Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
599/14.4GAFAF.G1
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
RELATÓRIO SOCIAL
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I-Conhecidas as condições pessoais e económicas do arguido e tendo sido condenado em pena de multa, não se mostra necessária a elaboração do relatório social.

II -Se o arguido entendia que existiam outros factores da sua vida - relativos à sua personalidade e vivência pessoal e familiar (enquadramento e apoio familiar e de amigos e hábitos de trabalho) que permitissem aferir sobre se «interiorizou que a vida em sociedade se pauta por normas que têm de ser respeitadas – que deveriam ser atendidos na determinação da sanção, disso deveria ter dado conhecimento ao tribunal, para que este pudesse ponderar da necessidade ou não da elaboração do relatório social ou de outros meios probatórios.

III – Patenteando o texto da decisão sindicada que tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida sobre a matéria de facto que decidiu, mas ante um estado de certeza relativamente a todos os factos que julgou verdadeiros, não há que chamar à colação o princípio in dubio pro reo

IV- Tendo o recorrente sido condenado na pena de 5 meses de prisão, inferior a um ano (mínima abstractamente prevista para o artigo 347º, nº1, e 2, do Código Penal), a única censura que merece a sentença recorrida é a de ter decidido contra legem.

IV - Não obstante a ilegalidade da decisão, não pode esta instância alterá-la, sob pena de violar a proibição de reformatio in pejus, princípio, segundo o qual, se impõe a proibição de, oficiosamente, agravar as sanções constantes da decisão recorrida, de entre as quais, as penas de prisão.

Decisão Texto Integral:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

22

Acordam, os Juízes que compõem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. Jorge M., com sinais nos autos, foi julgado e condenado em primeira instância por sentença proferida em 16 de Abril de 2015, como autor material e na forma consumada de quatro crimes de injúria agravada, prevista e punida pelo artigo 181º, nº1, 184º, e 132º, nº 2, alínea d), do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, para cada um.

Realizado o cúmulo jurídico destes crimes, foi o arguido condenado na pena única de 250 dias de multa, à taxa diária, de 6,00€, o que perfaz o montante de 1 500,00€.

Mais foi condenado pela prática de um crime de resistência e coacção a funcionário previsto e punido pelo artigo 347º, nº 1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída pela pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, o que perfaz o montante global de 900€.

2 - Inconformado com esta condenação, impugnam-na o Arguido, sintetizando as suas alegações, nas seguintes conclusões:

«1ª-) O arguido foi condenado numa pena privativa da liberdade sem que para tal tenham sido averiguados factos relativos à sua personalidade e sem conhecimento das suas condições pessoais necessárias para aferição de juízo de prognose desfavorável como veio a ser considerado pelo tribunal;

2ª-) Tem sido pacífico na nossa jurisprudência o entendimento de que a falta de averiguação das condições pessoais do arguido e da sua situação económica configura o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito (cfr. entre outros, os acórdãos do STJ, de 29.04.2003, de 06.11.2003 e de 11.11.2004, todos disponíveis em www.dgsi.pt);

3ª-) A orientação do STJ sobre esta questão está espelhada no acórdão de 05.09.2007 (Relator: Cons. Sousa Fonte), disponível em www.dgsi.pt, quando nele se expende que “independentemente de se considerar ser ou não obrigatória a requisição do relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social aos quais alude o artigo 370º, nº1 do CPP para aplicação de uma pena de prisão efectiva – a letra da lei sugere francamente que se trata de uma faculdade do tribunal e o TC no seu acórdão nº 182/99, de 22.03.1999, já decidiu não ser inconstitucional a norma do nº1 do artigo 370º do CPP quando interpretada no sentido de não ser obrigatória essa solicitação, entendemos, na esteira da jurisprudência mais comum do STJ, que a falta desse relatório ou informação ou a falta de produção de qualquer outra prova suplementar para determinação da espécie e da medida da pena a aplicar poderá justificar o reenvio do processo para novo julgamento, quando o resultado for a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos dos artigos 410º, nº2 al.a) e 426º, ambos do CPP;

4ª-) Os factos relativos ao processo de socialização, à personalidade e caracter, às condições pessoais do arguido e à sua conduta anterior e posterior aos factos são relevantes não só para a determinação da medida da pena, mas também e sobretudo, para a decisão de aplicação, ou não, de uma pena de substituição;

5ª-) Estamos perante nulidade traduzida na insuficiência a que se reporta a alínea a) do nº2 do artigo 410º do CPP dado que para a determinação da medida da pena é necessário que o tribunal disponha de elementos ou averigue as condições pessoais e situação económica ou até que justifique explicando a impossibilidade de as incluir;

6ª-) In casu, as condições económicas do arguido, que vive da ajuda de amigos e família para poder fazer as refeições diárias, é notório que a pena de multa aplicada ao arguido em substituição da pena de prisão, não irá ser cumprida, atenta a ausência de rendimentos do arguido;

7ª-) Falhou aqui o tribunal ao aplicar ao arguido uma pena completamente desadequada às necessidades de prevenção geral e especial, bem como completamente indiferente às condições económicas do arguido;

8ª-) O arguido é primário, mostrou-se sempre colaborante com a justiça e arrependido com os factos que ocorreram, e tendo tido posteriormente um comportamento exemplar e pautado pela normalidade;

9ª-) Pelo que, atenta a ausência do relatório social não podia o tribunal a quo ter aplicado ao arguido um pena privativa da liberdade e não estava sequer habilitado a proferir uma sentença condenatória;

10ª-) A sentença recorrida padece de erro na integração jurídica dos factos dados por provados;

11ª-) A escolha e o doseamento da pena não podem prescindir do conhecimento circunstanciado das condições pessoais do agente;

12ª-) Não se provou nenhum facto sobre o enquadramento familiar do arguido, sobre a sua inserção na sociedade, sobre os seus hábitos (ou falta deles) de trabalho, sobre se recebem apoio familiar ou de amigos, sobre se têm alguma problemática aditiva ou sobre se interiorizaram que a vida em sociedade se pauta por normas que têm de ser respeitadas;

13ª-) O tribunal recorrido, nada apurou, acerca da situação económica e condições pessoais do arguido, da sua conduta posterior ao facto e preparação ou não para manter uma conduta lícita;

14ª-) O art. 369.º do CPP impõe que o tribunal reabra a audiência se a matéria factual for insuficiente para a determinação da espécie e medida da sanção;

15ª-) Ora, da sentença em apreço não consta qualquer justificação para a falta de investigação de tal matéria, sendo a mesma relevante para a boa decisão da causa;

16ª-) Além de que, o n.º 2 do art. 71.º do Código Penal manda atender, na determinação da medida da pena, às condições pessoais do agente e à sua situação económica (d), à sua conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (e) e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (f);

17ª-) A escolha e doseamento da pena não podem prescindir do conhecimento desse tipo de factualidade;

18ª-) Na situação sub judice, o tribunal recorrido nada mais apurou para além dos antecedentes criminais do arguido, o que apenas releva para efeitos da mencionada al, e) do art. 71.º n.º 2 do Código Penal;

19ª-) O recorrente entende que a sanção aplicada é desadequada e desproporcional face aos factos, visto que as exigências de prevenção geral são normais;

20ª-) Deve, pois, a douta sentença ser revogada, absolvendo-se o recorrente da prática dos crimes em que foi condenado;

21ª-) A tudo isto acresce ainda o facto, de a matéria de facto dada como provada se mostrar manifestamente insuficiente para imputar ao arguido a prática dos crimes de que vinha acusado e pelos quais foi condenado;

22ª-) Não ficou provado nos presentes autos, nomeadamente em sede de julgamento, que o arguido e aqui recorrente, tivesse cometido quatro crimes de injúria agravada naquele dia e hora e conforme está descrito na acusação no ponto 2;

23ª-) No que concerne à motivação da decisão de facto, o Tribunal valorou como decisivos os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de julgamento;

24ª-) Salvo o devido respeito, o recorrente entende que a prova produzida em julgamento, mostra-se manifestamente insuficiente para imputar ao arguido a prática dos crimes de que vinha acusado e pelos quais foi condenado;

25ª-) Quanto aos quatro crimes de injúrias, não ficou provado que o arguido os tenha praticado, não podendo ser dado como provados os factos constantes do ponto 2;

26ª-) O arguido foi condenado por quatro crimes de injúrias, mas da prova produzida em sede de julgamento resulta que tais palavras, a serem proferidas, apenas eram dirigiriam a três guardas, sendo certo que não ficou provado quais as palavras injuriosas proferidas, atendendo às abundantes contradições nos depoimentos;

27ª-) Vejamos o depoimento da testemunha Luis P., no minuto 04:32 - Eu estava um bocado mais em baixo, mais resguardado. Estava a patrulha lá em cima. (Minuto 08:10) – Defensora do Arguido: Quando entrou o Sr. C. já estava algemado? Testemunha: Estava a ser algemado. (Minuto 09:14) - Defensora do arguido: A primeira abordagem, quando entram em casa não é feira por si? Testemunha: Não. Defensora do arguido: É pelos seus colegas? Testemunha: É!;

28ª-) Ora, assim sendo esta testemunha não acompanhou a patrulha na entrada da casa do arguido, pelo que como tal a terem sido proferidas expressões não foram dirigidas a si, mas aos seus três colegas;

29ª-) Devendo ser dado como NÃO PROVADOS os factos constantes do ponto 2 da sentença ora em crise, pois que nem o arguido sabia da existência naquele local da testemunha Luis Pereira, pelo que tais expressões não lhe podiam ter sido dirigidas;

30ª-) Não podia ser dado como provado que o arguido cometeu quatro crimes de injúrias;

31ª-) Relativamente ao crime de resistência, da prova produzida na fase de julgamento foi manifestamente contraditória, sendo que as quatro testemunhas inquiridas apresentaram várias versões diferentes para o dia dos factos;

32ª-) A testemunha Luís P., que se deslocou ao local referiu que: Minuto 07:45 – Sr. Procurador: Apercebeu-se de algum colega seu sair magoado, ferido? Testemunha: Não.”;

33ª-) Note-se que não há nenhum documento médico junto aos autos nem foi pelo ofendido deduzido pedido de indemnização cível;

34ª-) Assim, o ponto 4 deve ser dado como não provado, atenta toda a prova produzida;

35ª-) Do depoimento da testemunha José M., que esteve sempre ao lado do Guarda C., resulta que não viu nenhum pontapé, nem aquele se queixou de tal;

36ª-) Posteriormente, foi ouvido o Guarda C., tendo este referido em sede de julgamento que não se lembrava das expressões injuriosas, referindo que quando chegaram ao local iam os quatro militares todos juntos, entrando em contradição com o depoimento da testemunha Luís P.;

37ª-) Todo o depoimento da testemunha Fernando C., foi marcado por imprecisões, esquecimentos e contrariedades, vendo-se o Digno Magistrado do MP obrigado a exibir o auto de notícia para que esta testemunha o pudesse ler em voz alta, pois caso contrário não saberia quais as expressões que constavam do auto de notícia;

38ª-) Vejamos o depoimento de Fernando C., o qual está em contradição com o depoimento do seu colega Luis Pereira: Minuto 09:05 – Defensora do arguido: Quando chegaram ao bairro da cumieira, onde a patrulha se dirigiu, vocês iam os quatro juntos? Testemunha: sim! Defensora do arguido: E foram os quatro logo à porta do sr. Jorge logo de inicio? Testemunha: Chegamos à porta…Defensora do arguido: Os quatro? Pergunto-lhe… Testemunha: Sim!;

39ª-) Há aqui uma manifesta contradição dos depoimentos que abana a prova produzida em julgamento deixando dúvidas quanto aos factos pelos quais o arguido vem acusado;

40ª-) Posteriormente referiram as testemunhas várias versões quanto à parte em que algemaram o arguido, tendo sido referido que o algemaram em cima do sofá, outras testemunhas referiram que foi encostado à parede;

41ª-) Pelo que, é falso que os depoimentos prestados em audiência de julgamento tenham sido credíveis e imparciais, pois todos eles careceram de coerência e coesão, como supra se referiu;

42ª-) Assim, de toda a prova produzida em julgamento e aqui percorrida, ressalta que é manifestamente insuficiente para que se possa considerar, como se considerou e se deu como provado, sem qualquer margem de dúvida que o arguido foi o autor de quatro crimes de injúria agravada e um crime de resistência;

43ª-) Ao condenar o arguido pelos crimes que vinha acusado, sem ter existido prova bastante, adequada e concreta dos factos que constam da acusação, o tribunal recorrido violou o princípio in dúbio pro reo;

44ª-) O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa;

45ª-) O referido princípio tem implicações, exclusivamente, quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa;

46ª-) E como não existe ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo;

47ª-) Pelo supra exposto, deve este Venerando Tribunal, reapreciando a prova gravada, julgar como NÃO PROVADOS os factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da sentença, absolvendo o arguido dos crimes em que foi condenado;

48ª-) A douta decisão ora posta em crise enferma dos vícios a que alude o artigo 410º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, o artigo 181º, nº1 e 347º do Código Penal e o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa».

3 – O Digno Magistrado do Ministério Público, junto da primeira instância, defende a manutenção da sentença, porquanto:

· «O Tribunal da Relação só pode modificar a decisão recorrida em termos de facto quando a prova imponha decisão diversa daquela que foi tomada pelo tribunal recorrido.
· Se a prova indicada no recurso permitiria, eventualmente, uma decisão diversa da recorrida mas não a impõe, o recurso não pode merecer provimento, por não poder o tribunal de recurso, em casos destes, bulir na decisão recorrida.
· A perspectiva que o recorrente traz da prova, admitindo-se como defensável, não é única; e não o sendo, não impõe decisão diversa da recorrida.
· A sentença nenhuma censura merece no que à apreciação da prova feita em audiência de discussão e julgamento e no que aos factos de tal prova retirados respeita.
· Encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal dos crimes de injúria agravada e resistência e coacção sobre funcionário imputados ao arguido recorrente.
· Não decorre da decisão a quo qualquer violação do princípio in dubio pro reo porquanto da factualidade dada como provada e da fundamentação de facto aí explanada não se alcança que se haja instalado na convicção do julgador qualquer dúvida quanto à forma como os factos ocorreram.
· Considerando os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal, não merece qualquer reparo a medida das penas aplicadas ao arguido, ora recorrente, atendendo ao grau de culpa por si revelado, bem como às exigências de prevenção geral e especial que ao caso se fazem sentir.
· A sentença recorrida não violou quaisquer normas legais, designadamente as invocadas pelo recorrente.
· Nada há, por isso, a censurar à decisão recorrida»

4 - A Digna Procuradora-Geral Adjunta, no parecer de fls. 152 a 153, acolhendo os argumentos aduzidos em 3, conclui, também, pela improcedência do Recurso

5 - Admitido o recurso na forma e com o efeito devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. MATÉRIA A DECIDIR

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do Recorrente, são 3 as questões suscitadas, a saber:

1. Omissão do relatório social

2. Impugnação da matéria de facto

3. Dosimetria da pena

III. A SENTENÇA SINDICADA

O tribunal a quo deu como Provados os seguintes Factos

«1. No dia 30 de Agosto de 2014, pelas 20h, os militares da GNR Fernando M., Luís M., Magalhães A. e José M., que se encontravam de serviço, deslocaram-se à residência do arguido Jorge M., sita no Bairro da C., F., em virtude de se encontrar aí a ocorrer desacatos familiares; 2. Uma vez aí chegados, e após o arguido ter aberto a porta da mesma, dirigiu-se aos referidos militares que aí se encontravam, proferindo as seguintes expressões: “ide embora cabrões que não vos devo nada, aqui não se passa nada”, “já vos disse passai-vos ao caralho antes que me passe, não entrais aqui sem um mandato, já disse, até os ciganos se riem de vós”

3. Na sequência, e após os referidos militares terem obtido autorização do irmão do arguido para entrar na referida residência, o arguido abriu a porta da entrada, e munido de um martelo em ferro na mão direita, dirigiu a mesma na direcção do militar Fernando M., só não o atingindo em virtude de o mesmo ter logrado desviar-se e conseguido prender o respectivo braço; 4. Perante tal, foi-lhe dada voz de detenção, e enquanto o militar Fernando M. o tentava manietar e algemar, o arguido, de imediato, ao mesmo tempo que proferia a expressão “daqui ninguém me leva, seus filhos da puta”, desferiu vários pontapés nas canelas do mesmo, causando-lhe dores e hematomas; 5. O arguido, ao actuar do modo descrito em 2) a 4), bem sabia que as expressões por si proferidas eram susceptíveis de ofender a honra e consideração pessoal e profissional dos militares da GNR, tal como efectivamente aconteceu e, mão obstante, não se absteve de as proferir; 6. Estava, ainda, o arguido plenamente consciente de que os ofendidos eram militares da GNR, que se encontravam no exercício das suas funções, devidamente uniformizados, e pretendiam levar a cabo actos nestas compreendidos, actuando com o propósito de os impedir concretizar;

7. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

Mais se provou que:

8. O arguido está desempregado, e não recebe qualquer subsídio social;

9. O arguido vive sozinho desde o dia 05 de Dezembro de 2014, não paga renda;

10. O arguido tem o 9º ano de escolaridade;

11. O arguido não regista antecedentes criminais.

Com a seguinte convicção:

A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados resultou da análise crítica do teor do auto de notícia junto aos autos a fls. 02 e 03, o auto de apreensão de fls. 15, o certificado de registo criminal bem como nos depoimentos prestados pelos militares da G.N.R. que foram intervenientes nos acontecimentos em causa nos presentes autos, tudo de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, o qual impõe uma apreciação de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determinem uma convicção racional, objectivável e motivável.

É regra que os actos decisórios, em matéria penal, são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, nos termos do artigo 97.º, n.º 4 do Código de Processo Penal. Especialmente quanto à sentença, o artigo 374.º, n.º 2 determina que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamenta a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, o que, aliás, tem consagração constitucional no artigo 205.º da Lei Fundamental.

Antes de mais, importa salientar que as declarações do arguido prestou as suas declarações que não lograram de todo convencer o tribunal, porquanto estavam em estrita contradição com os depoimentos prestados pelos militares intervenientes nos factos em apreço, ainda que o arguido tivesse admitido que estivesse alterado, nervoso e embriagado e tivesse porventura proferido algumas expressões mais desagradáveis. Mais confirmou que os militares entraram na sua residência sem autorização e desde logo o manietaram, dois de cada lado, de forma rápida e eficaz, após o que começaram a agredi-lo com murros pelo que teve obrigatoriamente de “espernear”, mas para se defender, não tendo pegado no martelo, pois não conseguiu chegar até este instrumento.

De salientar que, pelo menos, parcialmente o arguido admitiu que poderá ter proferido algumas expressões, sem se recordar no entanto do seu conteúdo.

Ora, no que respeita aos depoimentos das testemunhas, militares da G.N.R., Luís M. Azevedo, José M. e Fernando M., referiram que estavam todos uniformizados, foram ao apartamento em exercício das suas funções e quando um dos militares, Fernando C., (após ter tido autorização por telefone de um dos proprietários da residência que estava preso, com outros familiares, no interior de um dos compartimentos daquela casa e era irmão do arguido), forçou a entrada vê o arguido Jorge martelo na mão em direcção este militar só não o tendo agredido pois conseguiu “deitar a mão ao braço levantado do arguido”, ao mesmo tempo que dizia “seus cabrões, filhos da puta, até os ciganos se riem de vós”

Mais acrescentaram que quando entraram no interior do apartamento viram buracos numa porta do compartimento onde as pessoas se tinham fechado e quando lhe deram voz de detenção, o arguido começou a pontapear o militar Fernando C. nas canelas para resistir e impedir que o algemassem.

Na verdade, os militares da GNR revelaram-se imparciais e credíveis, tendo relatado de forma clara e temporalmente lógica a sequência dos factos praticados pelo arguido.

Quanto aos antecedentes criminais foi valorado o Certificado de Registo Criminal junto aos autos de fls. 42 e as suas condições económicas e sociais o Tribunal tomou em consideração as declarações do arguido fazendo fé pública na veracidade das mesmas, inexistindo nos autos quaisquer elementos que as contradigam.

IV. O OBJECTO DO RECURSO

1.Omissão do relatório social

O recorrente, convocando o artigo 369º, do Código Penal, destina as Conclusões 1º a 15º a censurar o tribunal recorrido por ter omitido as diligências necessárias à averiguação das condições económicas e pessoais do arguido – o relatório social - causando, com isso, uma insuficiência da matéria de facto para a decisão, nos termos da alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal.

Apreciando:

É sabido que a insuficiência da matéria de facto para a decisão a que alude o artigo 410º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal, só se verifica, quando se conclua, a partir do texto da sentença, isoladamente considerada ou em conjugação com as regras da experiência comum, que a matéria de facto prova se revela insuficiente para a decisão correcta de direito.

Tal vício ocorre, assim, quando a factualidade apurada é exígua para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não tenha investigado toda a matéria com interesse para a decisão.

Recorde-se que, aqui, estamos perante a ausência de factos essenciais para apoiar a decisão de direito e não já a insuficiência de prova para sustentar as respostas positivas ou negativas que foram dadas aos factos que foram sujeitos a julgamento de facto.

O Relatório Social vem definido no artigo 1.º, n.º 1, alínea g) do Código de Processo Penal, como «a informação sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei».

Dispõe o artigo 370º, nº 1, do Código de Processo Penal:

«O Tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa a vir a ser aplicada, solicitar a elaboração do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo».

Como refere o Conselheiro Oliveira Mendes - Código de Processo Penal Comentado (2014), em anotação ao art. 370º citado - a redacção deste preceito «inculca a ideia de que a requisição do relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social não é obrigatória, posto que o texto legal estabelece que o tribunal pode …solicitar a elaboração do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social».

No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 20 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt), onde se lê:

«Como decorre do artigo 370.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (intocado pela revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, que apenas alterou a redacção do n.º 2, conferindo a possibilidade de os serviços de reinserção social poderem enviar ao tribunal relatório ou a respectiva actualização, independentemente de solicitação), “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento (…) solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social (…)”, a requisição de relatório social para determinação da sanção é sempre facultativa.

Na redacção originária, de 1982, a par da requisição facultativa, estava prevista no n.º 2 do preceito a solicitação obrigatória nos casos em que o arguido, à data da prática do facto, tivesse menos de 21 anos e desde que se preenchessem outros requisitos, como a possibilidade de aplicação de prisão efectiva superior a 3 anos.

A obrigatoriedade da solicitação manteve-se com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 317/95, de 28-11, que no citado n.º 2 apenas introduziu ligeira alteração, tendo em vista melhoria de redacção.

Com a revisão operada com a Lei n.º 59/98, de 25-08, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999, deixou de se fazer aquela destrinça, passando a requisição do relatório social a ser sempre meramente facultativa, mas prevendo-se a possibilidade de solicitação de informação dos serviços de reinserção social em alternativa àquele.

Este Supremo Tribunal face à redacção anterior à reforma de 1998 entendeu que, mesmo nos casos em que era obrigatória a requisição, por estarem em causa arguidos menores de 21 anos à data da prática dos factos, estando em equação os demais elementos previstos no n.º 2 então em vigor, a omissão do relatório social não constituía nulidade - acórdãos de 10-01-1993, processo n.º 43850-3.ª e de 17-09-1997, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 173.

Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, 1998, em anotação ao preceito considerava então que a falta de junção de relatório social, mesmo quando era obrigatória, não integrava, em regra, qualquer nulidade, por a lei não a prever, defendendo que nos casos em que houvesse insuficiência de matéria de facto para a decisão e em que essa matéria devesse constar do relatório ou de informação, já poderia verificar-se a nulidade dos artigos 379.º, alínea a) e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, aliás, o acórdão de 23-10-1991, in BMJ n.º 410, pág. 622).

(…)

Paulo Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 2007, pág. 914, defende que a omissão de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social constitui uma irregularidade prevista no artigo 123.º do Código de Processo Penal, por se tratar de uma diligência “necessária” de prova».

O pedido de elaboração do relatório social não se mostra, assim, obrigatório para o tribunal.

Esta interpretação não fere nenhum dos preceitos constitucionais, como já decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 182/99, de 22 de Março:

«Não é inconstitucional a norma do nº 1 do artigo 370º, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de não ser obrigatória a solicitação pelo tribunal do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social».

No caso dos autos, o tribunal acreditou nas declarações que o arguido prestou sobre as suas condições económicas e pessoais e por isso, deu como assente que:

- se encontra-se desempregado, não recebendo qualquer subsidio social.

- vive sozinho desde o dia 5 de Dezembro de 2014, não pagando renda; e

- possui como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.

Esta factualidade é suficiente para determinar correctamente a sanção que, em concreto, foi aplicada ao recorrente, uma pena não detentiva de liberdade, já que a pena de multa substituiu a pena de prisão.

Contrariamente ao alegado pelo recorrente, o arguido não foi condenado em pena de prisão efectiva, pelo que a decisão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Setembro de 2007, citado no recurso, não tem aplicação no caso concreto.

Não se mostra, assim, necessário, a elaboração do relatório social para conhecer as condições pessoais e económicas do arguido.

Estas, como se referiu, constam dos autos, não ocorrendo, por isso, qualquer insuficiência de factos a que alude o artigo 410º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal.

Se o arguido entendia que existiam outros factores da sua vida - relativos à sua personalidade e vivência pessoal e familiar (enquadramento e apoio familiar e de amigos e hábitos de trabalho) relevantes para a determinação da pena – que deveriam ser atendidos na determinação da sanção, disso deveria ter dado conhecimento ao tribunal, para que este pudesse ponderar da necessidade ou não da elaboração do relatório social ou de outros meios probatórios.

O tribunal recorrido não tinha, in casu, a obrigação de pedir o relatório social do arguido, não tendo, por isso, sido cometida, nenhuma nulidade, nem se verifica, como se disse, qualquer insuficiência da matéria de facto para a escolha da medida da pena.

Improcede, pois, a primeira questão.

2 – A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Insurge-se o Recorrente contra o modo como o tribunal recorrido apreciou a prova produzida em audiência, designadamente as declarações das testemunhas inquiridas para dar como certos os factos vertidos sob os nºs 2 e 4, da sentença.

Para chegar a tal conclusão evidencia as partes do acervo probatório que, em seu entender, arredam a convicção formada pelo tribunal.

Quanto nós, depois de ouvirmos todas a prova oral prestada em audiência e do que é possível retirar daquela audição, formámos uma convicção em tudo idêntica à do julgador de primeira instância.

É que, não podemos olvidar, que a verdade material – o fim de todo o processo penal - não é uma verdade absoluta, mas uma verdade judicial, prática e sobretudo processualmente válida - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, pág. 194 - estando o tribunal sujeito, na sua investigação, ao princípio da livre apreciação da prova formulado no artigo 127º, segundo o qual «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente», salvo quando a lei dispuser de forma diferente.

A liberdade que aqui importa, «é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 131).

A livre apreciação da prova não assenta, assim, numa convicção arbitrária e incoerente. Pelo contrário, está sujeita a um juízo objectivo, crítico e racional fundado nas regras da experiência, da lógica e da ciência e na percepção da postura de todos os declarantes, tendo como limite a dúvida inultrapassável que conduz a uma decisão sempre favorável ao arguido (in dubio pro reo). Contudo, não podemos esquecer que a convicção é, também, uma convicção pessoal, na medida em que contém factores racionalmente inexplicáveis, como a própria intuição, e mesmo elementos exclusivamente emocionais (Figueiredo Dias, ob. citada, pág. 135 e ss).

Os princípios da oralidade e da imediação assumem, aqui, particular relevância, na medida em que possibilitam a dita proximidade entre o tribunal e os demais intervenientes, em especial os declarantes, percepcionando um conjunto de circunstâncias que serão o suporte da decisão.

Através da oralidade o tribunal apercebe-se dos traços do depoimento denunciador da isenção, da imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções da voz, “olhares de súplica” para alguns dos presentes. Já a imediação vincula o juiz à percepção, utilização, valoração e credibilidade da prova (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Novembro de 2011).

«(…) A oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela íntima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens» (Germano Marques da Silva , Do Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990, pág. 68).

A convicção do julgador decorre, assim, não só do teor objectivo de todos os meios de prova, mas também das sensações proporcionadas dos meios probatórios orais, tendo em conta «a forma como esta foi produzida, relevando, designadamente, a razão de ciência dos declarantes e depoentes, a sua serenidade e distanciamento, as suas certezas, hesitações e contradições, a sua linguagem e cultura, os sinais, e reacções comportamentais revelados, a coerência ou falta dela, do seu raciocínio. E esta conjugação só é possível alcançar, no grau desejável, pela imediação e oralidade, pois só o contacto directo com o julgador com a prova, o “frente a frente” entre o juiz e a testemunha, o coloca em perfeitas condições de proceder, primeiro, à avaliação individual, e, depois, à avaliação global da prova» (Acórdão da Relação de Coimbra de 10-12-2014).

Em suma, a convicção do tribunal infere-se da conjugação de todos estes factores, analisados global, crítica e articuladamente, reproduzidos numa decisão objectiva e motivada, princípios que foram observados pelo Tribunal a quo, mesmo em relação à valoração dos relatórios periciais, como veremos mais adiante.

Volvendo à decisão sindicada, constata-se que assenta, no seu todo, na livre convicção decisor, que explica de forma clara, compreensível e sem deixar qualquer dúvida, quais os passos que deu para, em função da prova testemunhal produzida, conjugada critica e globalmente, com os documentos e as regras da experiência comum, chegar à conclusão de que o arguido praticou os factos referidos nos números 2 e 4.

Já na posição do recorrente se denota discordância em relação àquela convicção. Porém, esta convicção não se pode sobrepor à do tribunal, muito menos, quando esta se mostra, claramente alicerçada em critérios de razoabilidade, da experiência comum e, porque não dizê-lo, em ilações ditadas pela lógica das coisas.

Reavaliados os meios probatórios produzidos em audiência, não ficam quaisquer dúvidas que, quando os militares da GNR chegaram à casa sita no Bairro …, onde se encontravam familiares do arguido presos num compartimento, com medo deste, o recorrente, após lhe ter aberto a porta, disse-lhes:

- «ide embora cabrões que não vos devo nada, aqui não se passa nada; já vos disse passai-vos ao caralho antes que me passe, não entrais aqui sem um mandato, já disse, até os ciganos se riem de vós” (facto nº 2):

- «(…) foi-lhe dada voz de detenção e, enquanto o militar Fernando M. o tentava manietar e algemar, de imediato, ao mesmo tempo que proferida a expressão «daqui ninguém me leva, seus filhos da puta «desferiu vários pontapés nas canelas do mesmo, causando-lhe dores e hematomas (facto nº 4).

E, nem se diga, como se invoca no recurso, que o depoimento da testemunha Luís P. contraria aqueles factos.

Desde logo, porque a circunstância « estar um bocado mais abaixo», como é afirmado na Conclusão 27ª, foi devidamente explicada pela testemunha: encontrava-se «atrás do Coutinho, nas escadas, uns 4 ou 5 metros atrás, tendo ouvido um senhor muito agressivo, chamando-lhe “cabrão”».

Estas declarações não contrariam as de Fernando C., antes pelo contrário, as corroboram.

Para além de ter confirmado que o arguido proferiu injúrias, como por exemplo, «até os ciganos se riem de vós», esclareceu que aquelas expressões foram dirigidas a todos os militares que estavam cá fora, na fase em que ele (C…) dizia ao arguido para abrir a porta.

Por outro lado, afirmou que «estavam todos próximos uns dos outros… sempre juntos».

Ora, se considerarmos a distância que separava Fernando C. de Luís P. (cerca de 3 ou 4 metros), com mais dois outros agentes, facilmente se conclui, pelas regras da experiência comum, que os quatro militares se encontravam todos pertos uns dos outros, estando o último (Luís P.) mais atento ao que se passava cá em baixo.

Também a testemunha José M., por volta dos 7:30 confirmou que ele «ainda pontapeou o Guarda C. (…) virou-se para mim, dizendo, deixa-me bem ver a tua cara… estás fodido», não colhendo, assim, a alegação da conclusão 35º.

Esta versão é sustentada nas declarações do arguido, quando, aborda o momento em que foi manietado pelos militares, e em que reconhece ter de “espernear” para se defender.

Em suma, o Tribunal a quo - tal como consta no texto da sentença - apreciou validamente o conjunto de todas as provas produzidas em audiência, sem violação de nenhuma das regras de direito probatório, não merecendo, por isso, qualquer censura.

3. Violação do princípio in dubio pro reo

Entende, ainda, o recorrente que, perante as várias versões dos factos trazidas aos autos pelos ofendidos, resta a dúvida insanável sobre a prática dos factos, impondo-se, por isso, a sua absolvição, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

Ensina Cavaleiro Ferreira - Lições de Direito Penal, I, pág. 86 -, que este princípio respeita ao direito probatório, implicando a presunção de inocência do arguido que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante do ónus legal de prova para decidir da condenação do arguido que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos.

O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto.

É sabido que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido.

Porém, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos actos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida (A este propósito, Cristina Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997).

«O princípio geral do processo penal ora em análise é aplicável apenas nos casos em que, apesar de toda a prova recolhida, continuam os factos relevantes para a decisão a não poderem considerar-se como provados por continuar a subsistir dúvida razoável do Tribunal.

O princípio in dubio pro reo não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

(…)

A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida meramente possível, hipotética.

Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, (tal como sucede com a livre convicção) argumentada, coerente, razoável (…).

Assim, para a revogação da decisão importaria demonstrar, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido, como decidiu o Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Fevereiro de 2012, proferido no Processo nº 72/07.7JACBR.C1.

O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido - (Cf. entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 1996 Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, Tomo I, pág. 177).

In casu, patenteia o texto da decisão sindicada que tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida sobre a matéria de facto que decidiu, mas ante um estado de certeza relativamente a todos os factos que julgou verdadeiros, em especial no que toca às expressões dirigidas aos quatro militares e aos pontapés dados em Fernando C..

De igual modo, não restou em nós nenhuma dúvida razoável sobre os factos atinentes à decisão. Não há, por isso, que chamar à colação o princípio in dubio pro reo.

Mantém-se, assim, na íntegra, a decisão sobre a matéria de facto proferida pela primeira instância.

4. Dosimetria da pena

Insurge-se o recorrente contra a medida concreta da pena, sem que, em concreto indique, qual «a sanção que é desadequada e desproporcional face aos factos».

O Ministério Público pronunciou-se sobre a adequação e justeza das penas fixadas aos fins legalmente previstos.

Quanto a nós e recordando os critérios a que há-de obedecer a escolha e determinação da medida concreta da pena, diremos que aquela se há-de fixar em ordem a atingir as finalidades expressamente consagradas no artigo 40º do Código Penal: 1) a protecção de bens jurídicos e 2) a reintegração do agente na sociedade, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Na quantificação concreta da pena, o tribunal está, pois, vinculado, nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, a critérios definidos em função de exigências de prevenção, limitadas pela culpa do agente, ponderando as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente as elencadas, no nº 2, do mesmo preceito e diploma, a saber: a) o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como a violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou os motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime e f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Dentro deste quadro legal e conhecida a matéria de facto a nele subsumir, facilmente concluímos pela falta de razão do recorrente.

Desde logo, porque em relação ao crime de resistência e coacção a funcionário, previsto e punido pelo artigo 347º, nºs 1 e 2, do Código Penal, beneficiou o arguido de uma redução de, no mínimo, 7 meses de prisão.

É que o crime pelo qual o arguido foi condenado pune a sua conduta com uma pena que tem como limite mínimo um ano de prisão e não um mês de prisão como sentenciou a primeira instância.

Ora, tendo o recorrente sido condenado na pena de 5 meses de prisão - bastante inferior em relação à mínima legalmente prevista (pelo menos um ano) - a única censura que merece a sentença recorrida é a de ter decidido contra legem, ao condenar o recorrente em pena inferior ao limite mínimo da moldura penal abstractamente aplicável ao crime previsto e punido pelo artigo 347º, nº 1 e 2, do Código Penal.

Não obstante a ilegalidade da decisão, não pode esta instância alterá-la, sob pena de violar a proibição de reformatio in pejus, princípio, segundo o qual, se impõe a proibição de, oficiosamente, agravar as sanções constantes da decisão recorrida, de entre as quais, as penas de prisão.

O tribunal superior só pode modificar, na sua espécie ou medida, as penas constantes da decisão recorrida, quando tal lhe for solicitado através da interposição do competente recurso.

É o que resulta do disposto do artigo 409º, nº1, do Código de Processo Penal, onde se lê:

«interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes».

No caso em apreço, como o Ministério Público não impugnou o segmento da sentença que condenou o recorrente em 5 meses de prisão, está proibido este tribunal de reapreciar a medida da pena, de molde a enquadrá-la na moldura penal abstracta (de um a cinco anos).

Torna-se assim evidente a falta de razão do recorrente.

No que toca à pena única de 250 dias de multa (dentro de um limite entre os 100 e 400 dias), mostra-se ajustada aos critérios e finalidades previstas no artigo 77º, do Código Penal.

Com efeito, o arguido está familiarmente inserido, ainda que neste momento se encontre desempregado, não tendo antecedentes criminais.

Agiu com dolo intenso, porque directo, sendo mediano o grau da ilicitude dos factos.

No que toca ao quantum diário da multa, nenhum reparo merece a decisão recorrida que, neste tocante, em face da situação parca do arguido, entendeu como equilibrado o montante de seis euros, montante próximo do mínimo legal, nos termos do artigo 47º, nº 2, do Código Penal.

Não podemos esquecer, como decidiu o Acórdão desta Relação de 18 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt) que, na fixação do montante da multa se deve ter em consideração, para além do mais, que esta não é uma pena «menor», devendo representar para o condenado algum sofrimento, embora, dentro de condições humanas.

V – DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Penal deste Tribunal da Relação julgar não provido o Recurso interposto por Jorge M..

Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4UCS.

Guimarães, 16 de Novembro de 2015

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Alcina da Costa Ribeir

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Luís Coimbra