Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
30472/16.5YIPRT.G1
Relator: AFONSO MANUEL ANDRADE
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE MERCADORIAS
CONTRATO DE FRETAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A distinção entre a figura do contrato de transporte de mercadorias e do contrato de fretamento é por vezes difícil de fazer na prática.

2. Quer o transportador quer o fretador estão obrigados contratualmente a facultar um navio em estado de navegabilidade, ou seja, apto ao fim a que se destina, tendo por base o programa obrigacional definido pelas partes.

3. O contrato de fretamento corresponde grosso modo, ao aluguer de um navio, uma vez que a prestação característica a que o fretador está adstrito diz respeito ao consentimento do gozo do navio, mediante o pagamento do frete.

4. Quando nas cláusulas acordadas entre as partes encontramos: a) a referência expressa ao navio, que é identificado pelo nome ou com a referência “ou similar”; b) a referência à totalidade da carga do navio que é disponibilizada, e não apenas uma parte dela; c) a remuneração acordada é denominada de frete; d) o navio inteiro está por conta da parte que pretende o transporte; e) a ênfase posta na cedência temporária do navio como a essência do acordo entre as partes, e o rigor com que o tempo de utilização do navio é contado, então podemos concluir estar perante um contrato de fretamento. 5. Quando as partes, ao abrigo da regra da liberdade contratual, acolhem no contrato que celebraram as condições gerais do Frete, revistas em 1922, 1976 e 1994 (vulgo GENCON 94), o recurso às normas do DL 191/87 de 29.4 apenas é lícito em caso de omissão contratual.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. A distinção entre a figura do contrato de transporte de mercadorias e do contrato de fretamento é por vezes difícil de fazer na prática. 2. Quer o transportador quer o fretador estão obrigados contratualmente a facultar um navio em estado de navegabilidade, ou seja, apto ao fim a que se destina, tendo por base o programa obrigacional definido pelas partes. 3. O contrato de fretamento corresponde grosso modo, ao aluguer de um navio, uma vez que a prestação característica a que o fretador está adstrito diz respeito ao consentimento do gozo do navio, mediante o pagamento do frete. 4. Quando nas cláusulas acordadas entre as partes encontramos: a) a referência expressa ao navio, que é identificado pelo nome ou com a referência “ou similar”; b) a referência à totalidade da carga do navio que é disponibilizada, e não apenas uma parte dela; c) a remuneração acordada é denominada de frete; d) o navio inteiro está por conta da parte que pretende o transporte; e) a ênfase posta na cedência temporária do navio como a essência do acordo entre as partes, e o rigor com que o tempo de utilização do navio é contado, então podemos concluir estar perante um contrato de fretamento. 5. Quando as partes, ao abrigo da regra da liberdade contratual, acolhem no contrato que celebraram as condições gerais do Frete, revistas em 1922, 1976 e 1994 (vulgo GENCON 94), o recurso às normas do DL 191/87 de 29.4 apenas é lícito em caso de omissão contratual.

I- Relatório

X – Agência Marítima, Lda, com os sinais dos autos, veio apresentar requerimento injuntivo contra A. S., Lda, peticionando o pagamento do montante de € 27.381,08, acrescido de juros vencidos no valor de € 2.607,18 e ainda juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento e taxa de justiça no montante de € 153,00.

Sustenta, para o efeito, que se dedica à prestação de serviços de agência de navegação, cargas, descargas, tráfego e conferência de mercadorias no porto da Figueira da Foz, estiva e ou desestiva dos navios por ela agenciados e ou que lhe sejam consignados, incluindo armazenagem e grupagem de mercadorias, afretamentos, trânsitos e outras actividades conexas e que no âmbito da sua actividade comercial celebrou com a Ré, entre outros, 2 contratos de afretamento de paletes de madeira a realizar, um, em 13.2.2014, através do navio N., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir e outro em 20.11.2014 a realizar através do navio U., gerido pela mesma empresa, de Aveiro para Agadir.

No desenrolar dessas relações contratuais emitiu as facturas nº Ftf1 – 1 emitida em 28.5.2014, com data de vencimento em 30.5.2014, no valor de € 5.622,33 e factura nº FtF2 – 596, emitida em 31.12.2014, data de vencimento em 1.1.2015, no valor de € 21.718,75, tudo no valor total de 27.381,08, tendo a requerida recepcionado as aludidas facturas, não tendo apresentado qualquer reclamação, não tendo, até à presente data efectuado o pagamento do aludido montante, apesar das várias diligências da requerente nesse sentido.

Regularmente notificada, a requerida veio opor-se ao pedido injuntivo, pugnando pela sua improcedência.
Para o efeito, alegou em síntese que não deve a quantia peticionada.

Face à oposição da Ré e uma vez que o processo se destinava à cobrança de uma dívida fundada em transacção comercial com valor superior a € 15.000,00, o processo seguiu os seus termos como Acção de processo comum (fls. 34 e 35).

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, à qual se procedeu com inteiro respeito pelo respectivo formalismo (conforme resulta da respectiva acta).

A final, o Tribunal julgou a acção totalmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré A. S., Lda a pagar à Autora X- Agência Marítima, Lda a quantia de € 27.381,08, acrescida de juros de mora comerciais à taxa legal vencidos e contados desde a data do vencimento de cada uma das facturas até à data da instauração da acção (em 24.3.2016) no montante global de € 2.607,18 - e os juros vincendos, à mesma taxa, desde 25.3.2016 até efectivo e integral pagamento.

Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, em conformidade com o disposto nos artigos 639, 641º, 644º,1,a, 645º,1,a e 647º,1 todos do Código de Processo Civil.

Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:

I- No facto descrito no número três da relação de factos provados consta: “Em 13.2.2014 a Autora enviou à Ré um e-mail, que esta recebeu, com as condições do contrato de afretamento outorgado entre ambas para o navio N., as quais já haviam sido previamente acordadas e explicadas (…).

No entanto,
II- Nos articulados oferecidos pela Recorrida nenhuma invocação consta de que “as condições do contrato de afretamento outorgado entre ambas para o navio N., as quais já haviam sido previamente acordadas e explicadas (…).”.

De igual modo,
III- No facto descrito no número doze da relação de factos provados consta: “Em 20.11.2014 a Autora enviou à Ré um email, que esta recebeu, com as condições do contrato de afretamento outorgado entre ambas para o navio U., cujo teor foi previamente acordado e explicado (…)”.

No entanto,
IV- Nos articulados oferecidos pela Recorrida nenhuma invocação consta de que “cujo teor foi previamente acordado e explicado”. E assim,
V- Está a sentença proferida inquinada de nulidade, por excesso de pronuncia quanto à causa de pedir, tipificada no art.º 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, o que desde já e para todos os efeitos legais se invoca, devendo a mesma ser declarada e revogada a Douta Sentença proferida e substituída por outra que exclua:
-Do número três da relação de factos provados a expressão: “as quais já haviam sido previamente acordadas e explicadas (…);
-Do número doze da relação de factos provados a expressão: ““cujo teor foi previamente acordado e explicado”.

SEM PRESCINDIR,
VI- Conforme resulta do artigo 1.º da resposta oferecida pela Recorrente ao articulado de aperfeiçoamento da Petição Inicial, é dito que “A Ré aceita, que efectivamente, em 13 de Fevereiro de 2014 e 20 de Novembro de 2014, celebrou um contrato com a Autora, de afretamento de paletes de madeira a realizar através de navio, de Aveiro para Agadir”. E assim,
VII- Não poderia o Tribunal a quo julgar como provado, por acordo, que “Em 13 de Fevereiro de 2014, a Autora celebrou com a Ré um contrato que denominaram de fretamento de paletes de madeira a realizar através do navio N., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir.” Pelo que,
VIII- Deverá a Douta Sentença proferida ser revogada e substituída por uma outra que exclua do facto descrito no número um dos factos provados a expressão “que denominaram”. Acresce que,
IX- Conforme decidiu o STJ in Acórdão de 2 de Junho de 1998 na decisão quanto à matéria de facto decidir a qualificação de um contrato, como sucede nos números três; dez e doze da relação dos factos provados, devendo tão só pronunciar-se quanto aos factos concretos e objectivos integradores do seu "nomen juris". E assim,
X- Na decisão proferida, e no que aos factos descritos no número três; dez e doze diz respeito, deve tão só julgar-se como provado:
-Facto descrito no número três:
“Em 13.02.2014 a Autora enviou à Ré um email, que esta recebeu, constando do mesmo o seguinte: (…)”
-Facto descrito no número dez:
“Em 20 de Novembro de 2014, a Autora celebrou com a Ré um contrato para fretamento de paletes de madeira serrada a realizar através do navio U., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir.”
Quanto ao facto descrito no número doze:
“Em 20.11.2014 a Autora enviou à Ré um e-mail, que esta recebeu, constando do mesmo o seguinte (tradução certificada a fls. 119): (…)”
XI- E tal assim deve ser, porque por um lado é isso que impõe a jurisprudência supra invocada fixada pelo STJ no citado acórdão de 2 de Junho, mas também porque da prova produzida em audiência e julgamento não resulta provado qualquer facto que permita extrair das cláusulas contratuais e declarações negociais susceptíveis de conduzir à qualificação da relação contratual estabelecida entre Recorrente e Recorrida como um contrato de fretamento de navio, tal como decidiu o Tribunal a quo. Na verdade,
XII– Por definição legal, o contrato de fretamento de um navio é aquele que uma das partes (fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a por à sua disposição um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma retribuição pecuniária denominada frete. Ora,
XIII- Da prova produzida em audiência e julgamento, nomeadamente do depoimento prestado pela testemunha Manuel, que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início: 00:00:01 a 01:29:09 e cuja reapreciação desde já se requer, a Recorrida interveio nas duas relações contratuais estabelecidas com a Recorrente com a qualidade de B. (intermediário) e não como Fretadora. Mas mais.
XIV- Nos termos do art.º 2.º do Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril o documento exigido para a validade de um contrato de fretamento é a carta de partida. No entanto,
XV- Nos presentes autos os únicos documentos escritos disponíveis em julgamento e que evidenciam a vontade das partes são os dois e-mails juntos aos autos de folhas 39 verso e 40 e 45. Ou seja,
XVI- Não foi invocada nem apresentada qualquer carta de partida que nos termos do art. 2º do Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril pudesse ser entendido como “documento particular exigido para a válida do contrato de fretamento” e, dos depoimentos prestados em sede de audiência e julgamento nenhuma das testemunhas inquiridas afirmou a existência de qualquer carta de partida. Aliás,
XVII- Como se depreende do depoimento da testemunha Manuel - cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início: 00:00:01 a 01:29:09 e cuja reapreciação desde já se requer - pessoa que conforme resulta da fundamentação da matéria de facto foi director geral da Recorrida durante 33 anos até Outubro de 2014 e que segundo o Tribunal a quo relatou, com conhecimento directo dos factos e de forma credível e espontânea – não reconheceu os e-mails enviados à Recorrente pela Recorrida como cartas de partida, apelidando-os tão só como contratos de fretamentos. Acresce que,
XVII- Como resulta dos dois e-mails enviados pela Recorrida à Recorrente - de folhas 39 verso e 40 e 45 – constata-se que o preço do contrato foi definido tendo por base a quantidade de mercados a transportar e não a capacidade do navio que em bom estado de navegabilidade seria colocado à disposição da Recorrente. Ora,
XVIII- O que, fundamentalmente, revela, para a qualificação de um contrato, são as prestações a que as partes ficam adstritas. 3.1.- Partindo deste pressuposto, já Rodière, no afã desenvolvido para distinguir os contratos de fretamento e de transporte marítimo, acentuava que, se o fretador se obriga a fornecer um navio em bom estado de navegabilidade, o transportador está fundamentalmente vinculado a fazer chegar uma certa mercadoria a um determinado destino. Ou seja, o fretamento respeita a um navio; o transporte a uma carga.” Assim,
XIX- Fica desde já bem evidente que, dos elementos de prova oferecidos e a partir dos quais se pode extrair a vontade das partes no contrato celebrado o objecto do mesmo foi o transporte de uma mercadoria. Pelo que,
XX- Até pelos termos em que acordaram a Recorrente e a Recorrida a definição do preço a pagar – em função da quantidade de mercadoria a transportar – fácil é de perceber que o objecto do contrato não foi um navio, mas sim uma carga, uma vez que era em função da dimensão desta que seria fixado o preço a pagar pela Recorrente.
Mais,
XXI- Das próprias facturas emitidas pela Recorrida à Recorrente na sequência das relações contratuais estabelecidas nos e-mails em causa, é bem evidente que o objecto das relações contratuais não se limitam ao fretamento de um navio, mas sim à logística e transporte de duas cargas, por via marítima, do porto de Aveiro para o porto de Agadir.
Mais ainda,
XXII- No contrato de afretamento, conforme resulta do art.º 26.º Decreto Lei 191/87 de 29 de Abril “ A gestão comercial do navio pertence ao afretador”. De igual modo,
XXIV- No contrato de afretamento, conforme resulta do art.º 27.º n.º 1 Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril “É suportada pelo Afretador a despesa com o combustível do navio.”
No entanto,
XXV- Conforme resulta do depoimento da testemunha Manuel, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início: 00:00:01 a 01:29:09 e cuja reapreciação desde já se requer, nos casos das duas relações contratuais estabelecidas entre a Recorrente e Recorrida, os custos com o combustível dos navios não ficaram a carga da Recorrente, o que, atento o disposto no art. 27º n.º 1 Decreto Lei 191/87 de 29 de Abril, também evidencia que das obrigações assumidas pelas partes não resulta que as mesmas sejam subsumíveis no contrato de fretamento de navio. Ora,
XXVI- É assim evidente que:
-Pela ausência de invocação pela Recorrida de factos concretos e objectivos integradores do "nomen juris" contrato de fretamento de navio;
-Pela prova produzida em audiência e julgamento – documentos de fls 39 verso e 40 e 45, bem como, pelo depoimento da testemunha Manuel, onde se extrai factos concretos e objectivos que não são os integradores do "nomen juris" contrato de fretamento de navio,
XXVII- Não poderia o Tribunal a quo julgar como provada a existência de dois contratos de fretamento de navio. Pelo que,
XXVIII- Deverá ser reapreciada a prova produzida em audiência e julgamento, nomeadamente: os e-mails constantes dos documentos de fls 39 verso e 40 e 45 e o depoimento da testemunha Manuel, que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início: 00:00:01 a 01:29:09 e cuja transcrição na integral se junta, bem como, após a admissão, deverão ser considerados os documentos n.º 1 a 5 que aqui se juntam. E
XXIX- Partindo-se da jurisprudência fixada no já invocado Acórdão do STJ de 2 de Junho de 1998, deverá revogar-se a decisão proferida quanto à matéria de facto, nomeadamente a pronúncia do Tribunal a quo vertida nos números um; três; dez e doze, devendo tal decisão ser substituída por outra que excluindo da decisão da matéria de facto as qualificações jurídicas das relações contratuais estabelecidas entre Recorrida e Recorrente, limite a pronuncia aos factos invocados pelas partes e que constituam factos concretos e objectivos integradores do contrato de fretamento de navio sobre os quais incidiu a prova produzida em audiência e julgamento. Ou seja,
XXX- Haverá de resultar, quanto à matéria de facto, uma pronúncia, quanto aos factos descritos nos números um; três; dez e doze, se limite a julgar provado:

-No facto descrito no número um que: Em 13 de Fevereiro de 2014, a Recorrente celebrou com a Recorrida um contrato para afretamento de paletes de madeira, a realizar através do navio N., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir;
-No facto descrito no número três que: Em 13.02.2014 a Autora enviou à Ré um email, que esta recebeu, constando do mesmo o seguinte: (…)
-No Facto descrito no número dez que: Em 20 de Novembro de 2014, a Autora celebrou com a Ré um contrato para fretamento de paletes de madeira serrada a realizar através do navio U., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir.”
-No facto descrito no número doze que: Em 20.11.2014 a Autora enviou à Ré um email, que esta recebeu, constando do mesmo o seguinte (tradução certificada a fls. 119): (…).

SEM PRESCINDIR,

E assim,
XXXI- Decidida como antecede a matéria de facto, socorrendo-nos novamente na jurisprudência supra invocada, fixada pelo STJ no citado acórdão de 2 de Junho de 1998, a qualificação do contrato outorgado entre as partes haverá de resultar das “cláusulas contratuais e declarações negociais com vista à fixação do seu sentido juridicamente relevante, segundo os critérios legais, como é o caso da "interpretação normativa" à luz do disposto nos artigos 236 n. 1, e 238, n. 1, do Código Civil.”
XXXII- No que ao presente caso diz respeito, importa portanto aferir se os contratos celebrados entre Recorrente e Recorrida na sequência dos e-mails constantes dos documentos de fls 39 verso e 40 e 45 são susceptíveis de ser qualificados juridicamente como contratos de fretamento de navio, conforme concluiu o Tribunal a quo. Para tanto,
XXXIII- Deverá atender-se novamente à jurisprudência fixada no aludido acórdão do STJ de 2 de Junho de 1998, que, para diferenciação entre um contrato de fretamento de navio (regulado pelo Decreto Lei 191/87 de 29 de abril) de um contrato de transporte de mercadorias por mar (regulado pelo Decreto de Lei n.º 352/86 de 21 de Outubro) “o fretamento respeita a um navio; o transporte a uma carga”. Ora,
XXXIV- Para se fazer valer a Recorrida da qualificação dos contratos celebrados com a Recorrente como contratos de fretamento de navio cabia-lhe invocar e fazer prova dos factos que constituem o direito a que se arroga, no caso, invocar e provar que das cláusulas contratuais e declarações negociais estabelecidas permitem uma qualificação dos contratos outorgados com a Recorrente como contratos de fretamento de navio. No entanto,
XXXV- Tal não sucedeu. Na verdade,
XXXVI- Como supra se demonstrou, a Recorrida nunca se assumiu nas relações contratuais estabelecidas com a Recorrente como fretadora. Antes,
XXXVII- Como referido pela testemunha Manuel, a Recorrida assumiu-se como B., isto é, intermediário. Mais,
XXXVIII- O preço acordado entre a Recorrente e Recorrida foi fixado em função da carga a transportar e não em função da capacidade do navio a fretar.
XXXIX- Da própria linguagem usada quer pela Recorrente e até pela linguagem do Tribunal a quo na Douta Sentença proferida é bem evidente que o objecto foi o fretamento de paletes de madeira.
Pelo que,
XL- Todo o contexto e linguagem usada nas relações contratuais estabelecidas entre Recorrente e Recorrida direccionada o objecto da relação contratual ao transporte de cargas, elemento típico de um contrato de um contrato de transporte de mercadorias por mar, e não um navio, elemento típico do contrato de fretamento de navio.
XLI- Não podemos esquecer que, como diz Mário Raposo no citado no Acórdão supra invocado, "Por mais evidente que, no domínio dos conceitos, a autonomia hoje se estabeleça não resta dúvida que os dois contratos - o fretamento por viagem e o transporte - ficam a paredes meias: no dizer de Jacques Potier o fretamento por viagem está sempre ameaçado da suspeita de encobrir um verdadeiro contrato de transporte".
XLII- É portanto imperioso que, conforme afirmado no Acórdão do STJ citado, se tenha em atenção que “Porque protagonizado por contraentes virtualmente dotados de igual poder negocial, prevalece, no fretamento, até certo ponto, a regra da liberdade de fixação do conteúdo contratual. Ao invés, a generalidade dos preceitos que modelam o contrato de transporte têm origem legal, sendo de ordem pública e de aplicação imperativa.” Ora,
XLIII- Conforme resulta dos presentes autos, no que à experiencia e conhecimento ao nível do transporte de mercadorias diz respeito, são bem distintas as realidades da Recorrente e Recorrida. E assim,
XLIV- Importa também aqui atender à forma como a Recorrida formalizou as relações contratuais com a Recorrente, onde, para encobrir um verdadeiro contrato de transporte, repartiu em diversas facturas os serviços prestados à Recorrida, o que fez com o manifesto intuito de, aproveitando-se da natural inocência da Recorrente, fugir das obrigações a que por força do Decreto-Lei 352/86, de 21 de Outubro, na senda do preceituado pela Convenção de Bruxelas de 1924, está obrigada no contrato de transporte de mercadorias por mar. Como já se disse,
XLV- Nos termos do art. 2º do Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril o documento exigido para a validade de um contrato de fretamento é a carta de partida. No entanto,
XLVI- Nunca foi apresentado à Recorrente qualquer carta de partida que nos termos do art.º 2.º do Decreto Lei 191/87 de 29 de Abril pudesse ser entendido como “documento particular exigido para a válida do contrato de fretamento”. Mais ainda,
XLVII- No contrato de afretamento, conforme resulta do art. 26.º Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril “A gestão comercial do navio pertence ao afretador”. De igual modo,
XLVIII- No contrato de afretamento, conforme resulta do art.º 27.º n.º 1 Decreto-lei 191/87 de 29 de abril “É suportada pelo Afretador a despesa com o combustível do navio.” Mas,
XLIX- No caso em apreço não foi invocada e muito menos provado que tenha sido confiada a gestão do navio à Recorrente e muito menos foi invocado e provado que tenha sido a Recorrente a suportar a despesa com o combustível do navio. Antes,
L- Nos casos das duas relações contratuais estabelecidas entre a Recorrente e Recorrida, conforme testemunhou a testemunha Manuel, os custos com o combustível dos navios não ficaram a carga da Recorrente, o que, atento o disposto no art.º 27.º n.º 1 Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril, também evidencia que das obrigações assumidas pelas partes não resulta que as mesmas sejam subsumidas no contrato de fretamento de navio. Ora,
LI- Tivessem Recorrente e Recorrida a intenção de estabelecer uma relação contratual de fretamento de navio, caberia à Recorrente a gestão comercial do navio, o que não sucedeu, nem foi sequer previamente, para derrogação do disposto no art.º 26.º Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril, acordado pelas partes. De igual modo,
LII- Tivessem Recorrente e Recorrida a intenção de estabelecer uma relação contratual de fretamento de navio, caberia à Recorrente suportar os custos com o combustível do navio, o que não sucedeu, nem foi sequer previamente, para derrogação do disposto no art.º 27.º n.º 1 do Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril, acordado pelas partes. Ora,
LIII- Fica assim bem evidente que as relações contratuais estabelecidas entre Recorrente e Recorrida não são subsumíveis num contrato de fretamento de navio, mas sim num contrato de transporte de mercadorias por mar, regulado pelo Decreto-Lei 352/86, de 21 de Outubro, na senda do preceituado pela Convenção de Bruxelas de 1924. No entanto,
LIV- A Recorrida, fruto do conhecimento que tem sobre a actividade de navegação, cargas, descargas, tráfego e conferência de mercadorias no porto da Figueira da Foz, estiva e ou desestiva dos navios por ela agenciados e ou que lhe sejam consignados, incluindo armazenagem e grupagem de mercadorias, afretamentos, trânsitos e outras actividades conexas tentou encobrir a relação contratual estabelecida com a Recorrente como sendo um contrato de fretamento de navio e assim fugir das suas obrigações nomeadamente no que às estadias para cargas e descargas diz respeito. E assim,
LV- Da decisão a proferir em substituição da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo haverá de resultar a qualificação jurídica das relações contratuais estabelecidas entre Recorrente e Recorridas como contratos de transporte de mercadorias por mar, e não, como sucedeu no Tribunal a quo, como contratos de fretamento de navios. Consequentemente,
LVI- Atendendo-se à jurisprudência fixada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.05.1991, porque no contrato de transporte de mercadorias por mar não basta estipular a cláusula "demurrage" para que a mesma se torne vinculativa, devendo tal cláusula indicar os casos em que a sobrestadia corre à custa do outro contraente que não do transportador, outra sorte não poderá ser dada aos pedidos formulados pela Recorrida que não seja o decaimento. Uma vez que,
LVII- Uma cláusula como a oposta pela Recorrida nos e-mails dirigidos à Recorrente aquando do estabelecimento das relações contratuais aqui em crise, que imputa à Recorrente responsabilidades próprias do Recorrida (conforme resulta da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924) viola a norma imperativa e é portanto ofensiva do princípio da boa fé e do equilíbrio contratual. Por fim,
LVIII- Ainda que assim não se entenda e se considere como contratos de fretamento de navio as relações comerciais estabelecidas entre a Recorrente e Recorrida, o que não se concede e só por mera cautela jurídica se invoca, nos termos do art.º 12.º n.º 3 do Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril “Excluem-se da contagem das estadias os dias em que, por interrupção legal da actividade ou por quaisquer outros factos objectivamente relevantes, as operações de carregamento e descarga não se possam realizar.” Ora,
LIX- No caso em apreço, conforme resulta dos factos provados, “As demoras aludidas em 3. e 11 dos factos provados foram devidas a congestionamento no porto de Agadir (facto considerado ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil)”. Consequentemente,
LX- Sendo as demoras provenientes de factos que objectivamente se revelaram como relevantes para o atraso da operação de descarga - congestionamento no porto de Agadir – não podem as mesmas ser consideradas para efeitos de contagem de tempo de estadia. Pelo que,
LXI- Resultando a emissão das facturas n.º FTF1 -1, emitida em 29/05/2014, com data de vencimento em 30/05/2014, no valor de €5.662,33 e factura n.º FTF2 - 596, emitida em 31/12/2014, data de vencimento em 01/01/2015, no valor de €21.718,75 tão só do decurso de tempo em que os navios não puderam proceder à descarga no porto de Agadir, em virtude do congestionamento, não podem tais períodos de tempo ser considerados no tempo de estadia, conforme determina art.º 12.º n.º 3 do Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril. E assim
LXII- Não pode a Recorrida exigir da Requerente o pagamento das mesmas. Pelo que,
LXIII- Outra sorte não poderá ser dada à presente acção que não seja a sua total improcedência e consequente absolvição da Recorrida dos pedidos aqui formulados pela Recorrente.

A recorrida contra-alegou, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrição):

Manuel, Raúl, José e João fizeram a distinção plena entre contrato de fretamento e contrato de transporte de mercadorias por mar, tendo explicado que a Recorrente e a Recorrida celebraram contratos de fretamento de Aveiro para Agadir e celebraram contratos de transporte de mercadorias por mar da Figueira da Foz para a Casablanca.
Esclareceram as referidas testemunhas que para realizar o carregamento de madeira do porto de Aveiro para o porto de Agadir, a Recorrente fretava sempre um navio com carga completa; e para realizar o carregamento de madeira do porto da Figueira da Foz para a Casablanca, a Recorrente alugava sempre um espaço de carga num navio de carreira.
Mais elucidaram as testemunhas Raúl, José e João, de forma unânime, que nos contratos de transporte para a Casablanca, a X fretava ela própria o navio e depois vendia lotes desse navio para vários clientes, sendo a A. S. um desses clientes;
E nos contratos de fretamento do porto de Aveiro para o porto de Agadir, a X, na qualidade de B. / intermediário, fazia fretamentos em nome de A. S., Lda. (quem fretava o navio era, pois, a A. S., Lda).
Raúl e João esclareceram que as cláusulas de fecho de um navio são muito diferentes das cláusulas do transporte de mercadorias por mar, sendo o contrato de transporte de mercadorias por mar muito mais reduzido em termos de clausulado.
Manuel, Raúl, José e João esclareceram que a Recorrente e a Recorrida mantiveram relações comerciais desde, pelo menos, 2010 até 2015, tendo sido celebrados inúmeros contrato de transporte de mercadorias por mar e, pelo menos, seis contratos de fretamento.
José explica que os contratos de transporte de mercadorias para a Casablanca são referentes a uma parte de carga e, por isso, não há lugar a demoras.
Manuel, Raúl, José e João confirmam, de forma unânime, que a X tinha uma linha regular de transporte para a Casablanca – a designada carreia regular – onde a A. S., LDA carregava uma parte de carga, sendo que os navios em discussão nestes autos (N. e U.) são navios com carga completa fretados pela Recorrente e não navio de carreira.
José explicou, de forma coincidente com Manuel, Raúl e João, que negociou sempre com o João, quer a celebração de contratos de transporte de mercadorias por mar, quer a celebração de contratos de fretamento, sendo que este último se apresentava como uma pessoa com larga experiência na celebração de contrato marítimos, sendo utilizada por ambos linguagem técnica (demoras, tempos de carga, tempos de descarga…).
10º João embora tenha apresentado um depoimento absolutamente evasivo, procurando-se escudar na falta de memória quanto a todas as questões prejudiciais para a sua agenciada A. S., Lda e assumindo a inverosimilíssima postura de que apenas negociou com José o preço do m3, pois nada mais lhe interessava, acabou por confirmar, no essencial, o teor do depoimento de Raúl e José.
11º As expressões “as quais já haviam sido previamente acordadas e explicadas” e “cujo teor foi previamente acordado e explicado” são uma concretização dos factos alegados pela Recorrida; resultaram – Vide depoimento gravado através do sistema inequivocamente da instrução da causa, designadamente da análise do teor do e-mail de 13 de Fevereiro de 2014 (“Confirmamos fixação do navio indicado nas condições iguais ao do último afretamento”) e do email de 20 de Novembro de 2014 (“Confirmamos fecho do navio abaixo indicado e nos termos acordados”) em confronto com as explicações prestadas pelas testemunhas a esse propósito em audiência de julgamento; e a Recorrente teve a possibilidade de se pronunciar sobre as mesmas (como, aliás, fez).
12º Manuel, Raúl e José explicaram, de forma coincidente, que as partes outorgantes apenas fizeram constar no e-mail de 13 de Fevereiro de 2014 as condições particulares do contrato de fretamento, porque as condições gerais já haviam sido acordadas a propósito dos três contratos de fretamento celebrados anteriormente e mantiveram-se sempre inalteradas, afigurando-se, assim, desnecessário estar a repetir sempre a mesma coisa.
13º Raúl e José explicam que a expressão "Usual terms details to play as done before", constante do documento n.º 12 a folhas 45 verso dos autos, significa que as partes outorgantes decidiram manter os termos habituais acordados quanto aos contratos de afretamento celebrados anteriormente.
14º Relativamente ao documento nº 12 a folhas 45 verso dos autos, José acrescenta que a expressão “Confirmamos o fecho do navio abaixo indicado e nos termos acordados” significa que acordou prévia e oralmente todos os termos do contrato com o João e depois concretizou-os por escrito. Referiu, ainda, que não foi apresentada qualquer reclamação ou pedido de esclarecimento quanto ao teor desse contrato por parte da Recorrente integrado de gravação digital, no ficheiro 20170517120930-5220007-2870577, do minuto 00:12:43 ao minuto 00:14:19 e do minuto 00:50:57 ao minuto 00:54:33.
- Vide depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, no ficheiro 20170517153218-5220007-2870577, do minuto 00:37:35 ao minuto 00:01:34.
15º Por seu turno, João, embora, pretendesse fazer crer ao tribunal que apenas negociou com José o preço ao m3, não tendo qualquer interesse nas demais condições estabelecidas no documento de fls. 39 verso e 40 e no documento de fls. 45 verso, a verdade é que, quando confrontado com esses documentos, acabou por confirmar que as negociações estabelecidas com José iam muito para além do preço m3, demonstrando, inclusive, ter pleno conhecimento do tipo contratual em discussão nos presentes autos e das particularidades inerentes ao mesmo.
16º Os persistentes argumentos de “falta de memória” e de “falta de interesse por tudo quanto fosse para além do preço ao m3”, serviram apenas para denotar a parcialidade e a ligeireza do depoimento de João.
17º Com efeito, não é minimamente credível, à luz das regras da lógica e da experiência comum, que uma pessoa que trabalha na área dos transportes marítimos desde 1978 desconhecesse, designadamente, como é que se realiza a contagem dos tempos de carga e descarga, o que são demoras, o que é uma timesheet, o que é a statement of facts, o que é o GENCON.
18º Fruto da relação de confiança e boa-fé sedimentada ao longo de mais de 10 anos de relações comerciais, a Recorrente e a Recorrida fixaram de forma exaustiva todas as condições contratuais aplicáveis aos contratos de fretamento apenas aquando da celebração dos primeiros contratos de fretamento, sendo que depois passaram a remeter, quanto a tudo quanto não fosse alterado especificamente por acordo entre as partes outorgantes, para os e-mails anteriores.
19º Resulta, assim, inequívoco que a sentença recorrida não está inquinada de nulidade por excesso de pronúncia quanto à causa de pedir, tipificada no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, devendo o Tribunal ad quem manter inalterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto aos pontos 3 e 12 dos factos provados.
20º A Recorrente não expõe no artigo 1.º do requerimento de resposta à petição inicial aperfeiçoada (com a referência 23721148) que “aceita, que efectivamente, em 13 de Fevereiro de 2014 e 20 de Novembro de 2014, celebrou um contrato com a Autora, para afretamento de paletes de madeira a realizar através de navio, de Aveiro para Agadir”.
21º O que a Recorrente escreve na sua peça processual é que “aceita, que efectivamente, em 13 de Fevereiro de 2014 e 20 de Novembro de 2014, celebrou um contrato com a Autora, de afretamento de paletes de madeira a realizar através de navio, de Aveiro para Agadir”.
22º As preposições “para” e “de” servem para ligar uma palavra à outra, estabelecendo relações entre elas.
23º O significado da preposição “para” ligado à palavra “afretamento” é um; e o significado da preposição “de” ligado à palavra “afretamento” é outro.
24º Obviamente que a Recorrente ao aceitar expressamente que celebrou um “contrato com a autora, de afretamento de paletes de madeira a realizar através de navio”, pretendia aceitar que celebrou um contrato de fretamento com a Recorrida enquanto intermediária.
25º A Recorrente em momento algum pôs em causa que o contrato respeitava a um navio – o navio N., gerido pela empresa denominada “YY e o navio U., gerido igualmente pela empresa denominada “YY, conforme decorre, aliás, inequivocamente do depoimento da testemunha João.
26º A confissão realizada pela Recorrente no artigo 1.º do requerimento de resposta à petição inicial aperfeiçoada (com a referência 23721148) tem força probatória plena contra a confitente, nos termos do artigo 352.º, do Código Civil.
27º A Recorrente não impugnou o artigo 8.º da petição inicial aperfeiçoada com o seguinte teor, pelo que o seu teor se considera admitido por acordo, nos termos do disposto no artigo 574.º, n.º 2 do CPC.
28º O Tribunal ad quem deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto ao ponto 1 dos factos provados, mantendo-se, pois, inalterada a expressão “que denominaram”, porquanto, a mesma resultou provada, não só, por confissão expressa da Recorrente, como também, por falta de impugnação do artigo 8.º da petição inicial aperfeiçoada.
29º A inserção nos pontos 3, 10 e 12 da matéria de facto provada da expressão “contrato de afretamento” resultou do facto ter ficado assente nos autos, por acordo das partes, que o contrato que a Recorrente e a Recorrida tiveram intenção de celebrar foi um “contrato de afretamento” e não qualquer outro, designadamente um contrato de transporte de mercadorias por mar.
30º A Recorrente não apresentou qualquer reclamação contra o despacho saneador, tendo, pois, aceite a fixação do objecto do litígio nos termos aí expostos.
31º A Recorrente alega que o contrato sub judice não pode qualificar-se como contrato de fretamento, nos termos do disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de Abril, porquanto, Manuel referiu que, no contrato em discussão nos presentes autos, há o afretador que identificou como sendo A. S., Lda., há o intermediário / B. que identificou como sendo a X – Agência Marítima, Lda., e há o armador que identificou como sendo o dono do navio.
32º A figura do “armador”, no seu sentido mais amplo, equivale à figura do “fretador”, logo, Manuel identificou de forma absolutamente correcta todos os intervenientes no contrato em discussão nos presentes autos (cfr. artigo 3.º do citado Decreto-Lei Lei n.º 264/2012, de 20 de Dezembro e preâmbulo do Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de Abril).
33º Do teor do documento n.º 1 de folhas 39 verso a 40 dos autos constam todos os elementos da carta de partida:

l) Identificação do navio: N. (nome), Gibraltar (nacionalidade); 2800 / 2950 (tonelagem);
m) Identificação do fretador: …
n) Identificação do afretador: A. S., Lda. (destinatário da correspondência eletrónica);
o) Quantidade: carga completa;
p) Natureza das mercadorias a transportar: paletes de madeira;
q) Porto de carga: Aveiro;
r) Porto de descarga: Agadir;
s) Tempos previstos para o carregamento e para a descarga: Tempo de carga / descarga 120 horas total, Aveiro SSHEX, AGADIR SHEX uu;
t) Indemnização convencionada em caso de sobrestadia: demoras 3.000 euros/ dia / pro-rata;
u) O prémio convencionado em caso de subestadia: não foi convencionado qualquer prémio para o caso de subestadia;
v) Frete: 22 euros/m3.

Do teor do documento n.º 12 a folhas 45 verso dos autos constam todos os elementos da carta de partida:

-Identificação do navio: … ou equivalente boxsi (nome), 3450 dwcc (tonelagem), 162.000bl (cubicagem);
-Identificação do fretador: proprietários deverão nomear o navio definitivo até terça-feira, tendo sido designado o navio U. controlado pela YY;
-Identificação do afretador: A. S., Lda (destinatário da correspondência eletrónica);
-Quantidade: carga completa;
-Natureza das mercadorias a transportar: paletes de madeira cortada;
-Porto de carga: Aveiro;
-Porto de descarga: Agadir;
-Tempos previstos para o carregamento e para a descarga: 2,5 dias em cada porto, sábados, domingos e feriados excluídos em Aveiro e sábados à tarde, domingos e feriados excluídos em Agadir;
-Indemnização convencionada em caso de sobrestadia: demoras 3.750 euros por dia ou proporcional ao dia;
-O prémio convencionado em caso de subestadia: não foi convencionado qualquer prémio para o caso de subestadia;
-Frete: 24,5 euros/m3.
35º Não obstante a nomenclatura atribuída por Manuel ao documento n.º 1 junto aos autos com a petição inicial aperfeiçoada, a verdade é que o mesmo explicou, de forma clara e isenta, o teor desse documento – teor esse que se subsume na íntegra ao conteúdo de uma carta de partida por viagem
– Vide depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, no ficheiro 20170504110456-5220007-2870577, do minuto 08:10 ao minuto 21:06 e do minuto 23:05 ao minuto 33:54.
36º Manuel esclareceu, com rigor, que negociou prévia e directamente com o armador YY as condições vertidas no documento constante a folhas 39 verso e 40 dos autos, tendo, posteriormente, o contacto com o cliente / afretador (A. S., Lda.) sido estabelecido directamente por um funcionário da X, o José.
37º José transmitiu à A. S., Lda, através de conversa telefónica mantida com o seu agente comercial, o João, o teor das condições negociadas junto do armador por Manuel, tendo obtido a sua aprovação para o fecho do navio.
38º Posteriormente, José enviou o documento de folhas 39 verso a 40 dos autos para o endereço de correio electrónico de João e para o endereço de correio electrónico de A. S., Lda., com a confirmação do fecho no navio junto do fretador.
39º No que concerne às condições negociadas como o armador e, posteriormente transmitidas, quer verbalmente, quer por escrito (documento de folhas 39 verso e 40), à A. S., Lda., Manuel explicou, de forma extremamente clara e credível, o seguinte:

-Fecho do navio N., melhor identificado na tabela designada “Vessels description” constante do final email de 13/02/2014;
-Porto de carga em Aveiro e porto descarga em Agadir (Marrocos);
-Carga completa no porão e no convés, se fosse necessário, por conta e risco do carregador. O risco da carga colocada no convés fica a cargo do carregador – in casu a Recorrente – porque há um risco muito elevado de perda ou destruição da carga colocada no convés atento a sua total exposição ao meio ambiente, afastando, neste caso, armador a sua responsabilidade;
-Peagem e material de peagem por conta do armador. No caso de se verificar o carregamento de carga no convés, o armador presta o serviço de amarrar a carga para evitar que ela caia ao mar com o balanço do navio, fornecendo o material (cabos de aço) e a mão de obra;
-Frete 22 euros por metro cúbico;
-Tempo total para as operações de carga e descarga fixado 120 horas, sendo que no Porto de Aveiro estava excluído da contagem do tempo de carga os sábados, domingos e feriados (Aveiro SSHEX), e no porto de Agadir estava excluído da contagem do tempo de descarga os domingos e feriados (Agadir SHEH) uu. As 120 horas eram uma estimativa do tempo que seria necessário para, em condições normais, proceder às operações de carga e descarga.
-Demoras 3.000 euros / dia / pro-rata. Se por qualquer motivo, as operações de carga e descarga excederem as 120 horas acordadas, será devido o pagamento da demora cujo valor é calculado na proporção do tempo excedido.
-ETA Aveiro 14.02.2014. ETA é sigla em inglês de Estimated Time of Arrival. Em português significa tempo estimado de chegada.
-O Agente em Aveiro é a SANA e o agente em Agadir é a ADATRA.
-Laycan 14.02.2014, significa que o navio deve ser apresentado no porto no dia 14 de Fevereiro de 2014.
-Quantity f&c cargo of timber in pallets, significa carga completa de paletes de madeira.
-Owners ESTE, Buxtehude, significa que o proprietário do Navio é a empresa …, de Buxtehude.
-Charter Party: Gencon. A testemunha explicou que tudo quanto não se encontra especificamente regulado no e-mail de 13 de Fevereiro de 2014, fica submetido às cláusulas estabelecidas na carta de partida denominada “Gencon”.
40º Manuel esclareceu que o Gencon é uma carta de partida utilizada a nível internacional, contendo as condições gerais do frete, nomeadamente a forma de contagem dos tempos de carga e descarga e a demora.
41º Mais explicou que o clausulado Gencon foi elaborado por várias associações de armadores, agentes e carregadores com vista a uniformizar as cláusulas gerais aplicáveis a este tipo de contratos, criando, desse modo, maior segurança para todos os intervenientes.
42º Manuel referiu ainda que o Gencon é uma carta de partida conhecida por toda a gente, sendo o seu teor explicado sempre aos seus clientes aquando da celebração do primeiro carregamento.
43º No caso sub judice a Recorrente tinha perfeito conhecimento da carta de partida denominada Gencon, tendo-lhe sido amplamente explicado todo o seu sentido e alcance aquando da celebração dos primeiros contratos de fretamento.
44º Da análise do teor do documento de folhas 39 verso e 40 dos autos conjugado com os esclarecimentos prestados por Manuel resulta inequivocamente que se está perante um contrato de fretamento por viagem, na medida em que o fretador YY colocou à disposição do afretador A. S., Lda. um navio – o navio N. – em bom estado de navegabilidade e assumiu, cumulativamente, a gestão náutica e a gestão comercial do navio.
45º O depoimento de Manuel foi corroborado na integra pelo depoimento da testemunha Raúl, o qual esclareceu que o documento n.º 1, assim como o documento n.º 12, constituem cartas de partida, consubstanciando o contrato de fretamento, e explicou pormenorizadamente o teor de cada um desses documentos (gravação digital, no ficheiro 20170517101822-5220007-2870577 do minuto 00:13:09 ao minuto 00:32:02 e do minuto 00:50:16 ao minuto 00:59:59, e no ficheiro áudio 20170517111642_5220007_2870577 do minuto 00:00:01 ao minuto 00:15:13.
46º Por seu turno, José esclareceu que João fechava contratos como agente da Recorrente e como agente de outras empresas, apresentando-se perante a Recorrida como um profissional dessa área, isto é, uma pessoa com amplos conhecimentos ao nível da contratação marítima –Vide depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, no ficheiro 20170517120930-5220007-2870577, do minuto 00:10:20 ao minuto 01:03:07:
47º No que concerne ao documento de folhas 39 verso e 40, José esclarece que esse era o quarto contrato de fretamento celebrado com a Recorrente e, por isso, mantiveram as condições acordadas nos três contratos de fretamento anteriores com as particularidades espelhadas no e-mail de 13 de Fevereiro de 2014, daí a inserção da expressão “Confirmamos fixação do navio indicado nas condições iguais ao do último afretamento”.
48º José elucidou que primeiro explicou verbalmente a João todas as cláusulas contratuais e depois passou-as a escrito através do e-mail de 13 de Fevereiro de 2014, o qual enviou com conhecimento para a A. S., Lda., pelo que João não pode de forma alguma alegar o desconhecimento do teor de cada uma das cláusulas contratuais vertida no email (José refere reiteradamente que, não só explicou verbalmente, como passou a escrito).
49º José explicou, de forma extremamente clara e credível, o teor de cada uma das cláusulas contratuais vertidas no e-mail de 13 de Fevereiro de 2014, nos seguintes termos:
-Fecho do navio N., melhor identificado na tabela designada “Vessels description” constante do final email de 13/02/2014;
-Porto de carga em Aveiro e porto descarga em Agadir;
-Carga completa no porão e no convés. O risco da carga colocada no convés fica a cargo do carregador.
- Peagem e material de peagem por conta do armador;
-Frete 22 euros por metro cúbico;
-Tempo total para as operações de carga e descarga fixado 120 horas, sendo que no Porto de Aveiro estava excluído da contagem do tempo de carga os sábados, domingos e feriados (Aveiro SSHEX), e no porto de Agadir estava excluído da contagem do tempo de descarga os domingos e feriados (Agadir SHEH) uu. UU significa unless use, ou seja, o tempo não conta a menos que seja utilizado.
-Demoras 3.000 euros / dia / pro-rata. Se por qualquer motivo, as operações de carga e descarga excederem as 120 horas acordadas, será devido o pagamento da demora cujo valor é calculado na proporção do tempo excedido. O tempo começa a contar a partir do momento em que o navio dá o aviso de prontidão. Se o porto estiver congestionado e o navio não poder entrar no cais, o tempo conta na mesma de acordo com as regras do GENCON.
-ETA Aveiro 14.02.2014. ETA é sigla em inglês de Estimated Time of Arrival. Em português significa tempo estimado de chegada.
-O Agente em Aveiro é a SANA e o agente em Agadir é a ADATRA.
-Laycan 14.02.2014, significa que o navio deve chegar ao porto no dia 14 de Fevereiro de 2014.
-Quantity f&c cargo of timber in pallets, significa que o navio é para ficar com uma carga completa de paletes de madeira.
-Owners ESTE, Buxtehude, significa que o proprietário do Navio é a empresa …, de Buxtehude.
-Charter Party: Gencon. Gencon é uma carta de partida internacional que se utiliza para cargas sólidas. A Gencon contém uma série de regras aplicadas a nível internacional, designadamente a forma de contagem dos tempos e a especificação das demoras. Tudo quanto não se encontra especificamente regulado no e-mail de 13 de Fevereiro de 2014, fica submetido às regras estabelecidas na “Gencon”.
50º José explicou igualmente, de forma extremamente clara e credível, o teor de cada uma das condições vertidas no e-mail de 20 de Novembro de 2014, que mandou para João e para o gerente da Recorrente Carlos, nos seguintes termos:

-“Confirmamos fecho do navio abaixo indicado e nos termos acordados”, significa que foi tudo acordado e discutido telefonicamente e depois foi passado a escrito. João recebeu e aceitou o e-mail como sendo a confirmação daquilo que havia previamente estabelecido, não tendo sido suscitada qualquer dúvida ou reclamação.
-Navio Jevenau ou similar; boxsi, 3450dwcc, 162.000bl, ou seja, pode carregar o máximo de 3450 toneladas de carga e tem um espaço livre de 162 mil pés cúbicos para carregar. Acabou por ser designado o navio U.;
-f&c cargo sawn timber in pallets – abt 3000 cbm – under / on dech: carga completa de madeira cortada em paletes, aproximadamente 3000m3, dentro ou fora do porão. Se o Recorrente tiver mais de 3000m3 de madeira para carregar, pode carregá-la à vontade até ao limite máximo de capacidade do navio.
-Porto de carga em Aveiro e porto de descarga em Agadir. 1gsbbend significa que é garantido no porto de Aveiro e no porto de Agadir calado para o navio atracar.
-Laycan Nov 26 – 28: Data provável de chegada do navio entre 26 e 28 de Novembro;
-Frete 24,50 euros por metro cúbico;
-Intaken weight, paga o que levar, ou seja, se o navio levar 3000, paga 3000, se levar 3100, paga 3100.
-2,5 dias para a carga e 2,5 dias para a descarga. Se apenas utilizar 1,5 dias em Aveiro, é como se utilizasse os 2,5 dias, porque o tempo não utilizado na carga não aproveita para a descarga e vice-versa. No porto de Aveiro estava excluído da contagem do tempo de carga os sábados, domingos e feriados (Aveiro SSHEX), e no porto de Agadir estava excluído da contagem do tempo de descarga os sábados à tarde, os domingos e os feriados (satnonnshex at Agadir).
-Demoras €3.750,00 por dia pro-rata. O valor da demora é calculado pelo dono do navio em função dos custos com a tripulação e do equipamento do navio; equivale ao custo de paralisação diário do navio.
-GCN94: Gencon 94 (última versão do Gencon);
-Usual terms, ou seja, para os termos habituais / anteriores; details to apply as done b4, termos como foram feitos anteriormente;
-deck cargo at chrtrs risk / expense, significa carga no convés por conta e risco do carregador;
-Lashing / unlashing deck cargo to be performed by crew free of charge to chrtrs, significa que a carga que for na parte de cima do navio é amarrada e desamarrada pelo armador e por sua conta.
-Lashing material incl slings at owner account: o armador fornece todo o material para amarrar e desamarrar a carga.

-Agentes: Sana em Aveiro (a X subagência à Sana) e Adatra em Agadir;
-owners to nominate final performing vessel til Tuesday Nov 25th cob: o navio será nomeado em definitivo até ao dia 25 de Novembro pelo armador.
51º José esclarece que, em 2012, fechou um navio com a Recorrente que não deu lugar a demoras, em 2013 fechou dois navios que não deram lugar a demoras, em 2014 fechou dois navios que deram lugar a demoras e em 2015 fechou outro navio que não deu lugar a demoras.
52º Mais esclarece que quando fechou o segundo navio em 2014, a Recorrente já tinha conhecimento da demora causa pelo congestionamento no cais em Agadir relativamente ao primeiro navio de 2014, tendo explicado tal situação telefonicamente a João e depois lhe enviado a respectiva factura, timesheet e statement of facts. Aquando do fecho do navio em 2015, a Recorrente já tinha conhecimento das duas facturas de demoras por causa do congestionamento no cais de Agadir referentes aos contratos de 2014 e, não obstante isso, procedeu ao fecho do navio exactamente nas mesmas condições que os navios anteriores.
53º Na terminologia corrente do transporte marítimo é usual a designação “afretamento”, “contrato de afretamento” e “afretamento de navio”. O termo fretamento é usado em relação ao contrato, visto esta quer do ângulo do fretador, quer do afretador; o termo afretamento é usado no ângulo do afretador.
54º A junção aos autos nesta fase processual da Factura FTF2-347, datada de 21-02-2014; da Factura FTE2-393, datada 28-02-2014; Factura FTF2-570, datada de 01-12-2014; da Factura FTE2 – 628, datada de 15/12/2014; e da Factura FTE2 – 629, datada de 17/12/2014, afigura-se inadmissível, nos termos do disposto no artigo 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
55º No contrato de transporte de mercadorias por mar o frete é sempre calculado em função da quantidade da mercadoria transportada.
56º No contrato de fretamento o frete, por regra, é calculado em função da carga. É definido um valor mínimo de carga, sendo que se o afretador carregar menos do que a carga inicialmente contratada, pagará a carga contratada; se o afretador carregar mais do que a carga inicialmente contratada, pagará o valor correspondente à carga carregada a mais. Poderá, no entanto, ser acordado um valor Lumpsum, isto é, um valor fixo independentemente da quantidade da carga carregada (cfr. artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de Abril).
57º No caso sub judice a Recorrente contratou carga completa quer para o navio N., quer para o navio U., pelo que, o frete foi calculado em função da quantidade de mercadoria efectivamente carregada até ao limite da capacidade dos navios N. e U..
58º Da análise da Factura FTF2 – 347, datada de 21/02/2014, resulta que a Recorrida, na qualidade de B., cobrou à Recorrente um frete marítimo no valor de €60.825,86, referente ao contrato de fretamento do navio MV N. do porto de Aveiro para o porto de Agadir; fretamento este que foi submetido por acordo das partes à aplicação da cláusula F.I.O.S. (free in and out and stowed).
59º A cláusula F.I.O.S. tem por objectivo imputar aos carregadores / afretadores as despesas e os riscos das operações de carregamento, descarga, estiva, desestiva e rechego. Os armadores / fretadores limitam-se a colocar o navio no porto à disposição dos carregadores / afretadores para que estes procedam, por sua conta e risco, às operações de carregamento / descarga / estiva / desestiva das mercadorias.
60º Ora, uma vez que o fretamento do navio N. foi submetido à aplicação da cláusula F.I.O.S., a Recorrente contratou à parte o serviço de recepção, transporte à prumada, ligação, conferência e estiva de paletes de madeira serrada; serviço este que teve um custo de €18.662,48, conforme Factura FTE2 – 393, datada de 28/02/2014.
61º Da análise da Factura FTF2-570, datada de 01/12/2014, resulta que a Recorrida, na qualidade de B., cobrou à Recorrente um frete marítimo no valor de €81.192,71, referente ao fretamento do navio MV U. do porto de Aveiro para o porto de Agadir; fretamento este que foi submetido por acordo das partes à aplicação da cláusula F.I.O.S. (free in and out and stowed).
62º Na medida em que o fretamento do navio MV U. também foi submetido à aplicação da cláusula F.I.O.S., a Recorrente contratou à parte os serviços de embarque de madeira serrada e de armazenagem de madeira serrada; serviços estes que tiveram um custo de €24.457,22 e €279,87, respectivamente, conforme Factura FTE2 – 628, datada de 15/12/2014, e Factura FTE2 – 629, datada de 17/12/2014.
63º Os contratos de fretamento dos navios MV N. e MV U. celebrados entre a Recorrente, na qualidade de afretador, a YY, na qualidade de fretador, e a Recorrida, na qualidade de intermediária, são totalmente independentes dos contratos de prestação de serviços portuários celebrados entre a Recorrente e a Recorrida.
64º Manuel explicou que a A. S., Lda. contratou o navio N. para realizar o carregamento de paletes de madeira de Aveiro para Agadir, tendo o navio N. ficado única e exclusivamente à disposição da Recorrente (carga completa).
65º De igual modo, Raúl e José confirmaram na integra o depoimento de Manuel quanto ao navio N., tendo acrescentado que A. S., Lda. contratou também o navio U. para realizar o carregamento de paletes de madeira de Aveiro para Agadir, tendo o navio U. ficado única e exclusivamente à disposição da Recorrente (carga completa).
66º A Recorrente impugnou os pontos 1, 3, 10 e 12 dos factos dados como provados na douta sentença recorrida sem, no entanto, indicar quaisquer meios probatório susceptíveis de abalar a convicção do Tribunal a quo no que concerne à motivação da decisão de facto.
O Tribunal a quo motivou a sua decisão quanto aos pontos 1 a 3 e 10 a 12, com base nos seguintes meios de prova: documentos de folhas 39 verso a 48 verso e respectivas traduções certificadas desses documentos constantes de fls. 56 a 68, 118 e 119, certidões permanentes de fls. 79 a 97, documentos de fls. 108 a 109 verso e respectiva tradução a fls. 126 a 131, documentos de fls. 134 a 136; e depoimento das testemunhas Manuel, Raúl e José.
67º No que concerne ao teor do documento de folhas 39 verso e 40 dos autos e do documento de folhas 45 verso dos autos, resultou inequivocamente provado em sede de audiência de julgamento – conforme se pode verificar pelos excertos do depoimento da testemunha João – que esses documentos foram recepcionados pela Recorrente e aceites nos seus precisos termos, pelo que o seu teor – exaustivamente explicado por Manuel, Raúl e José – não pode deixar de ser valorado pelo Tribunal ad quem como carta de partida, considerando-se os contratos de fretamento validamente celebrados.
68º O argumento apresentado pela Recorrente no sentido de que a testemunha Manuel referiu que o documento n.º 1 de folhas 39 verso a folhas 40 era um contrato de fretamento e não uma carta de partida, não é susceptível de abalar a credibilidade e confiança que esse depoimento mereceu junto do Tribunal a quo, porquanto, a mesma testemunha acabou por esclarecer que aquele documento contém todos os elementos de uma carta de partida e, por isso, pode ser considerado como tal.
69º A Recorrente não impugnou a credibilidade e força probatória que os depoimentos das testemunhas Raúl e José mereceram perante o Tribunal a quo e também não impugnou a descredibilização do depoimento da testemunha João efectuada pelo Tribunal Recorrido.
70º Resulta, assim, que o Tribunal ad quem deve manter a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto dada como provada, sob pena de violação do princípio da imediação.
71º O armador / fretador – YY – colocou os navios N. e U. à disposição do carregador A. S., Lda. no porto de Aveiro, tendo garantido não só a sua solidez e estabilidade, mas, também, a aptidão para a viagem de Aveiro para Agadir, pelo que os contratos em discussão nestes autos devem ser qualificados como contratos de fretamento por viagem, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de Abril.
72º Nesse conspecto, os artigos 26.º e 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de Abril, não são aplicáveis ao caso sub judice, porquanto, estão inseridos no “Capitulo III Contrato de fretamento a tempo”.
73º É aplicável o artigo 7º, do mencionado diploma legal, inserido no “Capitulo II Contrato de fretamento por viagem.
74º Assim, no fretamento por viagem, o navio deve estar à disposição do afretador num determinado porto que poderá ou não estar indicado na carta de partida. Neste último caso prevê-se que caberá ao afretador indicar esse porto (port as ordered) dentro de certos limites geográficos.
75º O navio deve estar em perfeitas condições, não só para navegar, mas também para empreender a viagem prevista tendo em conta o carregamento que vai efectuar (tripulação qualificada e adequada à lotação exigida, combustível apropriado, bom estado dos compartimentos de carga, dos sistemas de carregamento, de ventilação e refrigeração…).
76º O navio deverá ainda efectuar um determinado carregamento, sendo que, salvo disposição em contrário na carta de partida, as operações de carregamento não pertencem ao fretador mas antes ao afretador. O fretador limita-se a colocar o navio e respectivos meios de carga em condições de poder receber as mercadorias (cfr. artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de Abril).
77º A Recorrente não contratou os serviços da Recorrida, na qualidade de fretadora, mas sim na qualidade de intermediária.
78º A Recorrente contactou a Recorrida e solicitou-lhe que intermediasse junto de um fretador o FECHO DE UM NAVIO para proceder a um CARREGAMENTO de paletes de madeira (carga completa) do porto de Aveiro para Agadir.
79º A Recorrente não contactou a Recorrida com a intenção que esta última colocasse directamente à sua disposição um navio, mas sim que verificasse junto do mercado portuário qual o fretador que colocaria à sua disposição um navio em melhores condições, em termos de quantidade, qualidade, tempo e custo, para realizar um carregamento de paletes de madeira (carga completa) do porto de Aveiro para o porto de Agadir.
80º João não teve quaisquer dúvidas em identificar a A. S., Lda. como afretador / carregador, a YY como fretador / armador e a X como intermediário / B..
81º A Recorrente contratou carga completa quer para o navio N., quer para o navio U., pelo que, o frete foi calculado em função da quantidade de mercadoria efectivamente carregada até ao limite da capacidade dos navios N. e U..
82º Quando é fretado um navio para efectuar o transporte de uma carga completa de mercadorias, o afretador é sempre obrigado a carregar o navio até ao limite da sua capacidade, sendo o capitão do navio quem determina quando é que o navio está completo.
83º A capacidade máxima de um navio nunca pode ser pré-estabelecida de forma estanque entre as partes contratantes, porquanto, o tipo de mercadorias a transportar e o respectivo acondicionamento são factores que influem indubitavelmente na capacidade de carga do navio.
84º A Recorrente contratou os serviços de João – pessoa com experiência no agenciamento de contratos de fretamento e contratos de transporte de mercadorias por mar desde 1978 – para intermediar todos os contactos celebrados com a X, estando, pois, ambas as partes em perfeitas condições de igualdade.
85º No caso sub judice está-se perante dois contratos de fretamento por viagem, sendo a carta de partida constituída pelos documentos n.º 1 a fls. 49 verso e 40 e n.º 12 a folhas 45 verso juntos aos autos com a petição inicial aperfeiçoada – documentos estes que contém todos os elementos exigidos pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de Abril para a validade da carta de partida.
86º No contrato de fretamento por viagem a gestão náutica e a gestão comercial do navio pertencem ao fretador, logo, a Recorrente não tinha, e nem tinha que ter, a gestão do navio e não suportou e nem tinha que suportar a despesa com o combustível do navio ou qualquer outro custo associado ao próprio navio, de acordo com o disposto nos artigos 8.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de Abril.
87º A Recorrente é responsável pelo pagamento das demoras originadas por congestionamento no porto de Agadir, por força da aplicação do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de Abril e da cláusula 6.º do Gencon, devendo o Tribunal ad quem manter a douta sentença recorrida no que concerne ao enquadramento jurídicos dos contratos em discussão nos presentes autos seus precisos termos.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a única questão a decidir é saber se, por força dos contratos celebrados, a ré deve à autora o montante peticionado.

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. Em 13 de Fevereiro de 2014, a Autora celebrou com a Ré um contrato que denominaram de fretamento de paletes de madeira a realizar através do navio N., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir.
2. As partes outorgantes fixaram o tempo de carga e descarga para o referido frete num total de 120 horas (cinco dias), ao preço de “frete 22 euro / m3”, tendo sido estipulada uma penalização (demurrage) de €3.000,00 / dia pro-rata para o caso de ser excedido o número de horas total previamente fixado para a realização da operação de carga e de descarga.
3. Em 13.2.2014 a Autora enviou à Ré um e-mail, que esta recebeu, com as condições do contrato de afretamento outorgado entre ambas para o navio N., as quais já haviam sido previamente acordadas e explicadas, constando do mesmo o seguinte:

“Bom dia
Confirmamos fixação do navio indicado nas condições iguais ao do último afretamento:
-V N. ou sub
-Carga completa, no porão e no convés conta e risco do carregador.
-peagem e material de peagem de conta do armador
-frete 22euros/m3
-tempo de carga/descarga 120 horas total, Aveiro SSHEX, Agadir SHEX uu
-demoras 3.000 euros/dia pro-rata
-ETA Aveiro 14.2.2014
-Agente Aveiro, Sana – Agadir, Adatra
-restantes condições de afretamento iguais ao do anterior.
Vessel N.
Laycan 14.2.2014
Quantity f&c cargo of timber in pallets
Charter Party Gencon, dated 04.2.2014
Owners ESTE, Buxtehude
(…)”

4. Uma vez que o frete demorou 7 (sete) dias 1 (uma) hora e 25 (vinte e cinco) minutos verificou-se uma demora em relação ao tempo previamente acordado (5 (cinco) dias 0 (zero) horas e 0 (zero) minutos) entre a Autora e a Ré de 2(dois) dias 1 (uma) hora e 25 (vinte e cinco) minutos.
5. Tal demora deu lugar a um custo de € 5.662,33 (cinco mil seiscentos e sessenta e dois euros e trinta e três cêntimos), discriminado do seguinte modo na TIMESHEET apresentada pelo armador YY:

“Demurrage 2 days 1 hrs 25 min (= 2,05902778) at EUR 2.750,00 per day/rata = EUR 5.662,33”.
6. O custo da “Demurrage” só não foi superior a €5.662,33 porque o armador, a pedido da Autora, cobrou €2.750,00/ dia pro-rata, ou invés, dos €3.000,00 / dia pro-rata previamente fixados entre a Autora e a Ré.
7. O armador YY emitiu e enviou à Autora uma factura, no valor de €5.662,33, a qual foi integralmente liquidada por esta última.
8. Nessa sequência, a Autora enviou à Ré a Factura FTF1 – 1, com data de emissão em 29/05/2014 e em vencimento em 30/05/2014, no valor de €5.662,33, com a seguinte descrição “MV “N.” 19/02/2014, AVEIRO / AGADIR, 2.764,812 M3 DE MADEIRA; DEMORAS CONFORME ANEXO: TEMPO DE CARGA / DESCARGA CONFORME ACORDO = 120 HORAS. TEMPO UTILIZADO 169 HRS E 25 MINUTOS”.
9. A Ré recebeu a Factura FTF1 – 1, contudo, apesar de interpelada diversas vezes para o efeito, até à presente data, não procedeu ao seu pagamento.
10. Em 20 de Novembro de 2014, a Autora celebrou com a Ré um contrato de fretamento de paletes de madeira serrada a realizar através do navio U., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir.
11. As partes outorgantes fixaram o tempo de carga em Aveiro num total de dois dias e meio e o tempo de descarga em Agadir igualmente num total em dois dias e meio, ao preço de “freight €24,5 -/cbm,”, tendo sido estipulada uma penalização (demurrage) de €3.750,00 / dia pro-rata para o caso de ser excedido o número de horas total previamente fixado para a realização das operações de carga e de descarga.
12. Em 20.11.2014 a Autora enviou à Ré um e-mail, que esta recebeu, com as condições do contrato de afretamento outorgado entre ambas para o navio U., cujo teor foi previamente acordado e explicado, constando do mesmo o seguinte (tradução certificada a fls. 119):

“Confirmamos fecho do navio abaixo indicado e nos termos acordados:

Citação
Fixed as follows – recap- all subs in order:
Mv Jevenau or sister boxsi, 3450 d, 162.000 bl
For:
-F+c cargo sawn timber in pallets – abt 3000 cbm – under/on deck
-Aveiro/Agadir 1 gsbbens
-Laycan Nov 26-28
-Freight €uro 24.5/cbm intaken weight foist payable 3 days after s/r b´s/l
-2.5ttl days each load/disch sshex at Aveiro and satnoonshex at Agadir
-Demurrage € 3750 – pdpr-fd
-Gcn94
-Usual terms/details to apply as done b4
-Deck cargo at chrtrs risk/expense
-Lashing/unlashing deck cargo to be performed by crew free of charge to chrtrs
-Lashing material incl slings at owner account
-Agentes: foztrafego/adatra
-Owners to nominate final perfoming vessel till Tuesday Nov 25th cob
Fim de citação”
13. Uma vez que a operação de descarga no porto de Agadir demorou 8 (oito) dias 7 (sete) hora e 0 (zero) minutos verificou-se uma demora em relação ao tempo previamente acordado para a descarga (2 (dois) dias 12 (doze) hora e 0 (zero) minutos) entre a Autora e a Ré de 5 (cinco) dias 19 (dezanove) horas e 0 (zero) minutos.
14. Tal demora deu lugar a um custo no montante de € 21.718,75 (vinte e um mil setecentos e dezoito euros e setenta e cinco cêntimos), discriminado do seguinte modo na TIMESHEET apresentada pelo armador YY: “Demurrage 5 days 19 hrs o min (=5,79166667) at EUR 3.750,00 per day/rata = EUR 21.718,75”.
15. O armador YY emitiu e enviou à Autora a factura n.º 3404 0836, no valor de €21.718,75, a qual foi integralmente liquidada pela mesma.
16. Nessa sequência, a Autora emitiu e enviou a Ré, a Factura FTF2 – 596, com data de emissão em 31/09/2014 e em vencimento em 01/01/2015, no valor de € 21.718,75, com a seguinte descrição “MV “U.” 28/11/2014, AVEIRO / AGADIR, DEMURRAGES – DE ACORDO COM O CONTRATO DE AFRETAMENTO”.
17. A Ré recebeu a Factura FTF2 – 596, contudo, apesar de interpelada diversas vezes para o efeito, até à presente data, não procedeu ao seu pagamento.
18. Nos termos acordados entre a Autora e A Ré o pagamento de demoras deveria ser feito no dia seguinte à data de emissão das facturas, vencendo-se assim: a) Factura FTF1 - 1, em 30/05/2014; b) Factura FTF2 - 596, emitida em 01/05/2015.
19. As demoras aludidas em 3 e 11 dos factos provados foram devidas a congestionamento no porto de Agadir (art. 5.º, n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil).

IV
Conhecendo do recurso.

I. Em primeiro lugar, da leitura das conclusões I a V pretende a recorrente que a sentença está inquinada de nulidade, por excesso de pronuncia quanto à causa de pedir, tipificada no art. 615º,1,d CPC. E tal sucede por ter sido dado como provado, nos pontos 3 e 12 da matéria de facto os segmentos “as quais já haviam sido previamente acordadas e explicadas” e “cujo teor foi previamente acordado e explicado”.

Sobre esta pretensão, a recorrida afirma que as expressões “as quais já haviam sido previamente acordadas e explicadas” e “cujo teor foi previamente acordado e explicado” são uma concretização dos factos alegados pela recorrida; resultaram – vide depoimento gravado através do sistema inequivocamente da instrução da causa, designadamente da análise do teor do e-mail de 13 de Fevereiro de 2014 (“Confirmamos fixação do navio indicado nas condições iguais ao do último afretamento”) e do e-mail de 20 de Novembro de 2014 (“Confirmamos fecho do navio abaixo indicado e nos termos acordados”) em confronto com as explicações prestadas pelas testemunhas a esse propósito em audiência de julgamento; e a recorrente teve a possibilidade de se pronunciar sobre as mesmas (como, aliás, fez).

Ora, a questão é de extrema simplicidade, e resolve-se contra a recorrente.

De facto, nos articulados não foram expressamente alegadas as expressões que o Tribunal recorrido fez incluir no rol dos factos provados. O que foi alegado foi, em síntese, a celebração dos contratos, bem como o teor das suas cláusulas. Mas é para nós óbvio que as frases que a recorrente pretende serem um excesso de pronúncia mais não são do que uma mera concretização do que já estava alegado. A alternativa seria o Tribunal ter de considerar que a recorrente subscreve contratos sem primeiro discutir ou sequer conhecer as suas cláusulas.

E se mesmo assim quisermos ser excessivamente formalistas e dizer que as frases impugnadas não constavam dos articulados, a verdade é que o Tribunal a quo agiu ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 5º,2,b CPC, e considerou aqueles factos por serem complemento ou concretização dos que as partes haviam alegado e resultaram da instrução da causa, nomeadamente resultaram abundantemente provados dos depoimentos das testemunhas Raul e José, que depuseram de forma que mereceu total credibilidade e não foram contraditados.
Falece pois razão à recorrente, nesta parte.

II. Seguidamente, a recorrente lembra que no artigo 1º do seu articulado de resposta à petição inicial aperfeiçoada, afirma que aceita, que efectivamente, em 13 de Fevereiro de 2014 e 20 de Novembro de 2014, celebrou um contrato com a Autora, de afretamento de paletes de madeira a realizar através de navio, de Aveiro para Agadir”. Mas não aceita que o Tribunal tenha dado como provado que “em 13 de Fevereiro de 2014, a Autora celebrou com a Ré um contrato que denominaram de fretamento de paletes de madeira a realizar através do navio N., gerido pela empresa denominada “YY”, de Aveiro para Agadir.”
A recorrida defende de forma lapidar a improcedência desta pretensão, porque a recorrente, ao não impugnar o alegado no art. 8º da petição aperfeiçoada, aceitou este facto como provado.

Consideramos que assiste total razão à recorrida, e que esta parte do recurso é manifestamente improcedente. Temos até dificuldade em perceber o sentido desta pretensão da recorrente. Tomada literalmente, a posição da recorrente parece ser esta: aceita que em 13 de Fevereiro de 2014 e 20 de Novembro de 2014 celebrou um contrato com a Autora, de afretamento de paletes de madeira a realizar através de navio, de Aveiro para Agadir, mas nega que Autora e Ré tenham denominado esse contrato como contrato de fretamento de paletes de madeira. Salvo o devido respeito, isto parece um puro jogo de palavras sem qualquer interesse nem qualquer relevância. Não obstante, importa deixar consignado que este Tribunal sabe a diferença entre factos e Direito, e que na base do nosso sistema processual está a separação entre o julgamento de facto, de um lado, e o julgamento de iure, do outro. Isto para dizer que não é o facto de estar dado como provado que as partes denominaram o contrato que celebraram desta ou daquela maneira, que vai fazer com que o Tribunal, ao aplicar o direito aos factos qualifique o contrato dessa maneira. A qualificação jurídica de um acordo de vontades é um raciocínio técnico-jurídico que parte dos factos dados como provados, das cláusulas que foram acordadas entre as partes, da intenção real ou presumida das partes, e da aplicação das normas jurídicas pertinentes. O facto de as partes denominarem o contrato como fretamento não implica que, só por isso, o Tribunal conclua que o contrato celebrado entre as partes foi de fretamento. Quando muito, esse facto será um pequeno indício a ter em conta, em caso de dúvida na qualificação do contrato.
Assim, a questão suscitada improcede integralmente.
Concordamos todavia com a recorrente quando afirma que a qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes é pura matéria de Direito, e como tal será apreciada nessa sede.

III- Nas conclusões XII a LVII a recorrente empreende em longa argumentação para qualificar os contratos celebrados entre as partes como contratos de transporte marítimo, e não como contratos de fretamento/afretamento.
Mas, em nossa opinião, sem êxito.
Como acabámos de ver, ficou provado que as partes celebraram entre si dois contratos que denominaram de fretamento de paletes de madeira a realizar através de dois navios, supra identificados.
A qualificação jurídica desses contratos, como já adiantámos, não depende da denominação que as partes tenham dado, depende antes do conteúdo dos mesmos.
Aqui chegados, e tendo presente o teor dos contratos celebrados pelas partes, supomos que pouco mais resta senão remeter para a decisão de primeira instância, que qualificou correcta e fundamentadamente os ditos contratos.
Damos aqui por reproduzidas as referências legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias constantes da sentença recorrida, pois a recorrente não as coloca em causa.

Assim, sabemos que estão em causa nestes autos dois contratos, um celebrado em 13 de Fevereiro de 2014, e outro em 20 de Novembro de 2014.
Sobre o que verdadeiramente interessa, o conteúdo desses contratos, sabemos que os mesmos visavam o transporte de paletes de madeira, de Aveiro para o porto de Agadir, em Marrocos.
Quanto ao primeiro contrato, as condições ou cláusulas contratuais foram fixadas nos seguintes termos: “Confirmamos fixação do navio indicado nas condições iguais ao do último afretamento: V N. ou sub; Carga completa, no porão e no convés conta e risco do carregador; Peagem e material de peagem de conta do armador; frete 22euros/m3; Tempo de carga/descarga 120 horas total, Aveiro SSHEX, Agadir SHEX uu; Demoras 3.000 euros/dia pro-rata; ETA Aveiro 14.2.2014; Agente Aveiro, Sana – Agadir, Adatra; Restantes condições de afretamento iguais ao do anterior; Laycan 14.2.2014.

O segundo contrato, o de 20/11/2014, e que envolveu o navio U., tinha as seguintes cláusulas: Mv Jevenau or sister boxsi, 3450 d, 162.000 bl; F+c cargo sawn timber in pallets – abt 3000 cbm – under/on deck; Aveiro/Agadir 1 gsbbens; Laycan Nov 26-28; Freight €uro 24.5/cbm intaken weight foist payable 3 days after s/r b´s/l; 2.5ttl days each load/disch sshex at Aveiro and satnoonshex at Agadir; Demurrage € 3750 – pdpr-fd; Gcn94; Usual terms/details to apply as done b4; Deck cargo at chrtrs risk/expense ; Lashing/unlashing deck cargo to be performed by crew free of charge to chrtrs; Lashing material incl slings at owner account; Agentes: foztrafego/adatra; Owners to nominate final perfoming vessel till Tuesday Nov 25th cob

É preciso ter presente que este tipo de contratos marítimos muito específicos obedece a uma linguagem própria, com o uso muito frequente de abreviaturas, e sempre na língua inglesa, o que torna necessário, para total compreensão, explicações suplementares.

Essas explicações foram dadas em audiência de julgamento pelas testemunhas arroladas pela autora, sobretudo pela testemunha Raul, que se identificou como economista e director da empresa autora, mas que, apesar disso, depôs de uma forma objectiva, isenta e convincente, demonstrando profundos e sedimentados conhecimentos sobre esta matéria, não sendo contraditado por ninguém, e merecendo total credibilidade.

Assim, graças às explicações desta testemunha, a linguagem técnica e quase impenetrável usada nos contratos tornou-se fácil de entender.

A testemunha começou por explicar que a autora/recorrida interveio nestes contratos na qualidade de intermediária (B.): não era ela a proprietária dos navios, limitava-se a intermediar as relações comerciais entre quem precisava dos barcos para transportar mercadoria (no caso a recorrente/ré) e os armadores (no caso, YY).

Assim, explicando o primeiro contrato, que consta a fls. 39v e 40 dos autos, disse a testemunha que o navio inteiro estava por conta da ré. Identificou esse documento como uma carta-partida, e um contrato de afretamento. Explicou as siglas usadas no contrato: assim, “SSHEX” significa Saturdays, Sundays, Holidays Excluded, ou seja, não contam esses dias em termos da contagem das 120 horas. Em Agadir foi “SHEX” ou seja, só não contam os domingos e feriados, tudo o mais conta. Quando está por exemplo “SSHEXuu”, o “uu” significa unless used (a não ser que sejam utilizados). As demoras, que são as sobre-estadias, era € 3.000,00 por dia. A expressão “pro-rata” significa um rateio, das 24 horas que compõem 1 dia. Quando se fala em carga e descarga de 120 horas, é porque os cálculos já foram feitos e é considerado um tempo normal de carga e descarga. O estivador é quem carrega e descarrega o navio. “Demurrages” são as demoras. O “Laycan” é muito importante, porque é quando começa a contar o tempo. Aqui era 14/2. “ETA” é estimated time of arrival, ou seja, data prevista de chegada. Onde está Quantity pode ver-se: “f&c” que é full cargo, ou seja, a carga total do navio.

O segundo contrato é o que consta a fls. 45v. Aqui vê-se que o navio era o U.. E mais uma vez a cláusula é a de carga completa do navio, em paletes de madeira. Diz mesmo aproximadamente 3000 metros cúbicos, dentro ou fora do porão. O “Laycan”: o navio tinha de estar disponível, em Aveiro, entre o dia 26 e o dia 28 de Novembro, para carga. O frete acertado foram 24.50 euros por metro cúbico a ser pago em 3 dias após emissão do conhecimento de carga. O tempo contratado foi 2,5 dias para carga e 2,5 dias para descarga. Que não contam cumulativamente. Isto vê-se quando se estipula “2.5 days each”, e não “2.5 days total”. Satnoonshex, significa que também não conta o sábado à tarde. Ou seja, retira 12 horas ao tempo a contar pelo armador. E as demoras são € 3750,00 por dia. É o custo da paragem do navio. “Free dispatch” quer dizer que não recebe as sub-estadias, só paga a sobre-estadia. E finalmente, “Lashing / Unlashing” é o amarrar a carga, e fica por conta do armador.
A carta de partida é a formalização do contrato de fretamento. Neste caso são estes dois e-mails.

Ora bem. Na posse destes dados sobre o que foi acordado entre as partes, e tendo presente as figuras do contrato de transporte de mercadorias e de fretamento, tal como a sentença recorrida, e bem, os define, é para nós pacífico que o que as partes celebraram foram dois contratos de fretamento.

Sem qualquer pretensão de ser exaustivo, temos de recorrer ao DL 191/87 de 29/4, que regula o contrato de fretamento por mar, e o DL 352/86 de 21/10, relativo ao transporte de mercadorias por mar. Numa breve visão diferenciadora, podemos dizer que o contrato de transporte diz respeito à deslocação de mercadorias, e o contrato de fretamento tem como prestação característica, a disponibilização do navio para fins de navegação marítima, situação que inculca que grosso modo, o contrato de transporte diz respeito à mercadoria, ao passo que o contrato de fretamento diz respeito ao navio (Mário Raposo, Fretamento e transporte marítimo -algumas questões, in BMJ,340, de 1984, pág. 17-52).

No dizer de Hugo Ramos Alves (Temas de Direito dos Transportes, Almedina, volume III, fls. 335 e seguintes), “numa primeira definição, o contrato de transportes é o contrato mediante o qual uma das partes (transportador) se obriga perante outem (passageiro ou carregador/expedidor) a fazer deslocar fisicamente (por si ou recorrendo aos serviços de outrém, por cuja actuação responderá), de um lugar para o outro”. Desta definição, ainda segundo o mesmo autor, podemos retirar que no transporte intervêm três sujeitos distintos: 1) o expedidor, isto é, a parte que contrata o transporte; 2) o transportador, a parte encarregue de, materialmente, transportar pessoas ou mercadorias e 3) o destinatário, ou seja, a entidade que receberá os objectos transportados. Porém, como também logo nota o autor citado, apesar desta tripartição aparentemente estanque de papéis, nada impede que destinatário e expedidor sejam a mesma entidade.

Daqui se retira igualmente que a “deslocação” de mercadorias, ou “coisas”, para distinguir de “pessoas”, é o elemento principal da prestação do transportador, pelo que, quando tal não se verifique, não estamos perante um contrato de transporte.

E a especificidade do direito dos transportes reside na peculiaridade técnica e/ou física utilizada e no meio empregue no transporte, surgindo a distância física a ser ultrapassada como o epicentro de vários problemas normativos que reclamam um regime normativo que acolha essa especialidade (1). E no que ao campo marítimo diz respeito, tal especificidade começou a fazer-se sentir com grande acuidade no princípio do século XIX.

“Com efeito nessa época foi exponenciado o fenómeno do surgimento e da mutiplicação das cláusulas de exclusão ou limitação da responsabilidade, explicado pelo facto de elas responderem a uma necessidade do processo de industrialização, de segurança na exploração económica de inúmeras actividades, criadoras de vastos riscos e de consequentes custos de responsabilidade insuportáveis para a maior parte das empresas” (2).

E daqui emerge a necessidade premente de traçar a fronteira entre este contrato e o contrato de fretamento por viagem, pois existe de modo recorrente uma forte suspeição de que este pode ter por base um contrato de transporte em que as partes pretenderam afastar as normas injuntivas da disciplina do contrato de transporte (3).

A primeira certeza que podemos retirar da análise dos dois contratos é que quer o transportador quer o fretador estão obrigados contratualmente a facultar um navio em estado de navegabilidade, ou seja, apto ao fim a que se destina, tendo por base o programa obrigacional definido pelas partes.
Do mesmo modo, os dois contratos aproximam-se na medida em que mesmo o contrato de fretamento também permite realizar transporte de mercadorias.

Para não alongar esta discussão, e uma vez que as decisões judiciais não são o local adequado para dissertações teóricas, mas antes para a resolução de litígios concretos, vamos concluir, como Menezes Cordeiro (4), que o contrato de fretamento corresponde grosso modo, ao aluguer de um navio, uma vez que a prestação característica a que o fretador está adstrito diz respeito ao consentimento do gozo do navio, mediante o pagamento do frete.
E indo à definição legal, verifica-se que (art. 3º do DL 191/87) contrato de fretamento de navio é aquele em que uma das partes (fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a pôr à sua disposição um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma retribuição pecuniária denominada “frete”.

Como afirma Hugo Alves (5), que temos vindo a seguir de perto, enquanto a disciplina do contrato de transporte é movida, no essencial, por motivos de ordem pública, a praxis confirma que a generalidade dos contratos de fretamento é contratada tendo por referência formulários pré-elaborados.
Supomos que aqui chegados, já temos elementos suficientes para qualificar os dois contratos celebrados entre as partes como contratos de fretamento.

Com efeito, quer no primeiro caso quer no segundo, verificamos a referência expressa ao navio, que é identificado pelo nome ou com a referência “ou similar”. Vemos igualmente a referência à totalidade da carga do navio que é disponibilizada, e não apenas uma parte dela. E a remuneração acordada, ou frete. Assim, um dos traços que mais permite surpreender o fretamento e não um contrato de transporte, é o facto de o navio inteiro estar por conta da ré/recorrente. A ênfase posta na cedência temporária do navio como a essência do acordo entre as partes, tem decorrências óbvias no teor das cláusulas, a mais importante sendo o rigor com que o tempo de utilização do navio tem de ser contado. E com efeito, é esse cuidado que vemos exposto na matéria de facto provada, com as referências às siglas “SSHEX”, “SHEX”, “SATNOONSHEX”, ou “SSHEXuu”, destinadas a definir com rigor máximo como é contado o tempo do fretamento, e acima de tudo o valor acordado para as sobre-estadias ou demoras (demurrages), que só faz sentido se estivermos perante a cedência do gozo de um navio. O mesmo se diga do cuidado na definição de quando começa a contar o tempo (Laycan), a ETA (estimated time of arrival), tudo cláusulas que, em nosso entender são decorrências óbvias de um contrato de cedência do gozo ou utilização de um navio, e que já estariam deslocadas num contrato de transporte de mercadorias.

Os argumentos usados pela recorrente nas suas conclusões, salvo o devido respeito, não colhem.

A referência a que a recorrida interveio nas duas relações contratuais estabelecidas com a Recorrente na qualidade de “B.” (intermediário) e não como Fretadora é verdade, mas em nada altera os dados da questão. A recorrente intermediou o contrato entre quem queria contratar o uso de um navio (a recorrente) e o Armador que tem navios para ceder. Tão só.

A referência à ausência de cartas de partida igualmente não convence, a não ser num cenário de exagerado e absurdo formalismo, pois como bem nota a recorrida, do teor dos documentos de folhas 39 verso a 40 e 45 dos autos constam todos os elementos da carta de partida, quais sejam, a identificação do navio, do fretador, do afretador, a quantidade da carga, natureza das mercadorias a transportar, porto de carga e porto de descarga, tempos previstos para o carregamento e para a descarga, indemnização em caso de sobrestadia e o preço do frete. Não se pode pois afirmar que não foi junta aos autos a carta de partida de cada um dos fretamentos.

Podemos pois concluir que os contratos celebrados entre as partes são, como bem se julgou na sentença recorrida, contratos de fretamento.

Finalmente, insiste a recorrente, nos termos do art. 12º,3 do Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril “excluem-se da contagem das estadias os dias em que, por interrupção legal da actividade ou por quaisquer outros factos objectivamente relevantes, as operações de carregamento e descarga não se possam realizar”. E assim, conforme resulta dos factos provados, “as demoras aludidas em 3 e 11 dos factos provados foram devidas a congestionamento no porto de Agadir (facto considerado ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil)”. Consequentemente, sendo as demoras provenientes de factos que objectivamente se revelaram como relevantes para o atraso da operação de descarga - congestionamento no porto de Agadir – não podem as mesmas ser consideradas para efeitos de contagem de tempo de estadia. Pelo que, resultando a emissão das facturas n.º FTF1 -1, emitida em 29/05/2014, com data de vencimento em 30/05/2014, no valor de €5.662,33 e factura n.º FTF2 - 596, emitida em 31/12/2014, data de vencimento em 01/01/2015, no valor de € 21.718,75 tão só do decurso de tempo em que os navios não puderam proceder à descarga no porto de Agadir, em virtude do congestionamento, não podem tais períodos de tempo ser considerados no tempo de estadia, conforme determina art. 12º n.º 3 do Decreto-lei 191/87 de 29 de Abril. E assim a acção deveria ter improcedido.

Só que esta linha de argumentação assenta na estrita aplicação do regime constante do DL 191/87 de 29/4. E como já vimos supra, é no caso dos contratos de transporte marítimo que existe uma grande imperatividade no regime legal aplicável. No caso dos contratos que as partes nestes autos celebraram, de fretamento, ao invés, existe uma grande margem de liberdade contratual. Daí que, como o Tribunal a quo referiu, as partes acolheram nos contratos que celebraram as condições gerais do Frete, revistas em 1922, 1976 e 1994 (vulgo GENCON 94). Donde, o recurso às normas do citado DL apenas ser lícito em caso de omissão contratual.

Daí que o raciocínio constante da sentença recorrida se nos afigura correcto, bastando agora aqui reproduzir o mesmo:

dispõe o n.º 3 do artigo 12.º do citado Dec.-Lei 191/87 de 29.4, que se excluem da contagem das estadias os dias em que, por interrupção legal da actividade portuária ou por quaisquer outros factos objectivamente relevantes, as operações de carregamento e de descarga não se possam realizar, acrescentando o n.º 4 do mesmo preceito legal que a contagem das estadias inicia-se no primeiro período de trabalho normal que se siga à entrega ao afretador do aviso de navio pronto, desde que este aviso tenha sido entregue até ao termo do período de trabalho normal antecedente.
O n.º 5 estabelece que considera-se horário de trabalho normal o que, nesses termos, seja praticado pelos trabalhadores portuários do respectivo porto.
Por sua vez, o nº 6 acrescenta que o momento a partir do qual é legítima a entrega do aviso de navio pronto é definido pelos usos do porto.

No que se refere ao impedimento prolongado à entrada do navio no porto de descarga preceitua o artigo 17.º do citado Dec.-Lei que se, por facto não imputável ao fretador, se verificar no porto de descarga impedimento prolongado à entrada do navio ou ao normal desenvolvimento das suas operações comerciais, tem aquele a faculdade de desviar o navio para um porto próximo que ofereça condições idênticas e efectuar aí a descarga, com o que se considera cumprido o contrato; o afretador deve ser informado de imediato, acrescentando o n.º 2 que se considera impedimento prolongado o que se apresente superior a cinco dias, sendo que as despesas e encargos adicionais resultantes da situação prevista no n.º 1 são suportados pelo afretador.

Ora, in casu, resultou provado que a descarga dos navios quer no contrato de Fevereiro de 2014 quer no contrato de Novembro de 2014 não se iniciou por congestionamento do porto (facto provado 19). Não obstante tal facto, o certo é que a lei apenas prevê o desvio do navio para porto próximo que ofereça condições idênticas para aí efectuar a descarga quando o impedimento seja superior a cinco dias. Ora, nos casos em que tal impedimento prolongado não se verifique, o armador tem de aguardar que o autorizem a entrar no porto, não sendo tal facto imputável ao armador, tanto mais que o mesmo entrega mal chega ao Porto o aviso de navio pronto.

Cumpre então verificar se o tempo em que o navio se encontra a aguardar pela entrada no porto conta para contagem da estadia para a carga/descarga que havia sido acordado uma vez que as facturas em causa nos presentes autos são advindas das demoras ocorridas da descarga da mercadoria no porto e que ultrapassaram o tempo previamente acordado.

Conforme referido foi, nos termos do n.º 4 do artigo 12.º do DL n.º 191/87 de 29.4 a contagem das estadias inicia-se no primeiro período de trabalho normal que se siga à entrega ao afretador do aviso de navio pronto, desde que este aviso tenha sido entregue até ao termo do período de trabalho normal antecedente, sendo que se considera horário de trabalho normal o que, nesses termos, seja praticado pelos trabalhadores portuários do respectivo porto. Ora, neste conspecto temos que resultou provado que na contagem do tempo de carga/descarga ficaram excluídos da contagem os sábados e os feriados.

Ora, analisando as timesheets de fls. 41 e 46 (relativas, respectivamente ao contrato com o navio N. de Fevereiro de 2014 e o contrato com o navio U. de Novembro de 2014), cujo teor foi muito bem explicado e interpretado por várias testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, conforme, aliás, já referimos, verificamos que o aviso de prontidão do navio N. foi dado a 23.2.2014 às 8h30 (que, sendo um Domingo, não conta como tempo de descarga conforme acordado), pelo que o tempo de descarga só começou a contar a 24.2.2014 pelas 8h00.
Por sua vez, no que se refere ao navio U. temos que o aviso de prontidão foi dado em 2.12.2014, pelas 10h15, tendo o tempo de descarga começado a contar a 2.12.2014, pelas 14h00, pese embora o navio só ter começado a descarregar a 8.12.2014, pelas 7h45.

Ora, pese embora o navio N.o apenas tenha começado a descarregar a 26.2.2014 pelas 15h25, o certo é que de acordo com o artigo 12.º, n.º 4 do Dec-Lei 191/87, de 29/4 a contagem da estadia inicia-se no primeiro período de trabalho normal que se siga à entrega ao afretador do aviso de navio pronto “aviso de prontidão”, pelo que o tempo sempre se iniciaria conforme consta nos respectivos Timesheet de fls. 41 e 46, cuja contagem do tempo de descarga está correctamente efectuado.

Poder-se-ia colocar a questão se o tempo de descarga se inicia mesmo quando o navio não entra no cais por congestionamento do porto. Ora, na interpretação literal do disposto no artigo 12.º, n.º 4 do citado DL aplicável aos presentes autos, a contagem das estadias iniciam-se no primeiro período de trabalho normal que se siga à entrega do aviso de navio pronto, independentemente se o navio já atracou ou não, sendo que o aviso de prontidão é uma comunicação onde o Comandante declara que o navio está pronto para a operação. Com efeito, o aviso de prontidão (“Notice of Readiness”) é o ponto de partida para a contagem da estadia.

Neste concernente cumpre referir que nos próprios documentos de fls. 39 verso e 45 verso que consubstancia as cartas-partidas, os outorgantes remeteram para as demais “condições de afretamento iguais ao do anterior” e para o modelo Gencon 94.

Ora, do Gencon 94 consta o modelo de contrato e as condições gerais do frete sendo que quanto ao tempo de estadia estabelece as condições de contagem do prazo de forma mais pormenorizada do que o DL 191/87 de 29.4. Para o que ora nos interessa no que se refere ao inicio do tempo de estadia (carregamento e descarga) a Gencon estabelece que o tempo de estadia para o carregamento e a descarga deve iniciar-se às 13h00, caso seja entregue o aviso de navio pronto até às 12h00, inclusive, e às 6h00h do dia útil seguinte, caso o aviso de navio pronto seja entregue durante o horário de trabalho normal após as 12h00. (…) O aviso de navio pronto no porto de descarga deve ser entregue aos recebedores ou, se estes não forem conhecidos, aos afretadores ou aos respectivos agentes. Se, momento da chegada do navio, não existirem disponíveis ancoradouros para o carregamento/descarga no porto ou ao largo do porto de carga/descarga, o navio pode entregar o aviso de navio pronto no horário de trabalho normal quando chega, esteja ou não em livre prática, com ou sem desalfandegamento na alfândega. Assim sendo, o tempo de estadia ou o tempo de sobreestadia conta como se o navio se encontrasse no ancoradouro e estivesse, sob todos os aspectos, pronto para o carregamento/descarga (documento de fls. 126 a 131 devidamente traduzido).

Volvendo ao caso concreto, resultou provado que as partes acordaram determinados montantes em caso de sobreestadias, as chamadas “demurrages”, tendo tais termos do negócio sido previamente acordados e explicados à Ré conforme resultou provado (factos provados nºs 3 e 12).
Ora, considerando o período de contagem do tempo de descarga constante dos pontos 4, 5, 13 e 14 dos factos provados, relativamente ao navio N. temos que uma vez que o frete demorou 7 dias, 1 hora e 25 minutos verificou-se uma demora em relação ao tempo previamente acordado (5 dias 0 horas e 0 minutos) entre a Autora e a Ré de 2 dias, 1 hora e 25 minutos, o que deu origem a um custo de €5.662,33 (cinco mil seiscentos e sessenta e dois euros e trinta e três cêntimos); por sua vez, relativamente ao navio U. temos que, uma vez que, a operação de descarga no porto de Agadir demorou 8 dias, 7 horas e 0 minutos verificou-se uma demora em relação ao tempo previamente acordado para a descarga (2 dias 12 horas e 0 minutos) entre a Autora e a Ré de 5 dias, 19 horas e 0 minutos, sendo que tal demora deu lugar a um custo no montante de € 21.718,75 (vinte e um mil setecentos e dezoito euros e setenta e cinco cêntimos), discriminado do seguinte modo na TIMESHEET apresentada pelo armador YY: “Demurrage 5 days 19 hrs o min (=5,79166667) at EUR 3.750,00 per day/rata = EUR 21.718,75”.
Ora, considerando tal factualidade, tendo tal montante para as demoras sido previamente acordado e explicado à Ré, e encontrando-se os cálculos aritméticos correctamente efectuados, concluímos que o montante das facturas peticionado pela Autora é devido pela Ré. Por outro lado, tendo a Autora pago tal quantia ao armador (6), deve a Ré agora proceder ao respectivo pagamento à Autora dessa quantia, uma vez que esta ficou sub-rogada nos direitos de crédito do armador, pelo que terá de proceder a presente acção”.

Assim, considera este Tribunal da Relação que a sentença recorrida não padece de nenhum dos vícios que a recorrente lhe assaca, devendo pois ser confirmada, ao mesmo tempo que o recurso deve ser julgado improcedente.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 7/6/2018

Relator
(Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto
(Alcides Rodrigues)

2º Adjunto
(Joaquim Luís Espinheira Baltar)



1. Castello-Branco Bastos, Da disciplina no Contrato de Transporte Internacional de mercadorias por mar, pág. 17.
2. Ana Prata, Cláusulas de exclusão e de limitação da responsabilidade contratual, (reimp), Coimbra; Livraria Almedina, 2005, pág. 23.
3. Mário Raposo, Fretamento e transporte marítimo, pág. 18.
4. Direito Comercial, 3ª edição, Coimbra, Livraria Almedina, pág. 817.
5. ob. cit,
6. E registe-se que a testemunha Raúl Capão, que ambas as partes consideraram credível, explicou mesmo que a autora teve de pagar de imediato esse valor assim que o Armador lho pediu, sob pena de nunca mais poder trabalhar com ele.