Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
740/20.8T8BRG.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGUES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. A iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto, e não ao tribunal; e, por isso, o princípio do inquisitório não pode cometer ao juiz a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, permitindo à parte contornar a preclusão processual decorrente da sua prévia inércia.

II. Não sendo directamente acessível à parte documento que contende com os factos previamente alegados, subsumíveis ao objecto do litígio, poderá o mesmo ser requisitado a terceiro, desde que o requerente dessa requisição alegue e justifique a respectiva inacessibilidade por si próprio.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. T. C. (aqui Recorrente), residente na Rua …, n.º …, em Braga, propôs a presente acção especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra A. L. (aqui Recorrido), residente na Rua …, n.º 19…, em Braga, pedindo que

· fosse dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre ela e o Réu.

Alegou para o efeito, em síntese, terem-se casado entre si no dia 15 de Julho de 2000, nascendo dessa união duas filhas, ainda menores.
Mais alegou nunca ter o casamento decorrido com normalidade, existindo episódios frequentes de violência doméstica, levando-a inclusivamente a apresentar uma queixa-crime, cujo processo ainda se encontraria pendente.
Alegou ainda que, não obstante ela e o Réu continuarem a viver na mesma casa, terem deixado de conviver entre si como cônjuges, não existindo da sua parte qualquer vontade de reatamento da vida conjugal, nomeadamente por não nutrir qualquer sentimento em relação àquele.
Por fim, a Autora alegou que o Réu se recusa a aceitar a dissolução por acordo do vínculo conjugal.
A Autora juntou, como prova, unicamente três certidões de registo civil.

1.1.2. Foi designado dia para realização da tentativa de conciliação, ou conversão de divórcio litigioso para divórcio por mútuo consentimento, prevista no art. 1174.º do CC, e no art. 931.º, n.ºs 1 a 4 do CPC, frustrando-se ambas.

1.1.3. Notificado nos termos e para os efeitos do n.º 5, do art. 931.º, do CPC, o Réu não contestou (sendo que, situando-se a acção no âmbito de direitos indisponíveis, essa falta de contestação não importa a confissão dos factos articulados pela Autora, nos termos do art. 574.º, n.º 2, do CPC e do art. 354.º, al. b), do CC).

1.1.4. Foi proferido despacho, anunciando a intenção do Tribunal a quo conhecer de imediato do mérito da acção e convidando a Autora a pronunciar-se sobre essa possibilidade, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Uma vez que a A. apenas apresentou prova documental, não indicando outra prova na petição inicial, como exige o art. 552.º, n.º 6, do CPC, entendemos que os autos contêm já os elementos suficientes para conhecer do mérito da causa.
Contudo, tendo em vista evitar decisões surpresa, notifique a A. para, em 10 dias, dizer, querendo, o que tiver por conveniente, considerando que o tribunal pretende conhecer do mérito da causa, sem necessidade de realizar audiência de julgamento.
(…)»

A Autora nada disse.

1.1.5. Foi proferido despacho saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); e de imediato sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
5. Dispositivo
Atento o exposto, julgo improcedente, por não provada, a presente acção e em consequência absolvo o R. A. L. do pedido de divórcio sem consentimento formulado pela A. T. C..
Custas pela A. (cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Fixo à acção o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do art.º 303.º, n.º 1, do CPC (cfr. art.º 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Registe e notifique.
(…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformada com esta decisão, a Autora (T. C.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a sentença recorrida e, em consequência, fosse decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

a) O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.

b) O artigo 1781º do Código Civil menciona na alínea d) “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura dos cônjuges” como fundamento do decretamento do divórcio sem consentimento de outro cônjuge.

c) Conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2012 “A adesão ao conceito modelo do “divórcio-constatação da ruptura conjugal” representa uma nova realidade destinada a ser o instrumento para a obtenção da felicidade de ambos os cônjuges, conduzindo à concepção do divórcio unilateral e potestativo, em que qualquer um dos cônjuges pode por termo ao casamento, com fundamento mínimo na existência de factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do matrimónio, por simples declaração singular”.

d) Neste sentido, o processo de instauração de acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em Tribunal, basta como demonstração de que a ruptura é definitiva. Trata-se de uma “manifestação inequívoca do propósito de não reatamento da sociedade conjugal”.

e) Conforme alegado na petição inicial, a Autora é vítima de violência doméstica. No seguimento das agressões de que é vítima, socorreu-se da policia, tendo originado o processo crime com o número 4491/19.8T0BRG que corre, agora, termos no Tribunal Judicial de Braga - Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 4.

f) O facto em questão foi dado como não provado, todavia, uma simples diligência do Tribunal a quo demonstraria que a alegação do processo crime é verdadeira e, como tal, deveria este facto ter sido dado como provado.

g) Assim, mesmo que se considerasse que a interposição da acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge não constitui demonstração suficiente da ruptura definitiva, o facto de existir processo crime de violência doméstica, suporta e sustenta essa mesma demonstração de ruptura definitiva.

h) Ademais, como é de conhecimento do Tribunal a quo, nem sempre é fácil conseguir testemunhas que sustentem a ruptura definitiva, uma vez que os factos que conduzem a essa ruptura definitiva da relação conjugal são, geralmente, apenas do conhecimento dos cônjuges.

i) Assim, no caso concreto, a cônjuge Autora agiu, teve uma movimentação inequívoca, ao interpor a acção de divórcio, fundamentou a mesma na ocorrência de episódios de violência doméstica ao longo dos anos, denunciou o Réu como sendo agressor e tudo isto deve ser analisado conjuntamente, demonstrando, claramente, a existência de ruptura definitiva.

j) A cônjuge Autora não mais quer estar casada com o cônjuge Réu, isso fica demonstrado pelo seu animus, pela sua acção inequívoca e, como tal, o divórcio deveria ter sido decretado.
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1.2.2. Contra-alegações

Não foram apresentadas contra-alegações nos autos.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 01 única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente por não ter diligenciado pela obtenção de prova da pendência do processo crime por violência doméstica intentado pela Autora contra o Réu (o que seria suficiente para o decretamento do divórcio impetrado) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos Provados
O Tribunal de 1.ª Instância considerou provados os seguintes factos:

1 - T. C. (aqui Autora) e A. L. (aqui Réu) contraíram casamento católico no dia 15 de Julho de 2000, na Capela da Quinta …, paróquia de Braga (…), concelho de Braga.

2 - Do casamento referido no facto anterior nasceram as seguintes filhas:
- L. L., em 30 de Agosto de 2002;
- A. C., em 10 de Março de 2011.
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3.2. Factos Não Provados

O Tribunal de 1.ª Instância considerou não provados os seguintes factos, com «relevância para a boa decisão da causa»:

a) Autora e Réu fixaram o domicílio conjugal em Braga.

b) O casamento nunca decorreu com normalidade, existindo episódios frequentes de violência física e, ainda mais frequentes, de violência psicológica e verbal.

c) Fruto de um episódio de violência doméstica, a Autora apresentou queixa crime, que corre termos no DIAP - 2.ª secção de Braga, processo número 4491 / 19.8 T9BRG.

d) Autora e Réu continuam a residir na mesma casa.

e) A Autora abordou diversas vezes o Réu no sentido de se divorciarem, mas sem sucesso.

f) Autora e Réu deixaram de conviver entre si como cônjuges.

g) Autora e Réu deixaram de prestar assistência e cooperação recíprocas.

h) Autora e Réu passaram a viver cada um a sua vida, de forma separada, embora na mesma casa, rompendo com todos os laços e deveres conjugais recíprocos.

i) Inexiste, também, pelo menos da parte da Autora, qualquer vontade de reatamento da vida conjugal.

j) A Autora já não nutre qualquer sentimento pelo Réu.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Regime legal invocado e aplicável

4.1.1. Direito à prova

Lê-se no art. 342.º do CC que àquele «que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), sendo que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2).
Logo, a iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto - e não ao tribunal -, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art. 346.º do CC, e art. 414.º do CPC).
«Ora, para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 207, com bold apócrifo), corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20.º da CRP.
Precisa-se, a propósito, que este «direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais» (Ac. da RC, de 21.04.2015, Maria João Areias, Processo n.º 124/14.1TBFND-A.C1, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
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4.1.2. Princípio do inquisitório

Incumbe, porém, ao tribunal remover qualquer obstáculo que as partes aleguem estar a condicionar o seu ónus probatório (art. 7.º, n.º 4 do CPC), bem como realizar ou ordenar oficiosamente «todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quando aos factos de que é lícito conhecer» (art. 411.º do CPC).
Está-se aqui (em sede de instrução) perante o princípio do inquisitório (1), que se manifesta nomeadamente na requisição de documentos (art. 436.º do CPC), na determinação do depoimento de parte (art. 452.º do CPC), no ordenar de perícia (art. 477.º do CPC), na realização de inspecção judicial (art. 490.º do CPC), na determinação de verificação não judicial qualificada (art. 494.º do CPC), na inquirição de testemunha no local da questão (art. 501.º do CPC), ou na inquirição oficiosa de testemunhas (art. 526.º do CPC).

Precisa-se, porém, que o tribunal deverá ainda assegurar aqui, como ao longo de todo o processo, «um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente (…) no uso dos meios de defesa» (art. 4.º do CPC) - emanação do princípio do contraditório (art. 3.º do CPC) - isto é, quanto à possibilidade de utilização dos meios de prova, assegurando o que se designa usualmente pelo princípio de igualdade de armas.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, se de «acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade», certo é igualmente que esta «amplitude de poderes/deveres (…) não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa».
Logo, e associada «a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir»; e, neste «contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia» (Ac. da RG, de 20.03.2018, João Diogo Rodrigues, Processo n.º 14/15.6T8VRL-C.G1, com bold apócrifo).
Fala-se, então, do princípio da preclusão e do princípio da auto-responsabilidade das partes (2).
Dir-se-á, então, que não sendo «próprio as partes confiarem em exclusivo nos poderes inquisitórios do tribunal, esperando que» seja «o juiz a determinar toda e qualquer diligência probatória», certo é que «o inquisitório deve orientar-se por uma padrão mínimo de objectividade, condição para ser exigível que o juiz adopte certa conduta em matéria instrutória», para o que «muito contribuirá o zelo probatório das partes». Assim, «a actuação do juiz é vinculada desde que se convença da necessidade de certa diligência probatória», estando-lhe então vedado «justificar a sua inércia com a tal auto-responsabilidade das partes» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, págs. 342 e 343) (3).
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4.1.3. Prova documental - Documentos em poder de terceiros

Lê-se no art. 362.º do CC que prova «documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto».
Está-se perante uma noção ampla de documento, abrangendo um escrito, «uma fotografia, um disco granofónico, uma fita cinematográfica, um desenho, uma planta, um simples sinal convencional, um marco divisório, etc., etc.». O que se exige, porém, como essencial «à noção de documento é a função representativa ou reconstitutiva do objecto» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada,1987, pág. 321).

Mais se lê, no art. 436.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC, que «incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade», podendo essa requisição ser «feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros».
Contudo, desde cedo se entendeu que esta disposição legal só faria sentido relativamente àqueles elementos probatórias que a parte, por si mesma, não pudesse obter, necessitando por isso que o Tribunal, por meio de requisição oficial, ultrapassasse a respectiva impossibilidade.
Com efeito, «pode o juiz indeferir o requerimento se entender que a pretensão do requerente não tem razão de ser; é o caso de a parte pretender a junção de documento que ela própria possa obter.
Seria inadmissível que uma das partes requeresse, por exemplo, a notificação da parte contrária para juntar ao processo certidão de documento autêntico oficial ou extra-oficial; desde que o requerente tem a possibilidade de, por si, conseguir cópia do documento, não faz sentido que pretenda servir-se da cópia existente em poder da parte contrária» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 40, a propósito do preceito correspondente ao actual art. 429.º do CPC, sendo que a pág. 45 afirma que «tem cabimento aqui a mesma observação que fizemos a propósitos dos arts. 552º e 553º», uma vez que «o regime do art. 554º só tem razão de ser a respeito de documentos que o requerente não possa obter por si») (4).
Por fim, lê-se no art. 437.º do CPC que as «partes e terceiros que não cumpram a requisição incorrem em multa, salvo se justificarem o seu procedimento, sem prejuízo dos meios coercitivos destinados ao cumprimento da requisição».
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4.1.4. Objecto da prova documental - Pressupostos de (in)deferimento

Precisando a eventual «necessidade para o esclarecimento da verdade» de documento a requisitar, lê-se no art. 341.º do CC que as «provas têm por objecto a demonstração da realidade dos factos»; e lê-se de forma conforme no art. 410.º do CPC que «a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova» (5).
Mais se lê, no art. 423.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC, que os «documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes», podendo ainda sê-lo «até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final», pese embora parte seja condenada «em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado».
Lê-se ainda, no art. 443.º, n.º 1 do CPC, que, juntos «os documentos e cumprido pela secretaria o disposto no artigo 427.º [notificação à parte contrária], o juiz, logo que o processo lhe seja concluso, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restituí-los ao apresentante, condenando este a pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais».
Logo, dir-se-á que nos pressupostos de admissão de prova documental se contam a sua pertinência para o objecto da prova a produzir - «os temas da prova enunciados», ou os factos necessários «ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio» que seja lícito ao Tribunal conhecer, nos termos do art. 5.º do CPC -, e o seu carácter não dilatório.
Com efeito, e face «ao atual CPC, a atividade de instrução não se limita aos factos alegados pelas partes, podendo dela se extraírem factos instrumentais, segundo o disposto na alínea a), do n.º 2 do artigo 5.º do CPC e ainda factos complementares e concretizadores daqueles [essenciais] que hajam sido alegados pelas partes», embora sempre e só dentro «das balizas da causa de pedir e da matéria de exceção que constam dos articulados» (Ac. do TCAS, de 19.10.2017, Ana Celeste Carvalho, Processo n.º 1087/16.0BELRA-A).

Precisando, então, a «pertinência» para o objecto do processo, dir-se-á que, na sua decisão de admissão, ou de não admissão, deste meio de prova (como de qualquer outro), «o Tribunal (…) deve ter sempre presente a ideia de que, na admissão dos meios de prova, não pode rejeitar um qualquer dos meios indicados pelas partes, com base na convicção pré-formada da sua relevância/eficácia para prova de determinado facto em concreto» (Ac. da RG, de 16.02.2017, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo n.º 4716/15.9T8VCT-A.G1, sendo a aqui Relatora respectiva 1.ª Adjunta).
Com efeito, o que a lei, cautelarmente, lhe impõe é que apenas recuse a diligência probatória em causa se entender que a mesma é impertinente (art. 6.º, n.º 1, do CPC), deferindo-a se entender que não é impertinente (art. 476.º, n.º 1, do CPC): o juízo de certeza, para a rejeição, terá de ser o da impertinência, bastando porém para a admissão que aquele não se verifique, isto é, que seja apenas verosímil a pertinência da diligência probatória requerida.
Logo, «não pode entender-se que uma diligência de prova é impertinente se o facto que com ela se pretende provar - ou efectuar a respectiva contra prova - pode ser provado por outro meio de prova ou que o meio requerido não o prova de forma plena ou que este iria fazer prolongar a duração do processo: no nosso entender, uma diligência de prova só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa» (Ac. da RG, de 20.10.2011, Carlos Guerra, Processo n.º 3361.0TBBCL-B.G1, com bold apócrifo) (6).

Precisando agora a natureza «não dilatória», dir-se-á que, necessariamente, qualquer diligência de prova implica a dilação do subsequente fim do processo, pelo que não pode a lei ter aqui querido impedir esse natural protelamento, mas sim querido impedir o deferimento de diligência prova que apenas tivesse esse propósito.
Com efeito, não só o Tribunal está proibido de «realizar no processo actos inúteis» (art. 130º do CPC), como deve «dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, (…) recusando o que for (…) meramente dilatório» (art. 6º, nº 1 do CPC), desse modo actuando o seu dever de gestão processual, aqui claramente em nome do princípio da economia processual.
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4.1.5. Divórcio sem consentimento do outro cônjuge

Lê-se no art. 1781.º do CC (com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro) que são «fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:

a) A separação de facto por um ano consecutivo;
b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento».

Defende-se, assim, que com entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro (7), se operou uma verdadeira alteração do paradigma legal relativamente ao divórcio: passou-se de um sistema de compromisso, em que a componente dominante era a do divórcio por constatação de ruptura do casamento, mas em que se continuava a dar à culpa um lugar apreciável, para um outro, em que a culpa na ruptura assume um papel absolutamente residual, importando apenas aquela efectiva ruptura.
Isto mesmo foi assumido no Projecto Lei nº 509/X (Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio) - subjacente à redacção da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro - em cuja Exposição de Motivos se afirma que decorre «do princípio da liberdade, [que] ninguém deve permanecer casado contra sua vontade ou se considerar que houve quebra do laço afectivo. O cônjuge tratado de forma desigual, injusta ou que atente contra a sua dignidade deve poder terminar a relação conjugal mesmo sem a vontade do outro. A invocação da ruptura definitiva da vida em comum deve ser fundamento suficiente para que o divórcio possa ser decretado».
Partindo-se da ideia de que «a modernidade assenta na ideia transformadora da capacidade de cada indivíduo e na procura da realização pessoal traduzidas, no plano do casamento, na valorização das relações afectivas em detrimento das imposições institucionais e na aposta no bem-estar individual como condição necessária para o bem-estar familiar», alicerça-se a mudança de paradigma (no que ora nos interessa) na eliminação da «culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro, tal como ocorre na maioria das legislações da União Europeia»; e «alargam-se os fundamentos objectivos da ruptura conjugal».
Por outras palavras, não «excluindo a existência de outras dimensões importantes da conjugalidade e da vida familiar, como a dimensão contratual, a económica e a patrimonial, que obviamente também é necessário ter em consideração, é no entanto inegável ser a dimensão afectiva o núcleo fundador e central da vida conjugal. (…) É o facto de a dimensão afectiva da vida se ter tornado tão decisiva para o bem estar dos indivíduos que confere à conjugalidade particular relevo. Sendo esta decisiva para a felicidade individual, tolera-se mal o casamento que se tornou fonte persistente de mal-estar. Assim, é a importância do casamento e não a sua desvalorização que se destaca quando se aceita o divórcio».
Acresce, como outra tendência da modernidade, uma maior «individualização», que «significa a liberdade de assumir para si, aceitando também para os outros, a escolha de modos próprios de encarar e viver a vida privada»: maior «liberdade na vida privada, mais margem de manobra individual quanto à condução da vida conjugal e familiar, maior afirmação dos direitos individuais numa relação entre pares centrada fundamentalmente nas lógicas afectivas» (bold sempre apócrifo).
De forma coerente com este propósito (e na nova redacção conferida ao art. 1781.º do CC): reduziram-se os prazos antes exigidos quer para a relevância da separação de facto, quer para a relevância da alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quer para a ausência (nos dois primeiros casos, de três anos consecutivos para um ano consecutivo, e no terceiro caso, de dois anos para um ano); e consagrou-se um novo fundamento, aberto/cláusula geral («quaisquer outros factos»), independente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo, relevante desde que demonstrativo da ruptura definitiva do casamento.
Compreende-se, assim, que se afirme que «a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, limitou-se a aprofundar o modelo “moderno” de casamento, por contraposição ao seu modelo “tradicional”, modelo esse que “desvaloriza o lado institucional e faz do sentimento dos cônjuges, ou seja, da sua real ligação afectiva, o verdadeiro fundamento do casamento”, que passa a ser “tendencialmente”, ou, no limite, antes que uma “instituição”, “uma simples associação de duas pessoas, que buscam, através dela, uma e outra, a sua felicidade e a sua realização pessoal”[ Pereira Coelho, Casamento e família no direito português, em “Temas de Direito da Família” (Ciclo de Conferências na Ordem dos Advogados – Porto), Coimbra, 1986, 10 e 14], ideia que justifica e propugna a dissolução jurídica do vínculo matrimonial quando, independentemente da culpa de qualquer dos cônjuges, ele se haja já dissolvido de facto, por se haver perdido, definitivamente, e, sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum» (Ac. do STJ, de 09.02.2012, Hélder Roque, Processo n.º 819/09.7TMPRT.P1.S1).

Lê-se, ainda, no art. 1788.º do CC, que o «divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as excepções consagradas na lei».
Por fim, lê-se no art. 1789.º do CC que os «efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges» (n.º 1), sendo que, se «a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado» (n.º 2).
De novo se acentua a ideia de que só existe verdadeiro casamento enquanto se mantiver a comunhão de vida entre os cônjuges (por isso se admitindo a retroacção dos efeitos do divórcio ao momento em que a mesma cessou).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

4.2.1. Concretizando, verifica-se que, tendo a Autora (T. C.) e o Réu (A. L.) casado entre si em 15 de Julho de 2000, aquela intentou a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge; e para a instruir juntou apenas prova documental (pertinente à celebração do dito casamento e ao nascimento das duas filhas comuns).
Verifica-se ainda que, frustrada a tentativa de conciliação ou de conversão do divórcio para mútuo consentimento, e não tendo o Réu contestado os autos, o Tribunal a quo anunciou o seu propósito de conhecer imediatamente do mérito da causa, face à tal ausência de outra prova.
Verifica-se, por fim, que a Autora nada lhe requereu então, nomeadamente a concessão de prazo para, ela própria, diligenciar pela junção aos autos de certidão judicial que atestasse a pendência de processo-crime por violência doméstica, intentado por ela contra o seu marido; ou, face à sua insuficiência económica (que justificara a concessão do benefício de apoio judiciário à mesma) a requisição oficiosa da dita certidão pelo Tribunal a quo.
Ora, não o tendo feito, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não se crê estar o Tribunal a quo obrigado, sem outra alegação adicional nos autos, a requisitar oficiosamente o comprovativo da pendência do dito processo-crime (cujo concreto teor, desfecho e trânsito em julgado se desconhecem).

Com efeito, dir-se-á (e absolutamente sem qualquer juízo de valor associado) que não raro a existência de uma queixa-crime por violência doméstica não é, por si só, reveladora da quebra definitiva da comunhão de vida entre os cônjuges, isto é, que posteriormente à sua apresentação deixou de haver (de forma continuada, ou meramente actual) uma comunhão de vida entre eles, própria de um casamento.
Reconhecendo-o, sentiu a Autora (T. C.) na sua petição inicial a necessidade de, não só alegar a existência de «episódios frequentes de violência física e, ainda mais frequentes, de violência psicológica e verbal», bem como fruto de um deles a apresentação de «queixa crime que corre termos no DIAP - 2ª secção de Braga, processo número 4491/19.8 T9BRG», como alegar ainda que ela e o Réu (A. L.) «deixaram de conviver entre si como cônjuges», deixaram «de prestar assistência e cooperação recíprocas», passaram «a viver cada um a sua vida, de forma separada, embora na mesma casa, rompendo com todos os laços e deveres conjugais recíprocos», inexistir da sua parte «qualquer vontade de reatamento da vida conjugal», e que «já não nutre qualquer sentimento pelo Réu».
Ora, para que o Tribunal a quo, oficiosamente, tivesse requisitado certidão judicial de pendência do dito processo crime por violência doméstica, teria que ter previamente conhecido (ou sido denunciado nos autos) o exacto teor de eventual sentença condenatória ali já proferida (e transitada em julgado), por forma a ter-se com ela demonstrada a concomitante «ruptura definitiva do casamento». É que, sendo então indiscutivelmente revelada a quebra de deveres conjugais, e presumida a ruptura definitiva do casamento, poderia esta última não ter ocorrido, nomeadamente pelo perdão da Ofendida, ou pelo reatamento posterior - e ainda que temporário - da vida conjugal.
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4.2.2. Concretizando novamente, dir-se-á ainda que, sendo a instauração em juízo de uma acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge inequivocamente reveladora da vontade do seu autor de não permanecer casado, não se tem da mesma forma por certo que a prova desse facto corresponda, necessária e absolutamente, à prova daquele outro, isto é, da já verificada e actual ruptura definitiva do casamento (8).
Acresce que, reconhecendo-se que nos encontramos no âmbito da vida familiar e doméstica, em que, tal como a Autora o sustenta nas suas alegações de recurso, «nem sempre é fácil conseguir testemunhas que sustentem a ruptura definitiva (…) da relação conjugal», certo é que a dificuldade referida não pode equivaler à sua simples dispensa, sabido ainda que o Tribunal (a quo e ad quem) se poderá valer de presunções e de factos instrumentais, para a prova daquele outros, essenciais.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência do recurso da Autora (que não fica, por isso, impedida de intentar nova acção de divórcio, quiçá então simultaneamente fundada na separação de facto por um ano consecutivo, e/ou instruída com adicional prova, quiçá parcialmente coincidente com a produzida ou a produzir no processo crime por si invocado, e para além dele próprio).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora (T. C.), e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pela respectiva Recorrente (art. 527.º, n.º 1 do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe tenha sido concedido.
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Guimarães, 18 de Fevereiro 2021.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.




1. Enfatizando-o, há mesmo quem defenda que «ao juiz cabe, no campo da instrução do processo, a iniciativa e às partes incumbe o dever de colaborar na descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados (…). O papel do juiz-árbitro encontra-se definitivamente ultrapassado» (José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil. Conceito e Princípios Gerais, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2006, pág. 153).
2. Relembra-se, a propósito, que ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos actos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos peremptórios», «sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A auto-responsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do acto» (José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil. Conceito e Princípios Gerais, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2006, págs. 160 e 161).
3. Particularizando ainda mais o seu raciocínio, diz o mesmo Autor, ibidem, nota 802: «O equilíbrio do nosso regime legal resulta da intersecção de duas dimensões: por um lado, o ónus da iniciativa probatória das partes; por outro, o poder-dever do juiz em sede instrutória. Daqui resulta o seguinte: jamais as partes podem encontrar naquele poder-dever um pretexto para negligenciarem a sua própria inércia; jamais o juiz pode ver naquela iniciativa probatória um alibi para a sua própria inércia. O critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio. Verificado o pressuposto da necessidade, o juiz tem o dever oficial de agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever».
4. No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 508, onde se lê que esta «actividade inquisitória se apresenta com natureza complementar relativamente à que foi empreendida pelas partes. (…) Neste contexto, apesar dos poderes oficiosos de que dispõe, a intervenção do tribunal deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se já exigível tal intervenção quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos, mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável - cf. art. 7º, nº 4, e STJ 1-6-04, 04A993). Contudo, discordando de que «a requisição de documentos é um meio subsidiário», defendendo que um tal «entendimento restritivo não tem apoio legal». José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 255-256.
5. Alterou-se no art. 410.º do actual CPC a redacção do art. 513.º do revogado CPC de 1961 - onde se lia que «a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova» -, mas não o seu sentido último.
6. No mesmo sentido, Ac. da RE, de 31.05.2012, Canelas Brás, Processo n.º 28/11.5-B; ou Ac. da RG, de 16.02.2017, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo n.º 4716/15.9T8VCT-A.G1, sendo a aqui Relatora respectiva 1.ª Adjunta.
7. A Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, entrou em vigor em 30 de Novembro de 2008.
8. Neste sentido, Ac. da RL, de 23.11.2011, Maria José Mouro, Processo n.º 88/10.6TMFUN.L1-2, onde se lê que, para «efeitos do preenchimento da previsão da alínea d) do art. 1781 do CC, da matéria de facto provada deverá resultar retratada uma determinada situação objectiva em que os factos, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a ruptura definitiva do casamento, não bastando que os factos traduzam um mero acto de vontade de um dos cônjuges, visto o divórcio “a-pedido” por razões subjectivas, não haver sido acolhido nas novas disposições da lei sobre o divórcio». De forma idêntica, Ac. da RC, de 21.01.2020, Madeira do Carmo, Processo n.º 139/18.T8LMG.C1, quando nele se lê que o «divórcio-pedido não está comtemplado no regime legal nacional, designadamente na alínea d) do art. 1781º do CC»; e configura «um divórcio-pedido o processo em que apenas se apura que o A. passou procuração ao seu mandatário, em 14.7.2017, para instaurar processo de divórcio contra a R. e que o processo de divórcio deu entrada no tribunal no dia 2.2.2018 e, desde essa data, nunca o A. veio declarar pretender continuar casado». Ainda Amadeu Colaço, Novo Regime do Divórcio, 3.ª edição, Almedina, Novembro de 2009, págs. 71-72, onde se lê que, entre os elementos «que consideramos caracterizadores de uma situação de ruptura definitiva do casamento, prevista na alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil», conta-se o consistir a ruptura «numa situação objectiva, passível de ser constatada, não resultando de um simples e mero acto de vontade de um dos cônjuges». Compreende-se, por isso, que já se tenha decidido que: . «Verifica-se situação integradora da “cláusula geral” da alínea d) do art. 1781 do CC (na redacção conferida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10), quando deixa de existir a comunhão de vida própria de um casamento, como evidente e irremediável quebra de afectos e o desfazer do que representava esse mundo comum» (Ac. da RC, de 07.06.2011, Fonte Ramos, Processo n.º 394/10.0TMCBR.C1): . «A ruptura definitiva do casamento a que alude a mencionada alínea d) pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos, incluindo os passíveis de preencher as previsões das alíneas a) a c) do mesmo preceito sem o período temporal neles previsto, desde que sejam graves, reiterados e demonstrativos de que, objectiva e definitivamente, deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges» (Ac. da RG, de 14.03.2013, Manuel Bargado, Processo n.º 91/10.6TMBRG.G1); . «A demonstração da ruptura definitiva – presumida no caso das alíneas a), b) e c) do art. 1781.º do CC ao fim de um ano – implicará a prova da quebra grave dos deveres enunciados no art. 1672.º do CC e da convicção de irreversibilidade do rompimento da comunhão própria da vida conjugal» (Ac. do STJ, de 03.10.2013, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 2610/10.9TMPRT.P1.S1, depois reiterado no Ac. da RC, de 21.01.2020, António Carvalho Martins, Processo n.º 215/19.8T8CNT.C1); . «Para efeitos de preenchimento do tatbestand da alínea d) do art. 1781º do CC, exigível é que da matéria de facto provada resulte comprovada uma situação objectiva que, pela sua gravidade, reiteração e segundo as regras da experiência comum, apontem com segurança para a ruptura definitiva do casamento, indiciando a mesma estar-se na presença da irreversibilidade do rompimento da comunhão que é própria da vida conjugal»; e verificar-se-á uma «situação integradora da “cláusula geral” da alínea d) do art. 1781 do CC (na redacção conferida pela lei nº 61/2008, de 31.10), quando, além deixar de existir a comunhão de vida própria de um casamento, um dos cônjuges refez já a sua vida junto de outro parceiro, com quem coabita como verdadeiros marido e mulher, e existe o firme propósito de ambos os cônjuges de não mais refazem a vida em comum» (Ac. da RG, de 08.01.2015, António Santos, Processo n.º 3835/11.5TJVNF.G1); . «O fundamento de divórcio previsto na al. d) do art. 1781.º do CC verifica-se quando, em face dos factos provados, o vínculo conjugal está definitivamente destruído», o que se tem por verificado quando se demonstre que, «pelo menos, desde Maio de 2014 até Novembro de 2015 (data da audiência de julgamento), o réu» discute, «regularmente, com a autora, na presença dos filhos de ambos, não lhe demonstrar afeto e» provoca-lhe «sentimentos de mal-estar, angústia e sofrimento», ficando assim revelado «que não existe qualquer proximidade afetiva entre a autora e o réu e que a situação não é passageira» (Ac. do STJ, de 09.01.2018, Pedro Lima Gonçalves, Processo n.º 8992/14.6T8LSB.L1.S1). Crê-se ser esta a melhor interpretação da lei, obviando ainda a que o divórcio possa ser instrumentalizado a outros, e ilícitos, propósitos (estranhos e independentes da verificação da «ruptura definitiva do casamento»), nomeadamente pertinentes ao regime da responsabilidade dos cônjuges por dívidas face a terceiros. Contudo, aparentemente em sentido contrário (que não se acompanha) - de que a nova al. d), do art. 1781.º, do CC mostra-se integrada pela simples instauração de uma acção de divórcio de um cônjuge contra outro -, Ac. da RL, de 15.05.2012, Dina Monteiro, Processo n.º 1017/09.5TMLSB.L1-7, onde se lê que o autor, «ao instaurar esta acção de divórcio está, por si só, a afirmar que, em relação à sua pessoa, ocorreu a ruptura definitiva do casamento e, nessa medida, o divórcio sempre teria de ser decretado».