Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3330/10.0TBVCT-B.G1
Relator: CARVALHO GUERRA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
RESIDÊNCIA
MENOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. De acordo com o art.º 8.º do Regulamento CE n.º 2201/2003 do Conselho os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal, sendo, assim, a competência internacional em princípio determinada pela residência habitual do menor à data em que o processo é instaurado, sem prejuízo de ocorrer na pendência da causa alteração dessa residência e daí que o Regulamento preveja a derrogação da competência do tribunal do Estado-Membro da anterior residência habitual.

2. O conceito de “residência habitual”, na acepção dos artigos 8.º e 10.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar.
3. Apesar de a menor ter ido recentemente residir com os tios maternos, junto de quem lhe foi aplicada a medida de apoio junto de outro familiar, o tribunal que melhor se encontra colocado para conhecer de eventuais confirmação ou alteração da medida aplicada, é o tribunal português porque é neste país que continuam a viver os seus progenitores e suas principais referências, sendo este tribunal que tem muito maior facilidade em reunir os elementos necessários à defesa dos interesses da criança mantendo, por isso, a competência internacional para conhecer da revisão da medida aplicada.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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Nos presentes autos de promoção e protecção em que foi aplicada à menor B. uma medida de apoio junto de outros familiares (em concreto na pessoa dos tidos maternos) medida que tem sido sucessivamente renovada, foi proferido o seguinte despacho:
“A menor está a residir com os referidos tios em França há cerca de 20 meses, não se encontrando, segundo o relatório social de folhas 620 e 621, em qualquer situação de perigo.
Assim, uma vez que ambos os progenitores estão de acordo que a menor se encontra bem ao cuidado dos tios, importa definir a situação da mesma junto daquele agregado, nomeadamente através de uma acção tutelar cível.
Uma vez que a menor reside com os tios em França é preciso observar o que o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, prescreve a respeito da competência em matéria de responsabilidade parental.
A expressão "responsabilidade parental" é definida em termos amplos e abrange todos os direitos e deveres do titular da responsabilidade parental em relação à pessoa ou aos bens da criança. Tal compreende não só o direito de guarda e o direito de visita, mas igualmente matérias como a tutela e a colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição.
As normas em matéria de competência previstas nos artigos 8.° a 14.° do referido Regulamento estabelecem um sistema completo relativo aos fundamentos da competência para determinar o Estado-Membro cujos tribunais são competentes.
O princípio fundamental do Regulamento é que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidade parental é o tribunal competente do Estado-Membro da residência habitual da criança.
Como se diz na promoção que antecede, o conceito de "residência habitual", não é definido pelo Regulamento, devendo antes ser determinado pelo juiz em cada caso com base nos elementos do processo. Não se trata de um conceito de residência habitual com base na legislação nacional, mas de uma noção "autónoma" da legislação comunitária. A determinação caso a caso pelo juiz implica que enquanto o adjectivo "habitual" tende a indicar uma certa duração, não se pode excluir que uma criança possa adquirir a residência habitual num Estado-Membro no próprio dia da sua chegada, dependendo de elementos de facto do caso concreto.
Ora, no caso concreto, a menor, de cinco anos de idade, já reside com os tios em França há 20 meses, onde se encontra bem integrada, quer na família, quer no infantário onde está inscrita (cfr. decisão de fls. 560 e ss).
Perante este circunstancialismo, parece-nos pois que a actual residência da menor é, sem dúvida, em França pelo que, não obstante os progenitores e a menor terem nacionalidade portuguesa, será o Tribunal Francês da área da residência da Sofia aquele que melhor estará habilitado a definir a sua situação junto dos tios maternos.
Assim sendo, notifique os tios maternos da menor para junto do Tribunal Francês da sua área de residência providenciarem pela obtenção da guarda da menor, devendo dar conhecimento a este Tribunal logo que derem entrada do processo tendente a obter a confiança da menor.
Notifique ainda a Segurança Social conforme promovido a fls. 624”.
É desta decisão que vem interposto o presente recurso pela mãe da menor, C., que conclui a sua alegação da seguinte forma:
- os presentes autos encontram-se apensos a um processo de regulação das responsabilidades parentais, tendo havido acordo aquando a conferência de pais realizada no dia 17 de janeiro de 2011;
- no âmbito desse acordo, foi atribuida à ora recorrente a guarda da menor;
- por douto despacho de 15.11.2013 e já no âmbito destes autos, foi a menor confiada aos tios maternos, os quais se encontram de facto a residir em França;
- tal medida é provisória e foi aplicada por um periodo de seis meses, tendo sido, por douto despacho com data de 1 de junho de 2015, deferido que a medida em causa fosse renovada por mais seis meses;
- a menor filha da recorrente é cidadã portuguesa e sempre viveu em Portugal até Novembro de 2013;
- a recorrente e o pai da menor são portugueses, residem em Portugal, bem como a restante família alargada da menor;
- os tios maternos da menor aceitaram expressamente a competência do tribunal português, já que foi no âmbito destes autos que lhe foi entregue a menor;
- o Regulamento 2201/03 estabelece que as regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade;
- em concreto e para o que à solução importa, o tribunal português declinou a competência em virtude de a menor, cuja alteração de regulação das responsabilidades parentais se pretende, viver com os tios maternos em França, no âmbito desta medida provisória, que irá ser revista, como já se disse no prazo de seis meses a contar de 1 de junho de 2015;
- no que concerne à responsabilidade parental, determina o artigo 8° do Regulamento referido que o foro apropriado é o tribunal competente do Estado membro da residência habitual da criança, com referência à data da instauração do processo;
- entendemos que tal alteração deverá ser pedida aqui em Portugal, atento o facto dos progenitores serem portugueses e a criança ser também portuguesa e a vida da mesma se ter verificado até Novembro de 2013 sempre em Portugal;
- importa, finalmente, referir que estamos no âmbito de um processo de promoção e protecção de menores e de uma medida ainda provisória, a qual poderá ser revogada em Dezembro de 2015, não dando, deste modo, salvo sempre o devido respeito e melhor opinião, qualquer direito aos tios paternos para requererem uma alteração da regulação das responsabilidades parentais;
- no caso em apreço, tudo indica que a determinante a ter em linha de conta primordial é o da efectiva ligação da menor e dos seus progenitores a Portugal, país da nacionalidade de todos sendo que, à data da instauração da acção de regulação das responsabilidades parentais, os mesmos encontravam-se todos em Portugal;
- atento as circunstâncias concretas do caso, nomeadamente a provisoriedade da medida, entendemos não haver qualquer fundamento legal ou factual para que seja instaurado a acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais num tribunal francês e ainda pelo facto da tramitação do dito processo num tribunal francês correr sérios riscos de não poder acautelar da mesma forma o supremo interesse da menor;
- por outro lado, apesar dos tios maternos residirem em França, a vida e condições dos progenitores serem aqui melhor identificáveis, contribuindo para uma decisão consentânea com a realidade familiar e a envolvente social e económica da menor e dos seus pais;
- não existem, pois, dúvidas que, residindo os progenitores da menor em Portugal, onde também vive a restante família alargada e a menor, que apenas se encontra em França no âmbito de uma medida provisória, o critério da proximidade, interpretado segundo o antes afirmado e previsto no n° 3 do artigo 12º do Regulamento aponta a competência única e exclusiva para os tribunais portugueses e neste caso o Tribunal de Família de Menores de Viana do Castelo o competente em razão da nacionalidade para apreciar a acção de alteração de regulação das responsabilidades parentais relativamente à menor;
- a douta sentença vioulou por errada interpretação os artigos 8° e 12° n° 3 do Regulamento 2201/03 do Conselho de 27 de Novembro de 2003.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser anulado o douto despacho ora recorrido, com todas as consequências legais.
Não foram oferecidas contra alegações.
Cumpre-nos agora decidir.
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Sendo certo que o objecto dos recursos se encontra delimitado pelas conclusões da alegação – artigos 635º, n.º 4 e 640º do Código de Processo Civil – das formuladas pela Apelante resulta que a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se é o tribunal português ou o francês o competente para definir a situação da menor, como se decidiu no despacho recorrido.
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Consta do processo que, no Tribunal de Comarca de Viana do Castelo, à menor B., na altura residente na área dessa comarca, foi aplicada, por acordo de promoção e protecção celebrado em 15/11/2013, a medida de apoio junto de outro familiar, os tios maternos D. e E., que, entretanto, passaram a residir em França.
Essa medida, aquando da última revisão, ocorrida a 07/08/2015, foi renovada por mais seis meses.
Os pais da criança continuam a residir em Portugal.
Não ocorre desacordo entre os interessados e o tribunal em relação à aplicabilidade à situação do Regulamento CE n.º 2201/2003 do Conselho e também nós não temos qualquer reparo a opor a isso, uma vez que se está perante uma situação que envolve dois estados membros.
Dispõe o artigo 8.º desse Regulamento:
1. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
A Competência internacional é, assim e em princípio, determinada pela residência habitual do menor à data em que o processo é instaurado e é certo que, quando o presente processo foi instaurado a menor residia em Portugal sendo, no entanto, certo que pode ocorrer na pendência da causa alteração dessa residência e daí que o Regulamento preveja a derrogação da competência do tribunal do Estado-Membro da anterior residência habitual.
O conceito de “residência habitual”, na acepção dos artigos 8.º e 10.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar – Acórdão da 1.ª Secção do Tribunal de Justiça da UE, de 22.12.2010, processo C-497/10 PPU.
Cremos que, apesar de a menor ter ido recentemente residir com os tios maternos junto de quem lhe foi aplicada a medida de apoio junto de outro familiar, o tribunal que melhor se encontra colocado para conhecer de eventuais confirmação ou alteração da medida aplicada, tendo em conta o superior interesse da criança, é o tribunal português: foi por este tribunal que foi aplicada a medida e pelo mesmo que, apesar de a menor já se encontrar a residir em França, foi efectuada ainda recentemente a última que a renovou por seis meses e é neste país que continuam a viver os seus progenitores e suas principais referências, pelo que nos parece, com o defendido no acórdão desta Relação de 07/05/20123, processo n.º 257/10.9TBCBT-D.G1, é o tribunal a quo que tem muito maior facilidade em reunir os elementos necessários à defesa dos interesses da criança mantendo, por isso, a competência internacional para conhecer da revisão da medida aplicada.
Termos em que se acorda e conceder provimento à apelação, revogar o despacho recorrido e declarar o Tribunal de Família e Menores de Viana do Castelo para conhecer da matéria dos presentes autos.
Sem custas.