Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1989/18.9T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CADUCIDADE
CRÉDITOS LABORAIS
DESPORTISTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Demonstrando o Recorrente de forma inequívoca a vontade de impugnar a decisão quanto à matéria de facto com base na reapreciação da prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não pode ser prejudicada, quer haja ou não motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação dos ónus previstos no artigo 640º n.º 1 do CPC.

II – São três os requisitos legais para que possa operar a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade de o trabalhador cumprir a sua prestação de trabalho: ser superveniente, absoluta e definitiva

III – A impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho existe quando deixa de ser viável a sua prestação em face de um impedimento inultrapassável.

IV – Se o trabalhador foi contratado para prestar a sua actividade desportista durante determinada época e fica suspenso da sua actividade por facto a si imputável, prorrogando-se tal suspensão, para além do final da época para a qual foi contratado, é lícito ao empregador fazer caducar o contrato.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
APELANTE – D. F.
APELADA – X – FUTEBOL- S.A.D.
Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 1

Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

D. F., residente na Rua …, em Braga instaurou acção declarativa comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “X – FUTEBOL- S.A.D.”, com sede na Rua …, pedindo a sua condenação nos seguintes pagamentos.
- Na quantia líquida de € 10.000,00 (dez mil euros), após impostos e retenções, de indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo;
- Na quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), pela participação em mais de 50,00% dos jogos oficiais da equipa na época 2015/2016;
- Na quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de prémio de apuramento para disputar a Liga Europa;
- Na quantia de € 4.853,18 (quatro mil oitocentos e cinquenta e três euros e dezoito cêntimos), injustificadamente descontada na retribuição;
- Na quantia de € 4.175,86 (quatro mil cento e setenta e cinco euros e oitenta e seis cêntimos), a título de aplicação de sanções disciplinares de multa que enfermam de nulidade;
- Na quantia de € 2.405,21 (dois mil quatrocentos e cinco euros e vinte e um cêntimos), a título de sanção disciplinar nula por falta do prévio processo disciplinar;
- Nos juros de mora sobre estas quantias, a calcular à taxa legal supletiva desde o respectivo vencimento até integral pagamento.

Alternativamente:

- Na quantia líquida de € 10.000,00 (dez mil euros), após impostos e retenções, de indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo;
- Na quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de prémio de apuramento para disputar a Liga Europa;

Nos juros de mora sobre estas quantias, a calcular à taxa legal supletiva desde a cessação do contrato de trabalho até integral pagamento.

A Ré apresentou contestação na qual conclui pela sua absolvição de todos s pedidos formulados pelo Autor

Os autos prosseguiram com a sua normal tramitação, teve lugar a audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal e por fim foi proferida sentença, a fls. 150 a 165, a qual culminou com a seguinte decisão:

Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

1. Condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), pela participação em mais de 50,00% dos jogos oficiais da equipa na época 2015/2016, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o respectivo vencimento até integral pagamento;
2. No mais, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados.”

Inconformada com esta sentença, dela veio o Autor interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:

1.º - O n.º 25 dos FACTOS PROVADOS deverá passar a ter a seguinte redacção: “A partir do dia 9 de Março, o Autor não participou em qualquer jogo, designadamente nestes cincos jogos oficiais.”
2.º - Não constando do documento n.º 12 (Regulamento Interno) junto pela Ré na sua Contestação, a época a que se refere, nem a época em que esteve em vigor, nem a assinatura dos jogadores, ou dos seus capitães, bem como perante a inexistência de qualquer prova documental ou testemunhal de que esse Regulamento Interno esteve em vigor, não pode o Tribunal basear-se nele para decidir o que quer que seja, pelo que o facto provado n.º 36 deverá ser totalmente eliminado.
3.º Perante tal prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, o Tribunal deveria ter considerado como FACTO PROVADO o n.º 1 dos NÃO PROVADOS, fixando-se que “A participação efectiva do Autor nos jogos oficiais da Ré não foi requisito essencial à constituição e manutenção do vínculo laboral entre as partes.”
4.º Perante tal prova produzida pelo Autor, de que continuou a trabalhar (treinando) e que o impedimento era apenas de participar em jogos oficiais, o N.º 2 DOS FACTOS NÃO PROVADOS deverá ser alterado e deverá ser dado como provado que “A suspensão do autor implicava apenas que não poderia participar em jogos oficiais, podendo treinar com os restantes jogadores, tal como o fez.
5.º Quanto ao FACTO NÃO PROVADO N.º 3, o Tribunal deveria ter julgado de forma inversa, fixando e dando como provado que “A Ré poderia continuar a utilizar, individual ou colectivamente, a imagem pública do Autor ligada à prática desportiva”
6.º Os descontos efectuados ao Autor deveram-se à aplicação, por parte da Ré ao Autor, da sanção disciplinar de “Suspensão do trabalho com perda de retribuição”.
7.ºA partir do momento em que o Autor alega, e peticiona, que os descontos efectuados foram feitos sem a precedência de processos disciplinares, cabia à Ré o ónus de provar a existência e regularidade desses processos disciplinares, assim legitimando tais “descontos” efectuados na retribuição mensal do Autor.
8.º Deste modo, o Tribunal deveria ter considerado como provado o n.º 8 dos NÃO PROVADOS, julgando que: “A Ré aplicou ao Autor a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição, sem processo disciplinar”
9.º O FACTO PROVADO N.º 17, fixou que a condenação do Autor apenas em 26.02.2018 é que ficou judicialmente definitiva, transitando em julgado, pelo que só nessa data é que a suspensão do Autor pelo período de 6 meses (Facto Provado n.º 17), ficou definitiva.
10.º Assim, na data de 20 de Abril de 2017 (data em que a Ré enviou carta registada com aviso de recepção, a comunicar ao Autor a alegada caducidade contrato por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva -Facto Provado n.º 19), esta impossibilidade não era definitiva, mas sim temporária ou provisória!
11.º Só hoje, já depois de transitado em julgado o Acórdão do S.T.A. em 14/02/2018 (que revogou o Acórdão do T.C.A.S. e confirmou a validade do acórdão do T.A.D.), é que podemos afirmar, com segurança, que essa impossibilidade era definitiva e não meramente temporária.
12.º Na data de 20.04.2017, nunca se poderia assegurar que tal impossibilidade era definitiva, pois, mesmo com efeito devolutivo, estava pendente um recurso no S.T.A. que, a qualquer momento, em abstracto e face à lei de processo que o regula, era susceptível de absolver o Autor e restabelecer, na sua plenitude, a relação laboral existente entre Autor e Ré.
13.º A impossibilidade apenas é absoluta quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade empregadora não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho, o que não ocorreu neste caso concreto, sendo que, tal não foi o caso aqui ocorrido, pois que, como ficou provado, nos períodos de suspensão o Autor continuou a exercer uma parte importante do seu trabalho, pois continuou a treinar, como testemunhou o seu treinador D. R..
14.º - Porque a impossibilidade não era definitiva, nem absoluta, a carta da Ré X em que comunicou ao Autor a caducidade do seu contrato de trabalho desportivo por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o jogador prestar a sua actividade, configura, por falta de fundamento, um despedimento ilícito do Autor, por ausência de processo disciplinar e falta de justa causa.
15.º Perante o exposto, o Tribunal deveria ter considerado o despedimento ilícito nos termos do art.º 381 e ss. do CT, a condenando a Ré a indemnizar o Autor nos termos do art.º 49 da CCT.
16.º Relativamente ao Prémio de Apuramento para a Liga Europa, à data da distribuição do prémio, a Ré já tinha comunicado ao Autor a cessação, por caducidade, do seu contrato de trabalho, razão pela qual os membros da equipa técnica e capitães da equipa principal sénior de futebol, não incluíram o Autor na distribuição do referido prémio.
17.º Mas consta do n.º 2 do artigo 48.º do CCT, e passa-se a citar: “2 - As retribuições vincendas referidas no número anterior abrangem, para além remuneração base, apenas os prémios devidos em função dos resultados obtidos até final da época em que foi promovida a rescisão do contrato com justa causa pelo jogador.”,
18.º Assim, e tratando-se de um despedimento ilícito, conforme já demonstrado, é devido ao Autor o prémio pelo apuramento da Liga Europa, nos termos dos artigos 49.º e 48 n.º 2 da C.C.T. aplicável a esta relação laboral.
19.º A quantia de € 3.163,86, referente ao recibo de renumeração n.º 10834 de 25/12/2016, foi descontada a título de sanção disciplinar pelo período em que o Autor esteve suspenso e não exerceu a sua actividade (como a própria Ré que indica no artigo 128.º da sua contestação (Facto Provado n.º 43))
20.º A inexistência de qualquer processo disciplinar, como não existiu e não se fez qualquer prova da sua existência, determina a sua nulidade e a mesma deverá ser devolvida ao Autor.
21.º Mesmo que não enfermassem de nulidade por inexistência de prévio processo disciplinar organizado nos termos legais (hipótese que apenas se coloca por lógica de raciocínio), as multas aplicadas ao Autor não respeitaram o máximo legal previsto no n.º 4 do mesmo artigo 15.º do C.C.T. “… 4- As multas aplicadas a um jogador por cada infracção disciplinar praticada não podem exceder um terço da retribuição mensal e, em cada época, a retribuição corresponde a 30 dias.”
22.º - Relativamente à quantia de € 2.405,21 deduzida no recibo de Renumeração n.º 10925 de 25 de Janeiro de 2017, junto como doc. n.º 18 na petição inicial, (Factos Provados n.º 44), também cabia à Ré o ónus da prova que tinha instruído um processo disciplinar que culminara na aplicação de uma sanção disciplinar de multa.
23.º Não o fazendo, tal sanção é nula por inexistência de processo disciplinar prévio, pois no n.º 1 do artigo 16.º, sob o título “Exercício do poder disciplinar“, é expressamente fixado que “ 1 - As sanções disciplinares previstas nas alíneas c), d) e e) do n.º 3 do artigo 15.º só podem ser aplicadas em resultado de processo disciplinar organizado nos termos legais, sob pena de nulidade.”
24.º - Ou seja, na relação laboral que existiu entre Autor e Ré, todas as sanções disciplinares de “multas” poderiam ser aplicadas em resultado de processo disciplinar organizado nos termos legais, sob pena de nulidade.
25.º Para terminar, o que a Ré poderia ter aplicado ao Autor: perante o facto de o Autor apenas estar impedido de prestar uma parte do seu trabalho (o participar em jogos oficiais), a Ré poderia ter optado pela sanção da suspensão do trabalho com perda de retribuição, mas nunca alegar a caducidade por impossibilidade, absoluta e definitiva do contrato de trabalho, dado que, a impossibilidade não era definitiva nem absoluta.
26.º Pois, tal como consta dos FACTOS PROVADOS n.º 16.º: “... 16. Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no dia 14 de Fevereiro de 2018, foi mantida a condenação do autor na pena de seis meses de suspensão;” e N.º 17: “... A condenação do autor transitou em julgado no dia 26 de Fevereiro de 2018;”, ou seja, no dia 20.04.2017, data da comunicação da Ré, a impossibilidade do Autor em participar em jogos oficiais era temporária/provisória, e nunca definitiva.
27.º - E, como sabemos, a impossibilidade temporária não extingue o vínculo, apenas o suspende.
28.º - A decisão recorrida viola, entre outros, o disposto nos artigos 343.º al. b), 381 e ss, 98 e 328 e ss. do Código do Trabalho, o artigo n.º 342.º do C.C. e os artigos 15.º, 16.º, 48.º n.º 2 e 49 da CCT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, publicado no Bol. Trab. Emp., 1.a série, n.º 33, 8/9/1999 e aplicável à relação de trabalho aqui descrita.

Termos em que se requer, a V.ª(s) Ex.ª (s), se digne(m) a dar provimento à presente alegação, substituindo a sentença por douto acórdão, que modificando as respostas à matéria de facto nos termos aqui requeridos, aplique o direito aos mesmos, julgando que a cessação do contrato por parte da ré, configura um despedimento ilícito por carecer de fundamento legal e de facto, bem como considere nulas as sanções disciplinares aplicadas ao recorrente, com as demais consequências legais.
assim se fazendo justiça.”

Respondeu a Recorrida/Apelada defendendo a manutenção do julgado.
*
Admitido o recurso na espécie própria, com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.

Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer de fls. 212 a 216, no sentido da rejeição do recurso por manifesta extemporaneidade, por considerar que não se peticionando, em sede conclusiva, a reapreciação da prova gravada, como suporte da modificação da matéria de facto, não podia in casu o Recorrente beneficiar do acréscimo de 10 dias previsto no n.º 3 do artigo 80º do C.P.T.

O Recorrente respondeu, contrariando o parecer emitido pelo Ministério Público, defendendo que efectivamente o objecto do recurso por si interposto respeita também à impugnação da matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, pelo que considerando que a mesma cumpre os requisitos previstos no artigo 640.º n.º 1 e 2 al. a) do CPC., dispunha do prazo de 30 dias para interpor recurso da decisão proferida.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

Questão prévia

Em face à posição assumida pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, no que respeita à tempestividade do recurso interposto, incumbe-nos dizer o seguinte:

Nos termos previstos no artigo 80.º n.ºs 1 e 3 do CPT. o prazo de interposição do recurso de apelação é de 20 dias, o qual pode ser acrescido de 10 dias no caso de o recurso ter por objecto a reapreciação da prova gravada.

No caso em apreço independentemente da perfeição ou imperfeição da impugnação da matéria de facto, o certo é que quer na alegação do recurso, quer nas suas conclusões ainda que nestas de forma menos explicita (limita-se a indicar a decisão que deve ser proferida sobre os pontos de facto que menciona), o Recorrente manifesta de forma inequívoca a sua discordância com a decisão da matéria de facto, indicando documentos e transcrevendo na alegação de recurso os depoimentos das testemunhas que lhe permitiam retirar conclusões diferentes das que constam dos factos provados e não provados, indicando os específicos pontos de facto que impugna, bem como a decisão que no seu entender deve sobre ser proferida, encontrando-se suficientemente preenchidos os requisitos a que alude o artigo 640.º n.º 1 e 2 al. a) do CPC.

Em face do exposto consideramos que para efeito de tempestividade de recurso o Recorrente também pretendeu impugnar a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, beneficiando por isso do prazo de 30 dias, daí a sua tempestividade, o que mais uma vez se reconhece.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto
- Da caducidade do contrato de trabalho desportivo;
- Dos créditos laborais:
- Do prémio da Liga Europa;
- Das quantias descontadas a título de multa e falta.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Encontram-se provados os seguintes factos:

1. O autor é jogador profissional de futebol, dedicando-se, com regularidade, em exclusividade e mediante retribuição, à prática de futebol, sempre em representação, autoridade e direcção de um clube desportivo, fazendo disso a sua profissão;
2. A ré é uma sociedade anónima desportiva que participa campeonatos profissionais de futebol organizados pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, bem como outras competições desportivas de futebol;
3. No dia 13 de Julho de 2014, através de documento escrito intitulado contrato de trabalho desportivo, constante de fls. 18 a 20 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, o autor e a ré acordaram na admissão do autor para a equipa sénior de futebol da ré, para prestar a sua actividade de futebolista, sob autoridade e direcção desta, mediante retribuição;
4. Ficou acordado que seguinte:
- O autor auferia a retribuição anual líquida de € 50,000,00, a qual seria entregue em dez prestações mensais no valor de € 5.000,00, cada uma;
- No valor da retribuição já estavam incluídos os subsídios de férias e de Natal;
- O autor auferia um prémio no valor de € 10.000,00 se participasse pela equipa principal sénior de futebol da ré em, pelo menos, 50,00% dos jogos oficiais, durante mais de quarenta e cinco minutos em cada um, em qualquer das épocas desportivas de 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017;
- O acordo tinha início no dia 13 de Julho de 2014 e terminava no dia 30 de Junho de 2017, destinando-se a vigorar nas épocas desportivas de 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017;
- O autor obrigava-se a cumprir o regulamento interno de futebol profissional da ré, constante de fls. 95 a 103 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. No futebol profissional, é habitual a retribuição ser acordada em valores líquidos, depois de sujeita a todos os impostos e retenções, especialmente quando se trata de jogadores estrangeiros;
6. Na época desportiva de 2014/2015, o autor participou em vinte e três jogos oficiais em representação da ré, tendo marcado cinco golos;
7. Na época desportiva de 2015/2016, o autor participou em trinta e seis jogos oficiais em representação da ré, tendo marcado doze golos;
8. Na época desportiva de 2016/2017, o autor participou em vinte e um jogos oficiais em representação da ré, tendo marcado oito golos;
9. Por acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, proferido no dia 4 de Novembro de 2016, o autor foi condenado, por agressão, na pena de nove meses de suspensão;
10. Esta decisão era passível de recurso para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, para o Tribunal Arbitral do Desporto e para os Tribunais Administrativos;
11. O autor interpôs recurso desta decisão para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol e para o Tribunal Arbitral do Desporto;
12. Por acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido no dia 3 de Março de 2017, a condenação do autor foi reduzida para seis meses de suspensão, tendo sido decidido que a suspensão do autor terminava às 24.00 horas do dia 7 de Julho de 2017;
13. O autor interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo do Sul;
14. Por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no dia 19 de Junho de 2017, o recurso foi julgado improcedente;
15. O autor interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo;
16. Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no dia 14 de Fevereiro de 2018, foi mantida a condenação do autor na pena de seis meses de suspensão;
17. A condenação do autor transitou em julgado no dia 26 de Fevereiro de 2018;
18. No dia 9 de Março de 2017, na sequência do acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido no dia 3 de Março de 2017, foi comunicada à ré a suspensão do autor por seis meses, bem como que esta suspensão terminava às 24.00 horas do dia 7 de Julho de 2017;
19. No dia 20 de Abril de 2017, por carta registada com aviso de recepção, a ré comunicou ao autor a caducidade do acordo celebrado no dia 13 de Julho de 2014 por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o autor prestar o trabalho, com fundamento na condenação do autor na pena de seis meses de suspensão e na circunstância de a suspensão terminar às 24.00 horas do dia 7 de Julho de 2017;
20. A ré não notificou o autor da sua intenção de considerar a caducidade do acordo celebrado no dia 13 de Julho de 2014, para se pronunciar ou exercer o direito de resposta;
21. Além de participar em jogos oficiais, o autor estava obrigado a comparecer nos treinos, estágios, deslocações, exames e tratamentos médicos e submeter-se ao regime de treino antecipadamente estabelecido pelo treinador e a todos os tratamentos determinados pelos serviços clínicos da ré;
22. No acordo celebrado no dia 13 de Julho de 2014, ficou acordado que o autor se obrigava a aceitar a sua transferência temporária ou definitiva pela ré outro clube desportivo de futebol;
23. Na época desportiva de 2016/2017, a ré tinha vários jogadores profissionais de futebol ao seu serviço que não participaram em qualquer jogo oficial, limitando-se a participar nos treinos e a cumprir as demais obrigações;
24. No período entre o dia 9 de Março de 2017 e o dia 20 de Abril de 2017, correspondente ao período entre a comunicação da suspensão do autor decidida pelo acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto e a comunicação da caducidade do acordo celebrado no dia 13 de Julho de 2014, a ré participou em cinco jogos oficiais;
25. A partir do dia 9 de Março de 2017, o autor deixou de exercer a sua actividade, não tendo participado em qualquer jogo, designadamente nestes cinco jogos oficiais;
26. Na época desportiva de 2015/2016, a equipa principal sénior de futebol da ré participou em quarenta e dois jogos oficiais;
27. O autor participou durante mais de quarenta e cinco minutos em vinte e oito destes jogos oficiais;
28. Na época desportiva de 2015/2016, o autor foi o quinto jogador mais utilizado do conjunto dos jogadores;
29. Na época desportiva de 2016/2017, a ré, através do seu presidente, atribuiu um do prémio relativo ao apuramento para disputar a Liga Europa na época seguinte, no valor de € 150.000,00, se este apuramento viesse a ocorrer;
30. A equipa principal sénior de futebol da ré foi apurada para disputar a Liga Europa na época desportiva de 2017/2018;
31. O valor de € 150.000,00 foi atribuído para ser distribuído pelos jogadores, pelos membros da equipa técnica e pelos restantes elementos e funcionários do departamento de futebol;
32. A responsabilidade pela distribuição do prémio era dos membros da equipa técnica, juntamente com os capitães da equipa principal sénior de futebol, sendo a estes que competia escolher concretamente quem iria receber o prémio e determinar o respectivo montante;
33. Os membros da equipa técnica comunicaram quem iria receber o prémio e o respectivo montante;
34. O autor não foi incluído nos beneficiários do prémio, não lhe tendo sido atribuído qualquer montante;
35. No período entre o dia 13 de Julho de 2014 e o dia 20 de Abril de 2017, a ré descontou na retribuição do autor a quantia de € 4.853,18, relativa a adiantamentos e peças de vestuário desportivo que o autor ofereceu sem autorização prévia;
36. O regulamento interno de futebol profissional da ré estabelece o seguinte:
- Os jogadores que ofereçam peças de vestuário desportivo sem autorização prévia são penalizados com a abolição de um prémio de jogo, tendo sido este valor que foi descontado na retribuição do autor.
37. No período entre o dia 25 de Fevereiro de 2016 e o dia 25 de Agosto de 2016, a ré descontou na retribuição do autor a quantia de € 562,00, relativa a multas;
38. Estas multas foram aplicadas ao autor pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, sendo relativas à amostragem de cartões amarelos e vermelhos durante os jogos;
39. A Liga Portuguesa de Futebol Profissional aplica estas multas aos jogadores;
40. Os clubes de futebol adiantam à Liga Portuguesa de Futebol o seu pagamento e, posteriormente, procedem ao seu desconto juntamente dos jogadores para serem ressarcidos das quantias que pagaram;
41. Do regulamento interno de futebol profissional da ré consta o seguinte:
- Os jogadores devem comportar-se de acordo com a ética desportiva durante os jogos, especialmente, não reclamar, quer verbalmente, quer através de gestos ou adoptar condutas anti-desportivas;
- Os jogadores que sejam punidos com multas pela Federação Portuguesa de Futebol ou pela Liga Portuguesa de Futebol, por infringirem esta regra, autorizam a ré a proceder ao desconto das verbas que tenham que pagar, a fim de liquidar as respectivas multas, nas suas retribuições ou nos prémios que eventualmente tenham para receber;
- Perante qualquer comportamento incorrecto dentro ou fora dos relvados que tenha como consequência a aplicação de multas pela Liga Portuguesa de Futebol, os jogadores autorizam a ré a proceder ao seu pagamento, descontando-as da retribuição ou dos prémios que eventualmente tenham a receber.
42. A ré adiantou à Liga Portuguesa de Futebol o pagamento das multas que foram aplicadas ao autor e, posteriormente, procedeu ao seu desconto na retribuição para ser ressarcida das quantias que pagou;
43. No dia 25 de Dezembro de 2016, a ré descontou na retribuição do autor a quantia de € 3.613,86, relativa ao período em que o autor esteve suspenso e não exerceu a sua actividade;
44. No dia 25 de Janeiro de 2017, a ré descontou na retribuição do autor a quantia de € 2.405,21, relativa ao período em que o autor esteve impedido de exercer a sua actividade.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da impugnação da matéria de facto

Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

O Recorrente nos pontos 1.º a 8.º das suas conclusões da alegação de recurso pugna pela modificação da decisão proferida pela 1ª instância quanto à matéria de facto, designadamente quanto à alteração dos pontos de factos dados como provados sob os n.ºs 25 e 36 e quanto aos pontos de factos dados como não provados sob os n.ºs 1, 2, 3 e 8.

Sustenta a sua impugnação, quer na prova documental, quer na prova testemunhal.

O Recorrente pretende que do ponto de facto n.º 25 dos factos provados seja eliminado o seguinte segmento:

… a partir do dia 9 de Março de 2017, o autor deixou de exercer a sua actividade”.

Sustenta que o tribunal a quo deu tal facto como provado por ter considerado que o mesmo está reconhecido por Autor e Ré, contudo do teor dos artigo 44.º, 45.º e 46.º da petição inicial resulta apenas que o autor reconhece que no período entre o dia 9 de Março de 2017 e o dia 20 de Abril de 2017, a equipa de futebol da Ré realizou 5 jogos oficiais e o Autor não participou em qualquer jogo.

E pretende que o ponto de facto n.º 36 dos pontos de facto provados seja eliminado, uma vez que não foi feita qualquer prova documental ou testemunhal da qual resultasse que o regulamento Interno da Ré junto aos autos com a contestação – doc. n.º 12, esteve em vigor.

Vejamos.

Em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

O tribunal a quo deu os pontos de facto n.º 25 e 36 como provados com a seguinte fundamentação:

“O tribunal fundou a sua convicção nas declarações de parte e no depoimento de parte do autor, no depoimento de parte do presidente da ré, no depoimento das testemunhas ouvidas e nos documentos juntos aos autos.

Os depoimentos que foram prestados pelas testemunhas ouvidas não foram divergentes, tendo estas apresentado uma versão essencialmente concordante no sentido de factualidade que foi considerada provada.

Os factos relativos à condenação do autor, por agressão, na pena de nove meses de suspensão, posteriormente reduzida para seis meses, foram considerados provados atendendo aos documentos juntos aos autos, sendo certo que estes factos não foram postos em causa pela ré (cfr. os documentos de fls. 25 a 45).
(…)

O tribunal considerou provado que, no período entre o dia 9 de Março de 2017 e o dia 20 de Abril de 2017, correspondente ao período entre a comunicação da suspensão do autor decidida pelo acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto e a comunicação da caducidade do acordo celebrado no dia 13 de Julho de 2014, a ré participou em cinco jogos oficiais e que, a partir do dia 9 de Março de 2017, o autor deixou de exercer a sua actividade, não tendo participado em qualquer jogo, designadamente nestes cinco jogos oficiais, porque este facto que foi reconhecido pelo autor e pela ré.
(…)

O tribunal considerou provado que as quantias que foram descontadas na retribuição do autor no período entre o dia 13 de Julho de 2014 e o dia 20 de Abril de 2017 eram relativas adiantamentos e peças de vestuário desportivo que o autor ofereceu sem autorização prévia porque estes factos foram confirmados pela testemunha N. S., pelas testemunhas M. A. e J. D., que eram o responsável pelo processamento de salários na ré e o tesoureiro da ré, e pela testemunha P. J., que era o roupeiro da ré. Estas testemunhas afirmaram expressamente que o autor recebia os pagamentos, incluindo os adiantamentos, e assinava os respectivos recibos, sem que alguma vez tivesse reclamado, o mesmo se passando com os recibos relativos à retribuição, dos quais nunca reclamou.”

No que respeita ao ponto 25 dos factos dados como provados teremos de dizer que a sua redacção nos parece de óbvia, sendo por isso de manter.

Na verdade, dos factos alegados por ambas as partes resulta manifesto, que ao Autor foi aplicada a sanção disciplinar de suspensão da actividade desportiva, o que significa que durante o período em que decorre o cumprimento da sanção está impedido de exercer a sua actividade de futebolista profissional. Acresce dizer que ao contrário do por si alegado, quer no artigo 24.º da p.i., quer em sede de resposta à contestação (art.º 30.º), também não logrou provar que durante o período em que esteve suspenso “podia treinar com o restante plantel da Ré e cumprir com as demais obrigações profissionais” nem logrou provar que nesse período“…sempre trabalhou, treinando e respeitando as demais obrigações profissionais”.

Ora, mal se compreenderia e muito se estranharia que na sequência da decisão que determinou a suspensão do Autor da sua actividade, este a continuasse a desenvolver como se nada tivesse sucedido.

Não restam dúvidas que atenta a posição assumida por ambas as partes e tendo atenção a aplicação ao autor da sanção da suspensão, bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado que a partir de 9/03/2017 (data em que foi comunicada pelo tribunal arbitral a decisão de suspensão do autor por seis meses), o autor deixou de exercer a sua actividade, pois parece-nos óbvio que mais não restava ao Autor do que em cumprimento da referida sanção deixar de exercer, ainda que temporariamente, a sua actividade de jogador profissional de futebol, tal como efectivamente sucedeu.

No que respeita ao ponto 36 dos pontos de facto provados não vislumbramos que assista qualquer razão ao autor.

Tal como consta do contrato de trabalho e resulta do ponto 4 dos factos provados, que aliás o Autor não impugnou, este obrigou-se a cumprir o regulamento interno da Ré, constante de fls. 95 a 103 dos autos. Resulta da cláusula sétima do referido contrato, que o Autor obrigou-se a respeitar e a cumprir os regulamentos estabelecidos pelo X, SAD, nomeadamente os emanados pelo seu departamento de futebol.

Por outro lado, tendo sido junto com a contestação o Regulamento Interno do Futebol Profissional do X e sendo certo que o autor em sede de resposta nada disse relativamente ao mesmo, nem sequer o impugnou, mais não restava ao Tribunal a quo do que considerar que tal regulamento, por ter sido o único a ser referido, não só estava em vigor à data, como era aplicável ao Autor.

Não tendo sido posta em causa, quer a validade, quer a aplicabilidade de tal Regulamento, em 1ª instância, significa que o autor aceitou que foi este Regulamento que vigorou enquanto esteve ao serviço da Ré. Não se vislumbra assim que a Ré tivesse que produzir qualquer prova relativamente ao facto do dito regulamento se encontrar em vigor nas épocas em questão e muito menos que o mesmo tivesse que ser aprovado ou discutido com os jogadores, designadamente com o autor, já que por força do estabelecido no seu contrato de trabalho a ele se vinculou.

Estando o autor vinculado ao cumprimento do regulamento interno da Ré, é de manter a redacção do ponto 36º dos pontos de facto provados, do qual resultam factos materiais e concretos que constam do dito regulamento e que são decisivos para a boa decisão da causa.

Improcede nesta parte a impugnação da matéria de facto.

Quanto aos pontos de facto não provados que o Recorrente pretende que sejam dados como provados, dos mesmos consta o seguinte:

“1. A participação efectiva do autor nos jogos oficiais da ré não foi requisito essencial à manutenção do vínculo laboral entre as partes;
2. A suspensão do autor implicava apenas que não poderia participar em jogos oficiais, podendo treinar com os restantes jogadores;
3. A ré poderia continuar a utilizar, individual ou colectivamente, a imagem pública do autor ligada à prática desportiva;
8. A ré aplicou ao autor a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição, comunicando-lhe que estava suspenso do exercício da sua actividade com perda de retribuição.”

O tribunal a quo considerou tais pontos de facto não provados com a seguinte fundamentação:

O tribunal não considerou provado que a participação efectiva do autor nos jogos oficiais da ré não foi requisito essencial à manutenção do vínculo laboral entre as partes. Por um lado, o autor era o quinto jogador mais utilizado do conjunto dos jogadores da equipa principal sénior de futebol da ré, pelo que se tratou de um jogador que a ré contratou para participar em jogos oficiais e não somente para treinar ou cumprir as demais obrigações. Aliás, só assim faz sentido que no contrato de trabalho tenha sido, desde logo, acordado um prémio no valor de € 10.000,00 se o autor participasse em, pelo menos, 50,00% dos jogos oficiais, durante mais de quarenta e cinco minutos em cada um, em qualquer das épocas desportivas de 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017. A atribuição deste prémio pela ré significa que pretendia que o autor participasse nos jogos oficiais, atribuindo-lhe um incentivo para que se esforçasse neste sentido. Por outro lado, a testemunha D. A., que, como referimos, era o treinador da equipa principal sénior de futebol da ré, afirmou expressamente que 'um jogador como autor é contratado para participar como titular em grande parte dos jogos oficiais'.

O tribunal não considerou provado que a suspensão do autor implicava apenas que não poderia participar em jogos oficiais, podendo treinar com os restantes jogadores, porque foi referido pelas testemunhas ouvidas que era discutível se um jogador suspenso podia continuar a participar nos treinos oficiais da equipa, sendo que, inclusivamente, a ré já havia tido problemas com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional relativamente a outro jogador nesta situação. Esta factualidade foi referida pelo presidente da ré no seu depoimento de parte. No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha N. S., que era o director técnico do departamento de futebol profissional da ré, que afirmou expressamente que 'penso que na suspensão da actividade desportiva o jogador não pode treinar'. Sendo que o ónus da prova relativamente este facto competia ao autor, o tribunal não o considerou provado, por aplicação do princípio consagrado no art. 414º do Cód. de Processo Civil, relativo à prova dúbia.

O tribunal não considerou provado que a ré poderia continuar a utilizar, individual ou colectivamente, a imagem pública do autor ligada à prática desportiva porque é compreensível que não fosse utilizada a imagem de um jogador que estava suspenso, especialmente por agressão, tal como foi alegado pela ré (cfr. o art. 37º da contestação).

(…)
O tribunal considerou provado que as quantias que foram descontadas na retribuição do autor no período entre o dia 13 de Julho de 2014 e o dia 20 de Abril de 2017 eram relativas adiantamentos e peças de vestuário desportivo que o autor ofereceu sem autorização prévia porque estes factos foram confirmados pela testemunha N. S., pelas testemunhas M. A. e J. D., que eram o responsável pelo processamento de salários na ré e o tesoureiro da ré, e pela testemunha P. J., que era o roupeiro da ré. Estas testemunhas afirmaram expressamente que o autor recebia os pagamentos, incluindo os adiantamentos, e assinava os respectivos recibos, sem que alguma vez tivesse reclamado, o mesmo se passando com os recibos relativos à retribuição, dos quais nunca reclamou.

(…)
O tribunal não considerou provado que a ré aplicou ao autor a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição, comunicando-lhe que estava suspenso do exercício da sua actividade com perda de retribuição, porque este facto não foi confirmado pelas testemunhas ouvidas. As testemunhas confirmaram que o autor esteve suspenso diversas vezes, mas nenhuma referiu que estas suspensões foram decididas e aplicadas pela ré.”

Defende o Recorrente que em face dos factos provados nos pontos de facto 21.º a 23.º a resposta ao ponto de nº1 dos pontos de facto não provados não poderia deixar de ser outra.

Ora, o facto de resultar do contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré que para além do autor participar nos jogos oficiais o exercício da sua actividade implicava o cumprimento de outras obrigações, tais como comparecer aos treinos, submeter-se a exames e tratamentos médicos, obrigar-se a aceitar a sua transferência para outro clube desportivo, tudo isto são actividades acessórias e complementares à prestação nuclear do que é o trabalho do jogador de futebol. E por outro lado, o facto de na época desportiva de 2016/2017 a Ré ter vários jogadores ao seu serviço que não participaram em qualquer jogo, são tudo factos manifestamente insuficientes e não nos permitem concluir de forma alguma, pela prova do facto que agora o recorrente pretende que seja dado como provado, ou seja que a sua participação nos jogos oficiais da Ré não foi requisito essencial à manutenção do vínculo laboral entre as partes.

Ao invés, tal como resulta da motivação exaustiva, precisa e concisa proferida pelo tribunal a quo a prova produzida permite-nos concluir precisamente o inverso, alicerçado designadamente no depoimento da testemunha D. R. (treinador) “um jogador como o autor é contratado para participar como titular em grande parte dos jogos oficiais”, acrescendo dizer que nos parece óbvio e resulta das regras da experiência que não se contrata um jogador de futebol liquidando-lhe uma retribuição líquida de €5.000,00, senão se tiver em mente que este preste o seu trabalho nos jogos oficiais. Sendo o recorrente o quinto jogador mais utilizado, o que dele pretendia a recorrida seria sem dúvida que este participasse como jogador nos jogos oficiais.

Assim sendo é de manter o ponto de facto 1º dos pontos de facto não provados, pois para além dos pontos de facto provados sob os n.ºs 21.º a 23.º não resultar o pretendido pelo recorrente, a demais prova produzida revela-se de insuficiente para dar tal facto como provado.

Quanto ao ponto 2 dos pontos de facto dados como não provados teremos de dizer que a prova produzida deixa muitas dúvidas quanto ao facto da suspensão do autor implicar apenas a não participação nos jogos oficiais, podendo treinar com os restantes jogadores como o terá feito em circunstâncias não apuradas e relativamente a período de suspensão não apurado, visto que ao recorrente já haviam sido aplicados outros períodos de suspensão de actividade.

Assim ainda que o seu treinador D. R. tenha afirmado de forma imprecisa, hesitante e não muito convincente que “sempre que possível treinava”, acabou por dizer “que houve um período também no treino, que quando ele estava suspenso e acabou por ser … que não podia treinar com a equipa”, acrescentando mais à frente em instâncias do ilustre mandatário da Ré “…o D. F. treinou grande parte do tempo, ou pelo menos numa parte razoável do tempo em que foi suspenso, digamos assim” sem se saber em que circunstâncias – sozinho ou com a equipa. Por outro lado, as demais testemunhas que foram inquiridas sobre estes factos, designadamente o Presidente da Ré e N. S. (director técnico do departamento de futebol da ré) não os confirmaram, ao invés deixaram transparecer sérias dúvidas quanto à possibilidade de durante o período da suspensão da actividade o autor poder continuar a treinar com a equipa, referindo que a ré já havia tido problemas com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional relativamente a outro jogador nesta situação.

Ora, atenta a dúvida quanto à realidade deste facto, cuja prova incumbia ao Autor, impunha-se que fosse dado como não provado, em conformidade com o previsto no disposto no art.º 414.º do CPC., sendo por isso de manter nesta parte a decisão recorrida.

Quanto ao ponto n.º 3 dos pontos de factos dados como não provados, teremos de dizer que não assiste qualquer razão ao recorrente, pois resulta das regras da experiência que ainda que a suspensão da actividade não impedisse de forma directa a ré de continuar a utilizar, individual ou colectivamente, a imagem pública do autor ligada à prática desportiva atenta a situação em que o autor se encontrava – suspenso por ter agredido um árbitro, de forma indireta tal impedimento acaba por se verificar, pois nem ré, nem qualquer outro clube de futebol iria utilizar a imagem pública ligada à prática desportiva de um jogador a quem foi aplicada a suspensão de actividade pelo facto de ter agredido um árbitro.

É de manter o ponto 3 dos factos dados como não provados.

Por fim, quanto ao ponto de facto 8 dos factos dados como não provados mais uma vez teremos de concordar com o tribunal recorrido.

No que respeita ao facto da Ré ter aplicado ao Autor a sanção disciplinar de suspensão de trabalho com perda de retribuição, teremos de dizer que para além de não ter sido instaurado qualquer procedimento disciplinar pela Ré ao Autor, também nenhuma das testemunhas inquiridas revelou ter qualquer conhecimento deste facto, tendo apenas confirmado que o autor esteve por diversas vezes suspenso, sem que soubessem por quem foram decididas e aplicadas tais suspensões. Acresce dizer que no âmbito do depoimento de parte prestado pelo legal representante da Ré, este nem sequer de forma parcial confessou tal facto. Ao invés, em momento algum admitiu ter sido aplicada pela Ré ao Autor a sanção de suspensão do trabalho com perda de retribuição.

Por fim, do teor dos recibos de vencimento, desacompanhados de qualquer outra prova, porque inexistente, também não podemos extrair a conclusão que os descontos efectuados ao Autor a título de “Desconto Faltas Dias “ e “Desconto Falta Dia ISS” se deveu à aplicação por parte da Ré ao Autor da sanção disciplinar de “Suspensão do trabalho com perda de retribuição”.

É de manter o ponto 8 dos factos dados como não provados, improcedendo assim na sua totalidade a impugnação referente à decisão quanto à matéria de facto.

2. Da caducidade do contrato de trabalho desportivo

Insurge-se o Recorrente quanto ao facto do tribunal recorrido ter concluído, na sequência da aplicação da sanção de suspensão, pela caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade absoluta e definitiva do Autor continuar a prestar a sua actividade por conta Ré.

Para tanto alega que a decisão que lhe aplicou a suspensão pelo período de seis meses só transitou em julgado em 26/02/2018, razão pela qual quando a Ré lhe enviou a comunicação da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva, em 20/04/2017, tal impossibilidade não era definitiva, mas sim temporária. Por outro lado, tal impossibilidade não era absoluta porque o núcleo das obrigações contratuais a que se obrigou, não se limitava à sua disponibilidade para participar nos jogos oficiais, estando assim apenas impedido parcialmente de prestar o seu trabalho.

Cumpre apreciar:

Tal como é consabido e resulta do disposto no artigo 340.º do CT. a caducidade é uma das formas de cessação do vínculo laboral e ocorre quando se verificam os seus requisitos legais, designadamente pela impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho.

Assim quando uma parte invoca e demonstra um motivo que é em si mesmo causa justificativa (subjectiva ou não) da morte do vínculo, estamos perante a caducidade do mesmo.

A caducidade como forma extintiva de efeitos jurídicos ocorre quando se verifica um facto jurídico strictu sensu, isto é, independentemente de qualquer manifestação de vontade (cfr. Dicionário Jurídico, Ana Prata, 3ª edição, págs. 82 e 83).

Assim sendo, importa realçar, atenta a situação específica a que se reportam os presentes autos, que a caducidade não está dependente de qualquer procedimento, mas sim apenas está sujeita à verificação do facto jurídico relevante que a faz operar.

Por conseguinte, deixamos assente que a caducidade do contrato de trabalho invocada não está sujeita a qualquer procedimento, designadamente o exigido para outras formas de extinção do vínculo laboral.

Na verdade, a caducidade do contrato de trabalho apenas depende da verificação de qualquer uma das situações previstas no artigo 343.º do Código do Trabalho, o qual prescreve que "o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:

a) Verificando-se o seu termo;
b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.

Como se escreve no Ac. da RL de 18/06/2014, proc. n.º 403/12.8TTFUN.L1-4:

“Verifica-se o seu termo quando, nos contratos celebrados com um determinado prazo de vigência (art.º 139 e ss.), é atingido esse limite e haja sido comunicado oportunamente pela parte que não deseja renovar a sua vontade (art.º 149, n.º 1[6])

A impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho existe quando deixa de ser viável a sua prestação em face de um impedimento inultrapassável, uma impossibilidade física (caso fortuito ou de força maior) ou legal[7].”

Assim, se o trabalhador foi contratado para prestar a sua actividade desportista durante determinada época e fica suspenso da sua actividade por facto a si imputável, prorrogando-se tal suspensão, para além do final da época para a qual foi contratado, é lícito ao empregador declarar a caducidade do contrato.

Importa ter presente que para além da impossibilidade absoluta em prestar a sua actividade (e não mera dificuldade acrescida) tem de ser superveniente, a significar que a ocorrência só se verificou após a celebração do contrato de trabalho e tem de ter carácter definitivo e previsivelmente irreversível.

Nos termos previstos no art.º 342.º do Cód. Civil incumbe à Ré demonstrar os requisitos conducentes à caducidade do contrato, ou seja que in casu se verifica a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho.

Ora, a impossibilidade de subsistência do vínculo contratual deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade” da sua manutenção, exigindindo-se uma impossibilidade prática e imediata, com a necessária referência a vínculo em concreto e no sentido de comprometer no futuro o contrato de trabalho.

Afirma Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho Anotado, 2 ª ed., pág. 779 em anotação ao artigo 343.º “Aferir o que se deve entender por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva é tarefa que nem sempre se afigura fácil. Na doutrina tem-se entendido que a impossibilidade será superveniente, quando a causa determinante só se verifica depois da constituição do vínculo laboral e não quando já existisse à data em que o mesmo se constituiu. A impossibilidade será absoluta, quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou o empregador não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho. E será definitiva, quando, face a uma evolução normal e previsível, nunca mais seja viável a prestação ou o recebimento do trabalho.”

Em suma são três os requisitos legais para que possa operar a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade de o trabalhador cumprir a sua prestação de trabalho: ser superveniente, absoluta e definitiva, nos termos previstos nos art.os 790.º, 791.º e 793.º do Código Civil.

No caso sub judice suscitam-se dúvidas quanto à verificação do segundo e do terceiro requisitos referentes à impossibilidade do cumprimento do contrato por parte do recorrente, pois quanto à superveniência da impossibilidade da execução da prestação laboral não se suscita qualquer dúvida, já que resulta de facto posterior à celebração do contrato de trabalho.

Quanto à impossibilidade ser absoluta tem de ser entendido no sentido de que não pode corresponder a uma mera situação de dificuldade na prestação da actividade, devendo a prestação tornar-se impossível para aquele trabalhador, ou seja o trabalhador foi contratado para ocupar determinado posto de trabalho e deixa de poder desempenhar as funções nucleares para as quais foi contratado. O contrato deve assim caducar se o trabalhador deixar de poder realizar a prestação contratual a que se obrigou.

Como escreve a este propósito Pedro Furtado Martins in “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª ed., 2012, pág. 77 e ss. “A impossibilidade de execução da prestação laboral reporta-se à actividade contratualmente devida, àquele conjunto de tarefas ou género de trabalho que é delimitado através da categoria profissional. Releva saber se o trabalhador se encontra em condições de executar a prestação a que se obrigou, tal como ela é definida através da categoria profissional e não outra que se encontra fora do programa contratual e cuja execução pressupõe a alteração desse programa, ou seja, uma modificação do contrato de trabalho”.

Quanto à impossibilidade definitiva, esta não pode ser meramente temporária, pois apenas daria causa à suspensão do contrato de trabalho, mas terá de ser previsivelmente irreversível ou seja em face de uma evolução normal e previsível da situação, não será viável a prestação do trabalho.

Revertendo ao caso em apreço constatamos que o Autor/Recorrente é jogador profissional de futebol, dedicando-se, com regularidade, em exclusividade e mediante retribuição, à prática de futebol, sempre em representação, autoridade e direcção de um clube desportivo, fazendo disso a sua profissão.

No dia 13 de Julho de 2014, celebrou, de forma escrita, com a Ré/Recorrida, um contrato de trabalho desportivo, tendo aí acordado na admissão do recorrente para a equipa sénior de futebol da ré, para prestar a sua actividade de futebolista, sob autoridade e direcção da recorrida, mediante retribuição. Mais ficou acordado que o contrato terminaria no dia 30 de Junho de 2017, destinando-se a vigorar nas épocas desportivas de 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017.

No dia 9 de Março de 2017, na sequência do acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido no dia 3 de Março de 2017, foi comunicada à ré a condenação do autor, por agressão, na pena de seis meses de suspensão, bem como que esta suspensão terminava às 24.00 horas do dia 7 de Julho de 2017, sendo certo que foram interpostos sucessivos recursos, com efeito devolutivo, tendo a decisão transitado em julgado em 26 de Fevereiro de 2018.

Daqui resulta que o Recorrente se obrigou perante a Ré a participar nos jogos oficiais de futebol da equipa sénior da Ré, desde que fosse convocado pelo treinador para o efeito, já que podemos afirmar tratar-se de facto público e notório que o objectivo de qualquer clube de futebol quando contrata um jogador profissional, é que ele possa participar/jogar nos jogos oficiais que o clube realiza, sendo este o principal objectivo da Ré quando contratou o Autor. Parece-nos óbvio que um jogador de futebol é contratado para jogar a fim de que o clube que o contrata atinja os seus objectivos no sentido do alcance do maior número de vitórias, tudo o resto é acessório. Claro que o autor estava também obrigado a cumprir com outro tipo de obrigações tais como comparecer nos treinos, estágios, deslocações, exames e tratamentos médicos e submeter-se ao regime de treino antecipadamente estabelecido pelo treinador e a todos os tratamentos determinados pelos serviços clínicos da ré, bem como a possibilidade de ser transferido temporária ou definitivamente para outro clube de futebol. Contudo, todas estas prestações/obrigações têm necessariamente de ser consideradas como acessórias ou complementares e sem qualquer autonomia relativamente à prestação principal, que seria sem dúvida a de participar nos jogos oficiais, a qual ficou impedido de cumprir por facto que lhe é imputável - condenação na pena de suspensão por seis meses.

A impossibilidade de execução da prestação laboral respeita à actividade contratualmente devida, ou seja ao conjunto de tarefas de trabalho que é delimitado através da categoria profissional. O que interessa é então determinar se o vínculo laboral é ainda viável, o que depende da possibilidade de o trabalhador prestar a actividade inerente à respectiva categoria profissional, única que é objecto do seu contrato, e não da simples circunstância de ele poder desempenhar quaisquer outras funções colaterais àquela para a qual foi contratado.

Ora, um jogador profissional de futebol, sendo-lhe aplicada a sanção de suspensão por seis meses, fica totalmente impossibilitado de cumprir o seu principal dever no âmbito da relação laboral, que respeita à obrigação de prestar o seu trabalho que no caso consiste primordialmente na participação nos jogos oficiais da sua equipa, já que todas as demais prestações são meramente complementares e totalmente dependentes da primordial. Treina para jogar; realiza exames médicos e tratamentos para estar apto e poder jogar; existe interesse na cedência de um jogador porque joga. Estando impedido de jogar tudo falece.

Em suma, com a aplicação da sanção de suspensão o autor ficou totalmente impedido de executar a prestação a que se obrigou de participar/jogar nos jogos oficiais que o clube realizasse, sendo por isso de considerar a impossibilidade do recorrente de prestar o seu trabalho de absoluta.

Por outro lado, os factos apurados permitem-nos também concluir que o Autor/Recorrente estaria suspenso até ao final do contrato, já que tendo os recursos interpostos efeito devolutivo, no que respeita à eficácia da decisão tudo se passaria como se os recursos não tivessem sido interpostos, ou seja não suspenderiam a execução da sanção aplicada, sendo por isso previsivelmente irreversível a possibilidade do recorrente voltar a prestar o seu trabalho.

É assim de considerar verificada a impossibilidade definitiva do recorrente prestar o seu trabalho, já que o recorrente estava impedido de realizar a participar nos jogos oficiais até ao final do contrato.

Como bem assinala o juiz a quo a este propósito “Independentemente, dos diversos recursos que podiam ser interpostos, o autor estava obrigado a cumprir a pena de suspensão em que foi condenado, pelo que estava, efectivamente, impedido de participar em jogos oficiais até ao final do contrato de trabalho. Por este motivo, o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto decidiu que a suspensão do autor terminava às 24.00 horas do dia 7 de Julho de 2017. O autor podia discutir a subsistência jurídica da sua condenação, mas não a sua efectividade, estando obrigado a cumprir a suspensão, como, de resto, aconteceu.

Esta questão está relacionada com o instituto do caso julgado desportivo que foi consagrado no art. 8º nº6 da Lei nº74/2013 de 6 de Setembro. Este preceito estabelece que a impugnação das decisões do Tribunal Arbitral do Desporto não afecta os efeitos desportivos determinados pela decisão e executados pelos órgãos competentes das federações desportivas, ligas profissionais ou quaisquer outras entidades desportivas. Nos dizeres de ANDRÉ FILIPE DE AZEVEDO ANTUNES, 'não obstante a possibilidade de impugnação judicial de uma decisão emanada pela última instância do ordenamento desportivo (no caso, o Tribunal Arbitral do Desporto), o legislador parece querer impor a manutenção dos efeitos desportivos que ela determine, mesmo que a posteriori venha a ser invalidada pelo tribunal de recurso'. Entre os efeitos desportivos que não são afectados incluem-se 'a subida ou descida de divisão, a interdição do recinto desportivo, a atribuição de vitória ou de derrota, as suspensões, a obrigatoriedade de realização de jogos à porta fechada ou aplicação de multas.

Compreende-se que a ré tenha aguardado pelo acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, pese embora este recurso já tivesse efeito meramente devolutivo. Contudo, a partir deste acórdão tornou-se claro que o autor estava suspenso e que a suspensão se prolongava até ao final do contrato de trabalho. Para a caducidade do contrato de trabalho tem relevância exclusivamente a perspectiva da relação laboral. Nesta perspectiva, a partir do acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto ficou definitivamente assente que o autor estava suspenso até ao final do contrato de trabalho. Assim, é compreensível que, tendo-lhe sido comunicada esta decisão, o que ocorreu no dia 9 de Março de 2017, a ré tenha optado pela caducidade do contrato de trabalho, o que acabou por fazer no dia 20 de Abril de 2017.

A este propósito, é compreensível que a caducidade não tenha sido comunicada ao autor imediatamente a seguir ao dia 9 de Março de 2017, o que não pode ser entendido com o sentido de que a ré considerou que a relação laboral podia manter-se. Com efeito, é razoável que tenha decorrido algum tempo para análise do acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto e das suas consequências e para os procedimentos administrativos relativos à caducidade do contrato de trabalho e à elaboração da respectiva comunicação.”

Verificados que estão os requisitos previstos no artigo 343.º al. b) do CT impõe-se concluir que a recorrida extinguiu o contrato de trabalho que mantinha com o recorrente de forma válida e eficaz, daí que nenhuma censura nos mereça a sentença recorrida, que por isso deve ser confirmada, improcedendo assim as conclusões 10.º a 15.º da alegação de recurso.

3. Dos créditos laborais:

- Do prémio da Liga Europa

No que respeita ao prémio da Liga Europa que a Ré atribuiu na época desportiva 2016/2017, relativo ao apuramento da equipa que o Autor integrava, para disputar a Liga Europa na época seguinte, no valor de €150.000.00, mais uma vez teremos de dizer que a decisão recorrida não é merecedora de qualquer reparo.

Na verdade, resulta da factualidade provada que a Ré atribuiu um prémio suplementar no montante de €150.000,00, por a equipa se ter apurado para Liga Europa, sendo a responsabilidade da distribuição desse prémio dos membros da equipa técnica, juntamente com os capitães da equipa principal sénior de futebol, sendo a estes que competia escolher concretamente quem iria receber o prémio e determinar o respectivo montante. Tal prémio foi atribuído para ser distribuído pelos jogadores, pelos membros da equipa técnica e pelos restantes elementos e funcionários do departamento de futebol.

Ao Recorrente não lhe foi atribuído qualquer montante, mais resultando da factualidade provada que durante a época em causa o recorrente esteve suspenso e impedido de jogar por mostragem de cartões amarelos e vermelhos.

Ora, se não recebeu o prémio foi porque a equipa técnica e não a recorrida entendeu que este não era merecedor de qualquer prémio, não se vislumbrando que com tal comportamento tenha sido cometida qualquer discriminação, nem se vislumbrando qualquer razão para alterar a decisão da equipa responsável pela distribuição do prémio.

Apela o Recorrente ao disposto no art.º 21 n.º 7 do Regulamento Interno, o que não se deixa de estranhar atenta a posição por si assumida quanto à vigência e aplicabilidade de tal Regulamento.

No entanto, teremos de dizer que no caso aquele n.º7 do art.º 21 do Regulamento interno não lhe é aplicável, pois resulta do n.º 6 do citado artigo do Regulamento interno que “em caso de indisciplina comprovada quer por amostragem de cartões amarelos ou vermelhos, quer pela falta de brio profissional, a Administração da SAD, após consulta às equipas técnicas, pode decidir não pagar o prémio de jogo ao jogador visado.”

Atenta a factualidade provada conjugada com a citada norma e tendo presente os critérios subjectivos que presidem tal escolha, nenhum reparo merece a distribuição que foi feita do prémio, dele se tendo excluído o recorrente. Realçamos que o prémio só foi distribuído após a comunicação da Ré da extinção do contrato por caducidade, ou seja numa altura em que já não existia qualquer vínculo contratual entre Autor e Ré.

Por fim, teremos de dizer que não estando em causa nem a rescisão do contrato com justa causa da iniciativa do jogador, nem o despedimento o ilícito não tem qualquer aplicabilidade ao caso o disposto nos arts.º 48.º nº 2 e 49.ºdo CCT.

Improcedem as conclusões 16.º a 18.º da alegação de recurso.

- Das quantias descontadas a título de multa e faltas.

Insurge-se o recorrente quanto ao facto do Tribunal a quo não ter considerado que as quantias de €3.163,86 e de €2.405,21 descontadas nos recibos de vencimento do autor a título ora de multa e ora de faltas, lhe foram aplicadas pela ré no exercício do poder disciplinar do empregador, nos termos dos art.º 98º e 328.º n.º1 do Cód. do Trabalho e dos arts.º 15º e 16º do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, não foram precedidas na sua aplicação da instauração de um processo disciplinar, pelo que deveriam ter sido determinada a sua nulidade, a que acresce o facto de também não respeitarem o máximo legal previsto no n.º 4 do art.º 15.º do CCT.

Quanto a esta questão teremos desde já dizer que ao contrário do afirmado pelo recorrente e tal como resulta da factualidade apurada – pontos de facto provados sob os n.ºs 43 e 44 – não se tratou da aplicação de qualquer multa, mas sim de descontos efectuados na retribuição do Autor, pela simples razão do mesmo ter estado suspenso, não tendo por isso exercido a sua actividade, não por determinação da Ré, mas por determinação da Liga Portuguesa de Futebol, razão pela qual estando impedido de exercer a sua actividade não se concebe qualquer razão para que a Ré tivesse de manter a sua prestação pelo trabalho que o autor estava impedido de realizar.

Por fim, acresce dizer que a recorrida não instaurou qualquer procedimento disciplinar ao recorrente nem teria de instaurar, quer para poder cobrar as multas que foram aplicadas pela Liga Portuguesa de Futebol ao recorrente, no âmbito dos poderes que lhe são atribuídos para o efeito, quer para poder proceder aos descontos no vencimento deste, respeitantes ao trabalho não prestado por estar suspenso e impedido de o realizar, por decisão da Liga Portuguesa de Futebol.

Os descontos em causa no vencimento do recorrente devem-se ao facto de não ter exercido a actividade a que se obrigou perante a recorrida por determinação da Liga Portuguesa de Futebol e tal resulta inequívoco da factualidade provada designadamente dos pontos 43 e 44.

Assim sendo, teremos de concluir pela improcedência do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por D. F., confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Guimarães, 9 de Maio de 2019

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins