Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1973/08.0TBVCT-C.G1
Relator: ANTÓNIO DA COSTRA FERNANDES
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
SENTENÇA ESTRANGEIRA
EXECUÇÃO
UNIÃO EUROPEIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não é aplicável às sentenças (ou outras decisões finais) proferidas por tribunais de Estados-Membros da União Europeia o processo de revisão de sentenças estrangeiras previsto nos arts. 1094º a 1102º do Cód. Proc. Civil;
2. Essas decisões são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessi- dade de recurso a qualquer processo, isto é, automaticamente, a não ser que sejam objecto de impugnação – cfr. o art. 33º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22-12-2000;
3. Tais decisões são declaradas executórias em conformidade com as disposi- ções conjugadas dos arts. 38º, 1, 39º, 40º, 41º, 53º, 34º e 35º desse Regulamento;
4. A parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observa- ções na fase que visa obter a declaração de executoriedade – art. 41º do Regulamento;
5. Mas, pode interpor recurso da decisão proferida sobre o pedido de declaração de executoriedade – art. 43º, 1, do Regulamento;
6. E, por via desse recurso, que segue as regras do processo contraditório, poderá obter a revogação da declaração de executoriedade, caso se verifique qualquer das situações previstas nos arts. 34º e 35º do Regulamento;
7. Não sendo interposto o aludido recurso, não poderão servir de fundamento de oposição à execução questões que poderiam ser conhecidas nesse recurso;
8. Não há lugar ao controlo da competência do tribunal que proferiu a decisão, porque as regras atinentes à competência não são consideradas de ordem pública – art. 35º, 3, do Regulamento;
9. Quanto às garantias processuais, só se pode considerar questão que interessa à ordem pública portuguesa que o caso tenha sido objecto de um processo equitativo, o qual, obviamente, pressupõe que hajam sido respeitados os princípios do contraditório e da igualdade das partes – cfr. os arts. 20º, 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 3º, 1, parte final, e 3, e 3º-A do Cód. Proc. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório
Viana …, Ldª, pessoa colectiva nº …, com sede na Rua …., 4900-000 Viana do Castelo, deduziu oposição à execução que contra si instaurou G. A. V … , com sede na Holanda, alegando, em síntese, que:
- O tribunal holandês que proferiu a sentença que serve de título executivo era incompetente, em função do território, para a acção declarativa, pois que a competên- cia cabia ao tribunal do domicílio do devedor, sendo certo que a entrega das mercado- rias e os pagamentos eram efectuados em Portugal;
- Não foi devidamente citada para a acção declarativa, pelo que a sentença proferida pelo tribunal holandês não constitui título executivo, pois na citação não foi observado o art. 235º do CPC;
- Nos termos do art. 317º do Código Civil, os créditos relativos aos produtos vendidos até 12-03-2005 encontram-se prescritos, perfazendo, juntamente com as notas de crédito, 202.534,65 €;
- Deduzidos os montantes que pagou, as notas de crédito, custas e honorários do advogado, a quantia em dívida deveria ser de apenas 62.507,49 €.
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A exequente contestou, propugnando pela improcedência da oposição, tendo alegado, no essencial, que:
- A oposição à execução é inepta, porque ininteligível;
- E é extemporânea, porquanto a oponente foi notificada, em 21-11-2008, da sentença que conferiu força executória à decisão proferida pelo tribunal estrangeiro, sendo o prazo de recurso de um mês [art. 43º, 5, 1ª parte, do Regulamento (CE) 44/2001, do Conselho, de 22-12-2000] e expirando a 21-12-2008, tendo o requerimento de interposição do recurso sido apresentado em 03-01-2009, sem que a recorrente tivesse pago a multa prevista no art. 145º, 6, do CPC;
- Os motivos aduzidos pela oponente nos arts. 1º a 14º da oposição apenas poderiam ser invocados em sede de recurso da declaração de executoriedade, previsto no art. 43º do mencionado Regulamento – nesses artigos, a oponente invocou a incom- petência do tribunal holandês, a omissão de formalidades na citação, o que a tornaria nula, implicando inexistência de título executivo;
- Não é processualmente admissível que a oponente utilize a oposição para trazer à colação argumentos que deveria ter esgrimido em sede de recurso da declara- ção de executoriedade;
- Aliás, o recurso teria de se restringir a matéria de direito;
- O processo de reconhecimento da sentença exequenda é o previsto no menci-onado Regulamento 44/2001 e não o que consta dos arts.1094º e seguintes do Cód. Proc. Civil;
- O art. 36º do mesmo Regulamento estatui que “as decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito”;
- As “excepções”, ora, invocadas pela executada não são subsumíveis a nenhu- ma das causas previstas nos artigos 34º e 35º do aludido Regulamento;
- O tribunal português que reconheceu a sentença proferida pelo tribunal holan- dês não poderia averiguar e/ou pronunciar-se acerca da competência deste último;
- A oponente apenas poderia discutir a validade do título exequendo em sede de recurso da decisão que reconheceu a sua executoriedade – art. 43º do Regulamento;
- Como a mercadoria (bolbos para flores) foi entregue nos armazéns da exequ- ente e daí transportada por uma transportadora portuguesa contratada pela oponente, o tribunal holandês é competente, por força do art. 5º, 1, a) e b), 1º parágrafo, do Regu- lamento;
- A lei processual aplicável, quanto à acção declarativa, era a holandesa;
- A oponente foi citada, para deduzir defesa no processo declarativo, de harmo- nia com o Regulamento (CE) nº 1348/2000, do Conselho, de 29 de Maio, relativo à cita- ção e à notificação dos actos judicias e extrajudiciais em matérias civil e comercial;
- Aliás, a oponente admite a existência da citação ainda que com preterição de uma formalidade legal;
- A lei substantiva aplicável era a holandesa, em conformidade com o art. 4º, 1, a Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, de 19-06-1980, pois a entrega dos bens vendidos foi feita nos seus armazéns, na Holanda
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Por sentença de 09-03-2010 (fls. 75), a oposição foi julgada improcedente.
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Inconformada, a executada/oponente recorreu da sentença, pretendendo a re-vogação da mesma, tendo alegado e retirado as seguintes conclusões:
1ª Encontrando-se demonstrado que o tribunal competente é o da comarca de Viana do Castelo e tendo tal facto sido alegado sob a forma de excepção, a douta sen-tença, ao não declarar a incompetência, é nula, por violação do disposto no art. 668º, 1, d), do CPC;
2ª A oponente e, ora, recorrente não foi chamada tal como decorre da lei portu- guesa que exige a comunicação da data, do prazo de defesa, das consequências da falta de defesa. Em suma, com advertência da comunicação prevista na lei. É a pró- pria exequente quem reconhece que: A autora não tem conhecimento de qualquer for- ma de defesa da parte da ré;
3ª Tratando-se de matéria controversa e uma vez que foram várias, tal como abaixo se desenvolve, as reclamações apresentadas, sempre se impunha considerar que a citação deveria ter sido efectuada de acordo com a lei portuguesa, que deveria ter salvaguardado o direito de contestar, com a possibilidade de deduzir reconvenção, previsto no país de destino, o que, não tendo sucedido, faz com que a sentença ora notificada seja nula e de nenhum efeito, por violação do disposto nas alíneas b), c) e d) do art. 1096º do CPC;
4ª Ao não ser dada a possibilidade de contestar, nos termos alegados nos arti- gos anteriores, ficaram irremediavelmente inquinados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, sendo por conseguinte nula a sentença recorrida;
5ª Do documento que se junta sob o nº 1, como parte integrante do título execu-tivo, resulta que a quantia de 36.264,32 € respeita a juros vencidos e que a quantia de 8.989,50 € respeita a notas de crédito – reconhecidas pela exequente;
6ª Ora, por força de tal documento, que se admite ter sido omitido ao tribunal holandês, a exequente apenas podia, a ser verdade o demais alegado, sustentar que não tinha recebido a quantia de 410.918,16 € e nunca 456.171,98 €;
7ª Efectivamente, abatidas estas e as demais notas de crédito de 8.000,00 €, tal como abaixo se desenvolve, a executada/oponente apenas ficaria a dever cerca de 62.507,00 €;
8ª No período que medeia entre Setembro de 2004 e a presente data, a opo- nente não pagou apenas a quantia de 3.396,78 €, para liquidação da obrigação, como a exequente sustenta, tendo isso sim pago a quantia de 397.061,27 €;
9ª Impõe-se, pois, desde logo, abater ao montante de 456.171,98 € a quantia efectivamente paga e demonstrada por documentação incontornável, o que deveria ter, no mínimo, levado a que a exequente apenas pudesse peticionar o quantitativo de 62.507,49 €;
10ª De facto, o título executivo nunca poderia exceder 62.507,49 €, uma vez que não podem ser peticionados juros vencidos sobre quantias não devidas;
11ª Mais, a exequente não poderia peticionar juros sobre juros, sendo certo que os juros convencionados eram de 9,5% ao ano e não 24% ao ano (2% ao mês);
12ª Ao não conhecer da falta de verificação dos requisitos do documento que foi invocado como titulo executivo, a douta sentença é nula, por violação do disposto no art. 668º, 1, d), do CPC;
13ª Ao não conhecer da extinção da obrigação, a douta sentença é nula, por violação do disposto no art. 668º, 1, d), do CPC;
14ª Atento o alegado, reitera-se que o valor da execução deveria ter sido redu- zido para 62.507,49 € e, ao nem sequer conhecer de tal incidente, contra os fundamen- tos, a douta sentença é nula, por violação do disposto no art. 668º, 1, c), do CPC.
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A exequente não contra-alegou.
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O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo.
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II. Questões a equacionar
Uma vez que o âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 690º, 1, e 684º, 3, do Código de Processo Civil), importa apre- ciar as questões que delas fluem. Assim, «in casu», há apenas que equacionar as seguintes:
- Das invocadas nulidades da sentença;
- Da existência e extensão do título executivo.
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III. Fundamentação
A) Elementos fácticos provados
1. Por sentença de 12-09-2007, proferida no processo nº 28548705 do Tribunal da Comarca de Haia, juízo singular em matéria cível, a, ora, executada/oponente foi condenada no pedido, então, formulado pela, agora, exequente, ou seja, a pagar-lhe a quantia de 456.171,98 €, respeitante ao preço de bolbos para flores que lhe vendeu;
2. Essa sentença foi declarada executória, por decisão de 16-07-2008, proferida no Proc. nº 1973/08.0TBVC, nos termos dos arts. 38º, 1, e 41º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22-12-2000;
3. No âmbito deste último processo, a requerida (ora, apelante) arguiu a nulida- de dessa decisão, alegando que nunca chegou a ser citada;
4. Por despacho de 14-11-2008, essa nulidade foi julgada improcedente, com o fundamento de que (em conformidade com o art. 41º do Regulamento) a acção de reconhecimento e declaração de executoriedade de sentença estrangeira, não compor- ta citação ou notificação do requerido;
5. A requerida (aqui, apelante) recorreu da decisão referida no nº 3, supra, acabando o requerimento de interposição do recurso por ser desentranhado, pelo facto de, havendo sido apresentado fora de prazo, a mesma não ter pago a multa a que se reporta o art. 145º, 6, do Cód. Proc. Civil;
6. A, ora, apelante deduziu oposição à execução comum instaurada com base na sentença referida nos nºs 1 e 2, supra;
7. A exequente contestou essa oposição;
8. Por sentença de 09-03-2010, a oposição foi julgada improcedente, com o fun-damento de que todas as questões suscitadas pela oponente já não podiam ser discu- tidas, devendo tê-lo sido no tribunal holandês ou no processo apenso em que foi confir- mada a sentença proferida por aquele – art. 43º do aludido Regulamento.
A factualidade assente decorre dos autos atinentes à oposição à execução e do processo em que foi declarada a executoriedade da sentença estrangeira exequenda.
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B) Enquadramento jurídico
1) Das invocadas nulidades da sentença
A apelante sustenta que a sentença mediante a qual a oposição à execução foi julgada improcedente é nula, por violação do art. 668º, 1, d), do Cód. Proc. Civil, uma vez que não se pronunciou sobre: a incompetência do tribunal que proferiu a sentença exequenda; a falta de requisitos do «documento que foi invocado como título executi- vo»; e a extinção da obrigação.
Mais sustenta a apelante que a sentença também é nula, por violação do art. 668º, 1, c), do Cód. Proc. Civil, porquanto indeferiu, contra os fundamentos, o incidente do valor.
O conhecimento das invocadas nulidades tem, no essencial, a ver com o proces-so que levou à formação do título dado à execução, pelo que serão objecto de aprecia- ção no número seguinte.
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2) Da existência e extensão do título executivo
O título executivo a que a recorrente deduziu oposição é uma sentença estran- geira que foi declarada executória, por um tribunal português, em conformidade com as disposições conjugadas dos arts. 38º, 1, 39º, 40º, 41º, 53º, 34º e 35º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22-12-2000.
Segundo o mencionado art. 41º, «in fine», «a parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo», ou seja, na fase que visa obter a declaração de executoriedade. Mas, pode interpor recurso da decisão proferida sobre o pedido de declaração de executoriedade – cfr. o art. 43º, 1, do Regu- lamento. E, por via deste recurso, que segue as regras do processo contraditório (art. 43º, 3), poderá obter a revogação da declaração de executoriedade, caso se verifique qualquer das situações previstas nos arts. 34º e 35º também do Regulamento.
Em face do estatuído no art. 34º a declaração de executoriedade será revogada:
1. Se o reconhecimento for manifestamente contrária à ordem pública do Esta- do-Membro requerido;
2. Se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comuni- cado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão, embora tendo a possibilidade de o fazer;
3. Se for inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado-Membro requerido;
4. Se for inconciliável com outra anteriormente proferida noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro entre as mesmas partes, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, desde que a decisão proferida anteriormente reúna as condi- ções necessárias para ser reconhecida no Estado-Membro requerido.
No que tange ao reconhecimento, importa ter presente que, em conformidade com o art. 31º, 1, «as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo», isto é, automaticamente, a não ser que sejam objecto de impugnação, como flui do nº 2.
As hipóteses previstas nos nºs 3 e 4 do mencionado art. 34º não se verificam, «in casu», face ao que foi alegado pela, ora, recorrente.
A hipótese prevista no nº 1 também não tem cabimento, porquanto a decisão cuja executoriedade a, aqui, recorrida queria ver declarada não é manifestamente contrária à ordem pública portuguesa, uma vez que se trata da condenação no paga- mento de um montante pecuniário correspondente ao preço e outros encargos, no âm-bito de um contrato de compra e venda.
A hipótese prevista no nº 2 foi aflorada pela, ora, recorrente, no presente recur- so. E, obviamente, poderia, à primeira vista, constituir fundamento do recurso previsto no referido art. 43º do Regulamento, se ela o tivesse interposto em tempo. Na verdade, no caso de não ter sido devidamente citada para a acção, isso constituía motivo para, por via do recurso, conseguir a revogação da declaração de executoriedade da decisão em causa – cfr. os arts. 45º, 1, e 34º, 2, do Regulamento
Nesta conformidade, impõe-se a conclusão de que, em sede desse recurso, a, aqui, recorrente, tinha o meio processual adequado para fazer a valer o seu direito a um julgamento com audiência contraditória, na hipótese de isso não ter acontecido na fase declarativa.
Mas, importa consignar que a, ora, recorrente não foi revel, na acção declarativa que tramitou no tribunal holandês, e que foi citada para os termos da mesma.
Na verdade, como flui da 2ª conclusão, a, aqui, recorrente não afirma que o processo declarativo tenha tramitado à sua revelia. Mas tão-só que não foi devida- mente citada, em conformidade com o que estabelece a lei portuguesa, mas sem ale- gar a falta de citação ou a nulidade desta.
No que respeita à desconformidade da citação com a lei portuguesa, a recor- rente, nas suas alegações, refere que «não se observou minimamente o previsto no art. 235º do CPC, designadamente não se indicou ao destinatário o prazo dentro do qual pode apresentar a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorria no caso de revelia».
Sucede que a acção tramitou num tribunal holandês, segundo a lei processual holandesa. E, no que concerne à citação, por estar em causa uma sociedade portu- guesa, era aplicável o Regulamento (CE) nº 1348/2000, do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros da União Europeia, devendo a citação se feita em conformidade com o formulário a ele anexo e, em concreto, segundo a lei portu- guesa – arts. 4º, 3, e 7º, 1, desse Regulamento. Mas, de harmonia com o art. 15º, 1, do mesmo Regulamento, «cada Estado-Membro tem a faculdade de proceder directamen-te, por via postal, às citações e às notificações de actos judiciais destinados a pessoas que residam num outro Estado-Membro» – foi o que sucedeu, «in casu».
Ora, segundo consta do pedido de citação de que existe cópia em português, de fls. 12 a 16 do processo em que foi declarada a executoriedade da sentença exe- quenda (proferida pelo tribunal holandês), à, ora, apelante (então, ré) foi dado conhe- cimento do teor da petição da autora, sendo-lhe indicada, com suficiente antecedência, a data do julgamento, bem como a necessidade de constituir advogado.
Nesta conformidade, foi respeitado o princípio do contraditório, tendo sido con-cedidas à ré as necessárias garantias de defesa, pelo que, ainda que tivesse interposto o recurso previsto no mencionado art. 43º do Regulamento (CE) nº 44/2001, o mesmo não poderia merecer provimento, com base no fundamento a que se reporta o art. 34º, 2.
Aliás, a, ora, recorrente não alegou que não haja tido possibilidade de recorrer da decisão cuja executoriedade veio a ser declarada, ou seja, da decisão do tribunal holandês, sendo certo que só nesse caso lhe estava aberto o recurso previsto no aludi-do art. 43º, 1, conjugado com os arts. 45º, 34º e 35º. Na verdade, vigora um princípio de confiança entre as jurisdições dos Estados membros da União Europeia, de modo que as decisões proferidas pelos tribunais de cada um deles devem ser automatica- mente reconhecidas, sem necessidade de recurso a qualquer processo [art. 33º, 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001], e podem ser declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada, desde que se mostrem cumpridas as formalidades refe-ridas no art. 53º e não se verifique qualquer das situações impeditivas previstas nos arts. 34º e 35º.
O art. 35º deste Regulamento reporta-se à competência jurisdicional em matéria de: seguros (Secção 3); «contratos celebrados por consumidores» (Secção 4); «direitos reais sobre imóveis e arrendamento de imóveis», «validade, nulidade ou dissolução das sociedades ou outras pessoas colectivas», «validade de inscrições em registos públicos», «inscrição ou validade de patentes, marcas, desenhos e modelos, e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo»; e «execuções». Donde, a declara- ção de executoriedade poderia ser objecto de recurso e revogada se versasse sobre uma decisão atinente a qualquer dessas matérias, para a qual o tribunal que a proferiu não fosse competente. Mas, a decisão em causa não tem a ver com qualquer dessas matérias.
No demais, estatui o mencionado art. 35º, 3, que «… não pode proceder-se ao controlo da competência dos tribunais do Estado-Membro de origem. As regras relati- vas à competência não dizem respeito à ordem pública a que se refere o ponto 1 do artigo 34º».
Nesta conformidade, a questão da (eventual) incompetência do tribunal holan- dês, suscitada pela, ora, apelante, não poderia ser objecto do recurso previsto no art. 43º, 1, do Regulamento – trata-se de questão que deveria ter dirimido na acção decla-rativa, para que foi citada, reitera-se. E também não pode ser objecto do presente recurso. Na verdade, todas as questões que devessem ter sido definitivamente decidi- das na acção declarativa ou no âmbito do recurso previsto no mencionado art. 43º, 1, tem de considerar-se ultrapassadas.
O mesmo se diga quanto à eventual preterição de formalidades, no âmbito da citação.
Quanto a esta e às garantias processuais, importa vincar que só se pode consi- derar questão que interessa à ordem pública portuguesa que o caso tenha sido objecto de um «processo equitativo», o qual, obviamente, pressupõe que hajam sido respeita- dos os princípios do contraditório e da igualdade das partes – cfr. os arts. 20º, 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 3º, 1, parte final, e 3, e 3º-A do Cód. Proc. Civil. Ora, isso ocorreu.
Pelo que fica dito, improcedem, as 1ª, 2ª, 3ª e 4ª conclusões das alegações do presente recurso.
Cabe vincar que:
- A afirmação de que «A autora não tem conhecimento de qualquer forma de defesa da parte da ré», referida na 2ª conclusão, consta da carta de citação e, no contexto, só pode significar que, até àquela data, a ré não havia contestado ou apre- sentado outra forma de defesa – é que a citação visa já a intervenção no julgamento, indicando a respectiva data e local;
- A referência ao art. 1096º do CPC, constante da 3ª conclusão, é incorrecta, porquanto não é aplicável o processo de «revisão de sentenças estrangeiras» (previsto nos arts. 1094º a 1102º desse código), uma vez que existe processo próprio estabe- lecido no aludido regulamento comunitário, verificando-se, portanto, uma das excep- ções referidas no mencionado art. 1094º, 1.
Também não se verifica o caso específico previsto no art. 72º do Regulamento.
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De harmonia com o art. 814º, 1, do Cód. Proc. Civil, fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja poste- rior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por docu- mento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.
Face às conclusões formuladas pela recorrente, estão fora de causa os funda- mentos a que se reportam as alíneas b), c), f) e h)
No que concerne à alínea a), sendo o título executivo uma sentença estrangeira cuja executoriedade foi devidamente declarada, impõe-se concluir no sentido da sua existência e exequibilidade.
Quanto à alínea d), a questão já foi equacionada, supra, impondo-se concluir que se não verifica esse fundamento de oposição – aliás, a questão da eventual falta ou nulidade da citação teria de ficar decidida, definitivamente, até ao trânsito em jul- gado da decisão proferida no recurso previsto no mencionado art. 43º, 1, do Regula- mento; donde, não poderia ser suscitada em sede de oposição à execução. Com efeito, tendo a sentença declarativa estrangeira sido declarada executória, por decisão transi- tada, a invocação de quaisquer nulidades ou irregularidades de que a mesma estivesse eivada, em sede de oposição à execução, poria em crise o caso julgado.
Em bom rigor, também não se verifica qualquer dos fundamentos previstos nas alíneas e) e g). Na verdade, as conclusões 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª e 11ª respeitam a factos que poderiam ter determinado a redução da quantia exequenda, mas que, a serem verdadeiros, teriam de ser invocados na acção declarativa, na qual, insiste-se, a executada/recorrente pôde intervir. Donde, não podendo ser conhecidos em sede de oposição à execução, implicam a improcedência dessas conclusões.
Também em vista do que ficou dito, improcedem as 12ª e 13ª conclusões.
No que tange a esta última, sempre se dirá que, nas suas alegações, a executa- da/oponente sustenta que a obrigação se extinguiu, invocando, para tanto, a prescrição presuntiva prevista no art. 317º, b), do Código Civil. Ora, para além de se tratar de mais uma questão que apenas poderia ser equacionada na acção declarativa, essa prescri- ção só poderia operar se e na medida em que a, então, ré alegasse já haver pago.
Por último, na 2ª parte da 14ª conclusão, a recorrente reporta-se ao incidente do valor da execução suscitado na oposição, considerando que o tribunal «a quo» nem sequer dele conheceu, vindo nisso mais uma nulidade da sentença.
É verdade que esse incidente foi suscitado, não tendo sido objecto de pronúncia expressa. Mas, o certo é que a redução do valor da execução prende-se com factos que, a serem verdadeiros, teriam de ser invocados na acção declarativa, como já se disse a propósito das conclusões 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª e 11ª, Ora, assim sendo, impõe- -se concluir que na sentença recorrida existe pronúncia implícita quanto ao incidente do valor. Improcede, assim, também a 14ª conclusão.
E, por último, em face do que ficou dito a propósito das questões a que se repor- tam as conclusões que foram sendo referidas, importa concluir que não se verificam as invocadas nulidades.
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IV. Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Guimarães, 2010-10-19


/António da Costa Fernandes/

/Isabel Maria Brás Fonseca/
(Tem voto de conformidade da Exmª Desembargadora Maria Luísa Ramos que não assina por não estar presente – art. 157, 1, do CPC).