24 a 25 dos factos provados, como entende a apelada. O mesmo se defenderia, ainda que se tivesse mantido o facto 23 nos factos provados.
A segurança que a auto-estrada oferece deve-se ao facto de não ser expectável nem o trânsito de peões, animais e bicicletas e à existência de sentidos de trânsito separados e traçados menos sinuosos, e são estas razões que determinam a sua procura pelos condutores, que preferem pagar uma contrapartida pela sua utilização, em vez de usar vias alternativas. Por isso o nível de exigência na manutenção da sua segurança tem que ser elevado.
As diligências que se apurou que a R. fez são diligências de carácter genérico, pelo que não tendo demonstrada a origem do surgimento do canídeo, e que essa origem impossibilitava a R. de prevenir o seu aparecimento ou rápida remoção sem perigo para os utentes, não pode considerar-se que a R. ilidiu a presunção constante do 12.º/1 L 24/2007.
E os danos sofridos pelo A. constituem danos patrimoniais que pela sua gravidade são merecedores da tutela do direito, conforme exige o nº 1 do artº 496º do CC?
Apurou-se que o A. na ocasião do acidente sentiu pânico quando avistou o canídeo. O A. tinha alegado ainda que aquando do sinistro pensou que ia morrer, mas não o logrou provar.
O surgimento inopinado na via de algo quando se circula a uma velocidade que não pode ser muito baixa, por se tratar de uma auto-estrada cujo limite de velocidade permite que se circule até 120 kms/hora, sabendo-se que uma travagem brusca pode derivar num despiste, é susceptível de provocar pânico nos condutores. Mas este facto por si só, afigura-se-nos não atingir a gravidade exigida por lei para a reparação. Já o revestiria se o A. tivesse alegado e provado que em consequência deste acidente passou a ter receio de conduzir nas auto-estradas ou que as utiliza, mas sempre receoso de que lhe possa surgir inopinadamente um animal, condicionado a utilização que faz das vias rápidas.
Assim, improcede também o pedido de indemnização por danos morais.
Este Tribunal não se pronuncia sobre a condenação do A. como litigante de má fé por não ter sido objecto do presente recurso.

Sumário:
.Assiste à parte notificada simultaneamente com a sentença para se pronunciar sobre a condenação como litigante de má fé, o direito de juntar documentos para infirmar os factos que lhe são imputados como integradores de litigância de má fé.
. A parte contrária que se limitou a impugnar tais documentos, não tendo pugnado pela sua inadmissibilidade, não pode em sede de recurso vir requerer que os mesmos não sejam admitidos.
. Tais documentos passam a integrar o processo e podem ser valorados em sede de recurso.
. Tendo o A. configurado a relação jurídica controvertida assente no seu direito de propriedade sobre determinado bem, direito que é posto em causa pela parte contrária, não incumbe ao julgador o dever de ordenar a intervenção do invocado titular desse direito e muito menos a final, confrontado com a falência da prova do A.
. Para que a parte que pretende juntar a sua posse à posse dos anteriores possuidores para efeitos de usucapião, beneficie da acessão na posse, tem que alegar factos caracterizadores do animus e do corpus dos anteriores utilizadores do bem e invocar como é que adquiriram a posse.
. Não é suficiente para ilidir a presunção de culpa que recai sobre a concessionária de uma auto-estrada, a prova de que esta realiza patrulhamentos permanentes e regulares à sua concessão, bem como a manutenção e a conservação das estruturas daquela via e que no dia do acidente, previamente a este, os colaboradores da concessionária efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, tendo passado várias vezes no local do sinistro sem que hajam detectado qualquer animal.
. Para que se pudesse considerar afastada a responsabilidade da ré concessionária, no caso de danos provocados pelo embate de um veículo automóvel num animal, a A. teria que ter provado, o que não provou nem sequer alegou ,que o cão se introduziu na auto-estrada por um meio que não podia ter evitado, como por exemplo, por ter sido ali propositadamente colocado, ou ter saltado do carro onde era transportado e que tais actos se tinham passado há pouco tempo, de modo que não lhe permitiu, apesar das patrulhas, ter localizado e eliminado o perigo.
.Não sendo conhecido o modo como o animal se introduziu na auto-estada que pode ter diversas origens, e que não é só através das vedações, podendo entrar por exemplo pelos portagens, ou pelos nós de acesso, é a favor do lesado/utente, e não da concessionária que a respectiva dúvida tem que ser decidida.
. Tendo apenas o A. logrado provar que na ocasião do acidente sentiu pânico quando avistou o canídeo, este estado de alma por si só sentido pelo autor, não reveste gravidade suficiente para efeitos de atribuição de uma indemnização por danos morais.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Guimarães, 3 de Julho de 2014
Helena Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
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[1] Proferido no proc.085204 e publicado no DR II série, de 24.06.1996.
[2] Conforme se defende no Ac. do TRP de 20.11.2012, proferido no proc. 2229/11, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação de outra fonte.
[3] No acórdão do TRP proferido no proc.5978/08 de 26.01.2012 são referidas, em síntese, as teses em confronto.
[4] BMJ, 461º-411 e Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 131º, págs. 41 e ss..
[5] Respectivamente, procs. 03A1296 e 1082/04.1TBVFX.S1.
[6] CJ/STJ, Tomos II/2004 e I/2006, págs. 96 e 56, respectivamente.
[7] Proc. 201/06.8TBFAL.E1.S1, com largas referências doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria.
[8] Proferido no processo 2863/11.