Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CÂNDIDA MARTINHO | ||
Descritores: | PENA DE PRISÃO SUSPENSA IMPOSIÇÃO DE DEVERES CONDICIONANTES DA SUSPENSÃO NULIDADE DA SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I- É inquestionável que a decisão de suspender a execução da pena de prisão ou de denegar a suspensão, porque de um poder vinculado se trata, exige uma fundamentação específica, devendo explicitar as razões do juízo de prognose (positivo ou negativo) que o tribunal formule quanto ao comportamento futuro do condenado, constituindo a falta de pronúncia expressa uma nulidade que é de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 379.º, n.ºs 1, al. a) e 374,nº2, do Código de Processo Penal, no caso vertente tal fundamentação resulta da sentença recorrida. II- A mesma exigência de fundamentação específica tem razão de ser quando há imposição de deveres e regras de conduta condicionantes da suspensão, pois também aqui ao juiz não é conferido um poder discricionário, antes tem de ponderar devidamente a tal relação de adequação e de proporcionalidade com as finalidades preventivas almejadas. III- Com efeito, possibilitando o Código Penal ao Tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres (art.51.º), designadamente, o de pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado (alínea a), do preceito legal citado), tal dever não pode, porém, deixar de respeitar os parâmetros de exigibilidade legalmente impostos (artigo 51º, nº2, do Código Penal). IV- A existência destes parâmetros obriga logo a que do teor da sentença, optando-se por subordinar a suspensão a tal dever, conste uma especial fundamentação, em função de tais parâmetros de razoabilidade, só assim se evitando a que a sua imposição como condicionamento da suspensão surja como fruto de um ato intuitivo ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório 1. No Juízo Local Criminal ..., com data de 21/10/2021, no âmbito do processo comum nº163/18.... foi proferida sentença que decidiu, para além do mais: - Condenar o arguido AA, pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificado (previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e 2 com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h) do Código Penal) na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada à condição de pagar a indemnização ao Demandante em que é condenado infra; - Condenar o arguido BB, pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificado (previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e 2 com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h) do Código Penal) na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada à condição de pagar a indemnização ao Demandante em que é condenado infra; - Condenar o arguido CC, pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificado (previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e 2 com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h) do Código Penal) na pena de 24 (vinte e quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada à condição de pagar a indemnização ao Demandante em que é condenado infra; - Julgar totalmente procedente por provado o pedido de indemnização civil e, consequentemente, condenar os arguidos/demandados solidariamente a pagar ao demandante/assistente DD indemnização no valor de €6.000,00 (seis mil euros) para ressarcimento dos danos não patrimoniais causados, acrescida de juros de mora desde a notificação da sentença até efectivo e integral pagamento; - Julgar totalmente procedente por provado o pedido de ressarcimento das despesas hospitalares e, consequentemente, condenar os arguidos no pagamento à demandante “Unidade Local de Saúde do ..., EPE” da quantia de €264,73 (duzentos e sessenta e quatro euros e setenta e três cêntimos); 2. Não se conformando com o decidido veio cada um dos arguidos interpor os seus recursos extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões (transcrição): Do recurso interposto pelo arguido BB: 1º-O recorrente foi condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física qualificado, p.p. pelo artigo 143º, nº 1, 145º, nº1, al. a) e 2 com referencia ao art.º 132º, nº 2,al, h) do C.P. na pena de 24 (vinte e quatro meses) de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada à condição de pagar a indemnização ao demandante. - condenar os arguidos/demandados solidariamente a pagar ao demandante/assistente DD indemnização no valor de €6000,00 (seis mil euros) para ressarcimento dos danos patrimoniais causados, acrescida de juros de mora desde a notificação da sentença até efectivo e integral pagamento. 2º - Entende o recorrente que deverá ser reduzida a concreta pena a aplicar, porquanto a que lhe foi fixada de 24 meses de prisão, é manifestamente exagerada e desproporcionada. 3º-Para a determinação da medida concreta da pena há que fazer apelo aos critérios plasmados no art.º 71º do CP, nos termos do qual, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstratamente aplicável, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido. 4º- Resulta dos factos dados como provados que o recorrente não tem uma predisposição criminosa, sempre pautou a sua vida pelo direito, é social, profissionalmente e familiarmente integrado. Estes atos surgem na vida do recorrente de uma forma isolada. 5º-Ora a determinação da pena é feita essencialmente atendendo à culpa do arguido, o que impõe uma retribuição justa, sem esquecer a ilicitude, as exigências de prevenção geral, exigências do fim preventivo especial ligadas à reinserção social do arguido e outras circunstancias que deponham a favor e contra o mesmo. 6º-Ponderadas as circunstâncias concretas da atuação do recorrente, as suas circunstâncias de vida e personalidade, a inexistência de antecedentes criminais, a falta de predisposição criminosa, nunca justificaria a concreta pena de prisão que lhe foi aplicada. 7º - No caso subjudice, afigura-se-nos atroz, desmesurada e desproporcionada a pena aplicada ao recorrente. 8º- Parece-nos, salvo o devido respeito, que é muito, que o Tribunal “a quo” não ajuizou bem quanto à dosimetria da pena a ser aplicada ao arguido, fazendo errada interpretação do preceito contido no artigo 71º do Código Penal. 9º- O tribunal a quo não valorou os seguintes dados: o arguido é primário e está perfeitamente inserido, quer social, quer profissionalmente; as lesões e as sequelas dadas como provadas são ligeiras, pelo menos não são graves (ligeiras escoriações), não provocaram danos/marcas permanentes, o que não aponta para um grau de gravidade elevado, mas apenas baixo ou, quando muito, moderado. 10º- Importa salientar também, tal como decorre com clareza da factualidade considerada provada na sentença recorrida, que o arguido é de muito modesta condição social e económica, de fraca instrução, bem como, tem apoio familiar, encontra-se familiarmente inserido, e tem hábitos de trabalho. 11º-Tais circunstâncias acabadas de referir, em nosso entender, não poderão deixar de atenuar o dolo e a culpa do arguido, com reflexos na dosimetria da pena que lhe foi imposta. De modo algum o tribunal devia ter aplicado esta pena, de 24 meses de prisão, mas sim outra significativamente mais leve, também ela suspensa na sua execução. 12º- Ainda de acordo com a matéria de facto dada como provada, sempre teria que se considerar exagerado o quantitativo arbitrado(€6.000,00 solidariamente), não se percebendo o raciocínio lógico que levou à sua fixação, em clara violação do principio da equidade, ao qual se recorre. Tal valor deveria ter sido reduzido para quantia não superior a € 500,00, no que ao aqui recorrente concerne. 13º- Devia o tribunal ter ponderado, o que não fez, a moderada gravidade dos factos, sem consequências graves e permanentes, bem como as condições económicas do arguido. 14º- O dever imposto, vai muito para além do razoável, e é contrário à lei, pois como se resulta do artigo 51º, n° 2 do CP, "os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de exigir", o que acontece no caso destes autos. 15º- Acontece que, o tribunal a quo nem valorizou a situação sócio-económica do arguido, pelo que deverá tal situação ser agora avaliada, e como tal afastada a imposição de pagamento de tal valor ao lesado, ou, pelo menos, diminuído esse valor para um que seja exequível pelo arguido 16º - Tudo elementos que deveriam ter sido ponderados e não o foram, assim se violando, por errada aplicação, o disposto nos artigos 483º, 496º/1 e 3 e 562 do CC. 17º-Assim sendo, deverá a sentença ser revista e reduzir o valor indemnizatório a pagar ao lesado e não condicionar a suspensão da pena de prisão a qualquer dever de pagamento. 18º-Não se entende como é que o arguido é condenado a pagar ao lesado o valor de €6.000,00, solidariamente, e o tribunal a quo faz depender a suspensão da pena de prisão aplicada a esse pagamento solidário. 19º-Assim, e caso o tribunal de recurso entenda aplicar o dever de pagamento de uma quantia, nos termos do art. 51.º, n°1 al a), entende o recorrente que a obrigação de pagamento do valor de €6.000,00, não pode ser uma obrigação solidária, mas antes que se determine a repartição do valor pelos três, sendo que a cada um caberia o pagamento de € 2.000,00. 20º- A suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples ou com imposição de deveres, nos termos do art.º 50.º, nº 2 e 3, do CP. 21º- Tal dever tem uma finalidade reparadora, fortalecendo a finalidade da pena enquanto visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, fazendo sentir à comunidade e ao condenado, os efeitos da condenação. 22º - Não deve, por isso, ser solidária a condição do pagamento para a suspensão da execução da pena de prisão, pois ao impor, a cada um dos arguidos, como condição de suspensão da execução da pena em que cada um deles foi condenado, mostrar-se comprovado nos autos o pagamento ao ofendido da quantia em causa, cada um dos arguidos fica, simultaneamente, sujeito à mesma condição, a qual pode ser cumprida só por um, aproveitando inteiramente aos outros. 23º- De acordo com a sentença de que se recorre, o cumprimento da condição apenas por um dos arguidos aproveita ao outro, que vê, assim, satisfeita a condição de suspensão da execução da pena em que foi condenado sem efectivamente a cumprir e, por isso, sem sentir os efeitos da condenação através da reparação das consequências danosas da sua conduta. 24º-Violou, pois, o tribunal "a quo" as normas jurídicas constantes dos artigos 40º, 51º, 71º, do Código Penal, art.º 483, 496º e 562º do CC. TERMOS EM QUE, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogado a sentença recorrida, condenando o arguido numa pena de prisão, inferior a 24 meses, suspensa na sua execução, não ficando tal suspensão subordinada ao pagamento da indemnização, bem como reduzir a indemnização a pagar ao lesado para valor nunca superior a € 500,00 (quinhentos euros), bem como não ser solidária a condição do pagamento para a suspensão da execução da pena de prisão, (…)”. - Do recurso interposto pelo arguido CC: 1) A aliás Douta Sentença que está por detrás do presente Recurso, interpretou e aplicou erroneamente a prova que consta dos autos, 2) A aliás Douta Sentença ora em Recurso, enferma do vício da errada interpretação e apreciação das provas, nomeadamente, o facto de o Arguido ser primário, tem bom comportamento anterior e posterior aos factos, está perfeitamente inserido quer social, quer profissionalmente, vive com a esposa e 2 filhos menoresde13e 6 anos deidade, temtrajetória regular no âmbito laboral, trabalha na área da restauração onde aufere o ordenado mínimo, sendo que a esposa também trabalha no comercio auferindo igualmente o ordenado mínimo. Com os 2 salários mínimos, este agregado familiar faz face ao pagamento de renda de casa no valor de €300,00 o pagamento da prestação mensal do crédito para aquisição de viatura no valor de €232,30, uma prestação à Segurança Social no valor de €34,00, acrescidas de todas as despesas correntes que um agregado familiar de 4 pessoas, sendo 2 deles jovens estudantes necessitam, conforme relatório social para determinação de sanção do Arguido CC, junto aos autos. 3) Nem que, as lesões e as sequelas dadas como provadas são ligeiras escoriações, que não provocaram marcas permanentes. 4) Bem como, depois de ponderado que “As necessidades de prevenção especial revelam-se in casu, de intensidade reduzida, atento o Arguido ser primário.” “a ilicitude ... de intensidade intermédia...”, conforme douta Sentença, pag. 11, parágrafo 11, aplicou uma pena de 24 meses de prisão, cuja suspensão está condicionada ao pagamento da indemnização de €6.000 (seis mil euros) solidariamente, quando é do conhecimento do Tribunal, que pelo menos um dos Arguidos se encontra ausente, sem que ninguém saiba dele, não tendo sido encontrado pelo Tribunal, apesar de todos os esforços levados a cabo no decurso do processo, não tendo ainda, por isso, sido notificado da Sentença, 5) Obrigando o Arguido, muito provavelmente a pagar os €6.000,00, se não quiser cumprir a pena de prisão efetiva, e desobrigando assim os demais Arguidos que apesar de nenhum esforço terem feito, beneficiarão do pagamento da indemnização por este. 6) Ora a pena aplicada em nada preconiza a integração do Recorrente na sociedade, antes pelo contrário, se não conseguir pagar, solidariamente, os €6.000,00, que dadas as suas condições económicas, é o mais certo, será detido e terá quecumprir24meses deprisão efetiva, tempo emqueapenasirá aprender os meandrosdo crime, “curso” que ele ainda não possui, pois os factosconstantes dos autos, constituem um ato isolado na vida do Arguido, tendo ele um bom comportamento anterior e posterior aos factos. 7) Violando assim também os artigos 40º, 51º, 71º, do Código Penal, por errada interpretação e apreciação das provas, o que levou a uma errada aplicação da medida da pena, e das condições de suspensão, dado que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de exigir”, art. 51.º n.º 2 do CP, 8) A errada interpretação e aplicação das provas que redundou na errada determinação da medida da pena e condenação na pena de 24 meses de prisão, nos termos dos artigos 143º, nº 1, 145º, nº1, al. a) e 2 com referência ao art.º 132º, nº 2, al, h) do C.P. 9) Bem como há errónea determinação e condenação do quantum indemnizatório, acoplado ao facto do pagamento do valor em causa €6000,00 ser solidário e ser condição da suspensão da pena de prisão, art.ºs 483.º, 496 n.º 1 e 3 e 562 do CC e 40º, 51º, 71º, do Código Penal, com clara violação das normas citadas. 10) A correta interpretação e aplicação destas disposições legais, na modesta opinião do Recorrente e salvo melhor entendimento, implicará a condenação do ora Recorrente, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, numa pena que nunca poderá ultrapassar 1 ano de prisão suspensa na sua execução e 11) Na condenação do pagamento de indemnização ao Demandante, nunca superior a €1000,00 (mil euros), sem que o seu pagamento seja condição de suspensão, ou caso assim se não entenda, então que seja determinado o quantum indemnizatório a entregar individualmente por cada um dos Arguidos, sem a obrigação da entrega solidária”. Do recurso interposto pelo arguido AA: 1ª - O Tribunal “a quo” não ajuizou bem quanto à dosimetria da pena aplicada ao recorrente. 2ª- Os factos dados como provados justificam a diminuição da necessidade da pena, impondo a aplicação de uma pena de duração mais curta do que aquela que lhe foi aplicada. 3ª - A determinação da medida da pena faz-se em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, devendo para tanto, o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime. 4ª-As finalidades das penas, são a protecção de bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade. 5ª- Ponderadas as circunstâncias da actuação do recorrente, as suas circunstâncias de vida e personalidade, a inexistência de antecedentes criminais, a falta de predisposição criminosa, nunca justificaria a concreta pena de prisão que lhe foi aplicada. 6ª- O Tribunal “a quo” ao determinar a concreta medida da pena, teve em conta apenas as necessidades de prevenção e repressão do crime, alheando-se da ressocialização do arguido, não tomando em conta a sua conduta anterior e posterior aos factos, nem as consequências da conduta do arguido. 7ª- O recorrente não tem antecedentes criminais, encontra-se social, profissionalmente e familiarmente integrado e as lesões causadas não são graves. 8ª- Tribunal “a quo” aplicou uma pena demasiado elevada, devendo ser reduzida e que nunca poderá ultrapassar 1 ano de prisão, também ela suspensa na sua execução. 9ª- O montante indemnizatório fixado pelo Tribunal “a quo” é manifestamente excessivo, desproporcionado, extravasa qualquer critério minimamente razoável e coerente, não tendo sido devidamente valorada a situação económica do recorrente e o facto de as lesões causadas constituírem ligeiras escoriações, das quais não resultaram consequências especialmente graves ou permanentes para o demandante civil. 10ª- Condenar o recorrente no pagamento solidário de 6.000,00 €, a titulo de indemnização, por danos não patrimoniais, como condição da suspensão da pena, atenta a moderada gravidade dos factos, sem consequências graves, repete-se e às condições de vida do recorrente, de modesta condição sócio-económica é também, manifestamente excessivo, vai para além do razoável e é contrário à lei. 11ª- Deve ser reduzido o montante da indemnização a pagar ao lesado/demandante civil, por forma a que o arguido a possa liquidar, em quantia nunca superior a 750,00 €. 12ª- A condição de execução da pena de prisão em que cada um dos arguidos foi condenado, não se coaduna com as finalidades da suspensão da pena e não funciona como “reforço reeducativo e pedagógico” das penas de substituição. 13ª- Permitindo, o cumprimento da condição apenas por um dos arguidos, ficando os demais sem efectivamente cumprirem com o pagamento da indemnização e por isso, sem sentir os efeitos da condenação através da reparação dos danos causados pela sua conduta. 14ª- Deve ser modificada a condição da suspensão da execução da pena, fixando-se a proporção da indemnização ao demandante civil, a pagar por cada um dos arguidos. 15ª- Se assim se não entender, a suspensão da pena não deve ficar condicionada ao dever de pagamento da indemnização. Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve a douta sentença ser revogada no que diz respeito à medida da pena aplicada ao arguido e em consequência, condenado numa pena não superior a 1 ano de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, não ficando condicionada tal suspensão ao pagamento solidário da indemnização civil. Finalmente, deverá ser reduzida a indemnização a pagar pelo recorrente ao demandante civil, para montante não superior a 750,00 €. (…)”. 3. A Exma Procuradora da República junto da primeira instância veio responder inicialmente aos recursos interpostos pelos arguidos BB e CC, concluindo nos seguintes termos: 1. Os recorrentes não põem em causa a bondade/acerto da decisão que os condenou pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado. 2. Tão-só a concreta medida da pena aplicada, bem como o quantum indemnizatório fixado ao demandante/assistente e forma do pagamento (solidária). 3. Porquanto, não têm antecedentes criminais, estão social, profissional e familiarmente inseridos e dos factos não resultaram consequências graves e/ou permanentes. 4.Com efeito, uma vez queamoldura abstratamente aplicável ao ilícito em sujeito podeir, no seu limite máximo, até aos 4 anos deprisão, concorda-seque, atenta aausência deantecedentes criminais eainserção social, profissional efamiliar dos arguidos, tal pena peque por excessiva. 5. Devendo ser reduzida a 1 ano de prisão, igualmente suspensa na sua execução, pelo período de um ano, mediante a condição de cada um dos arguidos, isoladamente, pagar ao demandante, a quantia de 700,00 €. 6. Sendo por demais evidente que, atentos os motivos invocados, o tribunal a quo aplicou uma pena demasiado elevada, bem como fixou uma indemnização em valor excessivo. 7. Face a tudo quanto se deixou exposto, a decisão proferida deverá ser revogada e substituída por outra que condene na mesma os três arguidos (os dois recorrentes, bem como o terceiro cujo paradeiro se desconhece), mas na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução, por igual período de tempo e sob a condição de cada um deles pagar ao demandante, isoladamente, a quantia de 700,00 €. (…)”. Já em resposta ao recurso interposto pelo arguido AA, concluiu nos seguintes termos: 1. O recorrente não põe em causa a bondade/acerto da decisão que o condenou pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado. 2. Tão-só a concreta medida da pena aplicada, bem como o quantum indemnizatório fixado ao demandante/assistente e forma do pagamento (solidária). 3. Porquanto, não tem antecedentes criminais, está social, profissional e familiarmente inserido e dos factos não resultaram consequências graves e/ou permanentes. 4. Com efeito, uma vez que a moldura abstratamente aplicável ao ilícito em sujeito pode ir, no seu limite máximo, até aos 4 anos de prisão, concorda-se que, atenta a ausência de antecedentes criminais e a inserção social, profissional e familiar do arguido, tal pena peque por excessiva. 5. Devendo ser reduzida a 1 ano de prisão, igualmente suspensa na sua execução, pelo período de um ano, mediante a condição de cada um dos arguidos, isoladamente, pagar ao demandante, a quantia de 700,00 €. 6. Sendo por demais evidente que, atentos os motivos invocados, o tribunal a quo aplicou uma pena demasiado elevada, bem como fixou uma indemnização em valor excessivo. 7. Face a tudo quanto se deixou exposto, a decisão proferida deverá ser revogada e substituída por outra que condene na mesma os três arguidos, mas na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução, por igual período de tempo e sob a condição de cada um deles pagar ao demandante, isoladamente, a quantia de 700,00 €. (…)”. 4. Neste Tribunal da Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, perfilhando a posição assumida pelo Ministério Público na instância recorrida, concluindo assim pela procedência dos recursos. 5. Cumprido o artigo 417º, nº2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta. 6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º, nº3, al.c), do diploma citado. II. Fundamentação Sendo pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam, no caso vertente, impõe-se previamente o conhecimento oficioso de uma outra questão, a qual se prende com uma nulidade de que padece a sentença recorrida e que urge ser reparada pelo tribunal recorrido, a qual diz respeito a uma completa ausência de fundamentação na parte atinente ao condicionamento da suspensão da execução da pena à condição. Com efeito, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do CPP é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do mesmo diploma, ou seja, além do mais a fundamentação, “que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão”. O dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, dispondo o art. 205º, nº 1, da Lei Fundamental que, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. A fundamentação deve conter as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha, dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência já que através dela se faculta aos respetivos destinatários e à comunidade, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador. Para além disso, é ainda através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da atividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto. O objetivo dessa fundamentação é, no dizer de Germano Marques da Silva (In “Curso de Processo Penal”, 2ª ed., 2000, vol. III. pág. 294), o de permitir "a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina". Se é certo que resulta do dispositivo da sentença que a suspensão da execução da pena de 24 meses de prisão aplicada a cada um dos arguidos, ora recorrentes, ficou subordinada à condição de pagarem a indemnização em que foram condenados em sede do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante, a verdade é que compulsado o texto da sentença recorrida em parte alguma é feita menção a qualquer condicionamento do instituto da suspensão. Sendo inquestionável que a decisão de suspender a execução da pena de prisão ou de denegar a suspensão, porque de um poder vinculado se trata, exige uma fundamentação específica, devendo explicitar as razões do juízo de prognose (positivo ou negativo) que o tribunal formule quanto ao comportamento futuro do condenado, constituindo a falta de pronúncia expressa uma nulidade que é de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 379.º, n.ºs 1, al. a) e 374,nº2, do Código de Processo Penal, no caso vertente tal fundamentação resulta da sentença recorrida. A este propósito aduziu-se o seguinte: “Nos termos do artigo 50º, n.º1, do Código Penal, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” O nosso sistema punitivo assenta na ideia essencial de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização, pelo que, a suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e circunstâncias do facto, ou seja, deverá o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena (acompanhada ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta) bastarão para afastar o delinquente da criminalidade. Pressuposto material da aplicação deste instituto é que, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido (na doutrina vide Maia Gonçalves (in Código Penal Português, 16ª Edição, Almedina, pág. 202) que se refere a este instituto como “uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada (…) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o julgador concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (…) “trata-se de um poder – dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos”; Figueiredo Dias, in “Das consequências jurídicas do crime”, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pág. 341 refere que a opção pela suspensão da pena “não se trata (…) de uma mera faculdade em sentido técnico-jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e portanto, nesta acepção, de um poder-dever.” ; na jurisprudência o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-07-2020, Processo: 3325/19.8T8PNF.S1, Nº Convencional: 3.ª secção (criminal), Relator: Manuel Augusto de Matos: “Pressuposto material de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade». Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.”). In casu, coloca-se a hipótese da pena concreta a que os arguidos foram condenados ser suspensa na sua execução, nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal, na medida em que está dentro do limite máximo de 5 anos, até o qual a pena pode ser suspensa. Pese embora a violência das agressões, a personalidade dos mesmos revelada aquando o cometimento do crime, e as consequências de tais factos (que já assumem alguma gravidade) o certo é que os arguidos são primários, o que permite, atenta a ausência de antecedentes criminais, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de cumprimento da pena sejam suficientes para os afastar da criminalidade, pelo que se decide suspender as penas de prisão a que os mesmos são condenados. Porém, após ter-se assim concluído pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada a cada um dos arguidos, nem uma palavra sequer se disse na sentença recorrida a respeito de qualquer subordinação da suspensão, vindo apenas a fazer-se menção à mesma, como se disse, no dispositivo. Ora, a mesma exigência de fundamentação específica tem razão de ser quando há imposição de deveres e regras de conduta condicionantes da suspensão, pois também aqui ao juiz não é conferido um poder discricionário, antes tem de ponderar devidamente a tal relação de adequação e de proporcionalidade com as finalidades preventivas almejadas. Com efeito, possibilitando o Código Penal ao Tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres (art.51.º), designadamente, o de pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado (alínea a), do preceito legal citado), tal dever não pode, porém, deixar de respeitar os parâmetros de exigibilidade legalmente impostos (artigo 51º, nº2, do Código Penal). De facto, sobre os deveres impostos ao abrigo do citado artigo 51º, dispõe o seu nº 2, que não podem, em caso algum, representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime”, pág.350, a respeito do atual n.º 2 do art.51.º do Código Penal, tem o mérito de “apontar para uma dupla limitação que forçosamente há-se sofrer a imposição de deveres e regras de conduta: a de que, em geral, eles sejam compatíveis com a lei, nomeadamente com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que além disso o seu cumprimento seja exigível no caso concreto”. Posto isto, a existência destes parâmetros obriga logo a que do teor da sentença, optando-se por subordinar a suspensão a tal dever, conste uma especial fundamentação, em função de tais parâmetros de razoabilidade, só assim se evitando a que a sua imposição como condicionamento da suspensão surja como fruto de um ato intuitivo ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário. A sentença recorrida, neste particular do condicionamento da suspensão, não obedece, pois, aos parâmetros legais, carecendo de ser fundamentada. Desconhece-se, por completo, e dai a impossibilidade de sindicância do decidido, qual o raciocínio que presidiu à opção feita pelo tribunal recorrido de proceder ao condicionamento da suspensão da execução das penas de prisão impostas aos recorrentes, nos termos em que o fez, seja quanto à necessidade do dever imposto, seja quanto à sua exigibilidade em relação a cada um dos arguidos, no confronto com a factualidade apurada, ponderação que, adianta-se, não poderá também ignorar, mas antes sopesar, que subjacente ao instituto em apreço está uma ideia de culpa e, portanto, de responsabilidade pessoal e individual do condenado na pena - assumindo o dever imposto uma inequívoca natureza penal – o que não se coaduna com a imposição a cada um dos arguidos, como condição da suspensão da execução das respetivas penas, de pagarem a totalidade da indemnização em que foram solidariamente condenados em sede civil, bastando pensar que se um dos arguidos não pagar culposamente a indemnização e um dos outros o fizer integralmente isso tem por efeito considerar-se cumpridos os deveres condicionantes da suspensão da execução impostos aos demais, ao arrepio dos fins visados com a suspensão da execução das penas de prisão no que tange ao incumpridor. Por tudo o exposto, concluindo-se que a sentença recorrida enferma de nulidade por inobservância do disposto no artigo 379º, nº 1, al. a), primeira parte, ex vi do artigo 374º, nº 2, in fine, ambos do Código de Processo Penal, deverá a mesma, antes de mais, ser substituída por outra que sane a apontada nulidade, ficando prejudicadas as questões levantadas pelos recorrentes nas suas respetivas conclusões, comuns, aliás, a todos eles. III. Dispositivo Em face do exposto, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em: - Declarar nula a sentença recorrida, por inobservância do disposto no artigo 379º, nº 1, al. a), primeira parte, ex vi do artigo 374º, nº 2, in fine, ambos do Código de Processo Penal; - Determinar a sua reforma pelo mesmo tribunal, proferindo-se nova decisão final expurgada do vício enunciado, ficando prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelos recorrentes. Sem tributação. (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.) Guimarães, 26 de junho de 2023 Juiz Desembargadora RelatoraCândida Martinho Juiz Desembargador Adjunto António Teixeira Juiz Desembargadora Adjunta Florbela Sebastião e Silva |