Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
16/12.4GCFLG.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: PERDA A FAVOR DO ESTADO
TRÁFICO DE DROGA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: 1- NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA ARGUIDA CÉLIA M...
2- CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO DA ARGUIDA GRACINDA G...
Sumário: I – Tem uma redação genérica e conclusiva o facto em que se considera provado que os arguidos “vendiam droga ao domicílio, usando para o efeito um veículo automóvel da marca BMW”, pois não são "factos" suscetíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, mas um conjunto fáctico não concretizado.
II – Estando provado apenas, em concreto, que durante três meses um automóvel foi utilizado oito vezes para a venda de meia grama de droga não é possível estabelecer uma ligação funcional e instrumental entre a atividade de tráfico de droga e o uso do veículo que justifique a declaração de perda deste a favor do Estado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No 2º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, em processo comum com intervenção do tribunal coletivo (Proc. nº 16/12.4GCFLG), foi proferido acórdão sentença que decidiu nos seguintes termos (transcrição):
1. Condenam-se:
O arguido Arménio M... na pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal;
O arguido Arménio M..., pela prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efetivo real com o supra referido ilícito, de um crime de detenção de arma de proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, al.ª a) e artigo 3°, n.º 2 al.ª l, ambos do Regime Jurídico das Armas e Suas Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23/02, na redação introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27/04;
O arguido Arménio M..., na pena única de cúmulo jurídico das duas penas parcelares referidas nos dois anteriores parágrafos, de quatro (4) anos e dez (10) meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, nos termos do disposto no artigo 77º, nºs. 1 e 2 do Cód. Penal.
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A arguida Gracinda G... na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º, al.ª a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-A anexa ao mesmo diploma legal;
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A arguida Célia M... na pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º, al.ª a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-A anexa ao mesmo diploma legal.
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2. Absolvem-se:
O arguido Arménio M... da prática de:
- uma contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo 97º, n.º 1 do RJAM, por referência aos artigos 3º, n.º 9, al.ª g) e 11º do mesmo diploma legal;
- uma contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo 97º, n.º 1 do RJAM, por referência aos artigos 3º, n.º 2, al.ª n) e 4º do mesmo diploma legal; e
- uma contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo 97º, n.º 1 do RJAM, por referência aos artigos 3º, n.º 2, al.ª n), 3º, n.º 12 e 4º também do RJAM.
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A arguida Gracinda G..., da prática, como co-autora material, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-A anexa ao mesmo diploma legal;
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A arguida Célia M..., da prática, como co-autora material, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-A anexa ao mesmo diploma legal;
(…)
Nos termos do disposto no artigo 35º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22.01, declaro perdido a favor do Estado o veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula 92-HS-.., utilizado para o transporte de estupefaciente pela arguida Célia, e o ciclomotor com a matrícula 77-CS-.., utilizado pelo arguido Arménio para o transporte de estupefaciente.
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As arguidas Gracinda G... e Célia M... interpuseram recurso deste acórdão, suscitando as seguintes questões:
A arguida Gracinda G... questiona a declaração de perda do veículo marca BMW, com a matrícula 92-HS-.., visando que o mesmo lhe seja restituído.
A arguida Célia M...:
- invoca a violação do princípio in dubio pro reo;
- impugna a decisão sobre a matéria de facto, visando, alterada esta, ser absolvida;
- Subsidiariamente, visa que a medida da pena seja fixada em um ano de prisão, que a execução seja suspensa, ou substituída por trabalho a favor da comunidade.
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Respondendo o magistrado do Ministério Público defendeu a improcedência dos recursos.

Nesta instância, a sra. procuradora geral adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos cumpre decidir.


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I – No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
I.
1. Os arguidos são familiares: o arguido Arménio M... é casado com a arguida Gracinda G..., e estes são pais da arguida Célia M...;
2. Desde data não posterior aos últimos meses de 2012 até ao dia 25 de Março de 2013, os arguidos dedicaram-se à venda de heroína e cocaína a terceiros consumidores que os procurassem, quer pessoalmente, quer pelo telefone, e que se mostrassem interessados em adquirir tais produtos;
3. Esta atividade foi desenvolvida na área da comarca de Felgueiras, sobretudo nas imediações e no interior do estabelecimento comercial explorado pelo arguido Arménio, sito no lugar do C..., Felgueiras, mais conhecido por “loja p...”, e na residência dos arguidos, sita no lugar da V..., em Felgueiras, locais onde habitualmente e de modo frequente, os toxicodependentes procuravam os arguidos para adquirir produtos estupefacientes;
4. A heroína e a cocaína era previamente preparada pelo arguido Arménio em doses individuais, estabelecendo os respetivos preços, vendendo o peso bruto de 0,5 gr de heroína ao preço de € 20,00, e a “pedra de cocaína”, também correspondente a 0,5 gr de peso bruto, ao mesmo preço de € 20,00;
5. O arguido e as arguidas identificavam os produtos estupefacientes por “migalhas”, “chicletes”, “branco”, “escura”, “castanho”, “pedra” e “um saco de cada”;
6. O arguido Américo efetuava o doseamento e embalamento do produto estupefaciente, deslocando-se a locais combinados para vendas, e recebendo a contrapartida monetária;
7. A arguida Célia, agindo sempre sob orientação e ordens do arguido Arménio, deslocou-se a locais combinados para vendas, recebendo a respetiva contrapartida monetária;
8. A arguida Gracinda, agindo sempre sob orientação e ordens do arguido Arménio, procedeu a entregas, recebendo por vezes a respetiva contrapartida monetária;
9. O arguido Arménio e as arguidas contactavam-se regularmente entre si para acertarem a realização das vendas, através dos telemóveis com os números 917417...,
913137..., 910975... e 912796... utilizados pelo arguido Américo e do número 910166... utilizado pela arguida Célia;
10. As arguidas telefonaram, por vezes, para o telemóvel do arguido Arménio, informando-o que os toxicodependentes se haviam deslocado à residência acima descrita no intuito de comprar o produto estupefaciente, e este deu indicações à arguida Célia sobre o local onde os toxicodependentes se deveriam dirigir a fim de comprarem a droga ao arguido;
11. Noutras situações, em que o arguido Arménio não possuiu os produtos estupefacientes no seu estabelecimento comercial, contactou telefonicamente com a arguida Gracinda, dizendo-lhe para servir os indivíduos que se iriam deslocar à porta da residência, indicando-lhes, para o efeito, os locais da casa onde a droga estava escondida;
12. Os arguidos Arménio e Célia, para além de venderem droga nos dois locais acima referidos, também vendiam ao domicílio, usando para o efeito, o triciclo motorizado de matrícula 77-CS-.., conduzido pelo arguido Arménio, e o veículo automóvel de marca BMW de cor cinzenta, com a matrícula 92-HS-.., geralmente conduzido pela arguida Célia;
13. A arguida Gracinda telefonava ao seu filho Jorge M..., que se encontrava a cumprir pena no estabelecimento Prisional da Braga, e combinava com este a forma mais eficaz de lhe levar cocaína e heroína quando o ia visitar aos fins de semana, escondida nas bainhas e nos bolsos dos casacos.
II.
14. Os consumidores contactavam os arguidos diretamente na residência ou no estabelecimento comercial supra referidos.
Assim, mais concretamente:
15. Amândio V..., consumidor de estupefacientes, comprou, no dia 25.03.2013, heroína ao arguido Arménio, que conhecia por “Carriço”, tendo-o feito por uma vez;
16. Para o efeito, deslocou-se no veículo automóvel marca Ford, de cor branca, com a matrícula 71-LN-..., ao estabelecimento comercial (loja p...), dentro do qual pediu ao arguido Arménio quantidade correspondente a aproximadamente 0,50 gramas de heroína (peso bruto), ao que o arguido Arménio assentiu, entregando-lhe o produto estupefaciente solicitado, em troca de € 20,00 pagos por este consumidor;
17. No dia 20.02.2013, pelas 10:30 horas, o consumidor de estupefacientes Cristiano T..., conduzindo o seu veículo automóvel, marca Peugeot, de cor cinzenta, com a matrícula 12-68-..., dirigiu-se à loja p... do arguido Arménio;
18. Durante período de tempo concretamente não apurado, abrangendo o mês de Novembro de 2012, a consumidora de estupefacientes Élia T... deslocou-se cinco vezes, nos períodos da manhã, da tarde e da noite, entre outros nos dias 09/11/2012 e 20/11/2012, à residência dos arguidos supra identificada, a fim de adquirir cocaína ao arguido Arménio, o que fazia mediante o pagamento de € 20,00 por dose, correspondente sempre a aproximadamente 0,50 gramas (peso bruto) de cocaína;
19. Numa dessas vezes, no dia 20.11.2012, pelas 9:30 horas, esta consumidora deslocou-se à residência dos arguidos, tendo-lhe a arguida Gracinda dito que não tinha droga para lhe vender, pelo que teria de se deslocar à loja do arguido Arménio. Como continuou a insistir, a arguida Célia respondeu-lhe em voz alta “não te quero aqui, queres droga vai ao meu pai, vai à loja”;
20. No seguimento, esta consumidora deslocou-se à mencionada loja, onde na parte exterior da mesma, junto ao Café P..., se encontrava o arguido Arménio. Depois entraram os dois juntos para dentro da “loja dos p...”, onde a consumidora pediu ao arguido Arménio “uma pedra de branca” (cerca de 0,50 gramas de peso bruto de cocaína), que este lhe entregou e vendeu mediante o pagamento de € 20,00;
21. Rolando T..., consumidor habitual de heroína, conhecido pelos arguidos por “91”, de finais de 2012 até 25.03.2013, dez vezes, enviou mensagens escritas do seu telefone cujo número não foi possível apurar, para os telemóveis dos arguidos Arménio e Célia acima descritos, através das quais lhes encomendava heroína;
22. O arguido Arménio, em datas concretas não determinadas de finais do ano de 2012 e inícios do ano de 2013, pelo menos uma vez, deslocou-se no seu ciclomotor com a matrícula 77-CS-.., à residência de Rolando T..., sita em Lugar S...., Amarante, tendo-lhe vendido 0,50 gramas (peso bruto) de heroína pelo preço de 20,00 €;
23. Por seu turno, a arguida Célia telefonava ao pai e questionava-o se podia ir ter com o “91” para o servir, tendo-se deslocado, entre finais de 2012 e 25.03.2013, oito vezes, em veículo automóvel marca BMW com a matrícula 92-HS-.., à referida residência deste consumidor, sendo que, de todas as vezes, este adquiria-lhe e pagava-lhe cerca de 0,50 gramas (peso bruto) de heroína ao preço de 20,00 €;
24. Desde data exata não determinada, mas situada em finais do ano de 2012 e inícios do ano de 2013, o consumidor de estupefacientes José M..., também conhecido por “Picheleiro”, adquiriu droga ao arguido Arménio, dentro do referido estabelecimento comercial e na residência do arguido, duas vezes em cada um destes locais, sendo que por umas vezes lhe pedia “vinte euros de branco” correspondente a 0,50 gramas de cocaína (peso bruto), pagando-lhe € 20,00 por dose, e noutras situações lhe pedia “vinte euros de castanho” o que equivalia a 0,50 gramas de heroína (peso bruto), também pelo preço de € 20,00;
25. No dia 28.02.2013, este toxicodependente foi à supra referida loja dos p..., fazendo-se transportar num veículo automóvel marca Toyota Corola, cinzento, com a matrícula SQ-40-..., conduzido por António D...;
26. Chegado àquela loja, no seu interior, José M... comprou ao arguido Arménio 0,38 gramas de cocaína e 0,56 gramas de heroína, produto este que lhe foi apreendido, pela GNR, na Av. Dr. R..., Felgueiras, logo após ter saído do referido estabelecimento;
27. Em 02.11.2012, entre as 22:30 e a 1.00 horas, o consumidor de estupefacientes Pedro A..., deslocou-se, juntamente com o seu amigo Hugo Fernando Ferreira da Silva, também conhecido por “Candelas”, no carro deste último, ao estabelecimento do arguido Arménio, com o propósito de lhe comprar cocaína, pagando-lhe € 20,00 por dose (pedra), correspondente a cerca de 0,50 gramas (peso bruto) daquele produto;
28. No início do ano de 2013, em data concreta não apurada, Estefânio M... com a alcunha “Fano”, deslocou-se à “loja dos p...”, onde comprou ao arguido Arménio que conhecia por “Carriço”, uma “pedra” de cocaína, correspondente a aproximadamente 0,50 gramas desse produto – peso bruto, também pelo preço de € 20,00;
29. O consumidor de estupefacientes Fernando T..., com a alcunha “Boeiro”, também no início do ano de 2013, por duas vezes, deslocou-se à mencionada loja dos p..., onde comprou ao arguido Arménio, de cada vez, uma dose de cocaína, equivalente a 0,50 gramas daquele produto (peso bruto), pelo preço de € 20,00;
30. No mês de Fevereiro de 2013, o consumidor de estupefacientes Joaquim S... dirigiu-se ao estabelecimento comercial do arguido Arménio, com o propósito de comprar a este último heroína, o que fez, comprando-lhe de cada vez um pacote, o qual continha aproximadamente 0,50 gramas (peso bruto) desse produto, tendo pago o preço de € 20,00 por cada dose;
31. Por duas vezes, o consumidor Joaquim S... foi transportado pelo seu amigo Hélder P..., num veículo automóvel marca BMW, com a matrícula 95-LA-..., ao mencionado estabelecimento comercial “loja dos p...”, onde comprou droga nos termos acima referidos;
32. Durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2013, o consumidor de estupefacientes Boaventura C..., deslocou-se três vezes, uma das quais no dia 26.02.2013, pelas 10:45 horas, no seu veículo automóvel marca BMW, cor vermelha, com a matrícula 00-89-..., à loja do arguido Arménio, onde lhe comprou, de cada vez, uma “pedra” de cocaína, correspondente a 0,50 gramas (peso bruto), pelo preço de € 20,00;
33. Numa dessas vezes, dirigiu-se depois à residência dos arguidos, onde foi atendido pela arguida Gracinda que não sabia onde a droga estava escondida, tendo esta telefonado ao arguido Arménio para se deslocar a casa, a fim de servir este toxicodependente, o que sucedeu passados cerca de 10 minutos;
34. Nos inícios do ano de 2013, o consumidor de estupefacientes António L..., em número de vezes concretamente não apurado, mas não inferior a duas, comprou cocaína ao arguido Arménio, sendo que para o efeito se deslocou à supra referida “loja dos p...”;
35. Numa dessas vezes foi atendido pela arguida Célia, a qual, não tendo o referido produto, telefonou ao pai para ser este a providenciar pela entrega;
36. No dia 17.12.2013, António L... deslocou-se à loja dos p... onde comprou ao arguido Arménio uma dose de cocaína (0,50 gramas, peso bruto) por € 20,00;
37. No dia 22.02.2013, pelas 11h15, António L... foi à mencionada “loja p...”, acompanhado por outro consumidor de estupefacientes, Fernando M..., transportando-se no veículo automóvel deste último, marca Peugeot, de cor branca, com matrícula 98-MJ-...;
38. Das vezes referidas nos números anteriores, chegado à referida loja e dentro da mesma, António L... comprou ao arguido Arménio “uma pedra” de cocaína (correspondente a 0,50 gramas – peso bruto) por € 20,00, e Fernando M... comprou, ao mesmo arguido, 0,50 gramas (peso bruto) de heroína pelo preço de € 20,00;
39. Fernando C... com a alcunha “Francês”, consumidor de estupefacientes, começou a comprar droga aos arguidos no final do ano de 2012, dirigindo-se para o efeito, várias vezes por semana, ou ao estabelecimento conhecido por “loja dos p...” ou à residência dos arguidos, onde comprava ao arguido Arménio, à arguida Célia ou à arguida Gracinda, de cada vez, 0,50 gramas – peso bruto de cocaína pelo preço de € 20,00;
40. Por cinco dessas vezes, quando se deslocou à residência dos arguidos e o arguido Arménio não estava, foi atendido pela arguida Gracinda, tendo-lhe esta vendido, de cada vez, “uma pedra” de cocaína (0,50 gramas – peso bruto) mediante o pagamento de € 20,00;
41. Noutra altura, dirigiu-se à designada “loja p...” e foi atendido pela arguida Célia, que também lhe vendeu, pelo menos uma vez, 0,50 gramas – peso bruto de cocaína (uma pedra) por € 20,00;
42. No dia 27.12.2012, pelas 15:45 horas, Fernando C... deslocou-se, juntamente com outro toxicodependente, Leonel F..., no veículo automóvel marca Renault Clio, de cor branca, com a matrícula 30-91-..., ao estabelecimento “loja dos p...”, onde aquele comprou 0,50 gramas (peso bruto) de cocaína por € 20,00;
43. Ricardo O..., consumidor de estupefacientes, a partir dos últimos meses de 2012, começou a comprar cocaína ao arguido Arménio, o que fez várias vezes, em número concretamente não apurado;
44. Para o efeito, deslocava-se, no seu veículo automóvel marca Ford de matrícula 92-09-..., quer à residência dos arguidos, quer à supra mencionada “loja dos p...”, onde era recebido pelo arguido Arménio, ao qual comprava, de cada vez “uma pedra” de cocaína (aproximadamente 0,50 gramas - peso bruto) pelo preço de € 20,00;
45. Carlos M..., consumidor habitual de heroína e cocaína, deslocou-se, no dia 21.03.2013, ao estabelecimento comercial “loja p...”, para comprar cerca de 0,50 gramas (peso bruto) de cocaína ao arguido Arménio pelo preço de € 20,00 por dose;
46. Como o arguido Arménio não tinha o produto estupefaciente na loja, deslocaram-se os dois juntos, no veículo automóvel do Carlos M..., marca Peugeot, de matrícula 39-97-..., desde a referida loja até à residência do arguido, onde este entregou o estupefaciente ao toxicodependente que pela mesma lhe pagou € 20,00;
47. No dia 25.03.2013, o consumidor de estupefacientes Paulino S... deslocou-se à loja p... do arguido Arménio, no intuito de lhe comprar produto estupefaciente, o que não logrou em concretizar pois encontrou agentes do NIC da GNR de Felgueiras naquele local, a realizar uma busca;
48. No dia 25.03.2013, o consumidor de estupefacientes João R... também se deslocou ao estabelecimento comercial “loja p...”, no intuito de comprar produto estupefaciente ao arguido Arménio, o que não conseguiu fazer, pois mal entrou na referida loja foi abordado por elementos do NIC da GNR de Felgueiras que se encontravam no local;
III.
49. Quando a realização de busca domiciliária à supra referida residência dos arguidos, no dia 25 de Março de 2013, foi encontrado e apreendido o seguinte:
- Quatro telemóveis de marca Nokia;
- Um telemóvel de marca Samsung;
- 0,4 gramas de heroína;
- Três embrulhos em plástico, contendo 1,3 gramas de cocaína (peso bruto);
- Dois embrulhos em plástico contendo 1,1 gramas de heroína (peso bruto);
- Uma balança de precisão;
- € 520,00 em notas do BCE (quatro notas de € 50,00; dez notas de € 20,00; e doze notas de € 10,00);
- Um Bilhete de Identidade de Fernando T...;
- Dois recortes plásticos com resíduos de produtos estupefacientes;
- Uma tesoura com resíduos de produtos estupefacientes;
- Quinze cartuchos de calibre 9mm;
- Quinze munições de calibre 6,35mm;
- Treze (8+5) munições de calibre 22mm;
- Cinco engenhos pirotécnicos “bombas de carnaval”;
- Dois veículos automóveis com as matrículas 65-91-... e 92-HS-..;
- Nas mãos da arguida Gracinda, dois embrulhos, um com 0,6 gramas de heroína e outro com 0,4 gramas de cocaína;
IV.
50. Quando a realização de busca ao supra descrito estabelecimento comercial conhecido por “loja dos p...” e respetivo anexo, no 25 de Março de 2013, foi encontrado e apreendido o seguinte:
- No bolso das calças que o arguido Arménio trazia vestidas € 80,00 em notas do BCE (três notas de € 20,00 e duas notas de € 10,00);
- No bolso do casaco que o arguido Arménio trazia vestido e no interior da carteira do mesmo € 95,00 (duas notas de € 10,00, e quinze notas de € 5,00);
- Dois telemóveis de marca Nokia,
- Parte de uma arma, composta por punho e cano;
- Uma coronha de uma arma de caça;
- Uma pistola modificada para calibre 6,36;
- Uma arma de alarme;
- Um revólver de alarme;
- Oito munições de calibre 38;
- Treze munições de calibre 7,65;
- Vinte e cinco munições de calibre 7,65;
- Trinta e seis munições de calibre 38;
- Seis caixas com cartuxos de calibre 32mm, cada caixa com 25 cartuxos;
- Seis caixas com cartuxos calibre 36, cada caixa possui 25 cartuxos;
- Uma caixa contendo 50 munições de calibre 38;
- Uma caixa de 50 munições de calibre 6,35;
- Um ciclomotor com a matrícula 77-CS-..;
V.
51. A atividade desenvolvida pelos arguidos era levada a cabo de forma consciente e deliberada, com o objetivo de angariar dinheiro com os lucros obtidos na venda de droga, o que permitia ao arguido Arménio custear despesas resultantes do seu dia-a-dia com os rendimentos provenientes da venda do produto estupefaciente;
52. Apesar de o arguido Arménio M... possuir o estabelecimento de venda de rações para p..., na localidade de A..., Lixa, os lucros obtidos nesta loja não eram suficientes, sendo que este arguido não declarou quaisquer rendimentos nas Finanças relativos aos anos de 2011 e 2012, não auferindo também qualquer subsídio da Segurança Social;
53. A arguida Gracinda não auferiu qualquer remuneração, nem beneficiou de nenhum subsídio nos anos 2011 e 2012;
54. As arguidas Célia e Gracinda atuaram em conjugação de esforços com o arguido Arménio e na execução de um plano previamente gizado, com o propósito alcançado de vender o produto estupefaciente a terceiros consumidores, e assim obter ganhos económicos;
55. Todos os arguidos atuaram voluntária, livre e conscientemente, conhecendo a natureza e características das substâncias estupefacientes que detiveram, conservaram e venderam bem sabendo que tais condutas lhes estavam vedadas e eram proibidas por lei;
VI.
56. O arguido Arménio possuía várias armas e munições de diferentes calibres, guardadas quer na sua residência, quer no seu estabelecimento comercial;
57. Assim, tinha em sua posse, guardadas na sua residência:
- Quinze (15) munições de calibre 6,35mm, em bom estado, arma de classe A;
- Oito munições de calibre 22 curto, em bom estado, arma de classe A; e
- Cinco munições de calibre 22 longo, em bom estado, arma de classe A;
58. E tinha ainda, também na sua posse e guardadas no seu estabelecimento comercial conhecido por “loja dos p...” e anexo:
- Uma coronha de arma de caça, do tipo inglesa, sem marca, para calibre 12, com 12 cm de comprimento;
- Uma arma de fogo “transformada” para calibre 6.35, arma de Classe A, composta por duas platinas em plástico de cor preta, com 11 cm de comprimento, em estado razoável de funcionamento e conservação, com capacidade para 6 munições;
- Parte de uma arma de alarme, designada por “Carcaça”, arma de Classe A, sem marca;
- Uma arma de alarme, arma de Classe G, com a configuração de uma arma de fogo destinada unicamente a produzir efeito sonoro, em estado razoável de funcionamento e conservação, com carregador para 7 invólucros de “munições de alarme”;
- Uma arma de alarme, tipo “Revólver”, arma de Classe A, calibre 9mm, com depósito constituído por tambor contendo cinco câmaras, com a configuração de uma arma de fogo destinada unicamente a produzir efeito sonoro, em estado razoável de funcionamento, composta por duas platinas em plástico de cor preta;
- Setenta e cinco cartuchos de calibre 32, acondicionados em 3 caixas, chumbo 5, arma de Classe A;
- Setenta e cinco cartuchos de calibre 32, acondicionados em 3 caixas, chumbo 6, arma de classe A;
- Setenta e cinco cartuchos acondicionados em 3 caixas, e onze cartuchos soltos, de calibre 36, chumbo 5, arma de classe A;
- Setenta e cinco cartuchos acondicionados em 3 caixas e 2 cartuchos soltos, de calibre 36, chumbo 6, em bom estado, arma de classe A;
- Onze cartuchos de caça, chumbo 7.5, calibre 12, câmara 70, marca “Casa Guimarães”, arma de classe A;
- Cinquenta munições condicionadas numa caixa, calibre 38 “Short”, arma de classe A;
- Cinquenta munições condicionadas numa caixa, calibre 6.35, arma de classe A;
- Quarenta e quatro munições de calibre 38 especial, arma de classe A;
- Trinta e oito munições de calibre 7.65, arma classe A;
59. O arguido Arménio não dispõe de licença de uso e porte ou detenção das referidas armas de alarme, e bem sabia que lhe era vedado por lei deter, guardar e utilizar as mesmas sem estar autorizado para o efeito, e que incorria, dessa forma, em responsabilidade contra-ordenacional;
60. O arguido Arménio conhecia as características das armas de fogo, bem como das munições, cartuchos e ainda dos engenhos explosivos pirotécnicos, de que era portador;
61. Não obstante ser proprietário das referidas armas de fogo, munições, cartuchos e engenhos explosivos pirotécnicos, o arguido não tinha os documentos que lhe correspondiam, não estando as armas manifestadas, nem registadas em seu nome, bem como não era titular de licença de uso e porte das mesmas;
62. O arguido sabia que o seu comportamento lhe era vedado e proibido por lei, que não podia possuir as referidas armas, munições, cartuchos e engenhos explosivos pirotécnicos nos termos referidos e, não obstante, agiu da forma supra descrita sempre de forma livre, deliberada e consciente.
*
Mais se provou que:
*
O arguido Arménio T...:

- Cresceu num agregado numeroso de condição económica modesta em condições de habitação precárias;
- Iniciou a escola em idade normal, tendo começado a trabalhar depois de completar o 4º ano de escolaridade, aos 11 anos de idade;
- Trabalhou inicialmente como ajudante da construção civil, atividade que manteve até ao início do serviço militar;
- Casou com 20 anos de idade, antes de cumprir o serviço militar;
- Cumpriu serviço militar em 1973, durante dois anos, tendo permanecido durante um ano na Guiné;
- Em Dezembro de 1974 regressou do serviço militar, tendo retomado a atividade laboral anterior, para a mesma entidade patronal;
- Iniciou em 1978 a atividade de carpintaria por conta própria, que manteve durante 15 anos, e que terminou por desavenças com o seu sócio;
- Manteve-se no ramo, a título particular, realizando trabalhos em casas particulares;
- Paralelamente, em 1993 abriu uma loja de rações para animais, em local próximo da sua residência, que manteve até 2008/2009, altura em que encerrou aquela loja, para abrir outra mais próxima do centro de Felgueiras;
- À data dos factos, o arguido vivia com a mulher e família, na habitação de família, pertencente à família de origem do arguido, como herança indivisa, inserida no meio rural, antiga, dotada de condições de habitabilidade e salubridade precárias;
- Têm quatro filhos, maiores de idade, dois dos quais se encontram emigrados e um em cumprimento de pena no E.P.R. de Paços de Ferreira;
- O arguido dedicava-se a trabalhos de carpintaria com caráter ocasional e à exploração da loja de rações ara animais;
- O agregado dedicava-se ainda à pequena agricultura de subsistência e criação de animais para consumo;
- Não tem antecedentes criminais (cfr. fls. 970).
*
A arguida Gracinda G...:
- Nasceu e organizou a sua vida na Lixa, num agregado familiar com dificuldade económicas;
- A mãe casou com o pai quando era já viúva e tinha quatro filhos do primeiro casamento, tendo sido a arguida a única filha deste casamento da mãe;
- Os pais eram rendeiros numa quinta onde todos os elementos da família trabalhavam e o pai ganhava dias a trabalhar para terceiros também na agricultura;
- Concluiu o 4º ano de escolaridade, tal como os irmãos;
- Aprendeu a arte de bordadeira e casou aos 17 anos de idade, encontrando-se grávida, mas não se autonomizou do agregado de origem dada a falta de condições económicas para o fazer;
- A mãe da arguida faleceu dois meses depois do casamento da arguida, mas esta manteve-se a residir com os pais até ter os seus três primeiros filhos;
- Tornaram-se depois rendeiros de uma quinta, desenvolvendo o cônjuge a profissão de carpinteiro;
- Aos 39 anos de idade, quando do nascimento da sua filha, a arguida desenvolveu um quadro de depressão e ansiedade que se repercutiram na dinâmica familiar, com períodos de incapacidade para assumir as responsabilidades de gestão da vida doméstica e do acompanhamento dos filhos, que delegou no cônjuge e nos descendentes;
- A arguida mantém acompanhamento médico e toma regularmente medicação;
- À data dos factos, a arguida vivia com a filha e com o marido, ocupando o seu quotidiano com a lida doméstica e com deslocações ao E.P. para visitar o seu filho;
- A arguida sofreu: uma condenação na pena de 80 dias de multa, por decisão proferida 07.03.2007, transitada em julgado a 22.03.2007, no âmbito do processo comum singular n.º 441/04.4GBFLG do 2º Juízo do Tribunal de Felgueiras, pela prática, em 29.10.2004, de um crime de falsificação de documento (fls. 966 e ss.).
*
A arguida Célia:
- Cresceu em agregado familiar constituído pelos progenitores e três irmãos mais velhos, do sexo masculino;
- Durante a infância da arguida o sustento da família era assegurado pelo pai, carpinteiro de profissão;
- Com 13 anos de idade interrompeu o seu percurso escolar para apoiar a mãe em situação de doença;
- Retomou mais tarde os estudos em regime nocturno, ajudando o pai durante o dia numa loja de venda de rações para animais que este abriu;
- Concluiu o 12º ano de escolaridade, aos 20 anos de idade, tendo feito uma formação profissional em socorrismo, sem que tivesse conseguido colocação profissional nessa área;
- Assumiu as responsabilidades da gestão e do atendimento ao público numa loja de rações para animais que os pais abriram na Serrinha, que encerrou em Janeiro de 2011 por entender que não tinha condições psicológicas para manter;
- À data dos factos vivia com os pais numa casa pertencente à herança indivisa dos seus avós paternos, de construção antiga;
- Frequentou a formação modular de “trabalho social e orientação” entre 17.12.2012 e 20.02.2013, com remunerações mensais variáveis que não ultrapassaram € 239,00;
- Em Março de 2013, altura em que o pai foi sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, a arguida Célia assumiu o lugar deste na loja comercial, mas as condições económicas do agregado agravaram-se;
- Sofre de quadro depressivo e ansiedade;
- A arguida Célia M... sofreu: uma condenação na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa por igual período de tempo, por decisão proferida 24.02.2012, transitada em julgado a 28.05.2012, no âmbito do processo comum coletivo n.º 32/10.0GCFLG do 1º Juízo do Tribunal de Felgueiras, pela prática, no ano de 2010, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes (fls. 964 e ss.).

Considerou-se não provado que:
I.
1. Os arguidos dedicaram-se à venda de heroína e de cocaína a terceiros consumidores, em comunhão de esforços e de intentos, desde 2011 até aos últimos meses do ano de 2012;
2. Os arguidos desenvolveram a sua atividade na área das comarcas limítrofes a Felgueiras;
3. A heroína e a cocaína eram previamente preparadas pelas arguidas Gracinda e Célia em doses individuais, estabelecendo os respetivos preços;
4. As arguidas telefonavam diariamente ao arguido Arménio, informando-o que os toxicodependentes se haviam deslocado à residência;
5. A arguida Gracinda entregou cocaína e heroína ao filho Jorge M..., que se encontrava a cumprir pena no estabelecimento Prisional da Braga;
II.
6. Amândio V..., comprou heroína ao arguido Arménio cerca de cinco vezes, uma das quais no dia 23.03.2013, desde o início do ano de 2012;
7. Dentro do estabelecimento comercial (loja p...), pediu ao arguido Arménio “uma cena de vinte euros” que o arguido Arménio retirou debaixo do balcão da loja;
8. No dia 20.02.2013, pelas 10:30 horas, Cristiano T..., perguntou ao arguido Arménio se este lhe vendia cocaína e, em ato contínuo, o arguido Arménio retirou de dentro de um dos seus bolsos, embalada num embrulho, cerca de 0,50 gramas de cocaína (peso bruto), a qual vendeu a este consumidor pelo preço de € 20,00;
9. Élia T... deslocou-se à residência dos arguidos durante aproximadamente um ano, e desde meados do ano de 2012;
10. Élia T... adquiriu cocaína à arguida Gracinda;
11. Rolando T..., a partir de finais do ano de 2012 teve conhecimento através da toxicodependente Élia T..., que os arguidos Célia e Arménio vendiam droga;
12. Normalmente o teor das mensagens que enviava era o seguinte: “pode passar por cá”, respondendo a arguida Célia “daqui a dez minutos estou aí”;
13. Pedro Oliveira do Amaral se deslocou cerca de quatro vezes à residência e ao estabelecimento do arguido Arménio, a partir do mês de Agosto de 2012;
14. Estefânio M... se deslocou à residência dos arguidos, onde comprou ao arguido Arménio uma “pedra” de cocaína;
15. Fernando T... deslocou-se três vezes à mencionada loja dos p...;
16. No mês de Fevereiro de 2013, Joaquim S... comprou ao arguido Arménio dois pacotes de cada vez que se deslocou à “loja dos p...”;
17. Desde meados do ano de 2011, António L... começou a comprar cocaína ao arguido Arménio, sendo que para o efeito se deslocava à residência dos arguidos;
18. Quando se deslocava à residência dos arguidos, foi atendido pela arguida Gracinda cerca de quatro vezes, que lhe vendeu, de cada vez, “uma pedra” de cocaína (equivalente a 0,50 gramas, peso bruto) por € 20,00;
19. Uma vez deslocou-se à residência dos arguidos, onde foi atendido pela arguida Célia;
20. Fernando C... se dirigia todos os dias ao estabelecimento conhecido por “loja dos p...” ou à residência dos arguidos;
21. Fernando C... se dirigia normalmente aos domingos à residência dos arguidos;
22. Leonel F... comprou ao arguido Arménio 0,50 gramas (peso bruto) de cocaína, por € 20,00;
23. Ricardo O... começou a comprar cocaína ao arguido Arménio em meados do ano de 2011;
24. Ricardo O... era recebido pela arguida Gracinda, a quem comprava de cada vez “uma pedra” de cocaína (aproximadamente 0,50 gramas - peso bruto) pelo preço de € 20,00.
25. Uma vez, Ricardo R... deslocou-se à “loja dos p...”, onde foi recebido pela arguida Célia que lhe disse que não tinha o produto estupefaciente, pelo que este teria que se dirigir à residência dos arguidos, onde o arguido Arménio lhe serviria a droga, o que veio a suceder;
26. Carlos M... deslocou-se por duas vezes ao estabelecimento comercial “loja p...”;
V.
27. Os arguidos não desenvolviam qualquer tipo de atividade lícita remunerada, vivendo exclusivamente com os rendimentos provenientes da venda do produto estupefaciente;
28. A arguida Célia também não desenvolveu qualquer atividade profissional remunerada nos anos 2011 e 2012.
*
Transcreve-se igualmente a motivação da decisão sobre a matéria de facto
Em primeira linha, nos relatos de diligências externas, reportagens fotográficas e autos de apreensão de produtos estupefacientes na posse de consumidores, concretizados por ação dos elementos do NIC da GNR de Felgueiras (nomeadamente de Roque M..., Raúl F... e Vítor A...), confirmados em audiência de julgamento pelo testemunho destes, dos quais ressaltam a troca de objetos suspeitos e o movimento de toxicodependentes no estabelecimento “loja p...” pertencente ao arguido e na residência dos arguidos, alguns dos quais foram imediatamente após encontrados com estupefaciente na sua posse;

Em segundo lugar, na apreensão de objetos e/ou estupefaciente durante a realização da busca feita à residência dos arguidos e na revista à pessoa da arguida Gracinda, de que se destacam: as embalagens contendo estupefaciente heroína escondidas numa panela da cozinha e dentro e um porta moedas; uma balança de precisão; dois recortes plásticos e uma tesoura com resíduos de produtos estupefacientes; uma tesoura com resíduos de produtos estupefacientes; e os embrulhos com 0,6 gramas de heroína e 0,4 gramas de cocaína que a arguida Gracinda escondia nas mãos; tudo documentado a fls. 412 e ss. dos autos e sustentado pelos testemunhos em julgamento dos militares que as realizaram.

Depois, nos testemunhos dos muitos toxicodependentes arrolados pela acusação e que, na esmagadora maioria, disseram que compraram estupefaciente ao arguido Arménio e, nalguns casos, também às arguidas Célia e Gracinda, dando conta da natureza, da frequência e das quantidades transacionadas. Parte das transações relatadas pelos consumidores coincidiu com a verificação, por agentes do NIC de Felgueiras, da deslocação destes à loja dos p... ou à residência dos arguidos.

Por fim, relevaram também as escutas telefónicas judicialmente autorizadas, levadas a efeito pelo órgão de polícia criminal, entre as quais, com relevo para o apuramento dos factos por conterem conversas em que o tema versado é a atividade de venda/entrega de produtos estupefacientes, se destacam as das sessões 105, 181, 321 e 538 (conversas mantidas entre a arguida Célia e o pai Arménio) e das sessões 321 (conversa entre a arguida Gracinda e o marido Arménio) e 140, 158 e 178 (entre a arguida Gracinda e o filho Jorge preso no E.P.), conforme transcrições constantes de fls. 472 a 493 dos autos. Do teor das conversas ressalta o perfeito conhecimento e apoio prestado pelas arguidas Célia (transporte e entrega de produto ao pai ou a consumidores) e Gracinda (entrega de produto a consumidor e combinação de transporte do droga para o E.P. onde se encontra o filho Jorge em cumprimento de pena de prisão) à atividade ilícita, sob a direção do arguido Arménio.

Os arguidos optaram por não prestar declarações relativamente à matéria de facto que lhes vem imputada na acusação.

O conjunto da prova produzida, em particular as escutas telefónicas, os relatos de transações presenciadas pelos agentes do NIC que testemunharam em tribunal e os testemunhos dos toxicodependentes em juízo, criaram no tribunal convicção firme de que o arguido Américo se dedicava, no período correspondente a finais de 2012 até 25 de Março de 2013 (a que se reportam os episódios narrados pelos consumidores, pelas vigilâncias e as escutas), à venda de estupefacientes com regularidade assinalável, da qual obtinha proventos.

As arguidas Célia e Gracinda, por seu turno, tinham conhecimento da atividade desenvolvida pelo arguido, de quem eram os consumidores que o procuravam, de que havia estupefaciente em casa para os abastecer, dos preços das doses (atente-se nas escutas telefónicas supra aludidas, nos testemunhos de consumidores, infra descriminados, que deram conta de que as arguidas também lhes entregaram embalagens de estupefacientes e, nalguns casos, receberam o preço, bem como na detenção de produto estupefaciente nas mãos da arguida Gracinda quando da busca realizada à residência pelo NIC de Felgueiras) e colaboraram em vários momentos com o arguido no seu desenvolvimento – a arguida Célia dando ao pai informações sobre quantidades de estupefaciente existentes e sobre quem o procurava, orientando consumidores para se dirigirem ao estabelecimento, fazendo transportes para entrega de produto ao pai ou a consumidores, e a arguida Gracinda indo buscar o estupefaciente aos sítios da casa onde estava escondido, entregando-o a consumidores, recebendo o preço, informando o marido telefonicamente. Esta colaboração foi mais frequente no caso da arguida Célia, sobretudo no transporte e informação; e pontual da arguida Gracinda.

Em qualquer das intervenções das arguidas Célia e Gracinda, estas agiram sempre sob orientação e liderança do arguido Américo que lhes dava as necessárias instruções e, na grande maioria das vezes, fornecia os consumidores na “loja dos p...”,


*

Concretizando a prova produzida em função dos episódios de venda/troca de estupefacientes referidos na matéria de facto provada nos autos:

i.

Factos provados números 15. e 16.:

- testemunho de Luís D... que disse ter entregue € 20,00 ao Amândio (como pagamento do trabalho deste) e transportado no dia 25.03.2013 até à loja p..., onde aquele entrou, tendo sido depois ambos intercetados pela GNR que apreendeu na posse do Amândio, que já não tinha com ele os € 20,00, o produto estupefaciente descrito e apreendido a fls. 380 e 381 dos autos;

- também a testemunha Roque M... confirmou que, conforme autos de vigilância, reportagem fotográfica, autos de apreensão e de teste rápido juntos de fls. 380 a 383 dos autos, no dia 25.03.2013, logo após ter entrado e permanecido no estabelecimento do arguido Arménio, Amândio V... foi intercetado, tendo sido apreendida na sua posse uma embalagem com 0,6 gr. de peso bruto de heroína.

ii.

Factos provado número 17. e não provado número 3.:

- fotografias e relato de vigilância juntos a fls. 154 a 158; e

- testemunho do Cabo Roque... que confirmou o teor do relato de vigilância.

- não foi presenciada ou vista a transação dentro do estabelecimento, nem apreendido estupefaciente na posse de Cristiano T..., o que justifica a parte não provada do correspondente número da acusação.

iii.

Factos provados números 18. a 20.:

- testemunho de Élia T... que disse ter comprado “pedras” de estupefaciente com o peso de 0,5 g, por € 20,00, 5 ou 6 vezes, ao arguido Arménio. As compras foram todas na residência deste arguido, exceto de uma vez, em que a arguida Célia a escorraçou do local com as palavras descritas no facto provado número 19., em que acabou por comprar ao arguido na “loja p...”. Disse ainda que a arguida Célia chegou a assistir a compras feitas pela testemunha ao arguido Arménio, mas não teve qualquer participação, nem disse nada. Nunca comprou às arguidas.

- relato de vigilância de fls. 33 e 34, alusivo à situação descrita no facto provado número 19., do dia 20.11.2012;

- sustentada também pelas testemunhas Roque... e Raúl F... que a presenciaram e ouviram as expressões ouvidas pela Élia T.... O militar Raúl F... presenciou ainda a deslocação da arguida à residência dos arguidos no dia 09.11.2012.

iv.

Factos provados números 21. a 23., e não provados números 7. e 8.:

- testemunho de Rolando Teixeira que disse ter comprado, pelo menos 10 vezes, 0,5 g de heroína à arguida Célia, pagando € 20,00 de cada vez. Contactava-a por telemóvel através de mensagem e esta, sozinha ou acompanhada pelo arguido Arménio, trazia-a de carro às imediações da casa da testemunha. Só uma ou duas vezes veio o arguido Arménio entregar-lhe sozinho o estupefaciente;

- escuta telefónica correspondente à sessão n.º 321, do dia 12.02.2013, transcrita a fls. 480 dos autos, em que a arguida Célia pergunta ao arguido Arménio “Pai posso ir lá baixo ó noventa e um? Percebeu?”, pedindo-lhe autorização para fazer um a entrega ao arguido Rolando, identificado como “91”, ao que o arguido lhe responde “Sim, mas dem… Está atrás do armário in cima.”, indicando-lhe a localização do produto estupefaciente;

v.

Factos provados números 24. a 26.:

- testemunha José M... disse ter comprado cerca de 4 vezes (duas na residência e outras duas na loja p...) heroína e cocaína ao arguido Arménio, pelo preço de € 20,00 por 0,5 grama. Nunca comprou estupefaciente às arguidas Célia e Gracinda;

- relato de vigilância, autos de ocorrência, apreensão e testes rápidos, juntos de fls. 168 a 174, dos quais resulta que a testemunha José M... foi vista a entrar na “loja dos p...” e intercetada pelas autoridades depois de sair, com 0,38 gr de cocaína e 0,58 gr de heroína na sua posse;

- conjugados com os testemunhos dos militares da GNR Roque..., Raúl F... e Vítor A..., que participaram e confirmaram os contornos daquela operação policial; e ainda,

- escuta telefónica a que se reporta a sessão n.º 317 do dia 11.02.2013, transcrita a fls. 479 dos autos, em que o arguido Arménio pergunta à arguida Gracinda “inda há do coiso, da mesma coisa?”, pretendendo saber se ainda há estupefaciente em casa, ao que esta lhe responde “Não, Não porque veio aqui o, o picheleiro.”, alcunha pela qual é conhecido o consumidor José M....

vi.

Facto provado número 27.:

- testemunha Pedro A... disse ter comprado uma vez ao arguido Arménio € 20,00 de cocaína;

- também Hugo S... confirmou a aquisição de estupefaciente, na medida em que conduzia o carro onde transportava o Pedro e presenciou a transação feita entre o este e o arguido, sendo que o estupefaciente se destinava ao consumo de ambos e foi pago a meias.

- do relato de vigilância de fls. 30 e ss., confirmado em juízo pelo testemunho de Roque... que a realizou, constata-se que no dia 02.11.2012, cerca das 23:00 horas, aquelas duas testemunhas se deslocaram ao estabelecimento do arguido Arménio, nas imediações do qual realizaram a troca de algo;

vii.

Facto provado número 28.:

- a testemunha Estefânio M... confirmou ter adquirido ao arguido Arménio, uma ou duas vezes, 0,5 gramas de cocaína ou heroína. Disse, no entanto, que as compras ocorreram na loja dos p..., em 2011;

- constata-se, conforme fotografias números 1 a 3 de fls. 156, relato de vigilância de fls. 158 e ss. e testemunho do Cabo Roque M... que realizou a diligência e a confirmou em juízo, que Estefânio M... se deslocou à “loja dos p...” no dia 22.02.2013, na companhia do consumidor Fernando T....

viii.

Facto provado número 29.:

- a testemunha Fernando T... confirmou que foi duas vezes, na companhia de outro colega, à loja dos p..., em A..., comprar pedras de cocaína embrulhadas em plástico, por € 20,00 de cada vez;

- em conformidade, esteve no dia 22.02.2013 na “loja dos p...”, na companhia do Estefânio M..., como se constata do teor do relato de vigilância de fls. 158 e ss. e do testemunho do Cabo Roque M....

ix.

Factos provados números 30. e 31.:

- a testemunha Hélder M...confirmou ter transportado, duas vezes, o Joaquim Sampaio, consumidor de estupefacientes, até à “loja p...”;

- Joaquim Sampaio testemunhou que, de cada uma dessas vezes, foi abastecido de uma dose de heroína pelo arguido Arménio, “o Sr. dos P...”, tendo pago uma das vezes € 20,00 e da outra ficado a dever;

x.

Factos provados números 32. e 33.:

- a testemunha Boaventura C... declarou-se consumidor de estupefacientes e confirmou ter comprado 0,5 g de heroína, pelo preço de € 20,00, ao arguido Américo, por duas vezes na “loja dos p...”, e uma terceira vez na residência dos arguidos, onde o produto lhe foi entregue pela arguida Gracinda, depois de ter passado pela loja e pago ao Arménio o preço;

- como decorre dos relatórios de vigilância de fls. 163 e ss. e 393, bem como dos testemunhos dos militares Roque..., Raúl F... e Vítor A... que as realizaram, Boaventura C... deslocou-se à “loja dos p...” no dia 26.02.2013 e à residência dos arguidos no dia 10.03.2013, tendo nesta última sido observada a troca de “algo” entre si e o arguido Arménio;

xi.

Factos provados números 34. a 38.:

- António L... confirmou ter comprado por duas vezes cocaína, embalada em plástico, na loja dos p... ao arguido Arménio, tendo pago € 20,00 por cada dose. Uma dessas vezes quem estava na loja era a arguida Célia que telefonou ao pai, porque a testemunha disse que queria falar com ele, e este veio realizar a venda. Nunca comprou às arguidas Célia e Gracinda (o que, relativamente à arguida Gracinda, é contraditório com o que declarou em inquérito, conforme leitura de fls. 760 autorizada por todos os sujeitos processuais em audiência de julgamento);

- foram presenciadas pelo Cabo Roque... as idas de António L... à “loja dos p...” nos dias 17.12.2012 e 22.02.2013, conforme decorre do testemunho deste militar da GNR, bem como dos relatórios de vigilância por si confirmados, juntos a fls. 36 e 158 e ss.;

xii.

Factos provados números 39. a 42.:

- Fernando Correia testemunhou que era consumidor de cocaína e durante um / dois meses passou a abastecer-se frequentemente junto dos arguidos, quer na loja dos p..., onde pedia “uma base” ao arguido Arménio, equivalente a uma dose, quer na residência onde era atendido pela arguida Gracinda e a quem pagou várias vezes o estupefaciente;

- No dia 27.12.2012, Fernando M... foi visto, na companhia de Leonel Ferreira, na “loja dos p... pelo Cabo Roque..., como resultou do testemunho deste e do relatório de vigilância junto a fls. 38 dos autos;

xiii.

Factos provados números 43. e 44.:

- Ricardo de Oliveira disse que comprou estupefaciente ao arguido Arménio durante algum tempo, há cerca de um ano atrás, na loja p..., combinando previamente com este pelo telefone. Nunca comprou estupefaciente às arguidas;

- relatório de diligência externa e informação de serviço juntas a fls. 42 e 40 dos autos, cujo teor foi confirmado em julgamento pela testemunha Roque... que as realizou, das quais resulta que Ricardo O... se deslocou à loja do arguido no dia 27.12.2012 e à residência do arguido Arménio no dia 03.01.2013;

xiv.

Factos provados números 45. e 46.:

- Carlos Inácio Moreira disse que veio uma vez a uma residência na Lixa comprar heroína, tendo despendido cerca de € 20,00/25,00;

- relatório de diligência externa constante de fls. 408 dos autos, bem como os testemunhos dos militares Roque M..., Raúl F... e Vítor A... que a realizaram e relataram em julgamento, do qual resulta que no dia 21.03.2013, pelas 12:00 horas, Carlos M... se deslocou no veículo automóvel Peugeot, de matrícula 39-97-..., ao estabelecimento comercial “loja p...”, onde se encontrou com o arguido Arménio, seguindo depois ambos juntos, no veículo automóvel, desde a referida loja até à residência do arguido, onde entraram ambos;

xv.

Factos provados números 47. a 48:

- as testemunhas Paulino S... e João R... disseram ambas em julgamento que são consumidoras de estupefacientes e que se deslocaram à loja do p... com intuito de adquirirem para seu consumo, já que tinham sido informados que ali se podia comprar, o que não aconteceu porque nem chegaram a ver o arguido Arménio no local, mas apenas os elementos do NIC da GNR de Felgueiras, que se encontravam ali;

- a testemunha Roque... que presidiu à busca e apreensão realizada no estabelecimento “loja dos p..., pertencente ao arguido, no dia 25.03.2013, confirmou a chegada e a abordagem feita às testemunhas /consumidores Paulino e João Carlos, nas restantes circunstâncias narradas na acusação.


*
Relativamente aos pontos III., IV. e VI. da matéria de facto provada, alusiva às buscas e apreensões realizadas na “loja dos p...” e na residência dos arguidos, no dia 25.03.2013, relevaram os autos de busca e apreensão, reportagens fotográficas, autos de exame de objetos e testes rápidos, juntos a fls. 369 e ss. e 412 e ss. e 436 e ss., confirmados pelas testemunhas Roque..., Ferreira e Pedro T..., elementos do NIC de Felgueiras que realizaram as diligências.
Foi considerado o relatório pericial de toxicologia realizado pelo Laboratório da Polícia Judiciária, junto a fls. 871 e ss., quanto à natureza das substâncias estupefacientes apreendidas.
No que respeita ao descritivo e características das armas e munições apreendidas na posse do arguido Arménio relevaram ainda os autos de exame direto e de armas e relatórios fotográficos de fls. 661 a 700 dos autos.
*
Consideraram-se ainda, relativamente aos factos provados números 51. a 53., as informações prestadas pela Segurança Social de fls. 789 a 792 e as declarações de rendimentos dos arguidos juntas de fls. 805 a 807, embora o facto de não terem declarado rendimentos não signifique, necessariamente, que os arguidos não auferissem qualquer rendimento lícito, nomeadamente proveniente da exploração da loja. No que respeita à arguida Célia, o documento que juntou a fls. 1081 dos autos, comprovam que auferiu rendimentos, embora diminutos, no fim do ano de 2012 e início do ano de 2013.
*
Relativamente às condições sociais e económicas dos arguidos, bem como antecedentes criminais, relevaram os relatórios sociais de fls. 1107 e ss., 1124 e ss., os documentos juntos com a contestação da arguida Célia (fls. 1075 a 1081) e os certificados de registo criminal juntos.
*
*
FUNDAMENTAÇÃO
I – O recurso da arguida Gracinda G...
O recurso desta arguida limita-se à declaração de perda a favor do Estado do veículo automóvel BMW, com a matrícula 92-HS-...
Uma primeira nota:
Não está em causa a declaração de perda do veículo automóvel, em consequência de presunção, não ilidida, da sua proveniência ilícita, dada a desproporção entre o valor do património da arguida/recorrente e aquele que seria congruente com os seus rendimentos lícitos conhecidos (cfr. art. 7 nº 1 da Lei 5/2002 de 11-1).
Essa não foi questão suscitada na acusação (ou posteriormente, com os procedimentos indicados no art. 8 da referida Lei 5/2002), nem decidida no acórdão recorrido, sendo que é pacífica a jurisprudência no sentido de que "a missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pela tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes; o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei" - por todos, acs. STJ de 6-2-87 e de 3-10-89, BMJs 364/714 e 390/408. O âmbito do recurso é também determinado pela decisão recorrida.

O acórdão recorrido é inequívoco ao fundamentar a declaração de perda na utilização que foi feita do veículo. Transcreve-se dele: “Nos termos do disposto no artigo 35º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22.01, declaro perdido a favor do Estado o veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula 92-HS-.., utilizado para o transporte de estupefaciente pela arguida Célia, e o ciclomotor com a matrícula 77-CS-.., utilizado pelo arguido Arménio para o transporte de estupefaciente”.

Vejamos, então:

São dois os pontos dos «factos provados» em que se refere a utilização do veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula 92-HS-...

São eles os pontos nºs 12 e 23.

O ponto nº 12 tem a seguinte redação:

12. “Os arguidos Arménio e Célia, para além de venderem droga nos dois locais acima referidos, também vendiam ao domicílio, usando para o efeito, o triciclo motorizado de matrícula 77-CS-.., conduzido pelo arguido Arménio, e o veículo automóvel de marca BMW de cor cinzenta, com a matrícula 92-HS-.., geralmente conduzido pela arguida Célia”.
Convém aqui lembrar o que vem sendo afirmado pelo nosso mais Alto tribunal judicial, quanto à necessidade de concretização dos factos imputados, nomeadamente quando estão em causa crimes de tráfico de estupefacientes.

Transcreve-se do ac. do STJ de 6-5-2004, Proc. 04P908, relator Santos Carvalho, disponível no ITIJ:

Não são "factos" suscetíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado ("procediam à venda de produtos estupefacientes", "essas vendas eram feitas por todos e qualquer um dos arguidos", "a um número indeterminado de pessoas consumidoras de heroína e cocaína", "utilizavam também "correios", "utilizavam também crianças", etc.).
As afirmações genéricas, contidas no elenco desses "factos" provados do acórdão recorrido, não são suscetíveis de contradita, pois não se sabe em que locais os citados arguidos venderam os estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efetivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como "factos" inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32º da Constituição” (sublinhados do relator).
O trecho transcrito é aplicável, com a adaptação necessária (mas evidente), ao caso destes autos e implica o juízo de que o facto provado nº 12 tem uma redação genérica e conclusiva. Nele não se concretiza a que locais os arguidos (nomeadamente, a Célia) foram vender droga “ao domicílio”, utilizando o BMW, matrícula 92-HS-... O uso do BMW era esporádico, quando confrontado com a utilização do triciclo? Limitou-se aos casos referidos mais à frente no ponto nº 23? Ou o BMW estava destinado a fazer um circuito diário de distribuição e venda de droga “ao domicílio” a pessoas identificadas, com pontos de paragem pré-determinados do conhecimento dos consumidores?
Todas estas três hipóteses (entre outras) são compatíveis com a redação do facto nº 12, sendo que apenas a última permitiria a formulação de um juízo positivo sobre a «essencialidade» ou «indispensabilidade» do uso do veículo na prática do crime.
Verdadeiramente, a utilização do BMW na prática do crime apenas está concretizada no outro facto referido, o nº 23, que tem a seguinte redação:
Por seu turno, a arguida Célia telefonava ao pai e questionava-o se podia ir ter com o “91” para o servir, tendo-se deslocado, entre finais de 2012 e 25.03.2013, oito vezes, em veículo automóvel marca BMW com a matrícula 92-HS-.., à referida residência deste consumidor, sendo que, de todas as vezes, este adquiria-lhe e pagava-lhe cerca de 0,50 gramas (peso bruto) de heroína ao preço de 20,00 €”.
Ou seja, a arguida Célia, durante três meses, utilizou oito vezes o BMW para vender 0,50 gramas de heroína ao “91”.
O uso de um veículo automóvel, de 11 em 11 dias, para a venda de meia grama de droga não é ´suscetível de estabelecer uma ligação funcional e instrumental entre a atividade de tráfico de droga e o veículo. O uso do veículo não aparece como essencial ou decisivamente facilitador da prática do crime, de tal modo que se possa afirmar que, sem o veículo, a execução do crime não teria sido possível, ou teria ocorrido de modo diferente. Meia grama de droga, pode ser transportada num bolso, numa deslocação a pé, de autocarro ou de táxi.
Entre a prática do crime e o uso do veículo tem de haver uma relação de causalidade que não é possível afirmar face à redação do facto provado nº 23.
Trata-se de entendimento que, tanto quanto se sabe, é pacífica no nosso mais Alto tribunal judicial.
Transcrevem-se alguns acórdãos, que dispensam mais considerações:
Ac STJ de 27-09-2006, Proc. 06P2802, rel. Henriques Gaspar

VI – (…) A perda dos «objetos que tiverem servido» «para a prática de uma infração» relacionada com estupefacientes tem como fundamento a existência ou a preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre o objeto e a infração, de sorte que a prática da infração tenha sido especificamente conformada pela utilização do objeto; este há-de ter sido elemento integrante da conceção material externa e da execução do facto, de modo que a execução não teria sido possível, ou teria sido essencialmente diferente, na modalidade executiva que esteja em causa, sem a utilização ou a intervenção do objeto.

VII - Nesta perspetiva, a decisão de perda de objetos deve ter como pressuposto a individualidade executiva e a relevância instrumental, determinante ou essencialmente conformadora do objeto no processo de execução e de cometimento do crime.

VIII - Não estado provado o uso determinante do veículo em qualquer ato executivo concretamente descrito, em que a utilização do veículo se revelasse instrumentalmente necessária ou essencialmente modeladora do modo de cometimento da infração, não é possível concluir que aquele objecto (o veículo) «tivesse servido para a prática da infração» (tráfico de estupefacientes).

Ac de 13-12-2006, Proc. 06P3664, rela. Oliveira Mendes
I - Segundo atual jurisprudência do STJ, a perda dos objetos do crime, nos termos do art. 35.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, só é admissível quando entre a utilização do objeto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, de forma a que, sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma, com significação penal relevante, verificada.
(neste acórdão estava em causa a declaração de perdimento de um veículo em que o condutor, sendo filho do proprietário, tinha consigo, além de outros objetos, duas embalagens com 1,850 g de cocaína, € 80 em dinheiro e € 5375 num saco de plástico, quantia esta que se preparava para entregar a terceiro em pagamento do produto estupefaciente. O STJ decidiu não haver lugar ao perdimento porque é “consabido que sem a utilização do veículo a infração teria sido praticada na mesma, pois a quantidade de cocaína que o arguido tinha consigo podia ser por ele transportada por qualquer outra forma, inclusive a pé, tal como a cocaína que se preparava para adquirir…”)
Ac. STJ de 14-06-2006, Proc. 06P276, rel. SILVA FLOR
III - Não merece reparo a declaração de perda a favor do Estado do veículo automóvel utilizado pelo recorrente nas várias transações de haxixe efetuadas com o coarguido J, sendo estas transacções de apreciáveis quantidades de haxixe, propiciando o veículo não só o transporte como a ocultação do haxixe, assim se verificando uma relação de causalidade adequada entre a sua utilização e a prática do crime - já que sem o veículo o crime não teria sido cometido, pelo menos na forma em que o foi -, e não se podendo falar de violação do princípio da proporcionalidade, por se tratar de quantidades consideráveis de haxixe.
Ac STJ de 16-05-2002, Proc. 02P2796, rel VIRGÍLIO OLIVEIRA.
I - A expressão “são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido (...) para a prática de uma infracção prevista no presente diploma...” (art.º 35.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01) deve ser interpretada na exigência de determinada essencialidade na consumação do crime.
II - Se o transporte da droga no veículo não aparece afirmado nos factos provados como circunstância decisiva para a prática da infração, antes como integrado em mera ocasionalidade, não há dependência do veículo face à conduta delituosa. Pelo que, não deve ser declarado perdido a favor do Estado.
O recurso procede.

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II - O recurso da arguida Célia M...
A – A matéria de facto
Nesta parte, o essencial da argumentação está na invocação da violação do princípio in dúbio pro reo. A recorrente argumenta no sentido de convencer que, apesar das provas que a incriminam, deveria ter prevalecido um estado de dúvida nos julgadores.
Porém, as dúvidas relevantes são as existentes no espírito de quem julga e não em outros sujeitos processuais, naturalmente condicionados pelas específicas posições que ocupam. O princípio in dubio pro reo é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A sua violação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – ac. STJ de 24-3-99 CJ stj tomo I, pag. 247.
Ora no texto do acórdão não se vislumbra que os srs. juízes tenham tido dúvidas sobre a prova de qualquer dos factos que consideraram provados.

Sendo a violação do princípio in dubio pro reo o ponto de partida para o questionamento da decisão sobre a matéria de facto, não pode a impugnação deixar de improceder.
Na verdade, a relação nunca faz um novo julgamento da matéria de facto, decidindo, através da consulta do registo da prova e dos elementos dos autos, quais os factos que considera «provados» e «não provados». Como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, talvez o principal responsável pelas alterações introduzidas no CPP pela Lei 59/98 de 25-8, “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância” – Forum Justitiae, Maio/99. É que “o julgamento a efetuar em 2ª instância está condicionado pela natureza própria do meio de impugnação em causa, isto é, o recurso… Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…” – ac. TC de 18-1-06, DR, iiª série de 13-4-06.
Por isso é que as als. a) e b) do nº 3 do art. 412 do CPP dispõem que a impugnação da matéria de facto implica a especificação dos «concretos» pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados e das «concretas» provas que impõem decisão diversa. Este ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados. Em relação a cada um têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa (é mesmo este o verbo - «impor» - utilizado pelo legislador) e em que sentido devia ter sido a decisão. É que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.
Não concretiza aquele Professor a que “vícios” se refere, mas alguns poderão ser sumariamente indicados.

Por exemplo, se o tribunal a quo tiver dado como provado que A bateu em B com base no depoimento da testemunha Z, mas se da transcrição do depoimento de tal testemunha não constar que ela afirmou esse facto, então estaremos perante um erro manifesto no julgamento. Aproveitando ainda o mesmo exemplo, também haverá um erro no julgamento da matéria de facto se, apesar da testemunha Z afirmar que A bateu em B, souber de tal facto apenas por o ter ouvido a terceiro e este não tiver sido chamado a depor. Aqui poderemos estar perante uma indevida valoração de meio de prova proibido (arts. 129 e 130 do CPP), que pode ser sindicada pela relação. Poderá ainda afirmar-se a existência de um “vício” no julgamento da matéria de facto, quando a decisão estiver apoiada num depoimento cujo conteúdo, objetivamente considerado à luz das regras da experiência, deva ser considerado fruto de pura fantasia de quem o prestou.
O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127 do CPP. A decisão do tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, ed.1974, pag. 204.
Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava o Prof. Alberto do Reis “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto direto) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a atuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. E concluía aquele Professor, citando Chiovenda, que “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar” – Anotado, vol. IV, pags. 566 e ss.

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Ora a argumentação do recurso, como se referiu, tenta convencer que deveriam ter persistido dúvidas nos julgadores, apesar das provas que incriminam a recorrente.
Transcreve-se, a título de exemplo, da motivação:
A testemunha Rolando da Silva Teixeira disse ter comprado, pelo menos 10 vezes, 0,50 gramas de heroína à recorrente, disse que a contactava pelo telefone através de mensagem e esta sozinha ou acompanhada pelo arguido Arménio, trazia-a de carro para as imediações da sua casa.
Contudo, quando confrontado e questionado se alguma vez viu a arguida Célia nas vendas e nas entregas, se era ela quem estava do lado de lá do telemóvel quando pretensamente a contactava por mensagem, respondeu que não sabia…”.
Porém, a prova deve ser, toda ela, conjugada e relacionada e o acórdão é explícito ao relacionar o depoimento do Rolando Teixeira com outros elementos de prova, nomeadamente, (volta a transcrever-se): “escuta telefónica correspondente à sessão n.º 321, do dia 12.02.2013, transcrita a fls. 480 dos autos, em que a arguida Célia pergunta ao arguido Arménio “Pai posso ir lá baixo ó noventa e um? Percebeu?”, pedindo-lhe autorização para fazer um a entrega ao arguido Rolando, identificado como “91”, ao que o arguido lhe responde “Sim, mas dem… Está atrás do armário in cima.”, indicando-lhe a localização do produto estupefaciente”.

Se a Célia pedia autorização para ir entregar a droga ao Rolando, está bem de ver que, segundo as regras da experiência, tinha sido ela a atender os pedidos de fornecimento…

A recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima indicados. Seleciona no acervo global da prova as partes que mais lhe convêm, o que é diferente.
Em vez de impugnar, faz a sua própria análise crítica da prova para concluir que o essencial dos factos que a responsabilizam deveria ter sido considerado não provado. Mas o momento processualmente previsto para o efeito são as alegações finais orais a que alude o artigo 360 do CPP. A impugnação da decisão da matéria de facto não se destina à repetição, agora por escrito, do que então terá sido dito. Fica-se a saber qual teria sido a decisão se a arguida/recorrente tivesse sido a juiz do seu próprio caso, mas isso nenhumas consequências pode ter, pois é aos juízes e não a outros sujeitos processuais, naturalmente condicionados pelas específicas posições que ocupam, que compete o ofício de julgar. Verdadeiramente, nesta parte, a procedência do recurso implicava que a Relação censurasse o tribunal recorrido por, cumprindo a lei, ter decidido segundo a sua livre convicção, conforme lhe determina o art. 127 do CPP.

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Mantém-se, assim, a matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância.
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B – A pena
A arguida Célia foi condenada em dois anos de prisão efetiva.
Subsidiariamente, mantendo-se inalterada a matéria de facto, visa a redução da pena para um ano de prisão, a suspensão da execução da prisão ou a substituição por trabalho a favor da comunidade.
Quanto à medida da pena:
Numa moldura abstrata de um a cinco anos de prisão foram fixados dois anos.
Como se sabe, a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa – art. 40 nº 2 do Cod. Penal. O limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro destes limites, a pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial. “Toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Tomo I, pag. 81.
Noutra obra – As Consequências Jurídicas do Crime – , ao tratar da controlabilidade por via de recurso da medida da pena, o Prof. Figueiredo Dias dá notícia das doutrinas segundo as quais “a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, para o qual o recurso de revista seria inadequado”. Aquele nosso maior Mestre conclui considerando que “esta posição é a mais correcta…” (pag. 197) – sublinhado do relator.
Ou seja, num recurso interposto pelo arguido (ou pelo Ministério Público), com vista à diminuição da pena aplicada, ele deverá, antes de mais, alegar que foi ultrapassado aquele limite máximo da medida da culpa. Pelo contrário, no recurso interposto pelo Ministério Público para a agravação da pena, terá de demonstrar-se que a pena fixada não garante a satisfação das exigências de prevenção geral positiva. Dentro destas fronteiras, que indicam o máximo e mínimo da pena concreta legalmente admissível, deverá, por regra, prevalecer o prudente critério do tribunal a quo.
O direito penal português ainda não aderiu a uma certa ideia de matematização da pena.
Ao contrário do que perpassa da motivação do recurso, a missão desta relação não é a de indicar a pena concreta que os desembargadores teriam fixado, se tivessem estado no lugar dos juízes que fizeram o julgamento, mas, tão só, ajuizar se a pena decidida contende com o limite máximo admitido pela culpa concreta.
A resposta é negativa.
A culpa da recorrente, entendida como o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso (Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, pag. 316), é pelo menos de grau médio, dentro dos parâmetros fixados para o crime por que foi condenada – tráfico de menor gravidade. Sem nenhum aparente condicionalismo exterior que lhe limitasse a plena liberdade de determinação (nomeadamente a dependência de drogas) ela dispôs-se a, durante cerca de três meses, participar não só nos atos de venda de drogas, mas também no seu acondicionamento em doses individuais, nos contactos com os consumidores aquando das encomendas e no transporte das doses.
Tendo a pena sido fixada significativamente abaixo do meio da moldura (o meio é nos 3 anos), nenhuma censura merece a decisão do tribunal.
Quanto à suspensão da execução
Os factos em julgamento ocorreram entre finais de 2012 e o dia 25 de Março de 2013.
Durante todo esse tempo decorria o prazo de suspensão da execução da pena 1 ano e 6 meses de prisão em que esta arguida tinha sido condenada, igualmente por tráfico de menor gravidade, no Proc. 32/10.0GCFLG do 1º Juízo do Tribunal de Felgueiras (transito em 28.05.2012). Nada, para além dos assomos de arrependimento que a arguida declara na motivação do recurso, permite concluir que agora seria diferente. A suspensão, aliás, contenderia com as exigências mínimas de prevenção geral positiva. A comunidade não compreenderia essa opção.
Quanto à substituição da prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade
A prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena de substituição. As finalidades das penas de substituição são “exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa”. A culpa tem a ver com o momento de determinação da medida da pena e já não com a escolha da espécie de pena – v. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crimes, pag. 331 e ss.
O art. 58 nº 1 do Cod. Penal faz depender a opção pela prestação de trabalho a favor da comunidade do juízo de ela realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, as finalidades da punição não são apenas de ressocialização do arguido.
Sem ser este o lugar para longas dissertações, diga-se que a pena tem, sempre, o fim de servir para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. É o instrumento, por excelência destinado a revelar perante a comunidade que a ordem jurídica é inquebrantável, apesar de todas as violações que tenham lugar – Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pags. 74 e ss.

É a chamada prevenção geral positiva ou de integração, que dentro dos limites da medida da culpa determina a pena. Esta, em caso algum, deverá pôr em causa o limite inferior constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. A pena não pode questionar a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, o sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
Se estes fins de defesa do ordenamento jurídico forem postos em causa pela pena de substituição, esta não deverá ser decidida.

É o caso destes autos.

O tráfico de drogas é um dos crimes que mais alarme causa na sociedade.

O conhecimento público de que a recorrente não tinha sido condenada em pena de prisão efetiva, apesar de já anteriormente condenada por crime semelhante e de ter cometido o crime durante o período de suspensão da anterior condenação, poria gravemente em causa a credibilidade das normas penais

Tem, pois, de ser negado provimento a este recurso.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:
1 – Negam provimento ao recurso da arguida Célia M...
2 – Concedendo provimento ao recurso da arguida Gracinda G... ordenam a restituição do veículo BMW, com a matrícula 92-HS-.. e respetivos documentos.
A arguida Célia pagará 3 UCs de taxa de justiça.