Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2026/13.5TAGMR.G1
Relator: ALDA CASIMIRO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
AÇÃO CÍVEL ENXERTADA
CAUSA DE PEDIR
DANOS EMERGENTES CONDUTA DANOSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O pedido de indemnização civil enxertado em processo criminal por abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social, não tem por objeto o acto tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

Relatório

No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular e nº 2026/13.5TAGMR que corre termos na Secção Criminal (J1) da Inst. Local de Guimarães, Comarca de Braga, foram os arguidos
S. D., casada, comercial de telecomunicações, nascida em .. na freguesia de ..Guimarães, filha de F. C. e de M. C., residente na…, Guimarães; e
M. A., casado, empregado têxtil, nascido em … na freguesia de… Guimarães, filho de D. S. e de M. A., residente na EN nº…, Guimarães,
condenados pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 107º, 105º, nº 1, 6º, nº 1, 12º, nº 1, e 15º, nº 1, do RGIT, 14º, nº 1, 26º, 2ª parte, e 30º, nº 2, do Cód. Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
Mais foram condenados, na procedência do pedido de indemnização formulado pelo demandante Instituto de Segurança Social, IP, a pagar ao demandante a quantia de € 45.556,29 (quarenta e cinco mil, quinhentos e cinquenta e seis euros e vinte e nove cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data do vencimento de cada uma das contribuições até integral e efectivo pagamento, atingindo os vencidos, em Janeiro de 2015, o valor de € 22.684,78 (vinte e dois mil seiscentos e oitenta e quatro euros e setenta e oito cêntimos).
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Sem se conformarem com a decisão, os arguidos/demandados interpuseram o presente recurso pedindo a sua absolvição do pedido cível e a absolvição do arguido do crime de que vinha acusado ou, sem prescindir, que a medida concreta das penas seja ajustada aos mínimos legais.
Para tanto, formulam as conclusões que se transcrevem:
1ª- Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença que, julgando a acusação pública procedente, por provada, condenou os recorrentes pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, sob a forma continuada, previsto e punível pelos arts. 107º, nº 1, 105º, nº 1, do RGIT e art. 30º, nº 2, e 79º, ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de 6,00 (seis) euros, num total de 1200,00 (mil e duzentos euros).
2ª- Mais condenou os Recorrentes no pagamento ao Instituto de Segurança Social, IP, da quantia de € 45 556,29 (quarenta e cinco mil quinhentos e cinquenta e seis euros e vinte e nove cêntimos), acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de cada uma das contribuições, até efectivo e integral pagamento, atingindo os vencidos, em Janeiro de 2015, o valor de € 22 684,78 (vinte e dois mil seiscentos e oitenta e quatro euros e setenta e oito cêntimos).
3ª- O nº 4 do artigo 105º do RGIT, na redacção introduzida pelo art. 95º da Lei nº 53º-A/2006 de 29 de Dezembro, passou a estabelecer uma nova condição objectiva de punibilidade, que consiste na não regularização da situação tributária declarada mas não paga, no prazo de 30 dias depois da notificação efectuada para o efeito.
4ª- Compulsados os autos resulta que o Recorrente não foi notificado em momento algum para proceder ao pagamento voluntário da dívida, sendo que nos autos não se mostra documentada qualquer notificação ao Recorrente por parte da entidade demandante, que permita considerar verificada a condição objectiva de punibilidade.
5ª- O ponto 10) dos factos assentes foi, pois, incorrectamente julgado, devendo nos termos expostos transitar para o elenco dos factos não provados, atenta a total ausência de demonstração, com as consequências vindas de enunciar, não existindo qualquer suporte documental, sendo que a impor decisão diversa concorre o depoimento da única testemunha ouvida sobre a matéria, a testemunha S. M. , técnica superior da Segurança Social de Braga (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, ficheiro: 20151125112005_4886396_2870586, com a duração 00:07:01 minutos), que questionada referiu que só foi notificada a empresa e a arguida S. D..
6ª- Não tendo o Recorrente M. A. sido notificado nos termos e para os efeitos da alínea b) do artigo 105º, nº 4, do RGIT, que adita um novo completo fáctico ao tipo que se terá de haver verificado para que se possa suscitar a responsabilidade do seu autor, resulta a falta de verificação de uma condição objectiva de punibilidade.
7ª- O princípio da adesão limita-se à unificação de procedimentos criminais e civis e restringe-se ao âmbito civil das consequências dos factos com relevância penal, excluindo-se a efectivação da responsabilidade disciplinar, administrativa, financeira e tributária, casos em que há uma independência de acções, que não podem, nem devem, ser contemplados pelo regime dos artºs 71º e segs do CPP, que traduz o princípio da adesão.
8ª- Não pode o conhecimento do pedido cível, ainda que enxertado na acção penal por força do pedido de adesão, tratar indiferentemente, o devedor principal e o responsável subsidiário, nos termos das normas que regem o instituto da reversão tributária.
9ª- Os pressupostos da responsabilidade do devedor originário/principal, não se confundem com os da responsabilidade do devedor subsidiário, nem através da acção cível enxertada na acção penal pode a demandante civil lograr contornar a verificação de tais pressupostos, beneficiando de um injusto e injustificado aligeirar do regime tributário e dos seus comandos.
10ª- A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, dependendo a possibilidade de reversão da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e, no tocante aos responsáveis subsidiários, sem prejuízo do benefício da excussão, da concreta e casuisticamente verificada culpa funcional, impondo-se alegar e demonstrar que foi por culpa do gerente, ainda que meramente de facto, que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação de tal crédito.
11ª- Decantando o probatório, sendo certo que tal pressuposto não vem tão pouco alegado no pedido cível formulado, nada se refere acerca da culpa dos Recorrentes na insuficiência do património da sociedade devedora originária.
12ª- Em face dos factos provados não é, de todo, possível assacar qualquer culpa – seja qual for a perspectiva doutrinal adoptada – aos Recorrentes na insuficiência do património da devedora originária.
13ª- Não consignando a demandante civil no pedido que formula, nem nos documentos que o instruem, de forma minimamente capaz, os respectivos fundamentos de facto e de direito, também não podem tais fundamentos omitidos transitar para o probatório, ainda que por mera intuição, levando sem mais ao soçobro da pretensão da Segurança Social.
14ª- Através dos presentes autos reclamou a entidade demandante o pagamento de cotizações correspondentes aos períodos compreendidos entre Julho de 2003 a Agosto de 2004; Dezembro de 2004 a Fevereiro de 2005; Agosto a Setembro de 2005 e de Novembro de 2005 a Setembro de 2012, tendo os Recorrentes sido notificados do pedido cível formulado em 27 de Maio de 2015.
15ª- No que diz respeito às dívidas à Segurança Social e respectivos juros de mora, o prazo de prescrição é de cinco anos, pelo que, considerando o decurso do invocado prazo legal de prescrição, excepção que oportunamente se invocou, não poderiam ter sido reclamados os créditos vencidos em momento anterior a 27 de Maio de 2010.
16ª- Ademais, as penas concretamente aplicadas aos Recorrentes são manifestamente excessivas, devendo, quando muito, coincidir com o mínimo legal, revelando-se, neste domínio, cada uma das penas parcelares desproporcionadas e excessivamente onerosas.
17ª- Tendo em conta a situação económica dos Recorrentes que se apurou o quantitativo diário da multa deve ser também fixado no mínimo legal, considerando a situação de pobreza que resultou do probatório.
18ª- Funda-se o presente recurso no disposto nos artigos 40º, 71º, 77º e 78º do Código Penal, artigo 71º do Código de Processo Penal, art. 24º da Lei Geral Tributária e artigo 62º do ETAF.
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A Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, para o que apresentou as seguintes conclusões:
1. Contrariamente ao que alegam os recorrentes, foi o arguido, em 16.04.2014, pessoalmente notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT.
2. Tal notificação consta de fls. 250, documento que não foi impugnado pelos recorrentes.
3. Não se verifica, portanto, o incumprimento da alegada condição objectiva de punibilidade.
4. Nada há a apontar ao ponto 10) da matéria de facto dada como provada.
5. Bem andou o Tribunal ao condenar os arguidos pela prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social.
6. Não nos merece qualquer censura a medida concreta encontrada para a pena aplicada aos arguidos, de 200 dias de multa, à taxa diária de €6,00, já que nenhuma circunstância aconselha ou impõe a aplicação de pena inferior, uma vez que são perfeitamente válidos e relevantes os pressupostos em que se estribou tal medida.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-geral Adjunto emitiu douto Parecer onde defende a improcedência do recurso, rebatendo as questões colocadas em sede de matéria criminal.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação

Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1) A sociedade “…, Ld.ª”, sociedade por quotas, com o NIPC n.º …, foi matriculada em 19/03/2003, tendo como objeto social a indústria de bordados, comércio de bordados, felpos, artigos têxteis, têxteis lar, vestuário, acessórios de moda, calçado e artigos de marroquinaria.
2) Por força do início de atividade a sociedade ficou também vinculada ao cumprimento das obrigações que, na qualidade de contribuinte, lhe cabem perante a segurança social, tendo-lhe sido atribuído por esta instituição o n.º ….
3) A sociedade foi declarada insolvente por sentença de 19/12/2012, estando registado o encerramento da liquidação a 19/03/2013.
4) Desde a sua constituição até à declaração de insolvência, a gerência da sociedade sempre foi exercida de facto e de direito pela arguida e de facto também pelo arguido, casados entre si, os quais tomavam todas as decisões de gestão corrente da sociedade, de contratação e remuneração de trabalhadores e contacto com os clientes e fornecedores, sendo os responsáveis por toda a actividade nela desenvolvida, dando as instruções e ordens a ela atinentes, nomeadamente, no tocante à retenção na fonte e ao pagamento das contribuições à Segurança Social.
5) Os arguidos, durante os períodos compreendidos entre Julho de 2003 a Agosto de 2004, Dezembro de 2004, Fevereiro de 2005, Agosto 2005, Setembro de 2005 e Novembro de 2005 a Setembro de 2012, exerceram a gestão e administração da sociedade “…, Ld.ª”, tendo poderes para a vincular, chamando a si a iniciativa e a total responsabilidade pelas decisões relativas à laboração e gestão.
6) E por sua determinação a sociedade, nos referidos meses, pagou os salários e entregou na Segurança Social as declarações de remuneração dos trabalhadores inscritos no regime geral e da gerente, porém, não pagou as cotizações à Segurança Social.
7) Igualmente por determinação dos arguidos a sociedade, nos referidos meses, deduziu sempre dos salários pagos aos trabalhadores e à gerente as cotizações por eles devidas à Segurança Social, em cumprimento do disposto no art.º 59.º, da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, e art.º 45.º e 47.º da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, que aprovou as bases da Segurança Social.
8) No entanto, os arguidos não efetuaram a sua entrega à Segurança Social dentro dos prazos legais, sendo que as cotizações deveriam ter sido pagas até ao dia quinze do mês seguinte àquele a que respeitem, e a partir de Janeiro de 2011, entre os dias dez e vinte do mês seguinte àquele a que respeitem, nem regularizaram a situação nos noventa dias subsequentes a esse prazo, nos termos dos art.ºs 5.º, n.º3, e 6.º do Decreto-Lei n.º 103/80 e art.º 10.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho, e Lei n.º 110/2009, de 16/09.
9) O montante global destas retenções, não entregues à Segurança Social, é de € 45.556,29 (quarenta e cinco mil, quinhentos cinquenta e seis euros e vinte e nove cêntimos), assim discriminado:
    Mês de Referência
Total de RemuneraçõesTaxasMontante DeclaradoMontante PagoSaldo em dívida
ContribuiçõesCotizaçõesTotalCotizaçõesTotalTotal da conta correnteCotizações
Ent.PatronalTrabalhadorTrabalhadorTrabalhador
2003/075.871,4534,751.394,47645,862.040,330,000,002.040,33645,86
2003/0810.342,8834,752.456,431.137,723.594,150,000,003.594,151.137,72
2003/095.585,7334,751.326,61614,431.941,040,000,001.941,04614,43
2003/105.095,8334,751.210,26560,541.770,800,000,001.770,80560,54
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2003/114.907,3734,751.165,50539,811.705,310,000,001.705,31539,81
4.038,4631,25858,17403,851.262,020,000,001.262,02403,85
2003/1211.735,9134,752.787,281.290,954.078,230,000,004.078,231.290,95
1.400,0031,25297,50140,00437,500,000,00437,50140,00
2004/016.045,9634,751.435,91665,062.100,970,000,002.100,97665,06
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2004/024.517,0134,751.072,79496,871.569,660,000,001.569,66496,87
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2004/034.517,0134,751.072,79496,871.569,660,000,001.569,66496,87
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2004/044.517,0434,751.072,80496,871.569,670,000,001.569,67496,87
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2004/054.290,8834,751.019,08472,001.491,080,000,001.491,08472,00
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2004/064.517,0434,751.072,80496,871.569,670,000,001.569,67496,87
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2004/074.517,0434,751.072,80496,871.569,670,000,001.569,67496,87
635,3931,25135,0263,54198,560,000,00198,5663,54
2004/088.297,0434,751.970,55912,672.883,220,000,002.883,22912,67
376,9331,2580,1037,69117,790,000,00117,7937,69
2004/128.988,4934,752.134,77988,733.123,500,000,003.123,50988,73
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2005/023.794,2434,75901,13417,371.318,500,000,001.318,50417,37
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2005/087.588,4934,751.802,27834,732.637,000,000,002.637,00834,73
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2005/093.794,2434,75901,13417,371.318,500,000,001.318,50417,37
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2005/113.794,2434,75901,13417,371.318,500,000,001.318,50417,37
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2005/127.588,4934,751.802,27834,732.637,00161,46161,462.475,54673,27
700,0031,25148,7570,00218,7570,0070,00148,750,00
2006/013.464,7234,75822,87381,121.203,990,000,001.203,99381,12
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2006/023.269,2434,75776,44359,621.136,060,000,001.136,06359,62
409,2231,2586,9640,92127,880,000,00127,8840,92
2006/033.269,2434,75776,44359,621.136,060,000,001.136,06359,62
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2006/043.269,2434,75776,44359,621.136,060,000,001.136,06359,62
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2006/053.269,2434,75776,44359,621.136,060,000,001.136,06359,62
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2006/063.269,2434,75776,44359,621.136,060,000,001.136,06359,62
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2006/073.269,2434,75776,44359,621.136,060,000,001.136,06359,62
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2006/086.538,5034,751.552,89719,242.272,130,000,002.272,13719,24
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2006/093.103,1134,75736,99341,341.078,330,000,001.078,33341,34
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2006/103.269,2434,75776,44359,621.136,060,000,001.136,06359,62
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2006/113.269,2434,75776,44359,621.136,060,000,001.136,06359,62
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2006/126.538,5034,751.552,89719,242.272,130,000,002.272,13719,24
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/013.269,2434,75776,44359,621.136,060,000,001.136,06359,62
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/023.269,2434,75776,44359,621.136,060,000,001.136,06359,62
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/033.160,7834,75750,68347,691.098,370,000,001.098,37347,69
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/043.107,2534,75737,97341,801.079,770,000,001.079,77341,80
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/052.426,7634,75576,36266,94843,300,000,00843,30266,94
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/062.776,4634,75659,41305,41964,820,000,00964,82305,41
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/072.584,9234,75613,92284,34898,260,000,00898,26284,34
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/085.552,9534,751.318,83610,821.929,650,000,001.929,65610,82
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/092.776,4634,75659,41305,41964,820,000,00964,82305,41
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/102.776,4634,75659,41305,41964,820,000,00964,82305,41
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/112.776,4634,75659,41305,41964,820,000,00964,82305,41
700,0131,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2007/125.552,9534,751.318,83610,821.929,650,000,001.929,65610,82
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/012.795,6834,75663,97307,53971,500,000,00971,50307,53
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/022.621,8434,75622,69288,40911,090,000,00911,09288,40
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/032.795,6834,75663,97307,53971,500,000,00971,50307,53
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/042.795,6834,75663,97307,53971,500,000,00971,50307,53
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/052.795,6834,75663,97307,53971,500,000,00971,50307,53
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/062.795,6834,75663,97307,53971,500,000,00971,50307,53
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/072.795,6834,75663,97307,53971,500,000,00971,50307,53
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/085.255,1734,751.248,10578,071.826,170,000,001.826,17578,07
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/092.795,6834,75663,97307,53971,500,000,00971,50307,53
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/102.544,3734,75604,29279,88884,170,000,00884,17279,88
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/113.528,9534,75838,13388,181.226,310,000,001.226,31388,18
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2008/124.163,1734,75988,75457,951.446,700,000,001.446,70457,95
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/011.849,0934,75439,16203,40642,560,000,00642,56203,40
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/021.907,2534,75452,97209,80662,770,000,00662,77209,80
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/031.907,2534,75452,97209,80662,770,000,00662,77209,80
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/041.907,2534,75452,97209,80662,770,000,00662,77209,80
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/051.907,2534,75452,97209,80662,770,000,00662,77209,80
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/061.907,2534,75452,97209,80662,770,000,00662,77209,80
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/072.315,7134,75549,98254,73804,710,000,00804,71254,73
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/084.801,7334,751.140,41528,191.668,600,000,001.668,60528,19
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/092.400,8634,75570,21264,09834,300,000,00834,30264,09
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/102.275,1934,75540,36250,27790,630,000,00790,63250,27
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/112.400,8634,75570,21264,09834,300,000,00834,30264,09
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2009/124.801,7334,751.140,41528,191.668,600,000,001.668,60528,19
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/012.400,8634,75570,21264,09834,300,000,00834,30264,09
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/022.618,1334,75621,81287,99909,800,000,00909,80287,99
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/032.513,1234,75596,87276,44873,310,000,00873,31276,44
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/042.513,1234,75596,87276,44873,310,000,00873,31276,44
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/052.513,1234,75596,87276,44873,310,000,00873,31276,44
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/062.513,1234,75596,87276,44873,310,000,00873,31276,44
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/072.513,1234,75596,87276,44873,310,000,00873,31276,44
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/085.026,2434,751.193,73552,891.746,620,000,001.746,62552,89
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/092.513,1234,75596,87276,44873,310,000,00873,31276,44
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/102.513,1234,75596,87276,44873,310,000,00873,31276,44
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/112.513,1234,75596,87276,44873,310,000,00873,31276,44
700,0031,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2010/125.026,2434,751.193,73552,891.746,620,000,001.746,62552,89
739,0231,25148,7570,00218,750,000,00218,7570,00
2011/012.566,0134,75609,43282,26891,690,000,00891,69282,26
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2011/022.566,0134,75609,43282,26891,690,000,00891,69282,26
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2011/032.566,0134,75609,43282,26891,690,000,00891,69282,26
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2011/042.566,0134,75609,43282,26891,690,000,00891,69282,26
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2011/052.566,0134,75609,43282,26891,690,000,00891,69282,26
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2011/062.566,0134,75609,43282,26891,690,000,00891,69282,26
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2011/072.566,0134,75609,43282,26891,690,000,00891,69282,26
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2011/085.132,0334,751.218,86564,521.783,380,000,001.783,38564,52
1.400,0029,60284,20130,20414,400,000,00414,40130,20
2011/092.566,0134,75609,43282,26891,690,000,00891,69282,26
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2011/102.412,6934,75573,01265,40838,410,000,00838,41265,40
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2011/111.540,1734,75365,79169,42535,210,000,00535,21169,42
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2011/124.068,0334,75966,16447,481.413,640,000,001.413,64447,48
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2012/011.525,5034,75362,31167,80530,110,000,00530,11167,80
700,0029,60142,1065,10207,200,000,00207,2065,10
2012/021.525,5034,75362,31167,80530,110,000,00530,11167,80
2012/031.525,5034,75362,31167,80530,110,000,00530,11167,80
2012/041.525,5034,75362,31167,80530,110,000,00530,11167,80
2012/051.277,0434,75303,30140,47443,770,000,00443,77140,47
2012/06993,5034,75235,96109,28345,240,000,00345,24109,28
2012/07993,5034,75235,96109,28345,240,000,00345,24109,28
2012/082.519,0234,75598,27277,09875,360,000,00875,36277,09
2012/09970,0134,75230,38106,70337,080,000,00337,08106,70
TOTAL423.011,32 98.686,3245.787,75144.474,07231,46231,46144.242,6145.556,29

10) Os arguidos apesar de pessoalmente notificados, em seu nome e enquanto representantes da sociedade “…, Ld.ª”, para, nos termos e para efeitos do art.º 105.º, n.º4, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, proceder em trinta dias ao pagamento voluntário daquele montante total de € 45.556,29, acrescido de juros legais, sob cominação de não o fazendo ser instaurado procedimento criminal, não procederam ao seu pagamento.
11) Na sua atuação, os arguidos aproveitaram a oportunidade favorável à prática dos factos ilícitos acima descritos, dado que, após a prática dos primeiros, em Julho de 2003, a sociedade não foi alvo de fiscalização, verificando, então, que persistia a possibilidade de prosseguirem a sua atividade delituosa impunemente.
12) Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, com o intuito de obterem para a sociedade que geriam uma quantia que sabiam que não lhes pertencia, da qual eram meros depositários e não poderiam utilizar em proveito próprio ou no giro comercial da sociedade, ofendendo deste modo o erário da Segurança Social, a quem a mesma pertencia, sendo que os arguidos eram obrigados a entregar a esta instituição os montantes descontados dos salários dos trabalhadores e da gerente para pagamento das contribuições por estes devidas.
13) Os arguidos sabiam ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.
14) As referidas quantias, que estão ainda em dívida, no montante total de € 45.556,29, foram usadas pelos arguidos no giro comercial da sociedade “…, Ld.ª”, devido às dificuldades económico-financeiras que esta então vivenciava, que culminaram na declaração do seu estado de insolvência.
15) A arguida já sofreu a seguinte condenação:
- No processo comum singular n.º 49/10.5EALSB, do 1.º juízo criminal do tribunal judicial de Guimarães, por sentença de 6/05/2013, transitada a 30/09/2013, pela prática, em 17/06/2010, de um crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca, p. e p. pelo art.º 323.º, al. a), do Código da Propriedade Industrial, foi condenada na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, já declarada extinta pelo pagamento;
16) O arguido já sofreu as seguintes condenações:
- No processo sumaríssimo n.º 2339/12.3TAGMR, do 2.º juízo criminal do tribunal judicial de Guimarães, por sentença proferida e transitada a 18/06/2013, pela prática, em 27/09/2012, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º1, do Código Penal, foi condenado na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, declarada extinta pelo pagamento em 17/04/2014.
- No processo comum singular n.º 49/10.5EALSB, do 1.º juízo criminal do tribunal judicial de Guimarães, por sentença de 6/05/2013, transitada a 30/09/2013, pela prática, em 17/06/2010, de um crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca, p. e p. pelo art.º 323.º, al. a), do Código da Propriedade Industrial, foi condenado na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, já declarada extinta pelo pagamento.
17) A arguida tem o 11.º ano de escolaridade como habilitações literárias e o arguido o 9.º de escolaridade; os arguidos são casados entre si; têm uma filha, com 15 anos de idade, estudante; o arguido é empregado têxtil e aufere o salário mensal de € 640,00; a arguida é empregada comercial e telecomunicações e aufere o salário mensal de cerca de € 700,00; vivem em casa dos pais do arguido, não pagando renda; não têm bens imóveis, nem outros rendimentos.
* * *

Apreciando…

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Os recorrentes invocam:
- erro de julgamento;
- não verificação dos pressupostos de que depende a sua responsabilidade civil e a prescrição parcial dos créditos reclamados;
- excessividade e onerosidade das penas aplicadas.
*

Do erro de julgamento
Os recorrentes impugnam o facto 10) da matéria fáctica dada como provada, alegando que, compulsados os autos, não resulta que o recorrente M. A. tenha sido notificado para proceder ao pagamento voluntário da dívida, não se mostrando documentada qualquer notificação ao recorrente por parte da entidade demandante, que permita considerar verificada a condição objectiva de punibilidade a que alude o nº 4 do artigo 105º do RGIT (a não regularização da situação tributária declarada mas não paga, no prazo de 30 dias depois da notificação efectuada para o efeito).
É verdade que a notificação para pagamento constante da alínea b) do nº 4 do art. 105º do RGIT é uma condição objectiva de punibilidade. Isso mesmo afirmou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão para fixação de jurisprudência de 9.04.2008, dizendo que “a exigência prevista na alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2º nº 4 do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT)”.
Todavia, ao contrário do que alega o recorrente M. A., foi ele pessoalmente notificado, em 16.04.2014, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do art. 105º do RGIT, como resulta de fls. 250 dos autos e cujo documento não foi impugnado pelos recorrentes, sendo por isso irrelevante o que uma testemunha possa ter afirmado a esse respeito.
Termos em que se decide ter sido correctamente julgado e dado como provado o ponto 10.

Da não verificação dos pressupostos de que depende a sua responsabilidade civil e da prescrição parcial dos créditos reclamados
Alegam os recorrentes que não se verificam os pressupostos de que depende a sua responsabilidade civil, uma vez que os pressupostos da responsabilidade do devedor originário/principal, não se confundem com os da responsabilidade do devedor subsidiário e que a demandante civil não pode contornar a verificação de tais pressupostos através da acção cível enxertada na acção penal, pois que desta forma estaria a beneficiar de um injusto e injustificado aligeirar do regime tributário. Alegam que a responsabilidade subsidiária só se efectiva por reversão do processo de execução fiscal, dependendo a possibilidade de reversão da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (a sociedade) e, no tocante aos responsáveis subsidiários, sem prejuízo do benefício da excussão, da concreta e casuisticamente verificada culpa funcional, impondo-se alegar e demonstrar que foi por culpa do gerente, ainda que meramente de facto, que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação de tal crédito.
Ora os recorrentes, na sua alegação, confundem a responsabilidade por factos ilícitos, decorrente da prática de um crime, com a responsabilidade administrativa-tributária.
O pedido de indemnização civil em processo criminal por abuso de confiança contra a Segurança Social, não tem por objecto o acto tributário, mas sim a obrigação de indemnização por danos emergentes da conduta danosa.
A conduta que consubstancia o crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts 105º, nº 1, e 107º do RGIT, analisa-se em duas fases. Numa primeira fase a conduta, perfeitamente lícita e imposta por lei (art. 45º, nº 1, da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, arts. 5º, nº 3, e 6º do D.L. 103/80, de 9 de Maio e art. 18º-B do D.L. 140-D/86, de 14 de Junho) traduz-se numa acção: o desconto, a retenção na fonte, como contribuição devida para o sistema da segurança social, de uma percentagem do valor das remunerações devidas aos trabalhadores e membros de órgãos sociais, que conduz a que o substituto tributário (entidade patronal) se converta num depositário das quantias deduzidas, figurando como um intermediário no processo de arrecadação da receita e constituindo-se na obrigação de entrega do retido. A segunda fase concretiza-se numa conduta omissiva: a não entrega, total ou parcial, às instituições a que eram destinados, dos valores pecuniários descontados e retidos, que acabam por ser desviados para outros fins, em proveito do agente ou de terceiro, ficando a esfera patrimonial da Segurança Social privada desses valores.
Até aqui, a causa de pedir é idêntica no pedido de indemnização civil por conduta criminosa ou na execução fiscal por falta de pagamento das contribuições devidas: a conduta omissiva do devedor.
Mas, para haver crime de abuso de confiança, ao contrário do que se exige numa execução fiscal, é necessário que se prove a imputação subjectiva, ou seja, o dolo.
De facto, o crime de abuso de confiança é necessariamente doloso, exigindo o conhecimento e vontade de praticar o facto, ou seja, é necessário que o agente tenha conhecimento de que, tendo sido descontados nas remunerações do trabalhadores e dos membros dos órgãos sociais os valores das contribuições para a Segurança Social, está obrigado a entregar esses valores retidos e que, voluntária e livremente, não queira fazer essa entrega, dando-lhe outro destino.
Uma execução fiscal prescinde deste elemento do tipo. A relação tributária está sujeita ao princípio da legalidade tributária e o incumprimento das obrigações que estão na sua base subordina-se necessariamente, quer nos seus pressupostos, quer nas suas consequências, às normas de direito administrativo-tributário.
Assim, podemos afirmar que a causa de pedir, num pedido de indemnização civil deduzido em processo criminal, é o próprio crime (o facto ilícito) que gerou os danos, e por isso, sujeito à regra do art. 129º do Cód. Penal e, consequentemente, dos arts. 483º e ss do Cód. Civil.
Ao contrário, a causa de pedir na execução fiscal intentada pela Segurança Social são as prestações e juros que emergiram da relação tributária que se estabeleceu entre a Segurança Social e a sociedade devedora, não havendo qualquer pretensão indemnizatória.
Ensina Germano Marques da Silva (in Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, 2009, p. 455) que “o valor do dano causado à administração tributária corresponde, em regra, ao valor da prestação tributária em falta, mas a causa do dano é outra, é a prática do crime. Pode até suceder que o crime não tenha causado prejuízo equivalente ao da prestação tributária em dívida, ou porque não existe qualquer prestação tributária em dívida ou porque o prejuízo causado pelo crime foi inferior ao do valor da prestação tributária devida. Nem o RGIT nem a LGT afastam a regra geral constante dos arts. 483º a 498º do Código Civil, aplicáveis por remissão do art. 129º do Código Penal, porque nunca se referem aos danos emergentes do crime, salvo quando o art. 3º, al. c), do RGIT manda aplicar subsidiariamente as disposições do Código Civil. A unidade e coerência do sistema impõem que se distinga a responsabilidade pelo pagamento do imposto (responsabilidade tributária), sendo então aplicável a legislação tributária, nomeadamente a Lei Geral Tributária, e a responsabilidade emergente do crime, consequência civil resultante da prática do ilícito criminal causador de dano à administração tributária ou à administração da segurança social”.
Assim, o objecto do pedido de indemnização civil não é a dívida tributária em si, mas o prejuízo emergente da conduta danosa integrante da prática do crime de abuso de confiança, sendo sujeitos da obrigação os arguidos/demandados enquanto praticantes dessa conduta danosa.
Pelo que não faz qualquer sentido pretender fazer apelo, como alegam os recorrentes, aos conceitos de devedor originário/principal e de devedor subsidiário ou de reversão do processo de execução fiscal. Essas premissas apenas têm lugar no processo de execução fiscal e não é nesse âmbito que estamos.
Como já dissemos, toda a indemnização atribuída no âmbito de processo penal tem a natureza de indemnização civil de perdas e danos, pelo que, sempre que exista responsabilidade civil conexa com a responsabilidade criminal, haverá que lançar mão do disposto nos arts. 483º ss e 562º ss, ambos do Cód. Civil.
Assim, tem o demandante civil que alegar e provar os factos em que se traduzem os pressupostos de que depende a aplicação do art. 483º do Cód. Civil: prática de um acto ilícito, culpa do lesante, existência de danos indemnizáveis e nexo de causalidade adequada entre aquele e estes.
Diga-se, desde logo, que o facto ilícito gerador de responsabilidade civil extracontratual é, no caso, a própria existência do crime, consubstanciado na presença dos elementos que integram a estrutura típica do crime de abuso de confiança contra a segurança social. Ora da matéria de facto provada decorre claramente o cometimento de tal crime por parte dos arguidos, não se suscitando qualquer dúvida quanto ao facto de, em consequência da omissão, ilícita e dolosa, de não entregar as quantias descontadas nos salários dos trabalhadores à Segurança Social, esta ficou privada dessas quantias que lhe eram destinadas, assim sofrendo um dano de natureza patrimonial – com efeito, a partir do momento em que a entidade patronal desconta nos salários dos seus trabalhadores os valores das contribuições legalmente devidas, tais valores passam a pertencer à Segurança Social, embora só posteriormente esta possa exigi-los. E a não entrega desses valores no prazo legalmente fixado, além de constituir o facto ilícito típico, causa necessariamente um dano à Segurança Social que dá causa à obrigação de indemnizar.
Assim, embora não estando em causa a responsabilidade tributária (pois não é o crime que gera a prestação tributária), o valor do dano causado será coincidente com o valor da prestação tributária em falta e respectivos juros de mora.

Alegam ainda os recorrentes que nos presentes autos foi reclamado o pagamento de cotizações correspondentes aos períodos compreendidos entre Julho de 2003 a Agosto de 2004; Dezembro de 2004 a Fevereiro de 2005; Agosto a Setembro de 2005 e de Novembro de 2005 a Setembro de 2012. Mais alegam que só foram notificados do pedido cível em 27 de Maio de 2015 e que, sendo de 5 anos o prazo de prescrição das dívidas à Segurança Social e respectivos juros de mora, não poderiam ter sido reclamados os créditos vencidos em momento anterior a 27 de Maio de 2010.
Repristinando tudo o que já dissemos sobre a natureza do direito à indemnização arbitrada em processo penal, lembramos que, nos termos do art. 129º do Cód. Penal, as regras aplicáveis quanto à fixação do direito à indemnização são as que constam da lei civil.
Coerentemente, o prazo de prescrição do pedido de indemnização civil deduzido em processo penal pela prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social é o prazo de prescrição do direito à indemnização previsto na lei civil e não o prazo de prescrição das prestações tributárias (neste sentido cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1.02.2012, disponível in www.dgsi.pt).
Ora o prazo de prescrição do direito à indemnização é o previsto do art. 498º do Cód. Civil, sendo a regra, nos termos do nº 1, que o direito à indemnização por factos ilícitos prescreve no prazo de três anos, mas “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável” (nº 3). No caso, sendo o prazo de prescrição do crime de cinco anos, é este o prazo aplicável – que ainda está sujeito às normas da lei civil sobre a contagem, interrupção e suspensão do prazo de prescrição.
Esclareça-se que o prazo de prescrição do direito à indemnização civil não é sempre coincidente com o prazo de prescrição do procedimento criminal. Aqui, e dado estar em causa um crime continuado, a prescrição só corre a partir da data da prática do último acto tipificável (Setembro de 2012). Com efeito, o crime continuado é visto como uma única conduta, ainda que prolongando-se ao longo do tempo, pelo que os actos da conduta unitária praticados em primeiro lugar só prescrevem quando prescreverem os últimos (cfr. art. 119º, nº 2, al. b), do Cód. Penal).
O prazo da prescrição do direito à indemnização civil não começa a correr depois do facto ilícito se ter consumado, mas “a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”. No caso, o prazo da prescrição do direito à indemnização só se inicia com o levantamento da “participação de notícia crime”, em 19.07.2013 (cfr. fls. 83), pelo que forçoso é concluir que a prescrição não ocorreu.

Da medida da pena
Alegam os recorrentes que as penas aplicadas são desproporcionadas e excessivamente onerosas.
O Tribunal recorrido fundamentou a medida da pena aplicada como segue:
O crime de abuso de confiança contra a Segurança Social cometido pelos arguidos é punido em abstrato com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias, correspondendo cada dia de multa a uma quantia entre € 1,00 e € 500,00 (cfr. art.ºs 107.º, n.º1, 105.º, n.º1, 12.º, n.º1, e 15.º, n.º1, do RGIT).
Considerando a formulação em alternativa da moldura penal enunciada, impõe-se, antes de mais, escolher a natureza da pena a aplicar-lhes, se a pena detentiva de prisão ou a pena não detentiva de multa.
O art.º 70.º do Código Penal – onde se estabelece que “se ao crime forem aplicáveis pena privativa ou pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – fornece o critério geral orientador da escolha das penas, impondo a preferência pelas penas não detentivas.
No caso, apesar das elevadas exigências de prevenção geral, dada a frequência com ocorrem crimes de natureza tributária, atendendo a que os arguidos não eram portadores de passado criminal quando cometeram o crime ajuizado, sendo posterior a condenação que agora registam, e ponderando também o contexto de dificuldades económico-financeiras da sociedade que geriam subjacente à prática dos factos, já não exercendo os mesmos as funções ou cargo que os levou à prática dos factos, e o tempo já volvido sobre os factos, não havendo notícia de que hajam voltado a incorrer na prática de novos factos criminosos, entendemos que a pena de multa se mostra suficiente para promover a recuperação social dos arguidos e satisfazer as exigências de reprovação e de prevenção do crime (cfr. art.º 40.º do Código Penal), razão por que optamos pela aplicação da pena não detentiva de multa.
Em conformidade com o disposto no art.º 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal – aplicável por força do disposto no art.º 3.º, n.º1, do RGIT –, a determinação da medida da pena, dentro da moldura penal cominada nos citados preceitos legais, deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial, havendo ainda que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra ele.
Como refere Figueiredo Dias, as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (cfr. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 227).
Assim, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção – cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico – e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Deste modo, importa ponderar in casu o seguinte:
- O grau elevado da ilicitude do facto, assumindo neste âmbito relevância o longo período de tempo durante o qual se manteve a atividade delituosa e os valores não entregues;
- A gravidade das consequências do ilícito, reveladas pelo prejuízo causado e ainda não ressarcido;
- O grau acentuado da culpa, visto que os arguidos agiram com dolo direto, pese embora aqui cumpra ponderar as dificuldades económico-financeiras da sociedade que geriam, situação que esteve na origem da apurada conduta criminosa;
- O comportamento dos arguidos posterior aos factos, não abonatório, pois não ressarciram o prejuízo causado, sequer parcialmente, não obstante o tempo volvido sobre os factos;
- As exigências de prevenção especial, que se fazem sentir, atendendo a que os arguidos, apesar de primários quando cometeram os factos ajuizados, entretanto sofreram uma condenação, ainda que haja a considerar o facto de os mesmos já não exercerem as funções que os levou à prática dos factos, resultando assim diminuída a possibilidade de repetição de condutas de idêntica natureza;
- As fortes exigências de prevenção geral, dada a banalização da prática de crimes tributários, revelada pelos elevados índices de criminalidade contra os interesses tributários do Estado Fiscal Social / erário público, existindo um sentimento generalizado de impunidade face a este tipo de ilícitos – como refere Jorge dos Reis Bravo, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 9, fascículo 4, Out./Dez. 1999, pág. 630, “O fenómeno da evasão fiscal, sendo uma realidade endémica e quase cultural, fez com que se reclamasse uma atitude mais firme e exigente por parte do Estado, no sentido de ser efectivado o cumprimento dos deveres fiscais, por todos os cidadãos e em condições de igualdade de tratamento”. E essa firmeza de atitude, no confronto com a realidade actualmente patenteada nos tribunais, revela-se ainda mais necessária –, o que tudo suscita por parte da comunidade uma necessidade acrescida de reposição da validade das normas jurídicas violadas;
- As condições pessoais e sociais dos arguidos e a sua situação económica, encontrando-se social, familiar e profissionalmente inseridos.
Tudo sopesado, afigura-se-nos ajustado aplicar a cada um dos arguidos, pela prática do referido crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, a pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 6,00.

De acordo com os nºs 1 e 2 do art. 40º do Cód. Penal, “a aplicação de penas… visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
A medida concreta da pena é determinada, nos termos definidos pelo art. 71º do Cód. Penal, “dentro dos limites definidos na lei… em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo-se “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
A medida concreta da pena será encontrada, assim, dando-se particular relevo à culpa do agente, tomando em consideração todas as circunstâncias que lhe sejam favoráveis ou desfavoráveis (desde que não façam parte do tipo do crime) e sem esquecer as exigências de prevenção (geral e especial) que no caso se façam sentir. Com efeito, a culpa e a prevenção constituem os parâmetros a ter em linha de conta na determinação da medida da pena.
Figueiredo Dias (Temas Básicos da Doutrina Penal, p. 65 a 111), diz que o legislador de 1995 assumiu no art. 40º do Cód. Penal, os princípios ínsitos no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
1. Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2. A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3. Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
Américo Taipa de Carvalho (Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, p. 322), interpreta o actual art. 40º do Cód. Penal concluindo que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção. Assim, está subjacente ao art. 40º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

Analisada a fundamentação da sentença recorrida, verificamos que a medida da pena foi fixada em obediência a todos os critérios legais acima enunciados.
Com efeito, não podemos deixar de concordar com a ponderação da sentença recorrida que aqui damos por reproduzida sem necessidade de mais considerações. Embora a pena tenha sido fixada próximo do meio da moldura abstracta da pena de multa, entendemos que a elevada ilicitude do facto, atendendo ao tempo em que perdurou a renovação criminosa e ao montante apropriado (que não foi sequer alvo de tentativa de amortização), não é compatível com medida inferior, sendo a pena fixada pelo Tribunal a quo para cada um dos recorrentes ajustada à respectiva culpa e às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração), isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à norma violada.
O quantitativo diário da multa é fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (cfr. o nº 2 do art. 47º do Cód. Penal). No caso, os recorrentes têm uma filha, com 15 anos de idade, estudante, estão ambos empregados (o arguido é empregado têxtil e aufere o salário mensal de € 640,00; a arguida é empregada comercial e telecomunicações e aufere o salário mensal de cerca de € 700,00) e vivem em casa dos pais do arguido, não pagando renda, pelo que se afigura plenamente adequado o quantitativo fixado de 6,00 € diários.
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Decisão

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs.
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Guimarães, 6.03.2017
(processado e revisto pela relatora)
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(Alda Tomé Casimiro)
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(Paula Maria Roberto)