Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Relator: | GONÇALO OLIVEIRA MAGALHÃES | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM O RECURSO PLANO DE INSOLVÊNCIA HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Nº do Documento: | RG | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 11/23/2023 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Meio Processual: | APELAÇÕES | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | APELAÇÕES IMPROCEDENTES APELAÇÃO PROCEDENTE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Sumário: | I – Não é de admitir a junção de documentos apresentados com o requerimento de interposição de recurso quanto tais documentos não sejam supervenientes e se relacionem com factos que a parte apresentante já sujeitara à apreciação do Tribunal a quo. II – Com a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional do Tribunal que a proferiu, de tal modo que uma nova pronúncia deste sobre a mesma questão é ineficaz. III – Ressalvam-se as hipóteses de retificação de erros materiais, supressão de nulidades e reforma da sentença, nos termos previstos nos arts. 614, 615 e 616 do CPC. IV – Ocorrendo a supressão de uma nulidade decorrente da omissão de pronúncia sobre questão submetida à apreciação do Tribunal, é possível que, em função da resposta dada, ocorra alteração do sentido decisório. V – O plano de insolvência é expressão da autonomia da vontade dos credores quanto ao destino dos bens da massa insolvente. VI – Como decorrência, o juiz apenas pode recusar ex officio a homologação do plano aprovado pela maioria dos credores quando ocorra a violação de normas legais injuntivas. VII – Sem prejuízo, os credores minoritários podem deduzir oposição à homologação do plano quando este os prejudique ou leve ao favorecimento indevido de outro credor. VIII – Para aferir da demonstração ou não desta causa de recusa de homologação do plano, impõe-se ao juiz uma apreciação casuística assente na comparação entre a situação em que o credor ficará com o plano e a situação em que ele previsivelmente ficaria sem o plano. IX – Esse juízo tem, necessariamente, de ser substanciado em factos – não bastando, portanto, considerações gerais, meras conjeturas ou juízos valorativos – que o credor que pretende a recusa de homologação tem o ónus de alegar e provar. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Decisão Texto Integral: | I. § 1.º Por sentença de 7 de janeiro de 2014, foi declarada a insolvência de EMP01..., Lda. § 2.º Na assembleia de credores, realizada a 11 de março de 2014, foi apresentado, pelo administrador da insolvência nomeado, uma proposta de plano de recuperação, a qual foi rejeitada pela maioria dos credores presentes, pelo que foi determinada a liquidação dos bens que viessem a ser apreendidos para a massa insolvente. § 3.º Estando a liquidação a decorrer, a insolvente apresentou, em 7 de abril de 2020, nova proposta de plano de recuperação, a qual foi admitida por despacho de 15 de junho de 2020, complementado, a 17 de junho de 2020, por despacho que suspendeu os termos da liquidação. § 4.º Por despacho de 21 de julho de 2020, o Tribunal de 1.ª instância decidiu, em razão da pandemia e do número de credores, que não seria realizada a assembleia de credores prevista no art. 209 do CIRE e que a votação da proposta ocorreria por escrito. § 5.º A insolvente arguiu a nulidade decorrente da não realização da assembleia, o que foi indeferido por despacho de 16 de novembro de 2020. O recurso interposto, que deu origem ao apenso AF, foi rejeitado, nesta Relação, por decisão singular do relator. § 6.º Em 10 de Dezembro de 2020, votado por escrito o plano de insolvência, o administrador da insolvência apresentou um requerimento com o resultado da contagem dos votos emitidos. § 7.º Por despacho proferido em 08 de fevereiro de 2022, o Tribunal a quo considerou não aprovado o plano de insolvência, “[a]o abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 212º do CIRE”, por não ter obtido mais de 2/3 da totalidade dos votos emitidos. § 8.º Na sequência de recurso interposto pela insolvente, este Tribunal da Relação veio a declarar, através de Acórdão de 4 de novembro de 2021, a nulidade da decisão recorrida e a sua substituição por outra a ordenar a notificação do ato expressivo da votação escrita e o seu resultado, de modo a possibilitar a apresentação de eventual proposta de modificação, sua submissão aos credores e, se for caso, nova votação. § 9.º Na sequência, a insolvente apresentou, no dia 19 de setembro de 2022, “proposta de plano de recuperação devidamente atualizada.” § 10.º No dia 28 de setembro de 2022, foi proferido despacho a determinar a votação desta proposta por escrito, “considerando o elevado número de credores”, fixando-se um prazo de dez dias para esse efeito. § 11.º No dia 6 de outubro de 2022, a insolvente apresentou uma alteração à redação do ponto 2.10 do plano proposto. § 12.º A insolvente veio, entretanto, interpor recurso do despacho de 28 de setembro de 2022, na parte em que estabeleceu que a votação seria feita por escrito, com dispensa da assembleia de credores. § 13.º Até ao fim do prazo definido para a votação (13 de outubro de 2022), expressaram o seu sentido de voto os credores: a. Em 3 de Outubro de 2022 AA: voto favorável; b. Em 4 de Outubro de 2022, BB: voto contra; c. Em 4 de Outubro de 2022, EMP02..., Lda.: voto favorável; d. Em 7 de Outubro de 2022, CC: voto favorável; e. Em 7 de Outubro de 2022, DD: voto favorável; f. Em 13 de Outubro de 2022, Banco 1...: voto contra; g. Em 13 de Outubro de 2022, Banco 2..., S.A.: voto contra. § 14.º Os direitos de crédito dos referidos credores representam 72,73% do total dos créditos, assim discriminados: Banco 2..., S.A. (anterior "Banco 3..., S.A.") - 251.098,09 € Banco 1... do ..., ... e ..., C.R.L. - 328.440,23 € CC (crédito cedido por EE no Apenso AB) - 65.000,00 € BB - 64.000,00 € DD - 49.500,00 € AA - 151.928,82 € EMP02..., Lda. (cedido por FF - Apenso AC) - 60.000,00 € EMP02..., Lda. - 471.828,47 € Total dos votos emitidos 1.441.795,61 € § 15.º Em consequência, o resultado da votação foi o seguinte:
§ 16.º Por requerimento apresentado a 17 de outubro de 2022, o Banco 2..., SA, veio pedir a não homologação da proposta de plano apresentada, “ao abrigo do disposto nos arts. 216/1, a), e 215 do CIRE”, com os seguintes fundamentos: “(…) 5. No ponto 3 do plano (fls.11 in fine) prevê-se o seguinte: «3 – Fornecedores, Banca e O. Credores Créditos Comuns - A Devedora fica habilitada a promover a venda dos bens, nos termos e condições referidos no Anexo com o título de “Inventário de Bens e Direitos do Devedor”, até ao prazo limite de 24 meses a contar do último dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença que vier a homologar este plano; - O resultado de cada venda será, num prazo máximo de trinta dias, rateado pelos credores de acordo com a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos; 6. Os referidos bens a vender correspondem a 102 dos 116 imóveis de que a insolvente era proprietária à data da declaração da insolvência. 7. O legislador admite a aprovação de planos de insolvência, seja tendo em vista a recuperação da empresa, seja uma liquidação controlada do seu património. 8. Sucede que, aquilo que aqui se pretende é uma liquidação totalmente descontrolada do património da devedora, o que, obviamente, deixa os credores numa situação pior do que aquela em que ficariam na ausência de qualquer plano. Vejamos: 9. Na ausência de qualquer plano aqueles bens seriam vendidos pela Massa, por leilão eletrónico, pelo respetivo valor de mercado, a pagar até á sua concretização, e o respetivo produto depositado em conta bancária titulada pela Massa Insolvente, processo a ser conduzido pelo Senhor Administrador de Insolvência – arts. 55º, 164º e 167º, do CIRE. 10. O plano proposto propõe a venda dos referidos imóveis pela devedora, a quem esta bem entenda, por valores fixados por esta sem qualquer controlo ou critério, a pagar não se sabe quando, e desconhecendo-se em que conta e quando será depositado o produto dessa venda, quem movimenta tal conta e para que finalidades. 11. Tudo sem intervenção ou sequer controlo do Senhor Administrador de Insolvência, 12. E, logo, sem garantia para os credores de que as condições de venda sejam as que melhor satisfazem os interesses dos credores, 13. E, o que é mais grave, sem nenhuma garantia de que o produto dessas vendas venha alguma vez a ser entregue à massa e repartido pelos credores. 14. Chegado ao termo do prazo previsto no Plano para se realizarem os pagamentos, os Credores poderiam pôr em marcha o mecanismo do art. 218º do CIRE para exigir o pagamento dos seus créditos, 15. Mas nessa altura o património da devedora poderia já ter sido transferido para terceiros, 16. E o produto da sua venda poderia nunca ter entrado na Massa. 17. Deixando todos os credores (porventura com a exceção da Autoridade Tributária, único Credor ouvido quanto ao teor do Plano) com os seus créditos por satisfazer, apesar do avultado património imobiliário apreendido. 18. E, na verdade, só pode ser essa a finalidade do plano. 19. Doutra forma, não se compreenderia por que não quis a Devedora que fosse o Senhor Administrador de Insolvência a proceder à venda (ou pelo menos a fiscalizá-la) nem que o respetivo produto fosse depositado em conta da Massa. 20. A tudo isto acresce que, não tendo o Tribunal decretado que a administração da massa fosse assegurada pelo devedor (art. 224º, CIRE), a venda dos bens da Massa teria sempre de ser promovida pelo Administrador de Insolvência, para quem são transferidos os poderes de administração e disposição dos bens da empresa com a declaração da sua insolvência (art 81º, CIRE). 21. Logo, a promoção da venda do património da massa pela gerência da devedora consubstancia uma impossibilidade jurídica, ou seja, uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do Plano, devendo, implicar, também por aí, a sua não homologação – art. 215º, CIRE. Termos em que, julgando-se procedente a presente OPOSIÇÃO, deverá recusar-se a homologação do plano, caso venha a ser aprovado, ao abrigo do disposto no art. 216º, nº1, al. a) e 215º do CIRE.” § 17.º. Por requerimento apresentado no dia 10 de novembro de 2022, a insolvente declarou desistir do recurso que havia interposto a 28 de setembro de 2022 (§ 2.º). § 18.º No dia 12 de dezembro de 2022, foi proferida sentença a homologar o referido plano, do seguinte teor: EMP01..., Ld.ª apresentou plano de insolvência, que, depois de apresentado pelos devedores, veio a ser sujeito a votação pelos, sendo aprovado pelos credores votantes, com uma percentagem de 66,5 %. Tendo sido o plano aprovado, cumpre apreciar, nos termos do disposto nos arts. 214º e ss. do CIRE. Dispõe o art. 215º do CIRE que «O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação». Por seu turno, estatui o art. 216º do mesmo diploma que «1 - O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar. 2 – Se o plano de insolvência tiver sido objeto de alterações na própria assembleia, é dispensada a manifestação da oposição por parte de quem não tenha estado presente ou representado (….)». No caso concreto, considerando a lista de credores junta aos autos pelo Sr. AI, logo se constata que o plano apresentado foi aprovado por mais de dois terços da totalidade dos créditos constantes da mesma, compreendendo mais de metade dos créditos não subordinados relacionados – art. 212.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo este quaisquer condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação (art. 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa). Não foi solicitada a não homologação do plano por qualquer interessado (art. 216º). Assim sendo, deverá o plano de insolvência ser homologado. Pelo exposto, homologo por sentença, nos termos do disposto no art. 214.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de insolvência do devedor EMP01..., Ld.ª. Custas pela massa insolvente. Notifique, publicite e registe. Oportunamente, abra cls. para cumprimento do disposto no art.º 230,1,b) CIRE.” § 19.º Inconformado, o Banco 2..., SA, interpôs recurso, que culminou com as seguintes conclusões: “i. Vem o presente recurso interposto da sentença com a referência ...89, proferida em 12.12.2022, que homologou o plano de insolvência apresentado pela devedora EMP01..., LDA. ii. O aqui Recorrente apresentou nos autos, a 17/10/2022, antes da aprovação do plano, um requerimento com a referência Citius nº...82 de oposição à homologação do plano. iii. Sucede que, o tribunal não apreciou tal requerimento. iv. Tanto assim que refere, no final da primeira página da sentença que «Não foi solicitada a não homologação do plano por qualquer interessado (art. 216º).» v. Ora, de acordo com o disposto no art. 608º, nº2, do CPC, «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», o que não aconteceu no caso em apreço, uma vez que a Mma. Juiz a quo nem sequer se apercebeu do aludido requerimento de oposição do ora Recorrente à homologação do plano. vi. Tal omissão inquina a sentença ora recorrida com o vício da nulidade da omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº1, al. c), do CPC, porquanto resulta evidente que o Tribunal a quo deixou «de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar». vii. Nulidade que aqui expressamente se argui, nos termos do art. 615º, nº4, do CPC, e que deverá determinar a revogação da decisão recorrida e a consequente baixa do processo à primeira instância para que o requerimento de oposição à homologação apresentado pelo Recorrente a 17/10/2022, com a referência Citius nº...82, seja apreciado e decidido. Sem prescindir, viii. O plano prevê no seu ponto 3 (fls.11 in fine) o pagamento aos credores comuns – como é o caso do Recorrente - com o rateio do produto da venda de 102 dos 116 imóveis apreendidos nos autos, a realizar pela Devedora. ix. Concretamente, a Devedora fica «habilitada a promover a venda dos bens, nos termos e condições referidos no Anexo com o título de “Inventário de Bens e Direitos do Devedor”, até ao prazo limite de 24 meses a contar do último dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença que vier a homologar este plano; - O resultado de cada venda será, num prazo máximo de trinta dias, rateado pelos credores de acordo com a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos; x. Na ausência de qualquer plano, aqueles bens seriam vendidos pela Massa, por leilão eletrónico, público, pelo respetivo valor de mercado, a pagar até à sua concretização, e o respetivo produto depositado em conta bancária titulada pela Massa Insolvente, processo a ser conduzido pelo Senhor Administrador de Insolvência – arts. 55º, 164º e 167º, do CIRE. xi. Sucede que o plano proposto propõe a venda dos referidos imóveis pela devedora, a quem esta bem entenda, por valores fixados por esta, sem qualquer controlo ou critério, a pagar não se sabe quando, e desconhecendo-se em que conta e quando será depositado o produto dessa venda, quem movimenta tal conta e para que finalidades. xii. Pois nada é definido no plano acerca das condições em que os mais de 100 imóveis que o integram poderão ser vendidos pela insolvente! xiii. A manter-se a homologação, o gerente da Insolvente, HH, poderia vender todos aqueles imóveis pelos preços indicados no anexo “Inventário de bens e direitos do devedor (para venda)” – xiv. A serem pagos quando muito ele bem entenda – em 100 anos, por exemplo. xv. E a serem vendidos a quem ele quiser – inclusivamente a II, sua companheira /mãe do seu filho/ sua suposta inquilina / e suposta gerente da credora EMP02..., ou a esta sociedade por ela formalmente gerida (EMP02..., que também votou o plano)… xvi. Tudo sem qualquer controlo nem critério. xvii. É como entregar as galinhas na toca da raposa para que tome conta delas. xviii. O legislador admite a aprovação de planos de insolvência, seja tendo em vista a recuperação da empresa, seja destinando-se a uma liquidação controlada do seu património. xix. Sucede que, aquilo que aqui se pretende é uma liquidação totalmente descontrolada do património da devedora, o que, obviamente, deixa os credores numa situação pior do que aquela em que ficariam na ausência de qualquer plano. xx. Pois, nos termos do plano, tudo seria feito sem intervenção ou sequer controlo do Senhor Administrador de Insolvência, xxi. E, logo, sem garantia para os credores de que as condições de venda sejam as que melhor satisfazem os interesses dos credores, xxii. E, o que é mais grave, sem nenhuma garantia de que o valor de mercado dos imóveis apreendidos venha alguma vez a ser entregue à massa e repartido pelos credores. xxiii. Dir-se-á que chegado ao termo do prazo previsto no Plano para se realizarem os pagamentos, os Credores poderiam pôr em marcha o mecanismo do art. 218º do CIRE para exigir o pagamento dos seus créditos, xxiv. Mas nessa altura – 24 meses a contar do último dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória - o património da devedora já terá sido seguramente transferido para terceiros, xxv. Sem que o valor real dos imóveis tenha entrado na Massa. xxvi. E os gerentes estarão no ... ou em qualquer outra paragem distante, fora do alcance da justiça portuguesa. xxvii. Deixando todos os credores (porventura com a exceção da Autoridade Tributária, único Credor ouvido quanto ao teor do Plano) com os seus créditos por satisfazer, apesar do avultado património imobiliário apreendido. xxviii. E, na verdade, só pode ser essa a finalidade do plano. xxix. Doutra forma, não se compreenderia por que não quis a Devedora que fosse o Senhor Administrador de Insolvência a proceder à venda (ou pelo menos a fiscalizá-la) nem que o respetivo produto fosse depositado em conta da Massa. xxx. Além disso, e como se não bastasse, a Gerência da Devedora passará a ter à sua disposição a importância de €670.000,00 depositada nos autos em resultado da venda dalguns imóveis, cujo rateio se requereu sem sucesso porquanto o Tribunal entendeu, em decisão proferida a 27/10/202210, que estando suspensa a liquidação tal rateio não se poderia realizar-se. xxxi. Importância que com a homologação do Plano fica igualmente sob a disponibilidade e arbítrio da gerência que conduziu a Devedora à insolvência… xxxii. Sem qualquer controlo ou intervenção do Administrador de Insolvência! xxxiii. Sendo que o gerente HH tem, como se demonstrou, um histórico de relação violenta com os bens imóveis que lhe são confiados como fiel depositário, como sucedeu no Proc.1870/12.... que correu termos no ..., onde só com arrombamento foi possível aceder ao imóvel de que havia sido constituído fiel depositário e que entretanto esventrou por completo, xxxiv. Arrancando a porta da entrada do mesmo, demolindo paredes e tetos falsos, arrancando revestimentos do pavimento, esburacando algumas paredes interiores, removendo diversas portas interiores, bem como louças de casa de banho, fogão de sala e armários de cozinha. xxxv. Temendo-se assim fundadamente que os mais de 100 imóveis apreendidos nos autos sofram o mesmo destino se não forem vendidos no prazo no plano. xxxvi. No referido circunstancialismo, mesmo que se admitisse que o plano poderia em abstrato ter algumas vantagens, elas dissipam-se por completo perante a circunstância da sua execução ficar totalmente fora da disponibilidade e controlo do Administrador de Insolvência. xxxvii. A empresa não tem funcionários nem atividade: apenas um património valioso que importa liquidar e ratear entre os credores. xxxviii. Qualquer liquidação controlada tem o Administrador de Insolvência como figura central ou pelo menos tutelar, salvaguarda de que não haverá desvios e de que o produto da liquidação reverte de facto para os credores. xxxix. Ao excluírem liminarmente que o produto das vendas fosse depositado em conta da Massa, a movimentar pelo Administrador, fica tudo dependente da boa vontade e empenho da gerência da Devedora. xl. Tudo fica ao arbítrio e conveniência da gerência da insolvente. xli. Do exposto resulta evidente que a situação do Banco 2... ao abrigo do plano de insolvência aprovado é previsivelmente menos favorável do que aquela em que ficaria na ausência de qualquer plano. xlii. Donde devia ter sido recusada a sua homologação nos termos do disposto no art. 216º, nº1, al. a), do CIRE. xliii. Pelo que a decisão recorrida sempre deveria ser revogada e substituída por outra que recusasse a homologação do Plano. xliv. Assim ficando aberto o caminho para a Devedora, se realmente estiver bem intencionada, se entender com o Senhor Administrador de Insolvência para que em articulação com ele recupere o plano proposto, revendo os valores dos bens, fixando que a respetiva venda será realizada contra pagamento imediato do preço, com a intervenção ou pelo menos a aprovação do Senhor Administrador de Insolvência, depositando-se o produto da venda na conta da Massa e fazendo-se pagamentos aos credores com base em rateios, a partir da conta da Massa. xlv. Já que o Senhor Administrador (assim como uma maioria qualificada de credores) pode sempre convocar nova assembleia para votação de um novo plano que dê outras garantias aos credores – art. 75º, nº1, CIRE).” § 20.º Com o requerimento apresentou dois documentos, o que justificou com respetiva necessidade em face da decisão recorrida. Apresentou, mais concretamente: um auto de entrega de coisa certa, datado de 23 de fevereiro de 2016, lavrado na ação executiva n.º 1870/12...., do Juízo de Execução ..., em que era exequente; a sentença proferida, a 23 de outubro de 2018, no processo comum singular n.º 1307/16...., do Juízo Local Criminal ..., que absolveu HH e II da prática do crime de descaminho que lhes havia sido imputado na acusação do Ministério Público. § 21.º A insolvente respondeu concluindo nos seguintes termos: “A) A Recorrente sente-se incomodada com as regras da maioria previstas no artigo 212º nº 1 do CIRE mas tem de se subjugar, de se submeter, à vontade da maioria esmagadora de votos favoráveis obtidos pela proposta de plano de recuperação apresentada pela Recorrida. B) Se a maioria esmagadora dos credores, Autoridade Tributária incluída, acredita que a proposta de plano de recuperação aprovada é aquela que melhor salvaguarda, a que melhor protege, os seus lídimos interesses, a opinião subjetiva, conclusiva e difamatória da Recorrente, é a sua e não pode ter por como consequência a inversão da vontade da maioria e assim, a inversão do predito artigo 212º nº 1 do CIRE. C) A argumentação apresentada pela Recorrente não preenche a alínea a) do nº 1 do artigo 216º do mesmo Código. D) A Recorrente, para peticionar a recusa de homologação do plano de recuperação, limita-se a, sem qualquer elevação e de forma rasteira, colocar em causa a idoneidade da gerência da Recorrida e para o efeito junta documentos sem qualquer relevância para a presente instância recursiva, preterindo de forma evidente o disposto no artigo 651º nº 1 do CPC. E) Contornando e ultrapassando os impropérios constantes das alegações da presente apelação, mantendo assim a devida elevação que sempre deve nortear o esgrimir de ideias e entendimentos diversos, sobretudo em instância recursiva, tem a Recorrida de relembrar que os termos do pagamento aos credores, mormente, aos comuns, estão bem identificados na sua proposta de plano de recuperação. F) Com efeito, a Recorrida compromete-se a alienar todos os prédios que possui, no período de vinte e quatro meses a contar do último dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória, pelos preços mínimos constantes do anexo II de páginas 52 a 57 da sua proposta de plano de recuperação. G) Mais se compromete a Recorrida a ratear o valor de cada venda pelos credores, num prazo máximo de trinta dias e de acordo com a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos. H) Desta forma, o período de venda dos prédios a que a Recorrida se acomete é temporalmente bastante curto bem como o seu pagamento aos credores, estando o rateio sempre assegurado através do respeito à mencionada Sentença. I) Assim, não se concebe como pode a Recorrente invocar que estaria numa situação mais favorável na ausência de tal plano, quando para mais é certo que não põe em momento algum em causa a justeza dos preços mínimos de venda propostos no predito anexo II. J) Aliás, importa salientar que a Recorrente, que tão amargamente reclama do dilatado período temporal em que irá receber o valor do seu crédito, ao apresentar o presente recurso atrasará inevitavelmente o seu próprio ressarcimento…enfim…. K) Finalmente, se a esmagadora maioria dos credores aderiu à presente proposta de plano de recuperação foi só e unicamente por confiar – e bem – na Recorrida e que esta se encontra habilitada a realizar as vendas de uma forma mais favorável do que aquela que resultaria das vendas a efetuar pelo Sr. Administrador Judicial, entendimento este que é uma evidência e que a Recorrente tem forçosamente de acatar.” § 22.º O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal ad quem. § 23.º Por despacho da Exma. Sra. Juíza Desembargadora a quem o recurso foi distribuído, datado de 19 de abril de 2023, foi determinada a baixa do recurso à 1.ª instância, para cumprimento do disposto nos arts. 617/1 e 2 e 641/1 do CPC. § 24.º Após a baixa dos autos, a Exma. Sra. Juíza de Direito exarou, no dia 18 de julho de 2023, o seguinte despacho, nos autos do recurso: “Em obediência ao despacho preliminar antecedente, passo a conhecer da nulidade invocada nas alegações de recurso da sentença de homologação do plano de insolvência. Efetivamente assiste razão ao recorrente, pois que tal sentença enferma de lapso manifesto, ao afirmar que “não foi solicitada a não homologação do plano por qualquer interessado”, pois que tal foi requerido, por requerimento de 17-10-22, pelo ora recorrente Banco 2..., SA. Assim, tenho por verificada a nulidade da sentença prolatada, por omissão de pronúncia, passando-se, de seguida a prolatar sentença expurgada de tal nulidade.” § 25.º Na sequência, proferiu nova sentença, que replicou nos autos principais de insolvência, do seguinte teor: “EMP01..., Ld.ª apresentou plano de insolvência, que, depois de apresentado pelos devedores, veio a ser sujeito a votação pelos, sendo aprovado pelos credores votantes, com uma percentagem de 66,5 %. Tendo sido o plano aprovado, cumpre apreciar, nos termos do disposto nos arts. 214º e ss. do CIRE. Dispõe o art. 215º do CIRE que «O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação». Por seu turno, estatui o art. 216º do mesmo diploma que «1 - O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar. 2 – Se o plano de insolvência tiver sido objeto de alterações na própria assembleia, é dispensada a manifestação da oposição por parte de quem não tenha estado presente ou representado (….)». No caso concreto, considerando a lista de credores junta aos autos pelo Sr. AI, constata-se que o plano apresentado foi aprovado por 55,37 % da totalidade dos créditos constantes da mesma, compreendendo mais de metade dos créditos não subordinados relacionados – art. 212.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo este quaisquer condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação (art. 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa). Foi, no entanto, solicitada a não homologação do plano pelo credor Banco 2..., SA (art. 216º). Em suma, alega que: - No ponto 3 do plano (fls.11 in fine) prevê-se o seguinte: «3 – Fornecedores, Banca e O. Credores Créditos Comuns - A Devedora fica habilitada a promover a venda dos bens, nos termos e condições referidos no Anexo com o título de “Inventário de Bens e Direitos do Devedor”, até ao prazo limite de 24 meses a contar do último dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença que vier a homologar este plano; - O resultado de cada venda será, num prazo máximo de trinta dias, rateado pelos credores de acordo com a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos; - Os referidos bens a vender correspondem a 102 dos 116 imóveis de que a insolvente era proprietária à data da declaração da insolvência. Conclui que tal venda não é mais que pretende é uma liquidação totalmente descontrolada do património da devedora, o que deixará os credores numa situação pior do que aquela em que ficariam na ausência de qualquer plano, pois que na ausência de qualquer plano aqueles bens seriam vendidos pela Massa, por leilão eletrónico, pelo respetivo valor de mercado, a pagar até á sua concretização, e o respetivo produto depositado em conta bancária titulada pela Massa Insolvente, através de processo a ser conduzido pelo Senhor Administrador de Insolvência – arts. 55º, 164º e 167º, do CIRE. Acrescenta que chegado ao termo do prazo previsto no Plano para se realizarem os pagamentos, os Credores poderiam pôr em marcha o mecanismo do art. 218º do CIRE para exigir o pagamento dos seus créditos, mas nessa altura o património da devedora poderia já ter sido transferido para terceiros, e o produto da sua venda poderia nunca ter entrado na Massa. Cumpre decidir. Consideramos que assiste razão ao credor Banco 2..., SA. Com efeito, o que se pretende com o plano apresentado mais não é que a liquidação da grande maioria dos bens da massa (cerca de 100 imóveis) pela devedora, sendo que a liquidação no âmbito do processo de insolvência reveste mais garantias de transparência e obtenção de preços adequados aos bens a liquidar. Posteriormente à liquidação efetuada pelo tribunal, a elaboração de mapa de rateio permite a justa divisão do valor da massa pelos credores, de acordo com as normas de graduação de créditos aplicáveis. Ou seja, a aprovação do plano redundaria na colocação dos credores em situação menos favorável do que a que existiria na ausência deste – cf. n.º 1, al. a) do art.º 216 CIRE. Termos em que, julgando-se procedente a oposição à aprovação do plano, recuso a homologação do plano de insolvência do devedor EMP01..., Ld.ª. Custas pela massa insolvente. Notifique. Em consequência, e conforme o disposto no art.º 617 Código de Processo Civil, pronuncie-se o recorrente sobre o interesse na manutenção do recurso.” § 26.º O Recorrente veio manifestar o seu desinteresse no recurso. § 27.º Já a Recorrida veio requerer a subida dos autos para apreciação do conteúdo da alteração introduzida na sentença recorrida, o que veio a acontecer, tendo os autos sido redistribuídos, em resultado da transferência da anterior Relatora para outro Tribunal da Relação. § 28.º Entretanto, a mesma Recorrida apresentou, nos autos principais de insolvência, recurso da sentença de 18 de julho de 2023, que culminou com as seguintes conclusões: A)Na sequência da interposição de recurso de apelação por parte do credor “Banco 2..., S.A.” de 30.12.2022, referência ...37, no qual foi arguida a nulidade da sentença homologatória do plano de recuperação proferida em 12.12.2022, referência ...89, por alegada omissão de pronúncia, o tribunal a quo considerou que tal nulidade se verificava e, em consequência, inverteu, através da Sentença ora recorrida, a predita sentença homologatória, alterando-a por outra que recusou essa mesma homologação. B) Este procedimento é claramente violador do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 613.º do CPC. C) O Tribunal “a quo” entendeu, após certamente ter procedido à leitura atenta e aprofundada da proposta de plano de recuperação aprovada pelos credores, de que esta não padecia de qualquer ilegalidade, homologando-a. D) E assim, não se entende que o mesmo Tribunal “a quo”, ao analisar o requerimento de um credor sobre o teor desse mesmo plano de recuperação tenha, subitamente e sobre a mesma exata substância do plano de recuperação, uma interpretação radicalmente contrária daquela que inelutavelmente teve no passado mês de dezembro de 2022, recusando aquilo que anteriormente, de forma expressa, anuiu. E) Como é possível o Tribunal “a quo” ter subitamente mudado de opinião e, repete-se, após homologar o plano de recuperação considerando-o de acordo com a Ordem Jurídica, declarar agora que o “que se pretende com o plano apresentado mais não é que a liquidação da grande maioria dos bens da massa (cerca de 100 imóveis) pela devedora, sendo que a liquidação no âmbito do processo de insolvência reveste mais garantias de transparência e obtenção de preços adequados aos bens a liquidar. Posteriormente à liquidação efetuada pelo tribunal, a elaboração de mapa de rateio permite a justa divisão do valor da massa pelos credores, de acordo com as normas de graduação de créditos aplicáveis. Ou seja, a aprovação do plano redundaria na colocação dos credores em situação menos favorável do que a que existiria na ausência deste – cf. n.º 1, al. a) do art.º 216 CIRE.”? F) O suprimento da nulidade legalmente previsto no artigo 613º nº 2 do CPC não contempla, forçosamente, a atribuição ao Tribunal “a quo” da possibilidade para mudar radicalmente de entendimento sobre uma determinada matéria de índole exclusivamente de Direito, sob pena de preterir flagrantemente o princípio do esgotamento do poder jurisdicional previsto no nº 1 do artigo 613º do CPC. G) Assim e concluindo, se é certo que o Tribunal “a quo” se deveria ter pronunciado sobre o teor do requerimento do credor em causa, a verdade é que a possibilidade de suprimento de nulidades prevista no artigo 613º nº 2 do CPC tem obviamente limites, não sendo em consequência permitido alterar totalmente o entendimento perfilhado sobre matérias substantivamente de Direito, sob pena de colocar em causa, repete-se, o princípio do esgotamento do poder jurisdicional. H) Face ao exposto, tem a Sentença ora recorrida de ser forçosamente revogada, por manifesta preterição do disposto no artigo 613º nºs 1 e 2 do CPC.” § 29.º Também o credor EMP02..., Lda., interpôs recurso, que concluiu da seguinte forma: “1.ª Veio o credor “Banco 2..., S.A.” arguir a nulidade da sentença homologatória do plano de recuperação proferida em 12.12.2022, por alegada omissão de pronúncia; 2.ª Tendo em face disso o Tribunal a quo considerado que de facto tal nulidade se verificava e, em consequência, mais de seis meses depois de ter por Sentença homologado o plano recorrido pelo dito credor, invertendo completamente a sua posição e decisão, alterando-a por outra que recusou essa mesma homologação; 3.ª Posição esta agora do Tribunal recorrido que vai contra a vontade aposta na votação do plano de insolvência apresentado pela devedora, onde 66,5% dos credores votaram favoravelmente ao dito plano, dos quais fazem parte o aqui recorrente; 4.ª Preterindo o Tribunal a quo a vontade do credor Banco 2..., S.A., em detrimento do Recorrente e da maioria dos credores, sem qual fundamentação para a sua posição; 5.ª Credor este (Banco 2..., S.A.) que ao contrário do Recorrente e dos demais credores que votaram favoravelmente viu já satisfeito o pagamento da maioria do seu crédito; 6.ª Tendo apenas nesta data o crédito sob condição de 251.098,09€; 7.ª Existindo um claro erro na apreciação da matéria de facto e de direito por parte do Tribunal recorrido, violando o disposto nos artigos 613.º, n.º 1 e 2 do CPC, bem como artigos 75º, 193º, n.º 2, 209º e 214º, do CIRE; 8.ª E, o suprimento da nulidade legalmente previsto no artigo 613º nº 2 do CPC não contempla, forçosamente, a atribuição ao Tribunal a quo da possibilidade para mudar radicalmente de entendimento sobre uma determinada matéria de índole exclusivamente de Direito, sob pena de preterir flagrantemente o princípio do esgotamento do poder jurisdicional previsto no nº 1 do artigo 613º do CPC. 9.ª Assim ainda que possa e deva o Tribunal a quo pronunciar-se sobre o teor do requerimento do credor Banco 2..., S.A., a verdade é que a possibilidade de suprimento de nulidades prevista no artigo 613º nº 2 do CPC tem obviamente limites, não sendo em consequência permitido alterar totalmente o entendimento perfilhado sobre matérias substantivamente de Direito, sob pena de colocar em causa, sob pena de colocar em causa, a segurança e certeza jurídica, o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, mas acima de tudo a real vontade da maioria dos credores em detrimento de um credor minoritário; 10.ª deste modo, tem a Sentença ora recorrida de ser forçosamente revogada, por manifesta preterição do disposto no artigo 613º nºs 1 e 2 do CPC, bem como artigos 75º, 193º, n.º 2, 209º e 214º, do CIRE.” § 30.º O Banco 2..., SA, respondeu a estes recursos pugnando pela respetiva improcedência e manutenção da sentença de 18 de julho de 2023. § 31.º Estes recursos foram também admitidos como sendo de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal ad quem. § 32.º Versando os recursos a mesma decisão, foi determinado, por despacho do novo Relator a incorporação de todos no apenso mais antigo. *** II.As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608/2, parte final, ex vi do art. 663/2, parte final, ambos do CPC). Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação. Deste modo, lendo as conclusões dos recursos, as questões que se colocam são as seguintes, de acordo com a sua ordem lógica de conhecimento: 1.ª Saber se deve ser deferida a junção aos autos dos documentos apresentados pelo Banco 2..., SA (recurso interposto pelo Banco 2... e que subiu a pedido da insolvente, que assim passou a assumir nele a qualidade de Recorrente); 2.ª Saber se o poder jurisdicional do Tribunal a quo no que tange à homologação do plano de insolvência aprovado pelos credores ficou esgotado com a sentença de 12 de dezembro de 2022 e, em caso afirmativo, quais as consequências que de tal resultam para a sentença de 18 de julho de 2023 (recursos interpostos pela insolvente e pela credora EMP02..., Lda.); 3.ª Saber, em qualquer caso, se foi correta a decisão de não homologação do plano, a pedido do Banco 2..., SA, com fundamento no disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 216 do CIRE (recurso interposto pelo Banco 2... e que subiu a pedido da insolvente, que assim passou a assumir nele a qualidade de Recorrente). De fora do objeto dos recursos ficam as seguintes questões, já protegidas pelo caso julgado formal: a dispensa da assembleia de credores e votação da proposta do plano por escrito; a aprovação do Plano de Recuperação; a inexistência de fundamento para a não homologação oficiosa do plano com fundamento em violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, ut art. 215 do CIRE. *** III.1) Os factos a considerar são os enunciados no relatório deste Acórdão e ainda o teor do Plano de Recuperação apresentado a 29 de setembro, com a alteração introduzida a 6 de outubro de 2022, e respetivos anexos, aqui se transcrevendo as partes mais relevantes para o conhecimento dos recursos e dando por reproduzidas as restantes: “1. Teor do Plano: “I – Identificação da empresa (…) II – Caraterização da empresa (…) III – Conteúdo do Plano (art. 195 do CIRE) 3.1 – O Plano de Recuperação deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência. 1 – Estado – Segurança Social (…) 2 – Estado – Autoridade Tributária (…) 3- Fornecedores, bancas e outros credores Créditos comuns- - A devedora fica habilitada a promover a venda dos bens, nos termos e condições referidos nos Anexos com o título de “Inventário de bens e direitos do devedor”, até ao prazo de 24 meses a contar do último dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença que vier a homologar este Plano; - O resultado de cada venda será, num prazo máximo de trinta dias, rateado pelos credores de acordo com a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos; Créditos sob condição Plano de regularização: Aos créditos cuja condição se verificou na pendência do processo ou venha a verificar, a administração da devedora propõe proceder ao seu pagamento nos mesmo e exatos termos em que fica estabelecido para os créditos do mesmo tipo e natureza, já verificados sem condição, aproveitando o prazo remanescente à referida verificação da condição. (…) EMP02... - Dação em pagamento dos imóveis descritos na Conservatória de Registo Predial de ... ... sob o n.º ...60 e inscrito na matriz da freguesia sob os arts. ...6, para quitação do crédito sobre o qual recai a hipoteca do bem. (…) 5 – Manutenção das garantias existentes As garantias existentes mantêm-se sem qualquer alteração. Caso o Plano seja aprovado, tal não constitui novação da dívida mantendo-se as garantias nos exatos termos inicialmente prestados. (…) Créditos sobre a devedora (…) 25 Financiamentos obtidos Banco 3..., SA Créditos sob condição: € 251 098,09; Regularização por clientes / fornecedores / outros: € 251 098,09; Perdão bruto proposto: 0,00%; Transformação em capital: 0,00%; A pagar pela devedora: 0,00 (…) 3.2 – O plano de recuperação deve indicar: 3.2.1 – Indicar a sua finalidade O Plano de Recuperação tem por finalidade expor as condições em que os credores e a administração a devedora definem a continuidade da empresa, sob a administração da devedora, e nomeadamente os termos em que serão feitos os reembolsos dos créditos sobre a insolvência. (…) Caraterização das principais medidas No fundamental, são as já descritas no ponto 3.1 (…) (…) Análise da situação interna Situação atual dos recursos e capacidade da empresa (…) b. A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade Os meios de satisfação dos credores serão obtidos [através] da recuperação da sociedade titular da empresa. Ou seja, o que se perspetiva é que os credores – fornecedores e outros credores, conforme já mencionado, deem o seu acordo a que sejam consolidados os créditos para prazos compatíveis com as capacidades da empresa para libertar fundos, tudo nos termos já exposto. E, possa a empresa retomar um nível de negócios que permita uma libertação de fundos capaz de fase face aos compromissos assumidos. Em síntese, o pagamento aos credores é feito por venda de imóveis devidamente acabados, tais como lojas, apartamentos e outros. Recurso a capitais próprios ou alheios, obtidos por rendimentos gerados pela manutenção em atividade ou por um investidor na empresa, reestruturado o seu passivo e prevenidas as ruturas de tesouraria. (…) d. O impacto expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de recuperação (a devedora sem aprovação do Plano de Recuperação) No seguimento da situação patrimonial acima descrita, e que culminaram na apresentação à insolvência, pode, na ausência do apoio dos credores ao Plano de Recuperação, tomar-se como certo o cenário de liquidação dos ativos da insolvente. (…) e. A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação O Plano apresentado, nos termos em que é elaborado, pressupostos admitidos e objetivos que se propõe, é manifestamente um plano de recuperação financeira da insolvente. Assim, por definição são derrogados todos os artigos do CIRE que preceituam que à declaração de insolvência se segue a apreensão, liquidação e partilha dos bens que integram a massa insolvente. Não se procede à enumeração exaustiva dos artigos do CIRE derrogados, o que se fundamente nas anotações ao art. 195 do CIRE e principalmente à alínea e) do n.º 2 deste mesmo artigo, feitas por Carvalho Fernandes e João Labareda (…)” 2. Teor do Anexo II: “Lista Bens a vender pela Devedora: (…) *** 2).1. Vejamos então a resposta a dar às questões enunciadas, começando pela da junção aos autos dos documentos que foram apresentados com as alegações de recurso do Banco 2..., SA, o que nos remete para o disposto no art. 651/1 do CPC, do seguinte teor: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425 ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.”Da articulação entre os dois preceitos – art. 425 e art. 651/1 – resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (ii) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. A primeira situação está relacionada com a superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva. A segunda – que é a única que assume relevo para a situação decidenda – pressupõe a novidade ou a imprevisibilidade da decisão recorrida relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo (STJ 30.04.2019, 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2). Sobre esta hipótese deve, no entanto, colocar-se uma ressalva para a qual chamam a atenção Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, I, Parte Geral e Processo de declaração – Artigos 1.º a 702.º, Coimbra: Almedina, 2018, p. 786): para a junção às alegações de recurso de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não pode servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado. Explicam os autores que a junção de documentos às alegações de recurso só pode ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam. Resulta daqui que não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma direta e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas. É justamente esta a situação com que nos confrontamos: os documentos apresentados relacionam-se com factos que já antes da decisão da 1.ª instância o Banco 2... invocara, sujeitando-a à apreciação da 1.ª instância. Não faz sentido que apresente agora os documentos com o argumento de que a decisão da 1.ª instância não atendeu a sua oposição baseada, precisamente, naqueles factos. Deve, por conseguinte, rejeitar-se a junção dos documentos fundada na surpresa quanto ao teor da decisão da 1.ª instância. *** 2).2.1. Vejamos agora a 2.ª questão.Com a sentença, o juiz deixa de poder pronunciar-se sobre o objeto da causa. É o que se designa por “esgotamento do poder jurisdicional” (art. 613/1 do CPC). A sentença atinge, assim, o primeiro nível de estabilidade. Trata-se de uma estabilidade interna, restrita ao órgão que a proferiu (Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra: Almedina, 2021, p. 174). O segundo nível, já alargado, vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (art. 620), ou mesmo, fora dele, outros tribunais (art. 619), apenas será atingido quando a sentença transitar em julgado, nos termos do art. 628/1. Aquele primeiro nível de estabilidade significa que, prolatada a sentença, o tribunal não a pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais, fundada nos princípios da segurança jurídica e da imparcialidade do juiz. *** 2).2.2. De acordo com Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pp.329-330, nota 38, a prolação de nova decisão fora dos casos dos casos contemplados no n.º 2 do art. 613 (retificação de erros materiais, supressão de nulidades e reforma da sentença) constitui uma nulidade processual, sanável pela falta de tempestiva arguição.Este entendimento não é, porém, consensual na doutrina e na jurisprudência. Assim, de acordo com Paulo Cunha, Da Marcha do Processo: Processo Comum de Declaração, II, 2.ª ed., Braga, 1944, pp. 358-359, estamos perante uma verdadeira inexistência jurídica. Já para João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, Lisboa: AAFDL, 1978/79, p. 300), trata-se antes de um caso de ineficácia, por aplicação analógica da norma do art. 675/2 do CPC de 1961, semelhante à do CPC de 2013, atualmente em vigor. Na jurisprudência, considerou-se que a sentença proferida quando o poder jurisdicional estava esgotado é ineficaz em RC 24.04.2018 (3639/09.5TJCBR-A.C1) e RG 16.05.2019 (838/12.6TBGMR-F.G1). Em RG 2.03.2023 (120724/15.0YIPRT.1.G1-A) e em RL 23.03.2023 (10693/14.6T8LSB.L1-8) entendeu-se que a sentença é inexistente. A nosso ver, conforme escrevemos, a necessidade de evitar a insegurança e a incerteza está na base deste primeiro grau de estabilidade das decisões judiciais. Como escreve Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1984, p. 127, “[q]ue o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.” Tendo isto como ponto de partida, entendemos que é de excluir a tese que reconduz o vício a uma simples nulidade processual, dependente de arguição, a qual não se coaduna nem com a gravidade do vício e o seu potencial de lesão para o sistema de administração da justiça nem com a letra do art. 613/1 que, através do advérbio de tempo imediatamente, vinca bem a relevância do princípio. Por outro lado, sem entrar na discussão sobre se a inexistência constitui uma figura autónoma (inter alia, no domínio do negócio jurídico, Carlos Ferreira de Almeida, “Invalidade, inexistência e ineficácia”, Católica Law Review, I, n.º 2, maio de 2017, pp. 9-33), sempre notamos que subjacente a tal vício está a ideia de que sem sequer na aparência se verifica o corpus de um determinado ato ou, existindo embora a aparência, a realidade contradiz essa noção. Será o caso da sentença proferida por quem, pura e simplesmente, não é titular do poder jurisdicional ou a sentença que crie um estado de coisas impossível. Não é o que sucede quando a sentença é proferida por um juiz, investido do poder jurisdicional de administrar a justiça em nome do povo, conforme diz o art. 202 da Constituição da República, mas que, por ter cumprido já essa sua obrigação (Alberto dos Reis, Código cit., p. 127), viu exaurido, na concreta situação, aquele seu poder. Daí que nos pareça mais adequada a solução proposta no citado RC 24.04.2018 no sentido de considerar que a sentença proferida em tais circunstâncias é ineficaz nos mesmos termos em que o é a sentença proferida em afronta a uma outra, já transitada, que decidiu a mesma questão, por aplicação do disposto no art. 625/1 do CPC. Como se escreve no aresto, “se a lei determina a ineficácia entre duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, no referido art. 625º do NCPC, paralisando a que transitou em segundo lugar, afigura-se-nos que semelhante raciocínio e consequência jurídica, pode ser feito e há-de ser tirada em relação à situação processual imediatamente antecedente, isto é, quando embora ainda não haja trânsito em julgado de nenhuma das decisões, tivessem sido proferidas duas, de seguida, de sinal contrário. Ou seja, perante a intangibilidade da primeira decisão a defesa da sua eficácia faz-se a montante, num momento anterior, em vez de se esperar que tal ineficácia se produza a jusante, num momento posterior.” *** 2).2.3. A regra comporta, todavia, ressalvas, conforme resulta, claramente, do n.º 2 do art. 613, onde se diz que “[é] lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.”Estão em causa, portanto, as situações em que o juiz pode retificar erros materiais (art. 614), suprir nulidades (art. 615) e reformar a sentença (art. 616). No caso vertente, importa que se atente nas situações do segundo tipo, uma vez que a sentença de 18 de julho de 2023 surge na sequência da arguição, no recurso interposto da sentença de 12 de dezembro de 2022, de uma nulidade por omissão de pronúncia e do subsequente cumprimento, pelo Tribunal a quo, do disposto no n.º 1 do art. 617 do CPC. Diz esta norma que “[s]e a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.” A norma deve ser conjugada com a do art. 615/1 e 4, onde se estabelecem as causas de nulidade da sentença e se diz que as previstas nas alíneas b) a e) devem ser arguidas em sede de recurso, salvo se este não for admissível, caso em que devem ser suscitadas perante o tribunal que proferiu a sentença (cf. art. 617/6). Como corolário, conhecida a nulidade, o recorrente pode desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o seu âmbito, em conformidade com a alteração introduzida na sentença (art. 617/3). Significa isto que a alteração pode mesmo redundar numa inversão do sentido da decisão. Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, como sucedeu no caso, desistir do recurso, o recorrido pode requerer a subida dos autos para decidir da “admissibilidade da alteração introduzida na sentença”, assumindo, a partir desse momento, a posição de recorrente (art. 617/4). Como referem Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, o termo admissibilidade é incorreto: “o tribunal superior pronunciar-se-á, sim, sobre o conteúdo da alteração, isto é, sobre o novo conteúdo da sentença (que a alteração integra) e não sobre se era admissível alterar a sentença.” *** 2).2.4. Foi, como escrevemos, o que sucedeu no caso: proferida a sentença de 12 de dezembro de 2022, o credor Banco 2..., SA, interpôs recurso e, entre o mais, alegou que naquela sentença tinha sido omitida pronúncia sobre o pedido que formulara no sentido da não homologação do plano de insolvência apresentado e aprovado pela maioria dos credores (art. 615/1, d), do CPC); reconhecendo essa omissão, o Tribunal a quo, supriu-a e, conhecendo daquele pedido, entendeu que o mesmo devia proceder, o que o levou a proferir sentença de não homologação. E só na aparência existe contradição entre as duas decisões. Com efeito, na sentença de 22 de dezembro de 2022, o Tribunal a quo viu-se confrontado com duas questões: uma, de conhecimento oficioso, consistia em saber se a homologação do plano de recuperação aprovado pela maioria dos credores devia ser rejeitada por ocorrer “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo” (art. 215 do CIRE); a outra, cujo conhecimento não era oficioso, consistia em saber se o plano implicava um prejuízo para a situação do requerente Banco 4... face à que previsivelmente se verificaria na sua ausência (art. 216/1, a), do CIRE). Apenas a primeira foi conhecida. O não conhecimento da segunda redundou numa omissão de pronúncia, causa de nulidade da sentença (art. 615/1, d), do CPC), que foi suprida, como se impunha, com a prolação da sentença de 18 de julho de 2023. Resulta, assim, claro que quando a sentença de 18 de julho de 2023 foi proferida o Tribunal a quo mantinha o seu poder jurisdicional quanto à segunda das questões – aquela em relação à qual não o esgotara, resultado, a um tempo, da omissão de pronúncia e, a outro, da arguição desta através do mecanismo processual adequado. Cabia-lhe, então, conhecer de tal questão, ato no qual devia apenas obediência à Constituição e à lei (art. 4.º/1 do EMJ), o que poderia levar, como levou, a uma decisão no sentido da não homologação do Plano. Por força do disposto no art. 617/2 esta decisão – a de 18 de julho de 2023 – integrou-se na anterior – a de 22 de dezembro de 2022. Em bom rigor, ambas passaram a formar uma só e unitária decisão, em que são conhecidas as duas questões colocadas à apreciação do Tribunal. É esta que constitui agora o objeto do recurso. A resposta a esta questão é, portanto, negativa, com a consequente resposta negativa à 2.ª questão e a improcedência dos recursos da insolvente e da credora EMP02..., Lda., que versam, precisamente, sobre ela. *** 3).1. A parte final da resposta dada à 2.ª questão serve de mote para a resposta à 3.ª: ao recusar a homologação do plano com o fundamento invocado pelo Banco 2..., SA, que assume agora a veste de Recorrido, a sentença incorreu em erro de direito ao integrar a situação na previsão da norma do art. 216/1, a), do CIRE?*** 3).2. O art. 1.º/1 do CIRE, na redação da Lei n.º 16/2012, de 20.04, diz que “[o] processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.”Resulta daqui que, atualmente, o plano de insolvência está no “centro de gravidade do processo” (Ana Perestrelo de Oliveira, Limites da Autonomia dos Credores na Recuperação da Empresa Insolvente, Coimbra: Almedina, 2013, p. 8), o que representa uma inflexão, no sentido da recuperação da empresa insolvente, relativamente à versão original do CIRE, que privilegiava a liquidação do património do devedor insolvente e a sua repartição pelos credores. Trata-se, no entanto, de uma inflexão mais aparente que real: desde logo, porque o plano de insolvência pode não ter como finalidade a recuperação; depois, porque não há mecanismos legais ou judiciais especificamente criados para garantir a prioridade da aprovação do plano de insolvência. Neste contexto, apenas se acrescentou o n.º 3 ao art. 192, que obriga, nos casos em que o plano de insolvência se destine à recuperação, que a tal seja feita menção expressa em todos os documentos e publicações respeitantes ao plano de insolvência. A propósito, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 8.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, p. 366. Como é denunciado no ponto 5 do Preâmbulo do DL n.º 53/2004, de 18.03, diploma que aprovou o CIRE, a figura do plano de insolvência tem a sua inspiração no Insolvenzplan da lei alemã (arts. 217 a 269 da InsO). Através dela é possível afastar a aplicação das normas do CIRE relativas à liquidação do património do devedor e ao pagamento aos credores, com ressalva das de natureza imperativa, prevendo formas diversas de liquidação e pagamento, ou mesmo a recuperação da empresa. Dito de outra forma, “[o] plano de insolvência pode, de facto, ter finalidades liquidatórias e regular o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos credores ou a responsabilidade do devedor após o fim do processo de insolvência (cf. art. 192/1). Mas pode ainda ter a finalidade de recuperação da empresa e regular as medidas para a atingir (cf. art. 1.º/1). Neste caso, ele configura aquilo que, depois da alteração da Lei n.º 16/2012, de 20.04, se chama um plano de recuperação (cf. n.º 3 do art. 192), sendo o único instrumento que a lei prevê para este efeito” (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2021, p. 328). Resulta, assim, que são concebíveis quatro modalidades de plano (art. 195/2 do CIRE): o plano de liquidação da massa insolvente, o plano de recuperação, o plano de saneamento por transmissão da empresa a outra entidade e o plano misto, que resulta da liberdade de combinar todas ou algumas das modalidades anteriores. Assim, Catarina Serra, idem. No mesmo sentido, Menezes Cordeiro, “Introdução ao Direito da Insolvência”, O Direito, 137.º, 2005, pp. 465-506; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, II, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, pp. 11-12 *** 3).3. Como se vê, o CIRE deixa o processo subsequente à declaração de insolvência nas mãos dos credores, confiando resultar disso, no dizer se E. Santos Júnior (“O Plano de Insolvência. Algumas Notas”, O Direito, 138.º, III, 2006, p. 575), uma expressão da lei do mercado quanto ao destino dos bens da massa insolvente: aos credores cabe decidir da liquidação desses bens, segundo o modelo legal supletivo, se não optarem por um plano de insolvência, ou da sua liquidação ou, enfim, da recuperação da empresa, segundo um plano de insolvência”Nesta medida, o plano de insolvência é um acordo aprovado por uma maioria de credores da insolvência que, uma vez homologado judicialmente, vincula todos os credores da insolvência, tenham reclamado ou não os seus créditos, participado ou não nas negociações, votado a favor ou contra o plano, o devedor (em princípio, independentemente da sua anuência) e até terceiros (como, por exemplo, os sócios) (art. 217/1), podendo, por isso, levar a um desvio ao princípio da eficácia relativa dos contratos (art. 406/ 2 do Código Civil) (Madalena Perestrelo de Oliveira, Limites cit., p. 50). Consiste num modelo negocial de autocomposição dos interesses dos credores (da insolvência) regido pelo princípio da liberdade contratual e sujeito a controlo jurisdicional através de sentença homologatória (RC 17.03.2015, 338/13.7TBOFR-A.C1). Para E. Santos Júnior (loc. cit.) é um negócio plural (porque comporta diversas pessoas, sem ser, no entanto, um negócio plurilateral), que “consubstancia um instituto próprio do Direito da Insolvência, que resulta e se reveste do carácter negocial de uma deliberação, acarretando, uma vez homologado, efeitos materiais e processuais.” Para Coutinho de Abreu (“Recuperação de empresas em processo de falência, AAVV, Ars Iudicandi. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, II, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 20), o plano de insolvência “tem natureza jurídico-negocial.” Visa privilegiar a vontade dos credores quanto ao modo como pretendem ver protegidos os seus interesses e satisfeitos os seus direitos de crédito. Neste sentido, na jurisprudência, RP 31.01.2008 (0736250), RP 16.03.2010 (3667/04.7TJVNF-AA.P1) e RG de 22.09.2022 (129/19.1T8MDL.G1). A exigência de homologação pelo juiz é mera condição de eficácia do plano (E. Santos Júnior, loc. cit., p. 590; Carvalho Fernandes / João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa: Quid Juris, 2013, p. 792). *** 3).4. Têm legitimidade para apresentar uma proposta de plano de insolvência (art. 193/1): (i) o administrador da insolvência, por iniciativa própria ou na sequência de deliberação da assembleia de credores (arts. 156/3, e 193/2 e 3); (ii) o devedor, quer quando se apresenta voluntariamente à insolvência (art. 24/3), quer na sequência da citação para se opor ao pedido de insolvência que, contra ele, tenha sido deduzido; (iii) qualquer pessoa que responda legalmente pelas dívidas da insolvência (art. 6/2); e qualquer credor ou grupo de credores cujos créditos representem, pelo menos, um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos ou, se tal sentença ainda não tiver sido proferida, de acordo com a estimativa do juiz. Conforme foi entendido em RG 30.11.2022 (5468/19.9T8VNF-AP.G1), “[o] devedor, os credores e os demais legitimados, nos termos do artigo 193 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, podem apresentar, aolongo do processo, mais do que uma proposta de plano de insolvência.” *** 3).5. O CIRE reconhece aos credores total liberdade na fixação do conteúdo do plano. Existe, assim, uma atipicidade quanto às concretas medidas que podem constar dele. O único limite é estabelecido, percutimos, pelas normas legais imperativas.Sem prejuízo, para salvaguarda da segurança jurídica (Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Coimbra: Almedina, 2023, p. 537), o plano de insolvência deve, nos termos do art. 195/1, indicar, de forma clara e precisa, as alterações que dele decorram para as posições jurídicas dos credores da insolvência. Em particular, de acordo com o art. 195/2, o plano de insolvência deve, sob pena de vir a ser recusada a sua homologação: a) indicar a sua finalidade, isto é, se o plano se destina à liquidação da massa insolvente ou à recuperação do devedor; b) descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar; c) conter todos os elementos relevantes ou essenciais para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente: i) a identificação da empresa, indicando o seu nome ou firma, sede, número de identificação fiscal ou número de identificação de pessoa coletiva, e do administrador da insolvência nomeado; ii) a descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor; iii) a indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade; iv) no caso de se prever a manutenção em atividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores à custa dos respetivos rendimentos, o plano de investimentos, a conta de exploração previsional, a demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, especificando fundamentadamente os principais pressupostos subjacentes a essas previsões, e o balanço pró-forma, em que os elementos do ativo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respetivos valores; v) as formas de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores, a posição dos trabalhadores na empresa e, se for caso disso, as consequências gerais relativamente ao emprego, designadamente despedimentos, redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho; vi) o impacto expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência; vii) a indicação dos credores que não são afetados pelo plano de insolvência, juntamente com uma descrição das razões pelas quais o plano não os afeta; viii) qualquer novo financiamento previsto no âmbito do plano de insolvência e as razões pelas quais esse novo financiamento é necessário para executar o plano; e ix) a indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação. De qualquer modo, a lei indica as medidas mais usuais. São elas, em primeiro lugar, as providências com incidência no passivo, como sejam o perdão e a redução de créditos, a modificação dos prazos de vencimento dos créditos, a constituição de garantias e a cessão de bens aos credores (art. 196), em segundo lugar, determinadas providências específicas das sociedades comerciais, como, por exemplo, a redução do capital social para cobertura de prejuízos, o aumento do capital social, resultante da conversão de créditos em participações sociais, a alteração do título constitutivo da sociedade, a transformação do tipo social, a alteração dos órgãos sociais, a exclusão de todos ou alguns sócios (art. 198) e, em terceiro lugar, o saneamento por transmissão que consiste na constituição de uma ou mais sociedade destinadas à exploração do estabelecimento adquirido à massa insolvente. Se no plano de insolvência não se dispuser, de forma expressa, em sentido diverso, observam-se as seguintes regras (art. 197): a) os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afetados pelo plano; b) os créditos subordinados consideram-se objeto de perdão total; c) o cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais (art. 6.º) do remanescente das dívidas da insolvência cuja satisfação não se encontre garantida pelo plano. *** 3).6. Apresentada a proposta de plano de insolvência, necessariamente precedida da declaração de insolvência do devedor – tanto que a assembleia de credores destinada à sua discussão e votação não se pode reunir antes do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, antes de esgotado o prazo para a impugnação da lista de credores reconhecidos e antes da realização da assembleia de apreciação do relatório ou, caso não seja designado dia para a realização desta (art. 36/1, n), do CIRE), depois de decorridos 45 dias sobre a prolação da sentença de declaração de insolvência (art. 209/2 do CIRE) –, o juiz pode proferir despacho de recusa, nos termos previstos no art. 207/1 do CIRE, quando ocorra alguma das seguintes hipóteses: a) houver violação dos preceitos sobre a legitimidade para apresentar a proposta ou sobre o conteúdo do plano e os vícios forem insupríveis ou não forem sanados dentro do prazo razoável que o juiz fixar para o efeito; b) quando a aprovação do plano pela assembleia de credores ou a posterior homologação pelo juiz forem manifestamente inverosímeis; c) quando o plano for manifestamente inexequível; ou d) quando, sendo o proponente o devedor, o administrador da insolvência se opuser à admissão, com o acordo da comissão de credores, se existir, desde que, anteriormente, já tenha sido apresentada pelo devedor e admitida pelo juiz alguma proposta de plano. A exigência de que a inverosimilhança ou inexequibilidade sejam manifestas mostra que o juiz, apesar do princípio do inquisitório (art. 11 do CIRE), não deve ordenar oficiosamente a produção de prova para a apreciação em causa (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso cit., p. 73). Admitida a proposta, há lugar aos pareceres obrigatórios da comissão de trabalhadores (ou, na sua falta, dos representantes designados pelos trabalhadores), da comissão de credores, se existir, do devedor e do administrador da insolvência (art. 208). Na sequência, o juiz deve, com a antecedência mínima de 20 dias, convocar a assembleia de credores para discutir e votar a proposta de plano de insolvência, devendo constar adicionalmente do anúncio e das circulares a informação de que a proposta de plano de insolvência se encontra à disposição dos interessados, para consulta, na secretaria do tribunal, desde a data da convocação, e que o mesmo sucederá com os pareceres eventualmente emitidos, durante os 10 dias anteriores à data da assembleia (art. 209/1). A assembleia é o espaço privilegiado de discussão. Compreende-se, assim, que a lei preveja a possibilidade de, na própria assembleia, o proponente modificar o plano de insolvência, desde que o faça em termos que não contendam com o âmbito, a estrutura ou a finalidade inicial, e submetê-lo à votação com as alterações introduzidas. Nos termos do art. 212 do CIRE, a proposta de plano de insolvência que tiver sido apresentada e submetida a votação considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto (quórum constitutivo), recolher mais de 50% da totalidade dos votos emitidos e, nestes, estejam compreendidos mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados com direito de voto, não se considerando, como tal, as abstenções (quórum deliberativo). Em RE 28.09.2017 (671/16.6T8OLH.E1) decidiu-se que “[e]stando o plano aprovado por votos favoráveis de credores correspondentes a mais de metade do total dos créditos não subordinados com direito a voto, ele é considerado aprovado mesmo que esses não perfaçam mais de metade dos votos favoráveis concretamente emitidos”. Em RG 15.10.2015 (838/14.1T8BRG-G.G1) considerou-se “[a] maioria necessária para a aprovação do plano de insolvência, mesmo que esta tenha sido antecedida de um processo especial de revitalização, deve ser aquela que vem prevista no art. 212.º, n.º 1, do CIRE, e não a que se encontra estabelecida pelo art. 17.º-F, n.º 3, do mesmo Código, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2015, de 06 de fevereiro.” Não conferem direito de voto, nos termos do art. 212/2 do CIRE, os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano. A propósito, RP 08.02.2022, 1448/21.2T8AVR.P1, no qual se decidiu que “[d]eve considerar-se verificada a modificação do crédito pela parte dispositiva do plano quando se estabeleçam alterações que importem que a relação jurídico-creditícia fique algo distante das condições inicialmente contratualizadas”. Também não conferem direito de voto os créditos subordinados de determinado grau, se o plano decretar o perdão integral de todos os créditos de graus hierarquicamente inferiores e não atribuir qualquer valor económico ao devedor ou aos respetivos sócios, associados ou membros, consoante o caso. Depois de terminar a discussão em relação ao plano de insolvência, o juiz pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar que o mesmo seja votado por escrito, em prazo não superior a 10 dias, sendo que, nessa votação, só podem participar os titulares de créditos, com direito de voto, que tenham estado presentes ou representados na assembleia. Nesse caso, o voto escrito deve conter a aprovação ou a rejeição da proposta de plano de insolvência, sendo que qualquer proposta de modificação do plano ou de condicionamento do voto implica a rejeição da proposta (art. 211). A deliberação que aprove o plano deve, ainda antes da homologação judicial, ser objeto de publicação, nos termos prescritos no art. 75, com as devidas adaptações (art. 213). Com efeito, a publicidade do plano é fundamental não só para garantir a efetividade e a vinculação às disposições constantes do plano, como também para acautelar a situação jurídica de terceiros que, direta ou indiretamente, possam ser afetados por ele. Finalmente, o plano deve ser objeto de homologação, o que, como já escrevemos, é condição da sua eficácia. Em conformidade, o plano só pode ser executado a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença homologatória. Assim, STJ 14.06.2012 (506/10.3TBPNF-E.P1.S1), RC 03.07.2012 (1383/10.0T2AVR-H.C1) e RG 31.01.2013 (5036/10.0TBBRG-M.G1). A sentença de homologação do plano de insolvência só pode ser proferida decorridos que sejam, pelo menos, 10 dias sobre a data da respetiva aprovação, ou, se o plano tiver sido objeto de alterações na própria assembleia, sobre a data da publicação da deliberação. *** 3).7. A homologação do plano de insolvência destina-se a controlar a legalidade do plano e não o mérito do seu conteúdo que, como escrevemos, é livremente moldado pelos credores (..., 1429/12....). Por exemplo, o juiz não pode recusar a homologação do plano de recuperação, ainda que esta lhe pareça manifestamente inviável.Neste contexto, a homologação do plano pode ser recusada pelo juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de qualquer interessado, nos casos em que o plano de insolvência contrarie disposições legais. Mais concretamente, nos termos do art. 215, o juiz deve recusar oficiosamente homologação do plano de insolvência que tenha sido aprovado em assembleia de credores quando se verifique uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo independentemente da sua natureza. É que o sucede, por exemplo, se o plano de insolvência violar o princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem que a eventual diferenciação no tratamento dos credores se mostre justificada por razões claras, inequívocas e objetivas (RL 27.11.2014, 19790/13.4T2SNT.L1-8; RP 22.03.2021, proc. 1559/20.1T8STS-A.P1), se constituir moratórias que não se encontrem legalmente autorizadas (RC 28.09.2022, 4433/21.0T8LRA-A.C1) ou se tiver sido aprovado em violação das regras legalmente previstas para a sua votação (RC 28.09.2022, 4433/21.0T8LRA-A.C1) ou quando, dentro do prazo razoável que, para o efeito, venha a estabelecer, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação (RP 11.09.2012, 4697/10.5TBSTS-E.P1). De acordo com RL 28.01.2016 (1702-15.2T8SNT.L1-8), na falta de um critério legal, deve entender-se que “são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.” Em RG de 05.02.2015 (6193/13.0TBBRG-F.G1), entendeu-se que são “não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretam a produção dum resultado que a lei não autoriza, assim como todas as violações de normas que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores”. Em RC 22.01.2019 ( 54/18.3T8SEI-A.C1), definiu-se a violação não negligenciável como a que corresponde a uma violação grave das normas legais aplicáveis, ou seja, “quando acarrete um resultado que a lei não permite em virtude de o conteúdo do plano violar disposições legais de carácter imperativo ou quando a violação se reporta a regras ou normas legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respetivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere e sempre que a violação seja suscetível de afetar ou prejudicar a salvaguarda dos interesses – sejam eles do devedor ou dos credores – que sejam dignos de proteção legal”. No mesmo sentido, RG de 25.02.2016 (1030/14.0T8VNF.G1), RL 09.09.2022 ( 21668/21.9T8LSB.L1-1) e RL 18.10.2022 (28316/21.5T8LSB-A.L1-1). No dizer de RL 28.01.2016 (1702/15.2T8SNT.L1-8), “[n]ormas procedimentais são (…) todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe forem presentes – incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento – e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado. Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.” Em termos semelhantes, pode ver-se RC 22.01.2019 (54/18.3T8SEI-A.C1), onde se escreve que “[a] violação de regras procedimentais corresponde a um vício de natureza formal consubstanciado na violação de uma regra ou norma que regula o formalismo que deve ser observado no processo e as formalidades a que deve obedecer o plano de recuperação/revitalização apresentado. A violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano corresponde a um vício de natureza substantiva ou material consubstanciado na violação de uma regra, norma ou princípio que regula diretamente o conteúdo do plano.” Ainda no mesmo sentido, RG 23.01.2020 (510/15.6T8VNF.G1), no qual se entendeu que “[c]onstituem vícios não negligenciáveis ou não desculpáveis, todos aqueles que determinem, por modo inequívoco, violação de normas imperativas, cujo resultado é ilegal, e em todo o caso insuscetível de poder ser suprido com o consentimento dos tutelados, ou dito de outro modo, que consistam em violações destas normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.” Finalmente, RG 04.02.2021 (5836/19.6T8GMR-D.G1), no qual se sustentou que “a violação não negligenciável corresponde a uma violação grave das normas legais aplicáveis.” Na doutrina, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso cit., p. 87, diz que “[u]ma violação não é negligenciável quando atinge uma certa importância. Mas isto é ainda dizer pouco. Podemos acrescentar que será não negligenciável a violação que põe em causa as finalidades da norma violada.” *** 3).8. De acordo com o art. 216, a homologação é ainda recusada pelo juiz, a solicitação do devedor, de algum credor, sócio, associado ou membro do devedor que tenham manifestado a sua oposição anteriormente à aprovação do plano de insolvência. Aqueles que têm legitimidade para participar na assembleia de credores podem opor-se aí – trata-se do devedor, assim como dos credores (art. 72) – inscrevendo o seu protesto em ata. Os restantes, devem apresentar a sua oposição antes da assembleia, em requerimento escrito. De acordo com RL 10.05.2018 (2026/18.9T8LSB-A.L1), “[s]ão realidades distintas, o voto contra e a oposição à aprovação do plano de recuperação, na perspetiva de fundamentar o pedido formulado ao juiz para que recuse a homologação do plano, devendo o pedido de recusa ser formulado logo que a proposta de plano de insolvência seja conhecida.” Em RL 30.04.2019 (1065/13.0TYLSB-O.L1-1) entendeu-se que “o pedido de não aprovação do plano de insolvência (que não tenha sofrido alteração no decurso da assembleia de credores em que não tenha estado presente ou representado) formulado ao abrigo do art. 216 do CIRE pressupõe que o requerente tenha, previamente à votação desse plano, comunicado aos demais interessados os motivos da sua oposição ao plano de insolvência, não se considerando preenchido esse pressuposto com a simples emissão de voto contra.” A oposição referida não se confunde com a própria solicitação de recusa de homologação (Alexandre de Soveral Martins, Um curso cit., p. 89). O pedido de não homologação deve ser feito antes da decisão de homologação, não podendo ocorrer no recurso desta. Neste sentido, STJ 22.11.2016, 785/15.0T8FND-B.C1.S1, e RL 05.07.2018 (2915/17.8T8FNC.L1-1). A lei exige que o requerente (credor, devedor, ou seu sócio, membro ou associado) demonstre, em termos plausíveis, alternativamente, que existe um prejuízo próprio (n.º 1, a)) ou um favorecimento indevido de um credor (n.º 1, b)). *** 3).9. No caso, como resulta da argumentação expendida pelo Recorrido, interessa-nos apenas aprofundar a hipótese da alínea a) do n.º 1 do art. 216 do CIRE.Existe prejuízo próprio quando a sua situação em que o credor ficará ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável que aquela em que ele ficaria na ausência de qualquer plano, “designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.” Pressupõe-se aqui “uma comparação assente num juízo de prognose que passa por uma avaliação das probabilidades” (Alexandre de Soveral Martins, Um curso cit., p. 92). De um lado, a situação em que o credor ficará com o plano; do outro, a situação em que ele previsivelmente ficaria sem o plano - ou seja, se ocorresse a liquidação universal do património do devedor, de acordo com a tramitação supletiva do processo de insolvência. Coutinho de Abreu (Curso de Direito Comercial, I, 13.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, p. 340, nota 878), dá o seguinte exemplo de um caso enquadrável na previsão da norma do art. 216/1, a): um credor tem o seu crédito garantido por uma hipoteca sobre um prédio do insolvente com valor suficiente para a satisfação do crédito se não houver plano de insolvência, mas neste é estabelecida a redução do valor de todos os créditos sobre a insolvência. No dizer de Catarina Serra (Lições cit., p. 333), “[a] possibilidade conferida aos credores de alegarem que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que aquela em que ele estaria na ausência de plano é conhecida como best interests-of-creditor’s test. A designação corresponde à usada no âmbito da lei norte-americana para o modelo inspirador do legislador português, mas a lei alemã prevê um instituto semelhante, denominado, significativamente, proteção das minorias (Minderheitenshcutz). A sua consagração permite confirmar a soberania dos interesses os credores, que prevalecem, em última análise, sobre os interesses da conservação ou sobrevivência da empresa: todo o plano de insolvência – de recuperação da empresa – pode sucumbir por causa de um credor; basta que ele alegue e prove o seu prejuízo nos termos referidos.” De acordo com Alexandre de Soveral Martins (Um curso cit., p. 92), “[a] passagem no teste contribui para legitimar a prevalência da vontade da maioria sobre a minoria: se o plano passa no teste, o requerente não fica pior do que ficaria sem aquele.” Na jurisprudência, sustentou-se em RC 25.10.2011 (329/10.0TBMGL-E.C1) que “[o] preenchimento da previsão da al. a) do no 1 do art. 216 do CIRE importa a alegação e demonstração, pelo credor, de factos atinentes não apenas à afetação do seu crédito pelo plano de insolvência, mas, outrossim, concernentes à sua previsível situação/afetação decorrente da liquidação universal do património do devedor segundo o modelo legal supletivo.” Em RG 09.04.2013 (260/12.4TBFAF-D.G1), entendeu-se que “[n]o âmbito do art. 216/1, al. a), do CIRE, não há que ponderar o incumprimento do plano de insolvência. A comparação, como claramente resulta do texto legal, é entre a situação ao abrigo do plano e a que teria na ausência de qualquer plano, segundo o modelo legal da liquidação universal dos bens da devedora.” Este entendimento foi também adotado em RE 22.02.2018 (841/16.7T8ELV.E1). No Acórdão desta Relação de 30.11.2022 (6028/ 21.0T8VNF.G1), relatado pelo Desembargador Pedro Maurício, em que foi 2.º Adjunto o Desembargador José Carlos Pereira Duarte, que aqui são Adjuntos, considerou-se que, “[p]ara se aferir da demonstração ou não desta causa de recusa de homologação do plano impõe-se ao Juiz uma apreciação casuística, que terá que ser realizada com base num juízo de prognose, através do qual se compara a situação que se antevê resultar da homologação e execução do plano para o interessado requerente, com a situação em que previsivelmente se encontraria no caso da ausência desse plano.” Como se refere no mesmo aresto, a Jurisprudência tem entendido que recai sobre o requerente do pedido de não homologação o ónus de alegar e provar a verificação da situação prevista naquela alínea a). Acrescentamos que o referido juízo tem, necessariamente, de ser substanciado em factos, não bastando, portanto, considerações gerais, meras conjeturas ou juízos valorativos. Neste sentido, o Acórdão desta Relação de 10.07.2023 (1080/22.3T8VNF-BH.G1), relatado pelo Desembargador José Carlos Pereira Duarte, aqui Adjunto. Impõem-se, portanto, as mais das vezes, cálculos e provas complexas e exigentes (Alexandre de Soveral Martins, Um curso cit., p. 93). No mesmo sentido, Carvalho Fernandes / João Labareda (Código cit., p. 787), escrevem que “é exatamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exatamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal. Casos haverá, porém, em que a prova não será tão difícil. Será o que sucede quando, mesmo contra a vontade do atingido, se aprove um plano que prevê a redução de um crédito assistido de garantia real ou de privilégio incidente sobre bens que seriam suficientes para assegurar a totalidade do pagamento - ou, pelo menos, um reembolso em percentagem superior à estabelecida no plano. A este propósito, tenha-se em conta que, nos termos do art.º 197.º, se admite a afetação dos direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios se tal constar expressamente do plano, mesmo, segundo sustentámos, sem necessidade específica do assentimento do respetivo titular (…)” *** 3).10. No caso vertente, as reservas que suscita o facto de a aprovação não ter sido precedida de uma assembleia de credores, local próprio para a discussão e formação da vontade negocial dos credores, estão irremediavelmente ultrapassadas: por um lado, a não realização da assembleia foi decidida por despacho judicial, transitado em julgado; por outro, no recurso não foi colocado em causa o juízo do Tribunal a quo no sentido de não haver qualquer obstáculo do conhecimento oficioso à homologação do plano, mas apenas o juízo inicial de homologação do plano sem consideração pelo pedido formulado pelo agora Recorrido no sentido da sua não homologação. Com o suprimento da nulidade da sentença decorrente dessa omissão de pronúncia, a situação inverteu-se: atendendo-se às razões invocadas pelo Recorrido, o plano não foi homologado e o que está agora em causa é saber se ficou demonstrado que a situação do Recorrido é previsivelmente menos favorável do que aquela em que ele ficaria se não existisse plano e o processo de insolvência prosseguisse com a liquidação total do património apreendido para a massa. É aqui, portanto, que se situa o cerne da questão.Pois bem, retomando o que escrevemos, temos que o Recorrido, apesar de ter votado contra o Plano, não deduziu, no confronto com a insolvente e os demais credores, qualquer oposição previamente à aprovação. Apenas o veio a fazer depois, no requerimento que impropriamente qualificou como de oposição, mas que, em rigor, o que contém é um pedido de não homologação. Por outro lado, ressaltando que o plano mantém intacto o crédito do Recorrido, bem como as suas condições de pagamento, no pedido de não homologação foram aduzidos, basicamente, três argumentos: (i) o plano prevê uma liquidação totalmente descontrolada do património da devedora, sem intervenção ou sequer controlo do administrador da insolvência; (ii) o plano não contempla qualquer garantia para os credores de que as condições de venda sejam as que melhor satisfazem os interesses dos credores e, mais grave, nenhuma garantia de que o produto dessas vendas venha alguma vez a ser entregue à massa e repartido pelos credores; e (iii) o valor mínimo de venda das frações identificadas no anexo II é inferior ao que seria obtido com a sua liquidação. Como se percebe facilmente, o Recorrido limitou-se a fazer conjeturas em suporte dos dois primeiros argumentos, conjeturas essas que nem sequer são exatas: por um lado, o plano prevê condições para a venda, como sejam preços mínimos e prazos; por outro, o facto de não prever a intervenção do administrador da insolvência, não significa que a sua execução não possa ser controlada pelos principais interessados, que são os credores. De facto, cessando, por efeito da homologação do plano, o processo de insolvência, ut art. 230/1, b), com os efeitos previstos no art. 233 do CIRE, os credores passam a poder lançar mão de todos os meios gerais de tutela dos seus créditos e das garantias patrimoniais dos mesmos, com ressalva apenas daquilo que contenda com o próprio plano, consequência necessária do princípio pacta sunt servanda. Isto mesmo está salvaguardado na alínea c) do art. 233. Finalmente, quanto ao 3.º argumento, nada foi alegado que permita concluir que o valor obtido com a venda das frações autónomas identificadas no anexo II do Plano será inferior ao que seria obtido com a sua liquidação pelo administrador da insolvência. Nesta sede, de nada valem considerações as genéricas sobre o valor das frações feitas pelo Recorrido; impunha-se a demonstração do valor de mercado de tais frações, o que o Recorrido se demitiu de fazer. Como se demitiu, também, de juntar qualquer meio de prova apto a suprir a insuficiência da sua alegação. Deste modo, o juízo feito pelo Recorrido é meramente especulativo. Para além do mais, não assenta na comparação entre a situação em que ficará com o plano e a situação em que ficaria sem ele; antes parte do pressuposto de que o plano não será cumprido. E perante isto, temos de concluir que o requerimento do Recorrido no sentido da não homologação do Plano não contém a alegação de factos concretos nem está acompanhado de elementos probatórios suscetíveis e suficientes para fundamentar e alicerçar o juízo de prognose exigido pela previsão do art. 216/1, a). Não havia, portanto, fundamento para a recusa de homologação do plano, o que vale por dizer que a sentença recorrida – a que resulta da integração da sentença de 18 de julho de 2023 com a de 12 de dezembro de 2022 –, baseada naqueles argumentos, deve ser revogada e substituída por outra que homologue o Plano de Recuperação apresentado e aprovado pela maioria dos credores. De dizer, finalmente, que também não se afigura correta a afirmação de que o Plano consiste na liquidação, que seria mais transparente se feita no processo de insolvência. Por um lado, o argumento não tem relevo para aplicação da norma, redundando mesmo numa apreciação do conteúdo do plano, desgarrada do pressuposto de aplicação do art. 216/1, a), que, como vimos, está vedada ao juiz; por outro, o Plano não se esgota com a venda das frações, prevendo medidas relacionadas com a sociedade insolvente e com o retomar da sua atividade. A venda das frações – que era, na verdade, a finalidade a que a insolvente as destinava, na normal prossecução do seu escopo societário – é apenas um pressuposto para que isso possa suceder, mediante o pagamento aos credores necessário para o azzeramento da posição passiva da insolvente. Procede, pelo exposto, o recurso que resulta da transmutação do recurso inicialmente intentado pelo Banco 2..., SA, na sequência do despacho que supriu a omissão de pronúncia da sentença recorrida e em que aquele passou a assumir a qualidade de Recorrido, sendo a insolvente a Recorrente *** 4) Vencido neste recurso, o recorrido Banco 2..., SA, deve suportar as custas respetivas. As custas dos restantes recursos (os apreciados em 2)) devem ser suportadas pelos respetivos Recorrentes, tudo em conformidade com o disposto no art. 527 do CPC.*** V.Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o presente coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em: - Não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados pelo Banco 2..., SA, com as alegações do recurso que interpôs da sentença de 12 de dezembro de 2022, na sua versão anterior ao suprimento, pela decisão de 18 de julho de 2023, da nulidade decorrente da omissão de pronúncia adrede arguida; - Julgar os recursos de apelação interpostos pela insolvente, EMP01..., Lda., e pela credora EMP02..., Lda,, visando a sentença de 12 de dezembro de 2022, integrada nos termos da decisão de 18 de julho de 2023, improcedentes, mantendo nessa parte a sentença recorrida, condenado as recorrentes nas custas respetivas; - Julgar procedente o recurso inicialmente interposto pelo Banco 2..., SA, em que, depois do suprimento, pela decisão de 18 de julho de 2023, da nulidade decorrente da omissão de pronúncia cometida na sentença de 12 de setembro de 2022, passou a assumir a qualidade de Recorrente a insolvente, e, em consequência: (i)) revogar aquela sentença, tal como integrada pela decisão de 18 de julho de 2023; e (ii)) homologar o Plano de Recuperação apresentado pela insolvente no dia 19 de setembro de 2022, com a alteração introduzida no dia 6 de outubro de 2022; (iii)) Condenar o agora recorrido Banco 2..., SA, no pagamento das custas respetivas. Notifique. * Guimarães, 23-11-2023 Os Juízes Desembargadores, Gonçalo Oliveira Magalhães (Relator) Pedro Maurício (1.º Adjunto) José Carlos Pereira Duarte (2.º Adjunto) |