Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
15/14.1TBMG-B.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: APELAÇÃO AUTÓNOMA
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1.- Para efeitos de subsunção na alínea , do nº 2, do artº 644º, do CPC, ou seja, pra que concreta decisão seja passível de apelação autónoma, importa distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada, pois que, apenas há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é , o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade;
2.- Em razão do referido em 4.1., e ainda que o instrumento de resposta a que alude o artº 60º do Código das Expropriações possa ser considerado um articulado no âmbito do qual o recorrido expõe os fundamentos da defesa (cfr. artº 147º, do CPC), a verdade é que, quando a decisão impugnada não incide sobre a sua admissibilidade, admitindo-o ou rejeitando-o, mas apenas sobre a admissibilidade de concreta pretensão formal no mesmo deduzida, indeferindo-a, não se está perante decisão passível de apelação autónoma.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CIVEL do Tribunal da Relação de Guimarães
1.Relatório.
No seguimento de procedimento desencadeado por E, SA, com vista à expropriação de parcela de prédio misto sito na Freguesia de Meirinhos, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Mogadouro, e propriedade de ANTÓNIO A e de OUTROS, sendo do mesmo arrendatária a SOCIEDADE AGRÍCOLA, LDA, por decisão de 21/1/2014 foi adjudicada ao Estado Português e ao abrigo do disposto no artº 51º, nºs 1 e 5, do CE, o direito de propriedade sobre a parcela expropriada, sendo o respectivo valor fixado pela arbitragem, o de €291.812,00.
1.1.- Notificados que foram da decisão arbitral indicada em 1, da mesma recorreram então os expropriados, considerando que o valor indemnizatório devido aos proprietários da parcela expropriada não deve ser inferior a €561.610,00, à data da DUP, e, relativamente à SOCIEDADE AGRÍCOLA, LDA, deve ser atribuída uma indemnização autónoma, à data da DUP, e de 192.091,00€.
1.2.- Tendo a E, SA, respondido ao recurso interposto pelos expropriados da decisão arbitral, nele concluiu pela respectiva improcedência, considerando que nada impunha que o tribunal se afastasse do valor atribuído/fixado na decisão arbitral.
Ainda em sede de resposta ao recurso da decisão arbitral, veio a entidade Expropriante suscitar as questões prévias da incompetência do Tribunal, da efectiva área total da parcela, e, a final, invocando discordar dos critérios e fundamentos utilizados pelo acórdão arbitral em sede de fixação do valor indemnizatório, maxime no tocante à classificação do solo como sendo apto para construção, vem a E, SA requerer a ampliação do objecto do recurso (nos termos do artigo 636º, do Código de Processo Civil), impetrando que a questão da classificação do solo da parcela seja reapreciada, considerando-se que o prédio expropriado integra/faz parte de solo apto para outros fins, que não de solo apto para construção.
1.3. - Respondendo às questões suscitadas pela entidade expropriante e indicadas em 1.2., vieram os expropriados pugnar pela inadmissibilidade da requerida ampliação do objecto do recurso, e, após esclarecimento prestado pela primeira na sequência de despacho proferido nos autos, foi proferida decisão que se debruçou especificamente sobre o pedido de ampliação do objecto do recurso, sendo a mesma, em parte, do seguinte teor:
“ (…)
A entidade expropriante respondeu, a fls. 1228, pugnando pela admissibilidade da ampliação.
Contudo, desde já adiantamos, não lhe assiste razão.
Com efeito, importa ter em conta que a expropriante não apresentou recurso da decisão arbitral.
Nessa medida, como vem sendo entendido pela doutrina e pela jurisprudência, no processo de expropriação, a decisão arbitral constitui resultado de um julgamento, sendo uma decisão susceptível de recurso.
O caso julgado abrange a parte decisória do acórdão. Deste modo, se a parte não impugnar o resultado da arbitragem forma-se caso julgado quanto à mesma.
Assim, se uma das partes se conformar com o valor ínsito no acórdão arbitral não lhe pode ser atribuída em sede de recurso indemnização superior (ou inferior).
Do mesmo modo, se o acórdão arbitral se pronunciou sobre a classificação do solo e a parte não impugnou essa classificação não poderá, aproveitando-se do recurso da parte contrária, ver novamente julgada esta matéria.
Na verdade, não basta uma mera discordância com a decisão arbitral para que o tribunal possa conhecer novamente as questões aí decididas. A parte que discorda dessa decisão tem o ónus de recorrer da mesma se quer ver a sua pretensão apreciada.
Aliás, decorre do art. 60°, n.º 1 do CE que a parte pode, além de responder ao recurso interposto pela parte contrária, como também interpor recurso subordinado. O que não ocorreu no caso dos autos.
Com efeito, no caso dos autos, a expropriante não recorreu da decisão arbitral. Esta, quanto às questões agora em apreço, transitou em julgado.
Por esse motivo, o pedido de ampliação do recurso (da parte contrária) é legalmente inadmissível, pelo que se indefere.
Custas pela expropriante que se fixam em 1 UC de taxa de justiça.
(…)”.
1.4. - Notificado da decisão identificada em 1.3., e que indeferiu o pedido de ampliação do recurso, veio a entidade expropriante E, SA, do mesmo apelar, concluindo na instância recursória do seguinte modo:
A) O presente recurso vem interposto do despacho do Tribunal a quo que indeferiu o pedido, feito pela entidade expropriante, ao abrigo do artigo 636.° do CPC, de ampliação do âmbito do recurso interposto pelos expropriados da decisão arbitral da parcela MM0269.00 à questão da classificação do solo como solo apto para construção ou solo apto para outros fins;
B) O processo especial de recurso da decisão arbitral tem uma natureza mista de acção e de recurso, tendo de recurso o facto de se dirigir à censura de uma decisão pré-existente (a decisão arbitral), e de acção o facto de marcar a primeira vez em que as partes invocam as suas razões e os seus pedidos, pois a arbitragem não envolve contraditório nem a apresentação de articulados;
C) Neste processo, o pedido de ampliação do âmbito do recurso constitui um pedido de ampliação da instância recursiva a uma questão não suscitada pelo recorrente, configurando materialmente uma defesa por excepção peremptória, porque dirigida à apreciação de factos que levam a que, mesmo que os argumentos do recorrente procedam, o seu pedido deva, no todo ou em parte, improceder;
D) Tal pedido difere do recurso subordinado na justa medida em que encerra um articulado de defesa e não um contra pedido, o que não impede que em ambos os casos se esteja perante um articulado;
E) O presente recurso é, pois, admissível, ao abrigo da al. d) do n.º 2 e da al. b) do n.º 1 do artigo 644.° do CPC, uma vez que o despacho recorrido é um despacho de rejeição parcial de um articulado de defesa e traduz-se no não conhecimento de uma excepção peremptória invocada pelo recorrido, pouco relevando que (l) a rejeição do articulado não seja total, porque a ratio da norma que admite o recurso imediato é prevenir a anulação do processado que poderia ocorrer se a impugnação desta questão fosse relegada para final, ou (ir) que o despacho recorrido não seja um despacho saneador, pois que na acção especial de recurso da decisão arbitral a função de saneamento é desempenhada pelos despachos que admitem ou rejeitam os articulados, como é o caso do despacho recorrido;
F) Incorreu em manifesto erro de julgamento o Tribunal a quo ao decidir pela inaplicabilidade no processo especial de recurso da decisão arbitral da possibilidade de ampliação do âmbito do recurso prevista, em geral, no artigo 636.° do CPC, com o fundamento de a entidade expropriante ter o ónus de interpor recurso subordinado sempre que pretenda contestar a decisão arbitral;
G) Com efeito, recurso subordinado e ampliação do âmbito do recurso têm propósitos diferentes e não confundíveis;
H) O recurso subordinado serve para o recorrido contestar o valor indemnizatório global, o resultado final (i.e. a decisão arbitral propriamente dita), pugnando pela sua subida ou descida, sendo largamente maioritário, aliás, o entendimento de que o recorrente tem de deduzir um pedido líquido quanto à indemnização que pretende que seja fixada, nos termos do n.º 2 do artigo 38º do Código das Expropriações;
I) A ampliação do âmbito do recurso está, por sua vez, talhada para as situações em que o recorrido não discorda, nem pretende contestar, o resultado final da avaliação, mas pretende questionar algum fundamento da decisão arbitral (in caso, a classificação do solo) no qual se considere prejudicado e que, caso sejam considerados procedentes os argumentos do recorrente, o possa auxiliar na pretensão de manter o valor indemnizatório global, neutralizando a eficácia do recurso;
J) Dada a natureza mista de acção e de recurso deste processo, há divergências na jurisprudência quanto à abrangência do caso julgado da decisão arbitral em caso de recurso, existindo uma linha jurisprudencial que, dando prevalência à componente de acção deste processo, entende que todas as questões estão sujeitas a reapreciação (a qual, a prevalecer, tornaria desnecessária e inútil a ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido), mas uma outra corrente jurisprudencial que, sobrelevando a componente recursiva deste meio processual, considera existir caso julgado quanto às questões que, e sendo autónomas das questões sobre as quais incide o recurso (caso da classificação do solo), não sejam dele objecto;
K) Tendo a Recorrente pedido a ampliação do âmbito do recurso para acautelar a hipótese de o Tribunal a entender necessária, à luz do segundo entendimento a que se aludiu, como veio a suceder, a ampliação do âmbito do recurso não poderia senão ter sido admitida, por aplicação subsidiária a este processo das normas sobre recursos previstas no CPC;
L) Com efeito, a segunda corrente acima referida tem como corolário lógico e natural a possibilidade de o recorrido lançar mão da ampliação do âmbito do recurso, tal como sucede em qualquer instância recursiva, sob pena de não existir meio jurisdicional idóneo para alargar o âmbito da sua defesa às questões não abrangidas no recurso quando entenda não contestar o valor indemnizatório global;
M) A perfeição do sistema de meios contenciosos e a tutela jurisdicional efectiva assim o exigem, inexistindo razão ou valor de ordem material que justifique a exclusão da aplicação da possibilidade de ampliação do âmbito do recurso neste processo especial;
N) Também a unidade do sistema jurídico o impõe: se no CPC, aplicável subsidiariam ente a qualquer processo especial, são paralelamente admitidos o recurso subordinado e a ampliação do âmbito do recurso, não há razão para que no processo de recurso da decisão arbitral as coisas se passem de forma diferente;
O) A ampliação do âmbito do recurso há de aplicar-se aqui com as necessárias adaptações, designadamente decorrentes do facto de na arbitragem prevista no Código das Expropriações não existir decaimento em sentido técnico-jurídico nem existirem aprioristicamente vencidos ou vencedores, porquanto não existem aí articulados nem as partes apresentam os seus pedidos e respectivos fundamentos, donde não pode constituir pressuposto do pedido de ampliação do âmbito do recurso, tal como não constitui pressuposto do recurso subordinado que seja interposto neste processo, a existência de decaimento quanto aos fundamentos ou quanto ao valor indemnizatório;
P) No processo expropriativo, o decaimento das partes revela-se a posteriori, em face da sua reacção à decisão arbitral e da posição que expressam quanto ao respectivo valor e fundamentos, seja interpondo recurso, seja pedindo a ampliação do seu âmbito;
Q) Em face do exposto, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não admitir o pedido de ampliação do âmbito do recurso, tendo feito da lei (designadamente do artigo 60.° do Código das Expropriações, que prevê a possibilidade de interposição de recurso subordinado) uma interpretação violadora do artigo 636.° do CPC, subsidiariamente aplicável aos presentes autos, bem como do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.° da CRP e 2.° do CPC, e do princípio da unidade do sistema jurídico, parâmetro interpretativo legal previsto no n.º 1 do artigo 9.° do CC.
1.5. – Os expropriados vieram apresentar contra-alegações, no âmbito das quais aduzem designadamente que:
- O requerimento de ampliação do objecto do recurso apresentado pela recorrente não é equiparável a qualquer articulado, pelo que não se verifica o fundamento da apelação autónoma previsto no art. 644º, nº 2, al. d), do CPC;
- Como é sabido, a utilização do advérbio de modo "absolutamente" na al. h) do nº 2 do art. 644º do CPC, demonstra que a ponderação que há a fazer para admitir o recurso imediato de decisão interlocutória com base nesta alínea (previsão que a recorrente nem sequer invoca nem fundamenta) equivale à obtenção de um resultado irreversível, o que não se verificaria mesmo que a final a decisão a quo viesse a ser revogada;
- Logo, não se verifica in casu qualquer fundamento para a admissão do recurso de apelação autónomo, pelo que deve o recurso interposto ser rejeitado neste momento processual;
- De qualquer forma, e para o caso de assim não se entender, o que se menciona sem conceder, não merece em todo o caso a decisão sob recurso qualquer reparo, que não cometeu qualquer erro de julgamento, não violou qualquer norma legal, nem, tão-pouco, falhou na diferenciação entre recurso subordinado e ampliação do objecto do recurso (distinção que nem sequer é necessário fazer pois a ampliação do objecto do recurso não é legalmente admissível nesta fase processual).
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Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem] das alegações dos recorrentes das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes:
- Primo: Qual questão prévia, suscitada pelos apelados [e relativamente à qual a apelante, antecipada e desenvolvidamente, em sede de alegações recursórias, teceu considerações], aferir da susceptibilidade de a decisão recorrida ser objecto de impugnação recursória autónoma;
- Secundo: Sendo de conhecer do objecto do recurso, aferir da pertinência de ser a decisão recorrida revogada.
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2. - Motivação de Facto.
Com interesse para a presente decisão, e para além dos factos descritos no Relatório que antecede, resta tão só reproduzir – porque pertinente - o despacho proferido pelo tribunal a quo em sede de cumprimento do disposto no artº 641º, nº 1, do CPC, o qual reza que:
“Veio a expropriante interpor recurso da decisão que indeferiu o pedido de ampliação do "objecto do recurso da decisão arbitral, alegando que o mesmo deve subir imediatamente.
Os expropriados, por seu lado, entendem que o recurso apenas deverá subir a final.
Estamos no âmbito de um processo de expropriação, processo esse com uma tramitação própria.
A decisão em crise pode ser enquadrada na situação prevista na al. b) do n.º 1 do artº 644º do NCPC, analogicamente, uma vez que esse despacho acabou por decidir quanto ao mérito da causa quanto à questão da classificação dos solos.
Assim, por ser admissível, estar em tempo, a recorrente ter legitimidade e ter apresentado alegações, com formulação de conclusões, admite-se o recurso interposto pela expropriante EDP, o qual é de apelação, a subir imediatamente e em separado. com efeito devolutivo (artºs 629º,631º,638º, n.º 1, 639°, 644°, n.º 1. al. b), por analogia, 645°. n.º 2 e 647º, nº 1, todos do NCPC”
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3. - Motivação de direito.
3.1.- Questão Prévia (Se a decisão apelada é susceptível de impugnação recursória autónoma).
Para a apelante, a decisão recorrida é passível de apelação autónoma porque, para todos os efeitos, cabe a mesma na previsão da alínea b), do nº1 e na alínea b), do nº2, ambos do artº 644º, do CPC, e isto porque, não apenas indefere um pedido formulado pela recorrente [decisão que decide do mérito da causa, ou que absolve da respectiva instância o réu quanto a algum pedido], como, concomitantemente, rejeita em termos parciais um articulado de defesa.
Ademais, acrescenta ainda a apelante, “não haverá dúvidas de que se o recurso deste despacho for remetido para final, tal criará o risco de anulação de todo o processado no que toca à questão da avaliação do valor do solo, o que é manifestamente indesejável e a referida norma pretendeu acautelar“.
Ora bem.
Porque decisivo para o julgamento da questão prévia, importa começar por recordar que, sob a epígrafe de Apelações autónomas, reza o Artigo 644.º, do CPC, que:
1- Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2- Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual.
(…)
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no nº 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.
Incidindo de seguida a nossa atenção sobre a natureza da decisão que da apelação interposta é objecto, não há dúvidas disso, manifesto é que de mera decisão interlocutória se trata, que não põe termo ao processo, antes limita-se a indeferir, porque considerando-a inadmissível, a requerida (pela expropriante e ora apelante) ampliação do objecto do recurso da decisão arbitral interposto pelos expropriados.
Por outra banda, se atentarmos que decidir do mérito da causa é decidir/julgar o pedido deduzido em termos de fundo, de procedência ou improcedência, é também para nós algo pacifico que, a decisão recorrida, em rigor, ao considerar não ser admissível a ampliação do âmbito do recurso dos expropriados da decisão arbitral, não incide também sobre o thema decidendum ou o objecto essencial da acção , que o mesmo é dizer, não decidiu do mérito da causa, e estando este último in casu inequivocamente relacionado directamente com o quantum indemnizatório a atribuir aos expropriados.
De resto, a mesma e referida decisão, a recorrida, e neste caso de uma forma mais manifesta, não se debruça também sobre um qualquer pedido dos recorrentes/expropriados, absolvendo a recorrida/entidade expropriante da respectiva instância [antes o pedido que da decisão recorrida é objecto é deduzido pela recorrida/entidade expropriante].
Ademais, podendo é certo o termo pedido ser usado em processo também no sentido geral de solicitação ou de manifestação do desejo de praticar certo acto, a verdade é que, quando em processo civil se fala em pedido, “está-se geralmente a usar a palavra antonomasticamemte para designar a solicitação do autor de uma actuação judicial determinada, solicitação que está na base do processo“ (2), ou seja, a pretensão material ou interesse juridicamente tutelado [ou o efeito jurídico que através da acção se pretende obter – cfr. nº 3, do artº 581º, do CPC], que não qualquer pretensão processual/adjectiva.
Ora, se para efeitos de preenchimento da previsão da alínea b), do nº1, do artº 644º, do CPC, pertinente é considerar que o despacho saneador que decide do mérito da causa é aquele que julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos (com o significado acima referido) relativamente a todos ou alguns dos interessados, ou que conheça da procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória (1), então, face à natureza manifestamente formal do objecto da decisão recorrida, pertinente não é subsumi-la à previsão da alínea b), do nº 1, do artº 644º, do CPC.
Em conclusão, porque como decorre com clareza do respectivo comando dispositivo, no âmbito da decisão apelada o tribunal não decidiu do mérito da causa, ou dito de outro modo, não se debruçou sobre o objecto do processo – que é a atribuição de uma justa indemnização, tendo como pressuposto a excisão de um direito de propriedade – antes limitou-se a decidir que, com referência ao recurso da decisão arbitral interposto pelos expropriados, licito não era à expropriante lançar mão da possibilidade de requerer a ampliação do recurso, e com base no disposto no artº 636º, do CPC, então, para nós, é pacífico que o objecto da apelação interposta incide sobre mera pretensão adjectiva, consubstanciando mera decisão interlocutória insusceptível de impugnação autónoma nos termos do artigo 644,nº1, alínea b), do CPC.
Acresce que, pertinente não é, para efeitos de aplicação – à decisão recorrida - por analogia da alínea b), do nº 1, do artº 644º, do CPC, considerar sequer estar-se na presença de caso omisso (nos termos e para efeitos do disposto no artº 10º, do CC) ou lacuna a prover (qual vazio incolmatável do ordenamento jurídico), e, muito menos, pressupor que se está na presença de factos de igual natureza e que, consequentemente, devem ter igual regulamentação, longe disso.
Em razão do exposto, não pode, portanto, o recurso interposto pela apelante ser admitido - como o foi - a subir de imediato, em separado, com fundamento na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.
Passando agora à pertinência de a imediata recorribilidade da decisão apelada poder justificar-se à luz da situação especial do n.º 2, alínea d), primeira parte, do artigo 644.º, do CPC, e não se questionando que o instrumento de resposta a que alude o artº 60º do CE possa ser considerado um articulado no âmbito do qual o recorrido expõe os fundamentos da defesa (cfr. artº 147º, do CPC) (2), a verdade é que o objecto da decisão recorrida nada tem que ver com a pertinência e/ou legalidade do articulado/Resposta (ou de parte dele) apresentada pela apelante, admitindo-a ou rejeitando-a e, neste último caso, determinando o respectivo desentranhamento dos autos.
O que a decisão apelada aprecia e resolve é, ao invés, da pertinência de concreta pretensão adjectiva que no articulado/Resposta é deduzida/formulada.
Ora, como bem chama a atenção Paulo Faria (3), “Há que distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada. (…) Há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade“.
É que, quando o articulado é regularmente incorporado nos autos, sendo depois analisado liminarmente o seu conteúdo, então a “decisão proferida com base nesse conteúdo, formal ou de mérito, não é de rejeição ou de admissão de peça processual” (4), antes a sua natureza é diferente.
Em razão do aludido, pertinente não é, também, integrar a decisão recorrida, ou o seu objecto, na alínea d), do nº 2, do artº 644º, do CPC.
Finalmente, resta aferir da “licitude” de a imediata recorribilidade da decisão apelada se justificar à luz da situação especial do n.º 2, alínea h), do artigo 644.º, do CPC, maxime por alegadamente estar em causa uma decisão cuja impugnação com a decisão final seria absolutamente inútil.
Ora, é consabido que a escolha pelo legislador da expressão absolutamente tem por desiderato aludir tão só a um resultado de todo irreversível não obstante a eventual procedência do recurso interposto, revelando-se o mesmo de todo ineficaz dentro do processo, sendo já de todo irrelevante para o preenchimento do conceito em apreço a possível inutilização de actos processuais.
Dir-se-á, assim, no dizer de Amâncio Ferreira (5), que a salvaguarda da utilidade do recurso que justifica sua subida imediata, verifica-se apenas quando da sua retenção já não adviessem vantagens para o recorrente, por a revogação da decisão recorrida acabar por não provocar quaisquer efeitos práticos e úteis para o recorrente, e não por qualquer outra razão, como a economia processual ou a perturbação que possa causar no processo onde foi interposto.
Em conclusão, e socorrendo-nos de Abrantes Geraldes (6), não basta para efeitos de preenchimento da expressão “absolutamente inútil“ que “a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização, por anulação, de uma parte do processado, ainda que neste se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso decretado em momento anterior não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado.”
No seguimento de todas as considerações acabadas de aduzir , e para além da não verificação da previsão da alínea b), do nº 1, do artº 644º, do CPC, e alínea d), do nº 2, forçoso é igualmente concluir que a interposição do recurso pela entidade expropriante apenas com a decisão final, de todo não tem como desfecho inevitável que venha o mesmo a tornar-se absolutamente inútil, que o mesmo é dizer, sem ganho algum para a recorrente, e sem qualquer reflexo na respectiva esfera jurídica, podendo, quando muito - o que para o efeito é irrelevante - determinar no final a anulação de todos os actos subsequentemente praticados no processo de inventário após a prolação da decisão recorrida.
Destarte, porque não existe fundamento legal que sustente a decisão proferida pelo tribunal a quo de admissão da apelação interposta pela recorrente, por não ser a decisão recorrida susceptível de interposição de recurso autónomo, verifica-se assim, manifestamente, fundamento legal que obsta ao conhecimento do seu objecto.
Prejudicado se mostra, assim, o conhecimento da 2 da questão da apelação interposta e acima indicada, ou seja, aferir da pertinência de ser a decisão recorrida revogada.
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4. - Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC )
4.1.- Para efeitos de subsunção na alínea , do nº 2, do artº 644º, do CPC, ou seja, pra que concreta decisão seja passível de apelação autónoma, importa distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada, pois que, apenas há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é , o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade;
4.2.- Em razão do referido em 4.1., e ainda que o instrumento de resposta a que alude o artº 60º do Código das Expropriações possa ser considerado um articulado no âmbito do qual o recorrido expõe os fundamentos da defesa (cfr. artº 147º, do CPC), a verdade é que, quando a decisão impugnada não incide sobre a sua admissibilidade, admitindo-o ou rejeitando-o, mas apenas sobre a admissibilidade de concreta pretensão formal no mesmo deduzida, indeferindo-a, não se está perante decisão passível de apelação autónoma.
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5. Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em:
5.1. - Julgar verificada circunstância adjectiva que obsta ao conhecimento do recurso interposto - e respectivo objecto - pela apelante E, SA, determinando-se consequentemente a baixa do expediente recursório à primeira instância.
Custas a cargo da entidade expropriante e recorrente.
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(1) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos No Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª Edição, Almedina.
(2) Cfr. João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil, II, pág 287.
(3) Cfr. v.g. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, 2014, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, Vol. II, Almedina, pág. 68.
(4) Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ibidem, pág. 69.
(5) In Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pág. 221.
(6) In Recursos em Processo Civil, 2016, 3ª edição, Almedina, pág. 177.
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Guimarães, 25/05/2016
António Manuel Fernandes dos Santos (o Relator)
Maria Amália Pereira dos Santos (1º Adjunto)
Ana Cristina Oliveira Duarte (2º Adjunto)