Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1020/12.8TBVRL-E.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: PODER PATERNAL
INCUMPRIMENTO DO REGIME DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIENAÇÃO PARENTAL
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Não se justifica a audição de menor, em incidente de incumprimento do exercício de responsabilidades parentais, quando o comportamento objectivo imputado ao progenitor violador tenha ficado provado por confissão própria, e o seu carácter culposo e censurável já resulte da demais prova produzida, nomeadamente documental e pericial, ainda que inserta noutros apensos ao processo principal (arts. 4º, nº 1 e nº 2 al. c), e 5º, ambos do R.G.P.T.C.).

II. A alienação parental, não tendo sido cientificamente reconhecida como uma síndrome, consubstancia uma prática social, de afastamento emocional do filho face a um dos progenitores, por acção intencional, injustificada e censurável do outro, nomeadamente porque determinada por interesse egoístas e frívolos próprios, e não pelo «superior interesse» do filho.

III. O progenitor a quem tenha sido retirada a guarda de filho menor, confiado ao outro progenitor, por se ter provado a alienação que fazia junto daquele da figura deste, e que depois, não só recebe de volta em sua casa o filho fugido, como persiste na sua conduta de alienação parental - contribuindo desse modo para o corte total de laços entre o menor e o progenitor alienado -, incumpre culposamente o regime de exercício de responsabilidades parentais antes fixado (art. 41º do R.G.P.T.C.).

IV. A mera reiteração, num novo e distinto apenso do processo principal de regulação de responsabilidades parentais, do pedido de audição de menor, que noutros e distintos apensos tinha sido indeferido, não é suficiente para se tenha a actuação da parte que o formula como litigância de má fé, por estarem em causa diferentes alegações, a legitimarem novos meios de prova (art. 542º, nº 1 e nº 2, als. a) e d) do C.P.C.).

(Maria João Marques Pinto de Matos)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. F. N. (aqui Recorrido), residente na Travessa …, em Vila Real, propôs um incidente de incumprimento de responsabilidades parentais, contra A. B. (aqui Recorrente), residente na Praceta Dr. …, em Vila Real, pedindo que

· fosse ordenada a imediata entrega de R. N. (filho de ambos, nascido 02 de Outubro de 1999), a si próprio, mediante assessoria técnica;

· fosse condenada a Requerida (Recorrente) numa multa de 10 unidades de conta, atenta a gravidade e a reiteração da sua prática de incumprimento de responsabilidade parentais;

· fosse condenada a Requerida (Recorrente) em indemnização a favor do Menor e dele próprio (Requerente e Recorrido), em montante deixado ao arbítrio do Tribunal mas nunca inferior a € 750,00.

Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo-lhe sido confiada a guarda dos filhos R. N. e J. N., por sentença de 06 de Janeiro de 2014, transitada em julgado em 09 de Julho de 2014, a Requerida (Recorrente) fomentaria ostensivamente o seu incumprimento, nomeadamente recebendo e mantendo os Menores em sua casa, quando os mesmos abandonam aquela onde deveriam permanecer - promovendo ela própria esse abandono - , o que sucederia quanto ao filho R. N. desde o dia 07 de Março de 2016.
Mais alegou que a Requerida (Recorrente) agiria voluntária e conscientemente, escudando-se na alegada vontade dos Filhos em não permanecerem consigo, tendo já sido advertida - em sede de conferência de pais - ser essa justificação inidónea para legitimar o seu comportamento.

1.1.2. Regularmente notificada, nos termos do art. 41º, nº 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R.G.P.T.C.), a Requerida (A. B.) alegou, pedindo que fosse fixado de imediato um novo regime provisório de responsabilidades parentais, onde nomeadamente: os dois Filhos ainda menores passassem a residir consigo; as responsabilidades parentais pertinentes aos mesmos passassem a ser exercidas conjuntamente por ambos os Progenitores; e se fixasse um regime de visitas, abrangendo quer o período lectivo normal, quer o das férias escolares dos Filhos.
Alegou para o efeito, em síntese, ser de todo estranha ao abandono pelos Filhos, ainda menores, da casa de morada do Requerente (Recorrido), facto exclusivamente imputável à vontade própria, livre e consistente dos mesmos, que pretenderiam passar a residir com ela (acrescendo, no caso de R. N., contar o mesmo já com dezasseis anos, e, no caso de J. N., ter o mesmo regressado a casa do Pai logo no dia 08 de Março de 2016).
Mais alegou manifestar o filho R. N. sinais evidentes de mau estar, o que para ser ultrapassado exigiria a sua própria colaboração, e a cooperação e compreensão activa de ambos os Pais, na mesma não cabendo deixá-lo na rua e ao frio quando demanda a sua casa.

1.1.3. Foi realizada uma conferência de pais, nos termos do art. 41º, nº 3 e nº 4 do R.G.P.T.C., na qual: se tomou declarações ao Requerente (Recorrido) e à Requerida (Recorrente), reduzidas a escrito na respectiva acta; e, no seu final, o Ministério Público promoveu que se declarasse verificado o incumprimento das responsabilidades parentais imputado à Requerida (Recorrente) (uma vez que nenhuma circunstância relevante superveniente determinara a alteração do regime antes fixado), realizando-se ainda uma perícia aos Progenitores e aos dois Filhos menores (relativamente às competências/capacidades parentais dos primeiros, e à personalidade dos segundos, influenciada ou não pelos Progenitores).

1.1.4. Sob expressa notificação para o efeito, ambas as partes vieram pronunciar-se sobre o teor daquela promoção.

1.1.4.1. O Requerente (F. N.) veio opor-se à realização de qualquer perícia; e reiterou o pedido formulado no seu articulado inicial (de entrega imediata do menor R. N. a si próprio).
Alegou para o efeito, em síntese, estar desde já comprovado nos autos o incumprimento denunciado, agravado por se manter desde então, e na recusa por parte do filho R. N. de quaisquer contactos com ele; e contribuir a actuação da Requerida (Recorrente) para esse efeito, por força da alienação parental que continuaria a promover (e que já antes justificara a fixação do regime de responsabilidades parentais incumprido).
Mais alegou que, no apenso pertinente à alteração do regime ainda em vigor, teria já sido ordenada diligência susceptível de alcançar o mesmo desiderato da perícia, sendo que a promovida neste não deixaria de contribuir para que a situação instalada se mantivesse por tempo indeterminado.

1.1.4.2. A Requerida (A. B.) veio opor-se a que se desse por verificado o seu incumprimento; e reiterou o pedido formulado no seu articulado inicial (nomeadamente, de prosseguimento dos autos com audição de testemunhas que arrolou, e de fixação de um novo regime - provisório - de regulação de responsabilidades parentais).
Alegou para o efeito, também em síntese, em nada ter contribuído para a decisão do filho R. N. voltar a viver consigo, correspondendo o abandono pelo mesmo da casa do Pai à sua livre e reiterada vontade, exercida agora quando já completou dezassete anos; e ter-se limitado ela própria a acolhê-lo e a não o deixar ao abandono na rua (por serem esses a sua obrigação e o seu dever).
Mais alegou dever-se ao Requerente (Recorrido) a situação exposta, por o mesmo não evidenciar qualquer competência, ou um mínimo de vontade, de tentar ir ao encontro do Filho, escudando-se no formal argumento da sua autoridade de adulto.

1.1.5. Depois de obtidas intercalares informações dos Técnicos da Segurança Social que presidiam à Audição Técnica realizada no apenso de alteração das responsabilidades parentais (Apenso F), foi proferida sentença, julgando verificado o incumprimento da Requerida (Recorrente), e ordenando a entrega imediata do filho R. N. ao Requerente (Recorrido), lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
DECISÃO:
Em face do exposto, julga-se verificado o incumprimento pela requerida e, em consequência, decide-se:
1 - Ordenar a imediata entrega pela requerida/progenitora do menor R. N. ao requerente/progenitor, sob pena de, não o fazendo, incorrer em multa e em crime de desobediência;
2 - Condenar a requerida na multa que se fixa em dez UCs e em indemnização de igual montante a favor dos menores e do progenitor requerente;
3 - A entrega será efectuada no Centro Distrital de Vila Real do Instituto da Segurança Social e presidida por Técnico da Segurança Social, com intervenção na área de menores.
Custas pela requerida.
Notifique e registe.
Comunique à Segurança Social para dar cumprimento ao determinado no antecedente n.º 3.
(…)»
*
1.2. Recurso (da Requerida)
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Requerida (A. B.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse declarado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - Ter a sentença recorrida posto em crise a protecção e a promoção dos superiores interesses do menor R. N., nomeadamente, as suas actuais condições de saúde.

• Omite qualquer ponderação ou sequer mera referência ao actual estado de saúde física do menor R. N., não obstante ter conhecimento do facto de lhe ter sido diagnosticada uma cardiopatia hipertrófica apical, situação sobre a qual dispõe, há meses, de abundante documentação cuja autenticidade e veracidade não foi questionada.

• Omite qualquer apreciação ou ponderação sobre o facto de comprovadamente, ser recomendado, por escrito junto aos autos e por mais de um médico, que deve ser evitada a sujeição do menor R. N. a situações de stress emocional intenso sob pena de poder sofrer morte súbita.

• Esta omissão - de extrema gravidade - não permite saber se o Tribunal, ao ordenar a providência de entrega, se fundamentou no facto de considerar que esta não configura uma situação de stress emocional intenso para o menor; e, consequentemente,

• Entender afastada qualquer possibilidade da verificação da ocorrência de morte súbita do R. N.,

• O que, a verificar-se, constituiria violação dos mais elementares dos direitos fundamentais do menor, designadamente o seu inviolável direito à vida e à integridade física e emocional.

• Viola o direito de que o R. N. é titular de ver explicitamente identificados quais os seus superiores interesses que a providência decretada visa proteger e em que se fundamenta a convicção do Tribunal de que o seu decretamento é proporcional e adequado para promover essa protecção - a) do artigo 4º da LPCJP.

2ª - Ter a sentença recorrida desrespeitado o direito do menor R. N. a ser ouvido, não obstante encontrar-se a pouco mais de seis meses de atingir a maioridade.

• Não respeita o seu direito a ser ouvido, não obstante encontrar-se a pouco mais de seis meses de atingir a maioridade - c) do artigo 4º e artigo 5º do RGPTC.

3ª - Ter a sentença recorrida desrespeitado o princípio da proporcionalidade e actualidade, ignorando as particulares e actuais circunstâncias da sua vida, nomeadamente pertinentes à sua saúde física e à sua estabilidade emocional.
• não respeita o princípio da proporcionalidade e actualidade - e) do artigo 4º da LPCJP.

4ª - Ter a sentença recorrida desrespeitado o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, que não curou sequer de conhecer (nomeadamente, nem sequer aguardando o pelo resultado/relatório, ou qualquer informação da intervenção técnica especialidade ordenada no apenso de alteação das responsabilidades parentais - Apenso F).

• não respeita o primado da continuidade das relações psicológica profundas - g) do artigo 4º da LPCJP.

5ª - Ter a sentença recorrida desrespeitado o dever de cuidada fundamentação, e de decisão segundo critérios de oportunidade e de conveniência (e não de legalidade estrita), conforme é próprio de um processo de jurisdição voluntária.

• Omite, quer o dever “genérico” de fundamentação das decisões quer a “especial” obrigação de cuidada fundamentação com recurso a todos os elementos de que pode dispor, - nº 1 do artigo 21º do RGPTC - e que deriva directa e necessariamente da faculdade (e responsabilidade) de que dispõe o Tribunal de, com preterição da legalidade estrita, decidir segundo critérios de oportunidade e conveniência - nº 1 do art. 987º do Código de Processo Civil ex vi art. art. 12º do RGPTC.

• A brutal condenação da mãe por força da recusa do menor em continuar a residir com o pai, atenta a idade do R. N., é ilegítima correspondendo a uma exigência cujo cumprimento ou não, claramente, não depende de si própria, reafirmando que, ao contrário da convicção expressa pelo Tribunal, não promove nem promoveu o afastamento de qualquer dos filhos relativamente ao progenitor.

• Repetidamente pediu e pede ao R. N. que reconsidere a sua posição, o que o menor sempre tem vindo a recusar ameaçando “fujo para longe disto tudo ou atiro-me de uma ponte qualquer” (sic) “e fica tudo resolvido”.

• Ser-lhe-ia (a ela mãe) humanamente impossível, por superior a si própria, seguir a sugestão acima referida e formulada no decurso de conferência de pais pela Senhora Procuradora do Ministério Público: pôr o filho na rua mandando-o ir para casa do pai e esperar que por fome, frio ou cansaço e recusando a mãe voltar a acolhê-lo as vezes que fossem precisas, ele passasse a aceitar residir com o progenitor.
*
1.2.2. Contra-alegações (do Requerente)

O Requerente (F. N.) contra-alegou, pedindo que o recurso fosse julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida; e condenando-se a Recorrente como litigante de má-fé, no reembolso de todas as despesas efectuadas e na compensação dos prejuízos sofridos (com inclusão nestes dos honorários dos advogados).

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - Ter a Recorrente suportado a sua pretensão em alegações próprias e ao arrepio da matéria de facto que ficou assente, e que a mesma não impugnou.

11ª - O art.º 607º, n.ºs 3 e 4 do C. P. Civil impõe ao juiz a discriminação dos factos provados, a interpretação e aplicação das normas jurídicas para concluir pela decisão.

12ª - E objecto de um recurso, define-se pelas conclusões.

13ª - No caso em apreço, a recorrente não questionou, apesar da lei processual civil lho permitir, a matéria de facto considerada provada na sentença.

14ª - Daí que não possa pretender sujeitar a sua tese em factos não provados, não apreciados nos autos sobre os quais nem foi possível exercer, o contraditório.

2ª - Corresponder precisamente à protecção e à promoção dos superiores interesses do menor R. N. que o mesmo conviva igualmente com ambos os Pais.

15ª - A recorrente, não pode justificar a não entrega do menor ao pai, com base nos superiores interesse do menor R. N., que não constam do processo, em sede de matéria provada ou sequer de alegação, o que constituía ónus seu, sendo que nos termos do artigo 1906º, nº 7 do C.C., o superior interesse do menor impõe uma relação de grande proximidade com os dois progenitores.

16ª - Na situação «sub iudice» a matéria provada não desaconselha o convívio e contacto entre pai e filho e bem, pelo contrário, demonstra possuir este todas as condições para o exercício da paternidade.

3ª - Ser desaconselhada a audição de menor sempre que o seu superior interesse assim o determine, o que se verifica no caso dos autos (face à manifesta manipulação - pela Requerida - de que o menor R. N. é alvo).

17ª - No concernente à não audição do menor, importa ter presente o disposto no artigo 35º, nº 4, do RGPTC, que impõe a não audição do menor sempre que a defesa do seu superior interesses o desaconselhe.

18ª - Resulta da matéria provada que a mãe iniciou um processo de síndrome de alienação parental em relação ao progenitor, com consequência do qual o menor se tem afastado do convívio e da proximidade com aquele, numa atitude continuada de desprezo, pelo progenitor, pelo que não está em condições de com isenção e na defesa dos seus interesses se pronunciar sobre a entrega.

4ª - Não consubstanciar a entrega do menor R. N. ao Requerente qualquer situação de perigo, pressuposto da alegada (e inexistente) violação do princípio da proporcionalidade e actualidade.

19ª - O princípio da proporcionalidade e da actividade estão dependentes da situação de perigo em que se encontre a criança ou o jovem, o que não é o caso do menor R. N..

5ª - Ter sido a Requerida que, com a alienação parental promovida contra o Requerente, violou o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, promovendo e assegurando o afastamento dos Filhos menores do respectivo Progenitor.

20ª - Não se entende a alegação de desrespeito do primado da continuidade das relações psicológicas, porquanto foi a recorrente, através do seu processo de síndrome de alienação parental, quem vem tentando quebrar a ligação do progenitor com o menor, invocando agora um facto da sua autoria constitutivo de um «venire contra factum próprio».

6ª - Encontrar-se a sentença dos autos devidamente fundamentada, de facto e de direito.

21ª - A sentença sob censura, encontra-se devidamente fundamentada, em termos de facto e de direito, cumprindo as prescrições do artigo 205º, n.º 1, da C.R.P. e 607º, n.º 2, do C.P.C., indicando os factos provados e não provados, bem como as normas aplicáveis e fazendo uma correcta e sã operação logicosubsuntiva dos factos ao direito, dando a conhecer à recorrente todas as razões pelas quais o tribunal decidiu como decidiu e não de outra forma.

7ª - Ter a Requerida litigado de má fé, insistindo na audição do filho R. N. (reiteradamente indeferida pelo Tribunal), e utilizando todos os meios e expedientes para impedir as suas visitas ao respectivo Progenitor.

22ª - A conduta da recorrente está eivada de grave litigância de má-fé, fazendo incorrer no regime o art.º 542º e seguintes do C.P.C.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, quatro questões foram submetida à apreciação deste Tribunal:

1ª - Encontra-se a sentença recorrida afectada de vício decorrente da sua falta de fundamentação ?

2ª - Encontra-se a sentença recorrida afectada de vício decorrente da preterição do direito do menor R. N. a ser ouvido (afectando, nomeadamente, o julgamento da matéria de facto ali realizado) ?

3ª - Errou a sentença recorrida ao julgar verificado o incumprimento - pela Requerida - do regime de responsabilidades parentais antes fixado (nomeadamente, por não lhe ser imputável a recusa dos filhos R. N. e J. N. em viverem, e conviverem, com o Requerente, respectivo pai) ?

4ª - Litigou a Requerida de má fé, devendo ser por isso sancionada em conformidade ?
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Nulidades da sentença

3.1. Conhecimento de nulidades da sentença - Momento
3.1.1. Lê-se no art. 663º, nº 2 do C.P.C. que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º».
Mais se lê, no art. 608º, nº 2 do C.P.C. que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
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3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pela Recorrente (A. B.) o incumprimento, na sentença recorrida, «quer do dever “genérico” de fundamentação das decisões, quer a “especial” obrigação de cuidada fundamentação com recurso a todos os elementos de que pode dispor - nº 1 do artigo 21º do RGPTC», e sendo o mesmo susceptível de ser qualificado como uma nulidade que a afectaria, deverá ser conhecido de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto da sua sindicância, já que, sendo reconhecido, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo nº 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
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3.2. Nulidades da sentença
3.2.1.1. Vícios da sentença - Nulidades versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14).
Não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 132 e 133, com bold apócrifo).
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3.2.1.2. Omissão de fundamentação (em geral) - Art. 615º, nº 1, al. b) do C.P.C.
Lê-se no art. 615º, nº 1, al. b) do C.P.C. (como já antes se lia no anterior art. 668º, nº 1, alínea b) do mesmo diploma), e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. omissão (de fundamentação) - «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do C.P.C., e pelo art. 205º, nº 1 da C.R.P., do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme nº 2 do art. 154º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3º, nº 1 do C.P.C.), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação (M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 348).
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.
Logo, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art. 607º, nº 4 do C.P.C.): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento.
Do mesmo modo deverá proceder com a indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, nomeadamente na subsunção ao caso concreto.

Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa - nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito - , e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 332).
Contudo, reitera-se que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (conforme Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos).
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3.2.1.3. Omissão de fundamentação (em especial) - Processo tutelar cível
Lê-se nos arts. 1º e 3º, al. c), ambos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R.G.P.T.C.) - aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro - que o mesmo «é aplicável às providências tutelares cíveis e respectivos incidentes», constituindo precisamente um dos seus exemplos a «regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes».
Mais se lê, no art. 4º, nº 1 e nº 2, al. a) do mesmo diploma, que os processos tutelares cíveis se regem, nomeadamente, pelo princípio da «simplificação instrutória e oralidade» (de consagração inédita, face à anterior Organização Tutelar de Menores), isto é, «a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto».
Lê-se ainda, no art. 21º, nº 1 do R.G.P.T.C. que, tendo «em vista a fundamentação da decisão, o juiz: a) Toma depoimento às partes, aos familiares e outras pessoas cuja relevância para a causa reconheça, designadamente, pessoas de especial referência afetiva para a criança, ficando os depoimentos documentados em auto; b) Ordena, sempre que entenda conveniente, a audição técnica especializada e ou mediação das partes, nos termos previstos nos artigos 23.º e 24.º; c) Toma declarações aos técnicos das equipas multidisciplinares de assessoria técnica; d) Sem prejuízo da alínea anterior, solicita informações às equipas multidisciplinares de assessoria técnica ou, quando necessário e útil, a entidades externas, com as finalidades previstas no RGPTC, a realizar no prazo de 30 dias; e) Solicita a elaboração de relatório, por parte da equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos previstos no n.º 4, no prazo de 60 dias».
Já relativamente à elaboração formal da sentença, não havendo norma própria que se lhe refira, importa atender ao disposto no art. 33º, nº 1 do R.G.P.T.C., onde se lê que, nos «casos omissos», serão «de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores» (o que reafirma o princípio de que a lei especial em regra prevalece sobre a lei geral).
Por fim, lê-se no art. 12º do R.G.P.T.C. que os «processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária». Logo, e nos termos dos arts. 986º e 987º, ambos do C.P.C., o «tribunal pode (…) investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes», só sendo, porém, «admitidas as provas que o juiz considere necessárias»; e, nas «providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna».
Precisa-se, porém, que o referido poder de alargada instrução não significa a atribuição ao juiz de um poder discricionário, mas tão só um poder/dever de orientar o processo, designadamente no que toca à admissão das provas, em função do seu objecto, no caso, a regulação das responsabilidades parentais, acautelando o superior interesse da criança (neste sentido, Ac. da RG, de 25.02.2016, Francisco Xavier, Processo nº 2072/15.4T8VCT.G1).
Relativamente à prevalência da equidade sobre a legalidade estrita, também não vai ao ponto de possibilitar ao juiz ultrapassar normas imperativas, significando antes que, no âmbito do direito substantivo, o juiz pode optar fundamentadamente por uma solução que, não respeitando escrupulosamente o seu rigor, satisfaça mais cabalmente os interesses em jogo (neste sentido, Ac. da RL, de 30.05.2013, Isoleta Almeida Costa, Processo nº 5720/04.8TBCSC-8).
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3.2.2. Caso Concreto
3.2.2.1. Regime geral - C.P.C.
Concretizando, compulsada a sentença proferida nos autos, verifica-se que a mesma especificou devidamente os fundamentos de facto e de direito da respectiva decisão.
Com efeito, e quanto à «FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO», identificou os factos que considerava provados, explicitando ainda a motivação de um tal juízo (com discriminação dos meios de prova valorados, e apreciação crítica respectiva, nomeadamente no confronto uns com os outros).
Relativamente à «FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO», identificou a dita sentença a questão a decidir, fazendo-a coincidir com a verificação do incumprimento de responsabilidades parentais imputado à Requerida (Recorrente); e discriminou as disposições legais aplicáveis.
Por fim, procedeu à subsunção dos factos provados e não provados a um tal regime legal.

Logo, e ao contrário do sustentado pela Recorrente (A. B.), a sentença dos autos não padece de nulidade consistente na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão (independentemente da Recorrente discordar dela, nomeadamente por discordar do apuramento daqueles fundamentos de facto, sindicável noutra sede).
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3.2.2.2. Regime especial - R.G.P.T.C.
Concretizando novamente, e agora tendo em conta as disposições especiais do R.G.P.T.C., verifica-se que as mesmas são omissas quanto à elaboração formal da sentença de regulação de responsabilidades parentais, uma vez que o art. 40º que se lhes refere reporta-se exclusivamente ao conteúdo substantivo da decisão, isto é, às matérias que deverá abranger, e aos critérios que deveriam presidir à escolha das concretas soluções em cada uma delas.
Verifica-se ainda que o art. 21º do R.G.P.T.C., citado expressamente pela Recorrente, reporta-se - como a sua própria epígrafe denuncia - à instrução da causa, isto é, às diligências de prova que poderão/deverão ser asseguradas, por forma a que se reúnam os elementos fácticos considerados necessários ou úteis para uma correcta decisão.
A sua desejável amplitude sai reafirmada, e reforçada, pela natureza de processo de jurisdição voluntária em causa, onde se reafirma a oficiosidade instrutória do juiz, pese embora balizada pelo que ele próprio considere necessário para a solução que julgue «mais conveniente e oportuna».
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a discordância da Recorrente (face à sentença recorrida) contende, neste particular, não com qualquer vício de fundamentação formal da decisão impugnada, mas com uma eventual insuficiência ou incorrecção da actividade instrutória do Tribunal a quo; e, consequentemente, com a insuficiência ou incorrecção da matéria de facto por ele fixada.
Contudo, e também tal como se defendeu supra, esse eventual vício terá de ser sindicado noutra sede (de recurso sobre a dita matéria de facto), e não de qualquer nulidade consistente na falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a sua decisão.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando-se não verificado nos autos o vício decorrente da falta de fundamentação da sentença recorrida, nomeadamente gerador da sua nulidade.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1ª Instância
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1ª Instância, foram considerados provados os seguintes factos:

a) Por sentença proferida a 6 de Janeiro de 2014, nos autos de regulação das responsabilidades parentais, R. N., nascido a 02 de Outubro de 1999, e J. N., hoje ainda menor, foram confiados à guarda e cuidados do pai (F. N., aqui Requerente), com quem manterão residência de forma estável, sendo estipulado um pormenorizado regime de visitas que possibilita amplos e frequentes contactos entre os então Menores e a progenitora (A. B., aqui Requerida).

b) Na sentença em questão foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:
«7) Desde a separação do casal e até à instauração desta acção, os Menores raramente tinham oportunidade de conviver com o Pai, por facto imputável à Requerida, apesar de várias tentativas do requerente para maior contacto com os seus Filhos.
8) O Requerente, desde o nascimento dos seus Filhos, sempre foi um Pai cooperante e interventivo na educação e formação dos Filhos, ministrando-lhes todos os cuidados necessários.
9) Só há cerca de cinco anos, é que passaram a ter empregada a tempo inteiro, pois antes, tinham apenas uma empregada de limpeza, duas vezes por semana, sendo ambos os Progenitores que cuidavam dos Filhos, o que sempre compatibilizaram, revezando-se, com as respectivas actividades profissionais.
10) A Requerida ia às reuniões escolares dos Filhos e o Requerente ficava a cuidar deles.
11) O Requerente sempre lhes deu todo o tipo de apoio, transportando-os à escola e aos locais de desporto, lazer e festas ou aniversários de amigos.
12) Mantendo um convívio estreito e são com os seus Filhos, numa profunda relação afectiva e carinhosa.
13) Tendo todas as condições objectivas e subjectivas para os ajudar na aquisição de competências, conhecimentos, valores, bem como no seu desenvolvimento, autonomia e formação da sua personalidade.
14) Desde o seu nascimento que o Requerente sempre se preocupou e preocupa com o seu crescimento e desenvolvimento, interessando-se por Eles e querendo conviver e estreitar relações com Eles, que só o tempo mais alargado de convívio podem propiciar e fomentar, ante a actual situação de separação de facto dos Progenitores».

c) Do relatório de perícia psicológica dos Menores e Progenitores resultaram provados em sede de sentença os seguintes factos:
«- face à iminência da dissolução do vínculo conjugal, estamos perante um processo de síndrome de alienação parental por parte da Progenitora em relação ao Progenitor.
a) Avaliação da Capacidade parental.
- A capacidade parental do Pai está preservada e tal como referido na avaliação do mesmo o Progenitor é vítima tal como os Menores neste processo. Por outro lado, a Mãe manipula os Menores exercendo assim abuso emocional sobre os mesmos. Neste momento a Mãe sofre de perturbação clínica aliada à alienação parental, pelo que a capacidade parental da Mãe está comprometida.
- As consequências do impacto poderão ser nefastas no desenvolvimento e estruturação da personalidade destes Menores.
- A Mãe demonstra sinais de dissimulação observáveis em toda a perícia, coloca-se como vítima, demonstra e exibe todos os factos processuais aos Menores, que culminaram o reforço da culpabilização ao Progenitor.
- Declara-se factualmente uma situação de dependência e de submissão às provas de lealdade, com o medo dela mesmo ser abandonada, por não conseguir relativizar de forma adulta a separação dela com os Menores. Proporciona vértices constrangedores nos Filhos, inserindo-os numa posição de equipa, com vínculos de censura relativos ao Pai, da qual, deveria a Progenitora tê-los preservado.
b) Avaliação dos Menores.
- Relativamente ao filho mais velho, B. N. (15) devemos alertar para o facto de que não deixa de ser uma criança/adolescente que tem cargo uma alta responsabilidade sendo-lhe atribuído o estatuto de homem da casa e de interlocutor entre estes pais. Deturpa todo o crescimento saudável a que o mesmo tem direito e da qual havendo uma falha o mesmo se poderá culpabilizar. O B. N., neste momento está em processo de parentificação, que consiste na atribuição do papel parental no sistema desta família, inclusive o mesmo intenciona ser o porta-voz neste processo a favor da Progenitora. Este Menor sente a responsabilidade por cuidar dos alegados interesses e de ajudar a Progenitora a alcançar o objectivo por ela traçado.
- No que diz respeito ao menor R. N. (13), que já padecia de problemas psicossomáticos (tiques e ansiedade), tenderão a aumentar e a usurpar o crescimento saudável, pelo que este Menor preocupa-nos, no que respeita à integração social e destruição da imagem de Pai/Homem.
- No que respeita ao menor J. N. (5), o mesmo não padece de sintomas, mas padece de “contaminação” das pessoas que o envolvem por parte da Progenitora, que culmina em falta de respeito ao Progenitor.
c) Convívio dos Menores com os Progenitores:
- Podemos concluir nesta altura que o convívio com a Mãe é patológico e não se demonstra saudável, pois a mesma não promove o verdadeiro convívio. Refere que não se opõe às visitas, mas no entanto não promove a mesma e reforça negativamente as visitas ao Progenitor.
Relativamente ao Progenitor, neste momento será fundamental para os Menores o convívio integral com o Pai, pois caso contrário, poderá comprometer de forma severa o futuro destes menores/rapazes como futuros homens e pais.
O Requerente não padece de nenhuma limitação psicológica e as acusações são infundadas.(…)
Conclui-se que perante os factos, que o regime de exercício que melhor respeita aos interesses destes menores, é residir diariamente com o progenitor até à recuperação integral desta progenitora.
46) A pedido da requerida Mãe, pela Perita subscritora do relatório pericial foram prestados os esclarecimentos que se mostram a fls. 288 em que entre o mais se retiram os seguintes factos:
- pode-se afirmar com toda a segurança neste processo que existe uma clara intenção de afastamento dos Menores em relação ao Pai levada a cabo por parte da Progenitora.
- os processos de instrumentalização da Progenitora, concretizam-se através de um discurso de descrição de um Pai ausente, que não dá atenção aos Menores, como figura de austeridade. Esta Progenitora coloca o menor B. N. neste processo como segundo progenitor, impondo-lhe uma responsabilidade como verdadeiro homem da casa, e responsabiliza-o como sendo detentor de um cargo de alta competência. Por este motivo, o menor B. N. demonstra ser uma criança manipulada pelo discurso da Mãe, pois limitando-se a reproduzir o discurso da matriarca no que respeita ao Progenitor.
- Relativamente ao menor R. N., o comportamento de que a guardiã Mãe usa para obstaculizar a boa convivência com o Progenitor revela-se preocupante, pois o Menor sentiu-se “traído”, quando o Progenitor saiu de casa, e esta visão bem como memórias que o Menor relata correspondem ao relato da Progenitora, a qual denigre a imagem do Progenitor.
A vinculação entre a Progenitora e o menor R. N., já não é aqui relatado como uma base futura até porque as sequelas já são exibidas no comportamento entre ambos, através de um apego excessivo e reveladoramente patológico.
No que respeita ao menor J. N., a alienação ocorre no seu dia-a-dia com pequenos pormenores, aparentemente insignificantes, mais uma vez se destacando o episódio em que o Progenitor foi impedido de levar o Menor a um ATL, tendo sido impedido de estar com o Filho. De igual forma a própria Progenitora relatou na perícia que o menor J. N. defecava nas calças quando o Pai o ia buscar, impedindo assim que o Pai participasse na vida activa dos menores. (…).
A Progenitora manipula os Menores, pois se a convivência com o Progenitor é de rejeição ou repulsa e este fenómeno claramente é reforçado, leva a que o Pai seja privado destes Menores por força de abuso emocional.
O processo de alienação já ocorre e se não for interrompido poderá inviabilizar a convivência entre estes Menores e o Progenitor. Estas crianças crescerão com uma imagem do pai distorcida, errada e injusta.»

d) Esta decisão foi objecto de recurso pela Progenitora, o qual foi julgado improcedente pelo Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão proferido a 9 de Julho de 2014, que manteve a matéria de facto tal como se encontra exarada na sentença proferida na 1ª Instância.

e) O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09 de Julho de 2014, foi notificado às partes por ofício remetido a 11 de Julho de 2014, e transitou em julgado (conforme 611 a 613 dos autos principais).

f) Apenas a 24 de Fevereiro de 2015, em sede de conferência de pais, se logrou fixar uma data para a entrega dos Menores pela Progenitora ao Progenitor (27 de Fevereiro de 2015), por acordo entre ambos, obtido após o Tribunal ter diligenciado nesse sentido, devidamente homologado por sentença, no âmbito do Incidente de Incumprimento suscitado pelo Progenitor a 21 de Outubro de 2014 (conforme Apenso A dos autos principais).

g) A 22 de Maio de 2015, a Progenitora veio instaurar Acção de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais (Apenso B), peticionando a guarda dos seus Filhos, alegando, em síntese, que «se o diagnosticado síndrome de alienação parental pesou decisivamente na análise crítica da prova produzida e, por consequência, no convencimento do Tribunal», a erradicação desse distúrbio terá necessariamente um efeito contrário.

h) Este Processo de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais foi objecto de decisão, proferida a 26 de Novembro de 2015, a qual julgou improcedente a pretensão da Progenitora.

i) Na decisão em apreço, transitada em julgado, consignou-se o seguinte:
«Insiste a Requerente em ignorar o douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto no qual se referiu que “estamos efectivamente perante um caso em que a mãe dos menores procurou de forma intencional e sistemática afastar os menores do pai (…)”.
No aludido Acórdão salientou-se ainda que ambos os progenitores são “referências primárias para os filhos” e que “a vontade dos menores não pode prevalecer para bem deles (…)”.
A Requerente manifestamente não tem qualquer diálogo com o Progenitor dos Menores e continua a não promover uma saudável convivência destes com o Progenitor.
Tal ressalta à evidencia das declarações pela mesma prestadas nesta diligência.
A esta conclusão também se chega se atentarmos no teor da participação policial subscrita pela Requerente e que consta dos presentes autos a fls. 36.
Esta participação foi apresentada a 24-06-2015, ou seja, em data posterior à da elaboração do documento subscrito pela Dra. A. C., junto com a petição inicial, o qual data de 28-04-2015.
Do teor da aludida participação policial resulta que a participante, aqui ora Requerente, se deslocou à PSP de Vila Real, acompanhada do seu filho menor R. N., à data com 15 anos de idade.
A participação é apresentada porque o progenitor do menor “privou o seu filho do uso do telemóvel (…) desde as 14:00 horas”.
Consigna-se na mesma que “até ao momento quer a participante quer o R. N., desconhecem qual o motivo do suposto castigo que esteve na origem da proibição do uso do telemóvel”.
Como é que a Requerente quer fazer crer que alterou o seu comportamento de distanciamento deliberado dos Filhos em relação ao Progenitor, se não os consegue resguardar numa situação tão simples como esta, achando necessária a intervenção da PSP para o efeito !
Impunha-se que a mesma diligenciasse no sentido de resguardar o mais possível o seu filho R. N. da sua comparência na autoridade policial, para o concreto efeito que a mesma pretendia, dada precisamente a idade do mesmo.
Em suma, é forçoso concluir que não ocorrem circunstâncias supervenientes que justifiquem a pretendida alteração da regulação das responsabilidades parentais.»

j) A 15 de Fevereiro de 2016, a Progenitora veio instaurar Acção de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais (Apenso C), peticionando novamente a fixação da residência dos seus filhos menores R. N. e J. N. consigo, a qual foi liminarmente indeferida por decisão proferida a 26 de Fevereiro de 2016 e notificada à Progenitora por ofício remetido a 29 de Fevereiro de 2016.

k) Esta decisão foi objecto de recurso pela Progenitora, o qual foi julgado improcedente pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão proferido a 30 de Junho de 2016.

l) O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Junho de 2016 foi notificado às partes por ofício remetido a 1 de Julho de 2016, e transitou em julgado.

m) A 16 de Fevereiro de 2016, o Progenitor dos Menores suscitou incidente de Incumprimento de Responsabilidades Parentais contra a Progenitora, fundamentado na não entrega por esta dos Filhos menores (conforme Apenso D), o qual terminou com a prolação da sentença, em sede de conferência de pais realizada a 4 de Março de 2016, transitada em julgado, e cujo teor se passa a transcrever:
«Conforme resulta dos presentes autos, estamos perante um incidente de incumprimento das responsabilidades parentais deduzido pelo Progenitor dos Menores contra a Progenitora dos mesmos, no qual se alega que a Requerida não entregou os Menores ao Pai, após o fim-de-semana com a mesma passado no dia 14-02-2016, sendo requerida, em consequência, a entrega dos Menores ao Progenitor.
Das declarações prestadas nesta diligência por ambos os Progenitores dos Menores resulta demonstrado que a Mãe não procedeu à entrega dos Filhos ao Pai desde 14 de Fevereiro até 19 de Fevereiro do corrente ano.
Os Menores foram entregues ao Pai no dia 19 de Fevereiro, na sequência da intervenção da Polícia Judiciária, que para o efeito se deslocou a casa da Progenitora e diligenciou nesse sentido.
No dia 22 de Fevereiro o menor R. N. regressou a casa da Mãe onde ainda se mantém.
Nesse mesmo dia o menor R. N. esteve na Polícia Judiciária, juntamente com o Pai, onde verbalizou a vontade de permanecer em casa da sua mãe.
Perante esta matéria de facto afigura-se-nos evidente o incumprimento pela Mãe da regulação das responsabilidades parentais respeitante aos menores R. N. e J. N..
Com efeito, conforme resulta dos autos, os Menores foram confiados à guarda e cuidados do pai, por sentença proferida a 06-01-2014 e mantida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto a 09-07-2014.
Pretende a Requerida a audição do jovem R. N., bem como do Director da Escola que o Menor frequenta e do Director do Sport Clube de ….
Em bom rigor, estas diligências poderiam fazer algum sentido no âmbito de um Processo de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais.
Não se afigura que assim seja no âmbito do presente incidente de incumprimento.
A Progenitora dos Menores escuda a sua inércia em entregar o jovem R. N. ao Pai, pelo facto de o mesmo manifestar a vontade de permanecer em casa da própria.
Questão diversa é se essa vontade corresponde ao superior interesse do jovem.
Sobre esta matéria já o Tribunal se pronunciou, no segundo Processo de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, instaurado pela Mãe a 15- 02-2016 e no qual foi proferida decisão a 26-02-2016, ainda não transitada em julgado, é certo - cf. Apenso C.
Neste âmbito damos aqui por integralmente reproduzida tal decisão para todos os efeitos legais.
Conforme resulta do disposto no art.º 5.º, n.º 6, do RGPTC, a audição da criança só se verifica quando o interesse da mesma o justificar, o que não é o caso, atentas as razões já expendidas supra.
Desnecessário também efectuar quaisquer outras diligências de prova, tanto mais que a Requerida aceita o incumprimento, que é matéria deste incidente.
Em face do exposto, considerando o preceituado no art.º 41.º, n.º 1, do RGPTC, julga-se verificado o incumprimento pela Requerida.
Ao abrigo do disposto no n.º 6 da citada disposição legal, ordena-se a notificação da requerida para proceder à entrega imediata do jovem R. N. ao pai, neste Tribunal, sob a cominação de, não o fazendo, incorrer em crime de desobediência e ainda sob pena de multa.
À entrega presidirá o Psicólogo da Segurança Social, Dr. V. M., que se encontra presente neste acto.
As custas deste incidente são a cargo da Requerida, que lhe deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs – cf. art.º 7.º, n.º 4, do R.C.P.
Registe e notifique.»

n) A entrega do menor R. N. ao Progenitor foi concretizada às 17.30 horas desse dia (4 de Março de 2016), sem qualquer constrangimento.

o) No dia 7 de Março de 2016 o menor R. N. regressou a casa da Progenitora.

p) Nesse mesmo dia, por volta das 18.00 horas, o menor J. N. fugiu para casa da Progenitora, onde se manteve até ao dia 8 de Março de 2016, data em que a Progenitora o entregou ao Pai.

q) Desde o dia 7 de Março de 2016 que o menor R. N. nunca mais regressou a casa do Pai, não passou qualquer fim-de-semana com o mesmo, nem gozou qualquer momento de férias escolares com o Progenitor.

r) Na quadra natalícia e no fim de ano, o menor R. N. não esteve com o Pai, nem atendeu o telefone quando este o tentou contactar.

s) Sempre que o Progenitor o tentou contactar telefonicamente, desde o dia 7 de Março de 2016 até ao presente, o menor R. N. não atendeu, nem devolveu a chamada, declarando a Progenitora que o Filho não deseja falar com o Pai.

t) No período em causa (de 07 de Março de 2016 até 13 de Fevereiro de 2017), o Progenitor apenas teve três encontros com o menor R. N., aquando das consultas médicas do Filho, realizadas no Hospital, em Vila Nova de Gaia, onde o Progenitor também compareceu, após ter tomado conhecimento na Segurança Social que o mesmo padecia de um problema do foro cardíaco.

u) A Progenitora continua a promover o afastamento dos Menores em relação ao Pai, denegrindo a imagem deste junto dos Filhos e dando deste modo azo ao comportamento dos Menores descrito nas antecedentes alíneas o) a t).
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4.2. Modificabilidade da decisão de facto
Conforme já referido supra, veio a Recorrente (em sede de alegações de recurso) defender que o Tribunal a quo teria omitido o cumprimento da «”especial” obrigação de cuidada fundamentação com recurso a todos os elementos de que pode dispor - nº 1 do artigo 21º do R.G.P.T.C. -», nomeadamente tendo desrespeitado o «direito» do menor R. N. «a ser ouvido, não obstante encontrar-se a pouco mais de seis meses de atingir a maioridade».
Ao fazê-lo, terá pretendido sindicar - por dela discordar - a fixação a matéria de facto feita pelo Tribunal a quo, nomeadamente por a considerar incorrecta ou insuficiente.
Ora, lê-se no art. 32º, nº 3 do R.G.P.T.C. que os «recursos são processados e julgados como em matéria cível», importando por isso verificar à luz do regime processual civil da admissibilidade, e da validade, da impugnação de matéria de facto pretendida fazer pela Recorrente
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4.2.1. Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
4.2.1.1. Violação de regras de direito probatório material
Lê-se no art. 607º, nº 5 do C.P.C. que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no C.C., nos seus art. 389º do C.C. (para a prova pericial), art. 391º do C.C. (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5 do art. 607º do C.P.C. citado, com bold apócrifo).

Mais se lê, no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371º, nº 1e 376º, nº 1, ambos do C.P.C.), ou quando exista acordo das partes (art. 574º, nº 2 do C.P.C.), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358º do C.C., e arts. 484º, nº 1 e 463º, ambos do C.P.C.), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351º e 393º, ambos do C.P.C.).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).

Lê-se igualmente, no nº 2, als. a) e b) do art. 662º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº 44, p. 29 e ss.).

Por fim, lê-se no nº 2, al. c) do art. 662º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».
Está-se, assim, de novo perante um dever do Tribunal de Recurso, e não de uma mera faculdade do mesmo, que nomeadamente se manifesta quando tiverem «sido omitidos dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo».
«Todavia, considerando que a reavaliação da pertinência é feita agora pela Relação, a possibilidade de anulação do julgamento para ampliação da decisão da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para os casos em que se revele indispensável. Não basta que os factos tenham conexão com alguma das “soluções plausíveis da questão de direito”. Considerando a fase em que nos encontramos, a Relação deve ponderar o enquadramento jurídico em face ao objecto do recurso ou de outros elementos a que oficiosamente puder atender, contando também com o que possa esperar-se de uma eventual intervenção do Supremo ao abrigo do disposto no art. 682º, nº 3. Por outro lado, tal como sucede com as anteriores situações, a anulação da decisão da 1ª instância apenas deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas.
Em qualquer dos casos, a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vectores da celeridade e da eficácia» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 240-241).
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4.2.1.2. Audição de menor
Lê-se no art. 4º, nº 1, al. c) e nº 2, do R.G.P.T.C., que os processos tutelares cíveis regem-se, nomeadamente, pelo princípio da audição e participação da criança: «a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse»; e «o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica».
Está, assim, indiscutivelmente pressuposto que, não só as crianças são sujeitos de direito (e não seu objecto), como «são dotadas de uma progressiva autonomia no exercício dos seus direitos em função da sua idade, maturidade e desenvolvimento das suas capacidades, adquirindo um estatuto de cidadania social», tendo o direito de participar nas decisões que lhes digam respeito (Maria Clara Sottomayor, Temas de Direito das Crianças, Almedina, Coimbra, p. 52 e 53).
Compreende-se, por isso, que, em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais após divórcio, quer a lei substantiva (art. 1906º do C.C.), quer a lei processual (art. 40º do R.G.P.T.C.), expressa e reiteradamente imponham que aquele seja feito tendo em conta «o interesse do menor», «de harmonia com os interesses da criança», ponderando «o superior interesse da criança».
Este «superior interesse da criança», «enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência externa» (Ac. da RC, de 03.05.2006, Jorge Arcanjo, Processo nº 681/06. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 02.06.2009, Costa Fernandes, Processo n.º 810/08.0TBCTB.C1, onde se lê que se trata «de um conceito indeterminado que terá de ser concretizado, em conformidade com as orientações legais sobre o conteúdo do poder paternal, designadamente as respeitantes à segurança e saúde do menor, ao seu sustento e educação, ao seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, à sua instrução geral e profissional, à auscultação da sua opinião, de acordo com as suas idade e maturidade, e à sua autonomização progressiva». Com inexcedível utilidade para a recolha e ponderação de potenciais elementos de concretização do «superior interesse da criança», Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 2016 - 6ª edição revista, aumentada e actualizada, Almedina, Abril de 2016, p. 41 a 80. Ainda Anabela Miranda Rodrigues, «O Superior Interesse da Criança», Estudos em Homenagem a R. N. Epifânio, Coordenação de Armando Leandro, Álvaro Laborinho Lúcio e Paulo Guerra, Almedina, 35-41, numa outra perspectiva, de compreensão do próprio conceito).
Compreende-se igualmente que, tendo a criança o «direito a ser ouvida», e que a sua «opinião [seja] tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse» (art. 5º, nº 1 do R.G.P.T.C.), a lei tenha tido a preocupação de precisar os termos em que essa audição terá lugar.
Assim, e nos termos do art. 5º, nº 2, nº 3, nº 4 e nº 5 do R.G.P.T.C., cabendo ao juiz promover «a audição da criança», a mesma poderá «ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito», sendo «precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma», e respeitará «a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente a não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais, a intervenção de operadores judiciários com formação adequada, e a não utilização de traje profissional».
Poderá ainda o Tribunal, sempre «que o interesse da criança o justificar, (…) a requerimento ou oficiosamente, (…) proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento» (nº 6 do art. 5º citado).
Também então a tomada de declarações deverá ser «realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito»; a «inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais»; as «declarações da criança são gravadas mediante registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas quando aqueles meios não estiverem disponíveis e dando-se preferência, em qualquer caso, à gravação audiovisual sempre que a natureza do assunto a decidir ou o interesse da criança assim o exigirem»; quando «em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério Público, com observância do princípio do contraditório, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível», e esta «tomada de declarações (…) não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela deva ser possível e não puser em causa a saúde física e psíquica e o desenvolvimento integral da criança» (tudo conforme nº 7 do art. 5º citado).
Por fim, precisa-se que o incidente de incumprimento de responsabilidades parentais, regulado no art. 41º do R.G.P.T.C., tem prevista uma tramitação especialmente simplificada (a que não é alheio o facto de, tendo já antes sido fixado o regime do respectivo exercício, a constatação da sua violação é necessariamente mais simples do que a sua prévia e concreta determinação).
Assim, tendo a decisão incumprida sido proferida por Tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo inicial, convocando depois o juiz os pais para uma conferência; ou, excepcionalmente, mandando notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente (art. 41º, nº 2 e nº 3 do R.G.P.T.C.).
Realizando-se a conferência, «os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança»; e, não «tendo sido convocada a conferência, ou quando nesta os pais não chegarem a acordo, o juiz manda proceder nos termos do artigo 38.º e seguintes e, por fim, decide», isto é, fá-lo depois de promover a mediação das partes (nos termos do art. 24º), ou uma audição técnica especializada (nos termos do art. 23º), consistindo esta última «na audição das partes, tendo em vista a avaliação diagnóstica das competências parentais e a aferição da disponibilidade daquelas para um acordo, (…) que melhor salvaguarde o interesse da criança» (art. 41º, nº 4 e nº 7 do R.G.P.T.C.).
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4.2.1.3. Caso concreto
Concretizando, verifica-se que, tendo sido processado o presente incidente de incumprimento de responsabilidades parentais, nomeadamente relativo à violação do que fora determinado quanto à guarda do menor R. N., este não foi ouvido nos autos.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, nem se considera que a sua audição fosse obrigatória (consistindo, por isso, a respectiva omissão na violação de uma diligência probatória imposta imperativamente por lei), nem se considera que a mesma - não o sendo de facto - tivesse utilidade em ser realizada.
Com efeito, e situando-nos em sede de incidente de incumprimento do exercício se responsabilidades parentais (que não de fixação, ou de alteração, das mesmas), a audição de menor apenas deverá ocorrer se «o interesse da criança o justificar», e a fim «de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento», no caso, a decisão (nº 6 do art. 5º do R.G.P.T.C.).
Ora, importando no caso determinar o incumprimento, pela Requerida (Recorrente), do regime de guarda do filho R. N., ficou precocemente assente nos autos - por declarações prestadas por ela em sede de conferência de pais (reduzidas a auto), por prova documental (ofícios de Autoridades Policiais), e por prova pericial (informações escritas dos Técnicos da Segurança Social que presidiam à Audição Técnica Especializada em curso no Apenso F, de Alteração de Responsabilidades Parentais) -, que o Menor em causa se recusava a viver com o Pai, conforme decidido pelo Tribunal a quo, bem com a manter quaisquer contactos com ele; e ser essa a sua vontade, reiteradamente declarada e manifestada.
Importaria, então, determinar se a Requerida teria contribuído para a formação dessa vontade (isto é, ser ela uma vontade manipulada); e, na afirmativa, mercê de que motivo (válido, ou não válido), e em que medida (isto é, determinando-a, ou apenas reforçando-a).
Com efeito, só o incumprimento culposo, «e não mero incumprimento desculpável, de um dos progenitores, relativamente ao acordado quanto ao exercício do poder paternal, deve ser sancionado» (Ac. da RP, de 30.01.2006, Sousa Lameira, Processo nº 0557105): o «incumprimento reiterado e grave só releva se for culposo, isto é, se puder ser assacado ao progenitor faltoso um efectivo juízo de censura» (Ac. da RP, de 03.10.2006, Henrique Araújo, Processo nº 0622382, com bold apócrifo).
Para esse efeito contou o Tribunal a quo com a «conduta da progenitora manifestada ao longo de todo este processo, e nas suas próprias declarações vertidas nas actas de conferências de pais realizadas em todos os Apensos» dos autos principais (sucessivos incumprimentos, e pedidos de alteração, do regime de responsabilidades parentais fixado), conforme se lê na sentença recorrida.
Ora, perante essa prova na primeira pessoa do que fosse a sua intenção (fim visado) e concreta acção (comportamento adoptado com vista à obtenção daquele), a audição do menor R. N. nada acrescentaria de útil, não consubstanciando meio probatório necessário aos actos posteriores; e a omissão de uma tal diligência permitiria resguardá-lo da constatação judicial de um incumprimento que não lhe é imputável, nem pelo qual se deverá permitir que se sinta responsável, depondo no sentido daquela omissão o seu próprio interesse (e não no sentido contrário, de respectiva audição).
Logo, ao actuar como referido, o Tribunal a quo cumpriu o princípio orientador do processo tutelar cível de simplificação instrutória (art. 4º, nº 1, al. a) do R.G.P.T.C.); actuou devidamente o seu dever de gestão processual (art. 6º do C.P.C.); e respeitou a proibição de prática de actos inúteis (art. 130º do C.P.C.), previso na lei processual civil geral, que também lhe cumpria aplicar (ex vi do art. 33º, nº 1 do R.G.P.T.C).
Acresce que «se está perante um processo de jurisdição voluntária, em que legalidade estrita deve ceder o passo aos critérios de oportunidade, tendo sempre presente que nestes casos se deve ter presente os superiores interesses dos menores». A dita ulterior diligência probatória traduzir-se-ia «em diligência manifestamente inútil no quadro apresentado» (Ac. da RL, de 01.03.2012, Sousa Pinto, Processo nº 622/09.4TMFUN-G.L1-2, proferido em sede de incumprimento da obrigação de alimentos, mas com considerações que não deixam de se considerar válidas no caso dos autos).

Admite-se, porém, que de outro - e distinto - modo se decidiria se, em vez da verificação de um incumprimento imputado a um dos Progenitores (de um regime de exercício de responsabilidades parentais previamente determinado pelo Tribunal a quo, no âmbito de um processo contraditório, e cuja decisão em primeira instância foi depois confirmada por Tribunal de recurso), se estivesse perante um pedido de fixação inicial, ou de alteração, do exercício das ditas responsabilidades parentais.
Com efeito, importaria que se avaliasse então - ou pela primeira vez, ou mercê de relevantes circunstâncias supervenientes - um inédito ou um novo regime, em que a audição de um menor de dezasseis anos de idade se justificaria plenamente pela decisão a proferir (nomeadamente, quanto à sua guarda, ou ao regime de visitas do progenitor a quem eventualmente não fosse confiado).
Contudo, repete-se, não é esse o caso de um incidente de incumprimento, em que a decisão do Tribunal se prende com a verificação: de um comportamento objectivo (acção ou omissão), violador do determinado, imputado a um progenitor adulto; da sua vontade livre e consciente de o adoptar, sabendo que com ele viola uma prévia decisão judicial a que deve obediência; e da ausência de qualquer motivo que justifique ou legitime a sua acção ou omissão (e que caberá, naturalmente, ao apontado progenitor incumpridor alegar e demonstrar).
Ora, fora «das situações em que a lei considera obrigatória a audição do menor, cabe ao julgador, no âmbito do poder discricionário que lhe é atribuído por lei, avaliar da necessidade de dar à criança a oportunidade de ser ouvida no processo de modo a poder expressar as suas opiniões» (Ac. da RL, de 17.11.2015, Graça Amaral, Processo nº 761/15.2.T8CSC.L1-7).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando-se não verificada nos autos qualquer a violação do princípio da audição e participação da criança, não só por não se revelar necessária à decisão a proferir, como inclusivamente por o seu interesse a desaconselhar.
Mantém-se, ainda, inalterada a matéria de facto fixada nos autos, por não se verificarem os pressupostos da sua alteração oficiosa por este Tribunal da Relação; e nem se justificar a anulação oficiosa da sentença recorrida, para ampliação daquela.
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4.2.2. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação
4.2.2.1. Ónus de impugnação
Contudo, a impugnação da matéria de facto fixada em decisão recorrida pode ainda assentar numa diferente valoração que se faça da prova livremente sujeita à apreciação do julgador.
Nesse âmbito, verifica-se que o legislador, reconhecendo que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recuso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c) do nº 1 do art. 640º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, sempre como todos os demais citados sem indicação de origem).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise critica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, p. 595, com bold apócrifo).
De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).
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4.2.2.2. Concretizando, e admitindo-se que a Recorrente, discordando da matéria de facto fixada na sentença recorrida, terá pretendido impugná-la, por nomeadamente entender «que, ao contrário da convicção expressa pelo Tribunal, não promove nem promoveu o afastamento de qualquer dos filhos relativamente ao progenitor», sendo a prova por ele apreciada criticamente insuficiente ou inidónea para fundar o respectivo juízo, certo é que não cumpriu o necessário ónus de impugnação previsto no art. 640º do C.P.C. (conclusão distinta de saber se, ao tê-lo feito, existiria fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados).
Com efeito, nem no corpo das suas alegações de recurso, nem nas conclusões do mesmo, indicou: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente provados (nomeadamente, por remissão para as alíneas sob as quais foram enunciados); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (nomeadamente, dos produzidos e considerado pelo Tribunal a quo); e a decisão que, no seu entender, se impunha (nomeadamente, a concreta redacção dos factos que assim se dariam como provados, e daqueles outros que se teriam por não provados).
A respectiva omissão não é susceptível de convite ao aperfeiçoamento (das suas alegações - e conclusões - de recurso), antes determina a imediata e liminar rejeição do mesmo (se, de facto, o pretendia incluir no objecto da sua sindicância).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, mantendo-se absoluta e definitivamente inalterada a matéria de facto fixada nos autos, por não ter sido verificado quanto à sua eventual sindicância o ónus de impugnação previsto no art. 640º, nº 1 do C.P.C..
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Incumprimento de responsabilidades parentais
5.1.1.1. Tramitação regra do incidente
Recorda-se que se lê no art. 41º do R.G.P.T.C. (com a epígrafe «Incumprimento») que, se «relativamente à situação da criança, um dos pais (…) não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos» (nº 1).
Está-se perante um processo cautelar cível que consubstancia um misto de actividade declarativa e de actividade executiva: pretende-se apurar, em primeiro lugar, se existe ou não o incumprimento (seja sobre o destino da criança, convívio, ou prestação de alimentos); e, em segundo lugar, determinar a realização das diligências coercivas necessárias para o cumprimento coercitivo do acordo ou da decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Este processo de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais tem natureza incidental (arts. 7º, al. e) e 16º, ambos do R.G.P.T.C.). Correrá nos próprios autos da regulação das responsabilidades parentais, em incidente autónomo, quando a regulação tenha sido realizada na conservatória do registo civil, sendo competente o tribunal da residência da criança (arts. 9º, nº 1 do R.G.P.T.C.), ou por apenso, se tiver havido prévia regulação em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, sendo competente o tribunal onde foi homologado judicialmente o acordo ou proferida a decisão de regulação das responsabilidades parentais (art. 41º, nº 2 do R.G.P.T.C.).
Têm legitimidade activa para suscitar o incidente de incumprimento qualquer um dos progenitores, ou mesmo o próprio Ministério Público.
O processo inicia-se com a apresentação de um requerimento contendo os fundamentos (a causa de pedir) do incumprimento, e um pedido ao tribunal de adopção das diligências necessárias ao cumprimento coercivo da obrigação.
Autuado o requerimento, ou apensado este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excepcionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente (nº 3 do art. 41º citado).
Sendo convocada uma conferência de pais, poderão estes chegar a acordo quanto à alteração do regime anterior, tendo em conta os interesses da criança; não sendo convocada, ou quando nesta os progenitores não cheguem a acordo, o juiz mandará proceder nos termos do art. 38.º e seguintes, isso é, suspenderá a conferência e remeterá as partes: ou para a audição técnica especializada, por um período máximo de dois meses (art. 23º do R.G.P.TC.); ou para a mediação, por um período máximo de três meses (art. 24º d R.G.P.T.C.).
Finda a intervenção da audição técnica especializada, ou finda a mediação, e informado o tribunal dos respectivos resultados, designará data para continuação da conferência de pais, com vista à obtenção de acordo da regulação do exercício das responsabilidades parentais; e, frustrando-se este, notificará as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou prova, isto é, arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos (art. 39º, nº 1, nº 2, nº 3 e nº 4 do R.G.P.T.C.).
Decorrido o prazo das alegações, e sempre que o entenda necessário, o juiz ordena as diligências de instrução; e, caso não haja alegações nem sejam indicadas provas, ouvido o Ministério Público, é proferida sentença, ao contrário do que sucederá sendo apresentadas alegações ou apresentadas provas, em que tem lugar a audiência de discussão e julgamento (nº 5, e nº 6 do art. 39º citado).
Assim, realizadas as diligências de prova requeridas e que o juiz entenda necessárias (por forma a averiguar o incumprimento, as suas causas, e as eventuais possibilidades de efectuar medidas coercitivas), é proferida decisão, da qual cabe recurso, com efeito meramente devolutivo (art. 32.º do R.G.P.T.C.).
Diz-se, por isso, «que este incidente, atendendo à prática processual, é um composto entre a acção executiva e a declarativa, pois para além de ter de se verificar se houve um verdadeiro incumprimento, é possível utilizar determinados expedientes legais de forma a garantir o cumprimento coercivo» do que tenha sido incumprido (Márcio Rafael Marques Rodrigues, Da Obrigação de Alimentos à Intervenção do FGADM, Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2014, consultada em Fevereiro de 2017, in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28481/1/Da%20obrigacao%20de%20alimentos%20a%20intervencao%20do%20FGADM).
Por fim, recorda-se igualmente que se está perante um processo de jurisdição voluntária (art. 12º do R.G.P.T.C., e arts. 986º, 987º e 988º, todos do C.P.C.), no qual o juiz não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo (devendo) adoptar em cada caso concreto a solução que melhor defenda os interesses do menor (pois esta é a ultima ratio deste tipo de processo).

Contudo, quando esteja apenas em causa o incumprimento do regime de visitas, não comparecendo o progenitor requerido na conferência de pais, nem havendo alegações suas, ou sendo estas manifestamente improcedentes, poderá ser ordenada a imediata entrega da criança, acautelando-se os termos e local em que a mesma se deva efectuar, presidindo à diligência a assessoria técnica ao tribunal; e, sem prejuízo do procedimento criminal que ao caso caiba, o requerido é notificado para proceder à entrega da criança pela forma determinada, sob pena de multa (nº 5 e nº 6 do art. 41º do R.G.P.T.C.).

Dir-se-á, porém, que, se «em termos puramente teóricos a solução é clara, contudo, na prática essas situações na maioria das vezes constituem verdadeiros desafios para os magistrados. Isto porque quase sempre é demasiadamente complexo descobrir o que efetivamente está na base do incumprimento. Com frequência o que se fundamenta para o incumprimento, são alegações de doenças súbitas, desemprego, outras vezes são as recusas do menor em ir com o progenitor não guardião, deslocações ditas inadiáveis para fora do local de residência do menor que, paralelamente, “coincidem” com o não pagamento da pensão de alimentos.
Por isso, embora soluções como, o cumprimento coercivo, multa e indemnização sejam apresentadas pelo legislador, muitas vezes torna-se difícil a sua aplicação. Daí ser cada vez mais frequente nos processos, os inúmeros apensos de incidentes de incumprimento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que consubstanciam numa realidade fidelíssima à vivenciada pelas famílias. São processos em que em forma de papel, torna-se físico uma realidade de sentimentos de raiva, ódio, frustrações e de sentimentos de posse sobre o filho» (Gabriela Rosa Tuler, O Incumprimento Das Responsabilidades Parentais (Dos Alimentos E Do Regime De Visitas) E Os Danos Causados Às Crianças e À Sociedade, Dissertação de mestrado apresentada no Departamento de Direito da Universidade Autónoma de Lisboa, Outubro de 2015, consultada em Outubro de 2017, in http://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/2804/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O).
Na tentativa de «tentar proteger as crianças dessa “guerra” em que são os pais, aqueles que em primeiro lugar deveriam proteger os filhos, (…) os protagonistas desta triste disputa», «“é preciso recorrer às ciências sociais, criando equipas multidisciplinares que possam coadjuvar os magistrados a tomar as melhores decisões e da maneira mais célere possível, tendo em conta a natureza do processo em questão, evitando que se protelem situações em que possa estar a relegar para segundo plano o superior interesse da criança, colocando-a em situações de eventual perigo para o seu desenvolvimento psíquico, através de puros “caprichos” e estratégias de um dos progenitores para castigar o outro pelo fim da relação familiar em causa» (Gabriela Rosa Tuler, op. cit., citando Filipa Daniela Ramos de Carvalho, A (síndrome de) alienação parental e o exercício das responsabilidades parentais: algumas considerações, Coimbra Editora, p. 49).
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5.1.1.2. Alienação parental
Lê-se no art. 36º da C.R.P. que os «cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto (…) à manutenção e educação dos filhos» (nº 3), não podendo estes «ser separados dos pais, salvo quando» eles «não cumpram os seus deveres fundamentais e sempre mediante decisão judicial» (nº 6).
Mais se lê, no art. 1906º do C.C. (com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro) que: «As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível» (nº 1); «O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente» (nº 3); «O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro» (nº 5); «Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho» (nº 6); «O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles» (nº 7).
Resulta assim, claramente, da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, o reconhecimento da importância que é para o menor o estabelecimento e manutenção de laços afectivos com ambos os progenitores, nomeadamente assegurando a manutenção de uma relação de grande proximidade com aquele a quem não for confiado, privilegiando ainda a partilha de responsabilidades entre ambos (Maria Clara Sottomayor, Temas de Direito das Crianças, Almedina, Coimbra, p. 117).
Considera-se, por isso, que o «direito de visita do progenitor não guardião não representa uma faculdade, um direito subjectivo do parente do menor, mas antes um direito a que estão associados deveres, nomeadamente, o dever de se relacionar com os filhos com regularidade, em ordem a promover o seu desenvolvimento físico e psíquico, e o dever de colaborar com o progenitor guardião no cuidado dos filhos e na assistência aos mesmos prestada, sendo, nas situações de fraccionamento do poder paternal, a janela ainda aberta para um espaço de realização pessoal do menor que importa, sobremaneira, preservar» (Ac. da RC, de 31.01.2006, Helder Roque, Processo nº 4027/05, com bold apócrifo).

Ora, foi-se afirmando no meio social uma realidade que se denomina comummente de «alienação parental», a qual grosso modo consiste no afastamento emocional do filho face a um dos progenitores, por acção intencional, injustificada e censurável do outro, nomeadamente porque determinada por interesse egoístas ou frívolos próprios, e não pelo «superior interesse» do filho.
A designação do fenómeno «Síndrome de Alienação Parental» surgiu pela primeira vez em 1985, proposta por Richard Gadner, professor de psiquiatria clínica do departamento de psiquiatria infantil da Universidade de Columbia nos E.U.A., que a definiu como sendo «o transtorno pelo qual um progenitor transforma a consciência dos seus filhos, mediante várias estratégias, com objectivo de impedir, ocultar e destR. N.r os vínculos existentes com o outro progenitor, que surge principalmente no contexto da disputa da guarda e custódia das crianças, através de uma campanha de difamação contra um dos pais, sem justificação, resultando da combinação de um sistemático endoutrinamento (lavagem ao cérebro) por parte de um dos progenitores, e das próprias contribuições da criança, destinadas a denegrir o progenitor objecto desta campanha» (apud, Sandra Inês Ferreira Feitor, A síndrome de alienação parental e o seu tratamento à luz do Direito de Menores, Coimbra Editora, p. 23).
Não se ignoram as críticas justificadas de que vem sendo alvo, nomeadamente pela falta de amplo e credibilizado reconhecimento científico, face à pretendida consideração como verdadeira «síndrome»; ou pelo risco que a sua precipitada ou aligeirada aplicação pode constituir para menores vítimas de abusos sexuais ou de violência doméstica, quando os crimes não logrem prova, ou prova oportuna, levando à sua descredibilização e do progenitor que, em regra, os tenta proteger do progenitor abusador (recusando-lhe a guarda dos filhos, ou visitas aos mesmos), com a posterior retirada dos menores àquele progenitor protector e a sua entrega/sanção ao progenitor abusador.
(Neste sentido, de válidas e imprescindíveis denúncias, Pedro Cintra, Manuel Salavessa, Bruno Pereira, Magda Jorge e Fernando Vieira, «Síndrome de Alienação Parental: Realidade Médico-Psicológica ou Jurídica ?», Julgar, nº 7; e, sobretudo, Maria Clara Sottomayor, «Uma análise crítica da síndrome de alienação parental e os riscos da sua utilização nos tribunais de família», Julgar, nº 13, ambos disponíveis in http://julgar.pt/).
Contudo, é inegável que comportamentos deste tipo existem; e se sucedem no âmbito da ruptura de casamentos, ou de uniões de facto, nomeadamente quando a ruptura resulta da vontade unilateral de um dos membros do antes casal, sendo transportada depois para os subsequentes processos de regulação de responsabilidades parentais: o progenitor a quem foi imposta a dissolução do vínculo conjugal, ou paraconjugal, procura identificar o abandono ou rejeição de que foi alvo com um pretenso e simultâneo abandono ou rejeição parental, pelo menos juntos dos filhos, desqualificando sistematicamente o seu alegado autor.
Ora, quando tais comportamentos sejam reais, reiterados e injustificados (isto é, não assentes em qualquer efectiva e concreta necessidade de protecção dos filhos, perante o perigo que o outro progenitor represente para a sua integridade física e emocional), consubstanciam um efectivo mau trato psicológico aos menores que deles sejam alvo, susceptível de comprometer o seu desenvolvimento saudável, nomeadamente o seu equilíbrio psicossomático e social, pela destruição de um vínculo afectivo tão essencial como o é umas das suas duas parentalidades.

A jurisprudência veio, paulatina mas sucessivamente, reconhecer esta realidade, reflectindo-a em plúrimas decisões proferidas (embora nem sempre de forma uniforme nas soluções concretas adoptadas, sendo que nem todas aqui se sufragariam), conforme:

· Ac. da RE, de 24.05.2007, Mata Ribeiro, Processo nº 232/07-3: «(...) um pai que sem fundamento, denotando egoísmo e interesse pessoal, faz crer aos filhos que a mãe destes não é uma boa mãe e que os incentiva a não terem contactos com ela, não pode ser considerado um progenitor que assegure o ideal desenvolvimento da personalidade dos filhos a nível afectivo, psicológico e moral»;

· Ac. da RE, de 27.09.2007, Bernardo Domingos, Processo nº 1599/07-2: «Em matéria da regulação do poder paternal e da guarda e confiança dos menores o escopo da intervenção do Tribunal é sempre e em primeiro lugar a salvaguarda do interesse destes. Os menores necessitam igualmente do pai e mãe e, por natureza, nenhum deles podem preencher a função que ao outro cabe. A consciência deste facto é essencial para que o relacionamento do menor com o progenitor a quem não esteja confiado se processe normalmente. Não devendo haver resistências por parte do progenitor a quem caiba a sua guarda, nem intransigências artificiais, por parte do outro progenitor. Os progenitores e em especial os que tem o menor à sua guarda devem interiorizar estes princípios e valores de harmonia familiar, que não se confundem com a harmonia conjugal e nem a pressupõem. Se apesar de todas as cautelas na regulação os progenitores resistirem nas relações entre ambos, em utilizar as crianças como objecto da sua guerrilha e como veículo de transmissão dos sentimentos negativos que nutrem um pelo outro, haverá de ponderar a confiança da criança a terceira pessoa, já que a manutenção deste quadro familiar, pode ser altamente perniciosa para o são desenvolvimento físico, psíquico e afectivo da criança»;

· Ac. da RL, de 21.05.2009, Graça Araújo, Processo nº 6425/2008-6: «(…) A alienação parental é um facto estudado. E, não obstante a mãe destes autos alegar que não é "má da fita" e que promoveu os contactos das menores com o pai, contra factos não há argumentos: a verdade é que não foram visitadas pelo pai (ou foram-no muito escassamente em 8 anos), apesar dos esforços deste. Mais: está comprovada nos autos a mentira por parte da progenitora no que respeita às consultas de pedopsiquiatria. E a sua alegada adesão à mediação familiar mas subsequente falta às convocatórias, com comparência apenas decorrido um ano, e para inviabilizar a mediação. E bem ainda o facto de ter inviabilizado a comparência do progenitor nas consultas de pedopsiquiatria. Mais ainda: o reiterado comportamento por parte da progenitora leva o Tribunal a duvidar da eficácia de mais qualquer solução consensual. Com efeito, o que se tem verificado é que perante a iminência da tomada de atitude por parte do Tribunal, os progenitores acordam, para logo de seguida ser protelado o estabelecimento de um normal regime de visitas e mesmo de uma normal relação de filiação. Assim, afigura-se pertinente a solene advertência promovida no sentido de que qualquer incumprimento mais no que respeita ao regime de visitas poderá implicar uma mudança na guarda das menores. Essa mudança de guarda, conforme referido pelo MP, decorrerá, obviamente do facto de o progenitor que tem a guarda dos menores, ter de a partilhar, facultando visitas. Se o guardião não faculta visitas, então, há que ponderar a alteração da guarda para aquele que as faculte. Nos casos mais graves, é mesmo feita a retirada dos menores para instituição, dado o perigo para a sua formação inerente ao egoísmo patenteado pelo guardião, ou mesmo pelo conflito entre os progenitores»;

· Ac. da RL, de 12.11.2009, Jorge Leal, Processo nº 6689/03.1TBCSC-A.L1-2: «I – O síndrome de alienação parental é um distúrbio que afecta crianças, que rejeitam completamente um dos progenitores, sem razões justificadas, no âmbito de conflitos judiciais, no âmbito da responsabilidade parental de um menor. II – O conceito de síndrome de alienação parental não se aplica a casos em que o menor foi efectivamente alvo de abusos por parte do progenitor alienado. III – Deve ser negado o direito a visitas ao progenitor que abusou sexualmente do menor»;

· Ac. da RL, de 26.01.2010, Ana Resende, Processo nº 1625/05.3TMSNT.C.L1-7: «I - Configurando-se situações que imponham que se proceda a uma reanálise do que possa ter sido acordado, ou determinado, em termos de confiança, na medida em que a respectiva demonstração importe num desequilíbrio que possa afectar o normal desenvolvimento da criança, prevê a lei a alteração do regime de regulação do poder paternal previamente definido. II - Como potenciador da necessária alteração, configura-se o designado Síndrome de Alienação Parental, como um distúrbio que surge principalmente no contexto das disputas pela guarda e confiança da criança, caracterizado por um conjunto de sintomas resultantes do processo (alienação parental) pelo qual um progenitor transforma a consciência do seu filho, com o objectivo de impedir, obstaculizar ou destR. N.r os vínculos da criança com o outro progenitor. III - A quebra procurada, da relação com um dos progenitores, importa necessariamente num empobrecimento, nas múltiplas áreas da vida da criança, caso das interacções, aprendizagens e troca de sentimentos e apoios, mas também, podendo gerar, face à presença ou a possibilidade de aproximação do progenitor não guardador, reacções de ansiedade e angústia, em si igualmente patológicas. IV - O apartamento de um progenitor, sem justificação que o imponha, fomentado pelo outro progenitor, ainda que sem uma programação sistematizada de todo um processo, dirigida a gerar, e obter, um real e efectivo afastamento do menor em relação ao progenitor que não guarda, não pode deixar de ser algo que deve ser prevenido, mas sobretudo combatido, e necessariamente ponderado, em conjunto com as respectivas competências parentais, na intervenção do tribunal, com vista à alteração do regime de regulação do poder paternal antes definido»;

· Ac. da RE, de 11.04.2012, Maria Alexandre M. Santos, Processo nº 612/09.7TMFAR.E1: « - O poder paternal (ou responsabilidades parentais na terminologia actual) é um poder-dever funcional que deve ser exercido altR. N.sticamente no interesse do filho, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e salvaguarda dos seus interesses; o superior interesse da criança é a verdadeira razão de ser, o critério e o limite do poder paternal. - O exercício do poder paternal deve ser atribuído ao progenitor que estiver em melhores condições para corresponder ao interesse do menor. - Não reúne tais condições a mãe que num processo de alienação parental proíbe/impede todo e qualquer contacto da criança com o seu progenitor, denegrindo a sua imagem perante ela e terceiros, imputando-lhe comportamentos agressivos e de abusos sexuais, afastados em sede de averiguação própria (no processo crime instaurado e nos exames ginecológicos realizados) e mantendo um comportamento de obsessiva protecção da criança recusando toda e qualquer colaboração com o tribunal na definição da situação da menor. - Encontrando-se em perigo de ser afectada negativamente no seu direito ao desenvolvimento são e normal, no plano físico, moral, intelectual espiritual e social perante a manifesta situação de alienação parental da sua progenitora, impõe-se um corte com tal situação. - Tal corte só é possível, face à total recusa de qualquer colaboração, pela medida radical de alteração da guarda da menor, com a sua entrega ao pai, salvaguardando todavia, a manutenção da relação afectiva da criança com a mãe através de um regime de visitas adequado»;

· Ac. da RL, de 23.10.2012, Conceição Saavedra, Processo nº 2304/05.7TBCLD-E.L1-7: «(…) II- O fenómeno da recusa do filho menor em conviver com um dos progenitores tem, em regra, várias causas não derivando necessariamente de uma campanha difamatória levada a cabo por um dos pais contra o outro; III - Não se apurando, designadamente, a concreta responsabilidade da mãe na atitude de recusa do menor em conviver com o pai, e verificando-se que aquele revela ansiedade de separação em relação à progenitora, com quem mantém vinculação insegura/ansiosa de grande dependência, é manifesto que a opção da modificação do regime instituído, com entrega do mesmo ao pai rejeitado, se revela contrária ao superior interesse da criança, agravando o seu sofrimento sem resolver o conflito existente»;

· Ac. da RG, de 04.12.2012, António Santos, Processo nº 272/04.1TBVNC-D.G1: «1 - No âmbito das decisões a proferir em sede de processos de regulação das responsabilidades parentais está , e deve estar sempre, presente o superior interesse do menor , razão porque nenhuma decisão pode olvidar e abstrair-se do referido critério orientador, o qual há-de sempre “prevalecer” e guiar o sentido da decisão do Julgador. 2 - De resto, em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio e/ou separação judicial de pessoas e bens, é o nº 7, do artº 1906º, do Código Civil, bastante claro e incisivo ao determinar que “ o Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (…)”. 3 - Quando o regime de visitas acordado não é cumprido, prima facie em razão apenas da “resistência” do próprio menor, a audição deste último pode revelar-se uma diligência judicial fundamental e decisiva para compreender quais as razões que estão por detrás do referido comportamento. 4 - Destarte, e sobretudo quando tem já o menor uma idade e maturidade que lhe permite manifestar uma vontade livre e esclarecida, “lícito” não é ao julgador determinar, sem mais, o arquivamento de expediente/informação do respectivo progenitor “alienado” sem antes perscrutar, ouvindo o menor, quais as razões do seu afastamento e, assim, aferir da possibilidade/viabilidade de proferir concreta decisão que contribua para a solução do “conflito”, designadamente em sede de alteração do regime de regulação do poder paternal antes definido»;

· Ac. da RL, de 23.09.2014, Gouveia Barros, Processo nº 346/07.7TBCLD.L1-7: «I) Tendo os progenitores acordado sobre os termos da regulação das responsabilidades parentais, deferindo a guarda do menor à mãe, mas tendo esta, ao longo de vários anos, impedido o contacto do filho com o pai, dificultando o exercício do direito de visitas sob pretextos infamantes que se revelaram sem qualquer fundamento, não pode ser ordenado o arquivamento do pedido de alteração deduzido pelo pai ao abrigo do nº1 do artigo 182º da OTM, com a singela justificação de que “o que mais importa é o estreitamento da vinculação afectiva entre ambos. II) Na verdade, tal arquivamento tem de assentar ou na inconsistência das razões aduzidas para a alteração pretendida, ou na sua desnecessidade, pressupostos que não se verificam quando a progenitora, reiteradamente, deixa de cumprir os acordos que celebra e assume nos autos a intenção de condicionar as visitas e assim de impedir o aprofundamento da relação entre o menor e o pai»;


· Ac. da RE, de 25.06.2015, Francisco Xavier, Processo nº 960/11.6TMFAR.E1: «Não tendo o recorrente que impugnada a matéria de facto deixado expressa qual a decisão que deve ser proferida sobre os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e, baseando-se o recurso nos depoimentos gravados, não indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, apesar de proceder a transcrições de excertos, não cumpre os ónus de especificação previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, o que implica a rejeição do recurso sobre a matéria de facto. A medida da contribuição de cada progenitor para prover às necessidades do filho, quer físicas, quer psicológicas deve encontrar-se na sua capacidade de entrega e na vontade de proporcionar ao filho um saudável desenvolvimento, significando essa atitude um esforço por parte dos pais, muitas vezes abdicando das suas razões pessoais a favor da criança. Afastar, sem fundamento a criança do pai significa que a mãe não está a saber exercer as suas funções. Objectivamente é mau trato permitir que um filho seja afastado do pai sem razão que o justifique»;

· Ac. da RG, de 08.10.2015, Isabel Silva, Processo nº 508/05.1TMBRG-A.G1: «a) Provando-se que é a menor, à data com 15 anos, quem recusa cumprir o regime de visitas estipulado para o pai, tal “incumprimento” não pode ser imputado à mãe. b) A importância do denominado “síndrome de alienação parental” relevará ao nível duma possível alteração da regulação do poder paternal (pois, a provar-se, é de ponderar a retirada da guarda do menor ao dito progenitor alienador), e não do seu incumprimento»;


· ou Ac. da RG, de 10.11.2016, Maria dos Anjos Nogueira, Processo nº 719/08.8TBBCL-C.G1: «(…) Assim, nos casos de ruptura da unidade familiar, devida a separação dos pais, ou mesmo perante a inexistência daquela realidade, sempre se deverá procurar manter uma relação de proximidade com o progenitor a quem o menor não seja confiado, a não ser que circunstâncias excepcionais o desaconselhem. Por outro lado, podem configurar-se situações que impõem que se proceda a uma reanálise do que possa ter sido acordado, ou determinado, quando o acordo ou a decisão não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, nos termos do n.º 1, do artigo 42.º, do RGPTC. Como potenciador da necessária alteração configura-se o designado Síndrome de Alienação Parental, inicialmente definido por Richard Gardner, em 1985, como um distúrbio que surge principalmente no contexto das disputas pela guarda e confiança da criança, caracterizado por um conjunto de sintomas resultantes do processo (alienação parental) pelo qual um progenitor transforma a consciência do seu filho, mediante diferentes estratégias, com o objectivo de impedir, obstaculizar ou destR. N.r os vínculos da criança com o outro progenitor, até a tornar contraditória em relação ao que devia esperar-se da sua condição - Cfr. José Manuel Aguilar, in Síndrome de Alienação Parental – Filhos manipulados por um cônjuge para odiar o outro, Janeiro de 2008, a fls. 33. Nesses casos, independentemente do modo como são levadas a cabo, ou da estratégia utilizada, mais ou menos consciencializada, importam sempre num custo que se traduz em danos para a criança, passíveis, em circunstâncias extremadas, de lhe gerar graves patologias de carácter psicológico. Subjacente estando, de forma mais ou menos acentuada e/ou consciente, o enfraquecimento ou mesmo a eliminação dos laços afectivos com o outro progenitor, compreende-se que seja decisiva a actuação daquele que guarda o menor no sentido de impedir os contactos com o outro, numa tentativa de debilitação dos laços afectivos ainda que saudáveis, e decorrentemente afectando de modo indelével a estruturação do afecto, no entendimento deste como uma estrutura mental estável (cfr. Autor e obra acima citados, a fls. 53, citando John Bowlby). Na realidade, a quebra procurada, e assim evitável, senão indesculpável, da relação com um dos progenitores, importa necessariamente num empobrecimento, nas múltiplas áreas da vida da criança, caso das interacções, aprendizagens e troca de sentimentos e apoios, mas também, podendo gerar, face à presença ou a possibilidade de aproximação do progenitor não guardador, reacções de ansiedade e angústia, em si igualmente patológicas, produtoras de alterações fisiológicas, nomeadamente nos padrões de alimentação e sono, mas também psicológicas, afectando o desenvolvimento do auto-conceito e da auto-estima (cfr. Autor e obra indicados, a fls. 123). (…)».
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5.1.2. Caso concreto
Concretizando, verifica-se que que, no âmbito do presente incidente de incumprimento de responsabilidades parentais, tendo a Requerida alegado - face ao requerimento inicial do Requerente - , veio a ser designada uma conferência de pais, onde ambos não chegaram a acordo.
Realizadas depois as demais diligências probatórias entendidas pelo Tribunal a quo como necessárias e suficientes, foi proferida sentença, julgando verificado o incumprimento assacado à Requerida, nomeadamente do regime de guarda do filho então menor R. N. (primeiro confiado ao Requerente, e depois consigo residente); e, subsequentemente, de contactos/visitas do Menor com o respectivo Progenitor (não assegurado).
Com efeito, tendo a Requerida reconhecido as acções e omissões objectivas em causa (isso é, ter acolhido o Filho em sua casa, onde desde o dia 07 de Março de 2016 reside exclusivamente, não mais acedendo a estar, a visitar, ou a atender o Pai), considerou depois o Tribunal a quo deverem-se aqueles comportamentos do Filho à sua actuação, que «continua a promover o afastamento dos menores em relação ao pai, denegrindo a imagem deste junto dos filhos e dando deste modo azo ao comportamento dos mesmos», onde ainda se incluiu a fuga de J. N. da casa do pai, no mesmo dia 07 de Março de 2016, mas para onde regressou no dia seguinte, depois de ter pernoitado na casa da Mãe.
Recorda-se que na prévia sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais, e de cujo incumprimento se cuida aqui, ficou assente a alienação parental promovida pela Requerida (tendo sido precisamente por isso que ficou determinado que os dois Filhos então ainda Menores passassem a residir com o Pai, e não consigo, como até então).
Ponderou-se para o efeito, e nomeadamente, que: «7 - Desde a separação do casal e até à instauração desta acção, os menores raramente tinham oportunidade de conviver com o pai, por facto imputável à requerida, apesar de várias tentativas do requerente para maior contacto com os seus filhos»; «- face à iminência da dissolução do vínculo conjugal, estamos perante um processo de síndrome de alienação parental por parte da progenitora em relação ao progenitor»; «Neste momento a mãe sofre de perturbação clínica aliada à alienação parental, pelo que a capacidade parental da mãe está comprometida»; «- As consequências do impacto poderão ser nefastas no desenvolvimento e estruturação da personalidade destes menores»; «- A mãe demonstra sinais de dissimulação observáveis em toda a perícia, coloca-se como vítima, demonstra e exibe todos os factos processuais aos menores, que culminaram o reforço da culpabilização ao progenitor»; «- Declara-se factualmente uma situação de dependência e de submissão às provas de lealdade, com o medo dela mesmo ser abandonada, por não conseguir relativizar de forma adulta a separação dela com os menores. Proporciona vértices constrangedores nos filhos, inserindo-os numa posição de equipa, com vínculos de censura relativos ao pai, da qual, deveria a progenitora tê-los preservado»; «- Relativamente ao filho mais velho, B. N. (15) devemos alertar para o facto de que não deixa de ser uma criança/adolescente que tem cargo uma alta responsabilidade sendo-lhe atribuído o estatuto de homem da casa e de interlocutor entre estes pais. Deturpa todo o crescimento saudável a que o mesmo tem direito e da qual havendo uma falha o mesmo se poderá culpabilizar. O B. N., neste momento está em processo de parentificação, que consiste na atribuição do papel parental no sistema desta família, inclusive o mesmo intenciona ser o porta-voz neste processo a favor da progenitora. Este menor sente a responsabilidade por cuidar dos alegados interesses e de ajudar a progenitora a alcançar o objectivo por ela traçado»; «- No que diz respeito ao menor R. N. (13), que já padecia de problemas psicossomáticos (tiques e ansiedade), tenderão a aumentar e a usurpar o crescimento saudável, pelo que este menor preocupa-nos, no que respeita à integração social e destruição da imagem de Pai/Homem»; «No que respeita ao menor J. N. (5), o mesmo não padece de sintomas, mas padece de “contaminação” das pessoas que o envolvem por parte da progenitora, que culmina em falta de respeito ao progenitor»; «Podemos concluir nesta altura que o convívio com a mãe é patológico e não se demonstra saudável, pois a mesma não promove o verdadeiro convívio. Refere que não se opõe às visitas, mas no entanto não promove a mesma e reforça negativamente as visitas ao progenitor»; «Relativamente ao progenitor, neste momento será fundamental para os menores o convívio integral com o Pai, pois caso contrário, poderá comprometer de forma severa o futuro destes menores/rapazes como futuros homens e pais»; «Conclui-se que perante os factos, que o regime de exercício que melhor respeita aos interesses destes menores, é residir diariamente com o progenitor até à recuperação integral desta progenitora»; «- pode-se afirmar com toda a segurança neste processo que existe uma clara intenção de afastamento dos menores em relação ao pai levada a cabo por parte da progenitora»; «- os processos de instrumentalização da progenitora, concretizam-se através de um discurso de descrição de um pai ausente, que não dá atenção aos menores, como figura de austeridade. Esta progenitora coloca o menor B. N. neste processo como segundo progenitor, impondo-lhe uma responsabilidade como verdadeiro homem da casa, e responsabiliza-o como sendo detentor de um cargo de alta competência. Por este motivo, o menor B. N. demonstra ser uma criança manipulada pelo discurso da mãe, pois limitando-se a reproduzir o discurso da matriarca no que respeita ao progenitor»; «- Relativamente ao menor R. N., o comportamento de que a guardiã mãe usa para obstaculizar a boa convivência com o progenitor revela-se preocupante, pois o menor sentiu-se “traído”, quando o progenitor saiu de casa, e esta visão bem como memórias que o menor relata correspondem ao relato da progenitora, a qual denigre a imagem do progenitor»; «A vinculação entre a progenitora e o menor R. N., já não é aqui relatado como uma base futura até porque as sequelas já são exibidas no comportamento entre ambos, através de um apego excessivo e reveladoramente patológico»; «No que respeita ao menor J. N., a alienação ocorre no seu dia-a-dia com pequenos pormenores, aparentemente insignificantes, mais uma vez se destacando o episódio em que o progenitor foi impedido de levar o menor a um ATL, tendo sido impedido de estar com o filho. De igual forma a própria progenitora relatou na perícia que o menor J. N. defecava nas calças quando o pai o ia buscar, impedindo assim que o pai participasse na vida activa dos menores»; «A progenitora manipula os menores, pois se a convivência com o progenitor é de rejeição ou repulsa e este fenómeno claramente é reforçado, leva a que o pai seja privado destes menores por força de abuso emocional»; «O processo de alienação já ocorre e se não for interrompido poderá inviabilizar a convivência entre estes menores e o progenitor. Estas crianças crescerão com uma imagem do pai distorcida, errada e injusta».
Ficou ainda provado, relativamente ao Requerente (Recorrido), que o mesmo não padece de qualquer incapacidade ou menos valia parental, muito pelo contrário (não tendo também a Requerida, nestes autos, formulado contra ele qualquer acusação de violência ou abuso, perpetrada sobre si ou sobre os Filhos): «8) O Requerente, desde o nascimento dos seus Filhos, sempre foi um Pai cooperante e interventivo na educação e formação dos Filhos, ministrando-lhes todos os cuidados necessários»; «9) Só há cerca de cinco anos, é que passaram a ter empregada a tempo inteiro, pois antes, tinham apenas uma empregada de limpeza, duas vezes por semana, sendo ambos os Progenitores que cuidavam dos Filhos, o que sempre compatibilizaram, revezando-se, com as respectivas actividades profissionais»; «10) A Requerida ia às reuniões escolares dos Filhos e o Requerente ficava a cuidar Deles»; «11) O Requerente sempre lhes deu todo o tipo de apoio, transportando-os à escola e aos locais de desporto, lazer e festas ou aniversários de amigos»; «12) Mantendo um convívio estreito e são com os seus Filhos, numa profunda relação afectiva e carinhosa»; «13) Tendo todas as condições objectivas e subjectivas para os ajudar na aquisição de competências, conhecimentos, valores, bem como no seu desenvolvimento, autonomia e formação da sua personalidade»; «14) Desde o seu nascimento que o requerente sempre se preocupou e preocupa com o seu crescimento e desenvolvimento, interessando-se por Eles e querendo conviver e estreitar relações com Eles, que só o tempo mais alargado de convívio podem propiciar e fomentar, ante a actual situação de separação de facto dos Progenitores»; «- A capacidade parental do pai está preservada e tal como referido na avaliação do mesmo o progenitor é vítima tal como os menores neste processo»; «O requerente não padece de nenhuma limitação psicológica e as acusações são infundadas».
Reconhecendo-se neste momento que não é possível impor, por decisão judicial, a criação (manutenção ou retoma) de laços afectivos, reconhece-se igualmente que sem o convívio entre as pessoas envolvidas esses sentimentos nunca poderão sobrevir, por não terem oportunidade de se desenvolver.
Ora, a Requerida (Recorrente), não só actuou no passado com vista a privar os Filhos da vinculação afectiva ao respectivo Progenitor - com quem os mesmos mantinham até à ruptura conjugal uma saudável relação -, como persiste no presente na sua actuação de alienação da respectiva figura, em vez de promover activamente a recuperação da presença do Pai, como referência primária, juntos dos Filhos, conforme é seu dever funcional e direito daqueles.
O exposto vem sendo reiteradamente constatado nos autos, nomeadamente no Apenso B (de Alteração de Regulação de Responsabilidades Parenteais) e no Apenso D (de Incumprimento de Responsabilidades Parentais), em ambos tendo sido certificada a manutenção da sua conduta incumpridora, conforme e respectivamente: «A requerente manifestamente não tem qualquer diálogo com o progenitor dos menores e continua a não promover uma saudável convivência destes com o progenitor»; «A progenitora dos menores escuda a sua inércia em entregar o jovem R. N. ao pai, pelo facto de o mesmo manifestar a vontade de permanecer em casa da própria. Questão diversa é se essa vontade corresponde ao superior interesse do jovem».

Estas exigíveis omissão (da intencional alienação da figura do Progenitor junto dos Filhos) e acção (de activa promoção de recuperação da mesma figura) em nada se confundem com a exigência de deixar os Menores que demandassem a sua casa ao frio e à fome, no exterior da mesma, por forma a forçar o seu regresso à casa do Pai, actuação hipotética que aqui se repudia veementemente. O magistério de mãe que funcionalmente lhe cabe imporia sempre que lhes proporcionasse uma imediata protecção securizante, física e emocional; mas - e simultaneamente - que, fruto da sua qualidade de referência primeira na respectivas vidas, os ajudasse a ver no Pai alguém que os ama, que os protege e que nunca os abandonou, nem abandonará.

Face aos factos aqui elencados (dados como provados, e já antes afirmados como insusceptíveis de outra consideração), resulta sobejamente demonstrado o incumprimento pela Requerida do regime de exercício de responsabilidades parentais relativas aos seus dois filhos então menores, R. N. e J. N., tal como correctamente o considerou o Tribunal a quo.
Todas as demais considerações da Requerida, nomeadamente pertinentes ao alegado risco de morte súbita que adviria para o próprio de uma entrega forçada do filho R. N. ao Progenitor, não só não foram oportunamente alegadas por si nos autos (em momento anterior à prolação da sentença aqui sindicada), como não foram por si depois provadas, face à detalhada e credibilizada impugnação que mereceram por parte do Requerente.
Por fim, dir-se-á ainda que, a verificarem-se - e sempre face à matéria que o este Tribunal da Relação se vê imperativamente obrigado a considerar - , dever-se-ão em grande parte à sua própria actuação; e ser-lhe a si igualmente imputável (e não ao Requerente, que enquanto manteve a guarda dos Filhos menores sempre assegurou escrupulosamente o seu direito de visitas aos mesmos) o desrespeito pelo princípio da continuidade das relações psicológicas profundas, previsto no art. 4º, al. g) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo - L.P.C.J.P. (Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro).

Será, assim, de manter a sentença recorrida, na parte em que condenou a Requerida numa multa, de dez UCs, e numa indemnização de igual montante a favor dos então Menores e do Progenitor Requerente, montantes que se têm por adequados, ponderando: a longa duração do incumprimento em causa, no caso de R. N. ininterruptamente desde 07 de Março de 2016; as gravíssimas consequências que dele advêm para o desenvolvimento saudável e harmonioso dos Filhos; e a ilegítima e penalizadora frustração do exercício de uma parentalidade desejada pelo Requerente (sem que lhe seja apontada qualquer conduta censurável que o desaconselhasse).
Inexiste, por isso, qualquer violação do princípio da proporcionalidade e da actualidade, previsto no art. 4º, al e) da L.P.C.J.P..
Já relativamente à parte da sentença recorrida que ordenou a imediata entrega, pela Requerida/Progenitora, do filho R. N. ao Requerente/Progenitor, não só se veio a considerar nos próprios autos não estarem ainda reunidas as condições para que a entrega fosse concretizada contra a sua vontade - mantendo-se a respectiva recusa - , como entretanto o antes Menor atingiu a maioridade, em 02 de Outubro de 2017; e com ela cessou a sua incapacidade de exercício de direitos e sujeição ao poder paternal (arts. 122º e 124º, ambos do C.C.).
Não poderá, por isso, manter-se.
*
5.2. Litigância de má fé
5.2.1.1. Definição legal
Lê-se no art. 542º, nº 2, als. a), b), c) e d) do C.P.C. (como no art. 456º, nº 2, als. a), b), c) e d) do anterior C.P.C.), que será considerado litigante de má-fé «quem, como dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, ou tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, ou tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Enquanto as alíneas a) e b) se reportam à chamada má-fé substancial (directa e indirecta), as restantes alíneas contendem com a má-fé instrumental.
Face à expressa redacção em causa, dúvidas não subsistem que existe um dever de verdade por parte dos litigantes, mesmo que ela resulte contra si (afastando-se a tese de que ninguém seria obrigado a articular a verdade contra si próprio), conforme claramente também resulta do art. 459º do C.P.C., que impõe que o depoente de parte seja advertido «do dever de ser fiel à verdade» (Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, Coimbra, 1987, p. 169 e 170).
De forma mais abrangente, dir-se-á que o «juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“». Compreende-se, por isso, que, tipificando a lei «as situações objectivas de má fé», exija «simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico» (Ac. da RC, de 16.12.2015, Jorge Arcanjo, Processo nº 298/14.7TBCNT-A.C1, com bold apócrifo, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
O dever de cooperação (referido na alínea c) citada) encontra-se definido no art. 7º, nº 1 do C.P.C. (como no art. 266º, nº 1 do anterior C.P.C.), aí se afirmando que «na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio».
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «o instituto da litigância de má-fé não tutela interesses ou posições privadas e particulares, antes acautelando um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça – destina-se a combater a específica virtualidade da má-fé processual, que transforma a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial» (Ac. da RP, 20.10.2009, Ramos Lopes, Processo nº 30010-A/1995.P1).

Importa, porém, precisar que, já antes da redacção conferida ao C.P.C. pelo Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro (na altura, ao seu do art. 456º, nº 2), tanto a jurisprudência como a doutrina entendiam que a condenação por litigância de má-fé pressupunha a existência de dolo, neste caso a voluntária dedução de uma oposição cuja falta de fundamento se não ignorava, ou a voluntária e consciente alteração da verdade dos factos. Era, pois, necessária a consciência de não se ter razão (Ac. da RC, de 11.01.1983, CJ, Tomo I, p. 28).
Por outras palavras, então o que importava é que existisse uma «intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas (…) leviandade ou imprudência (má fé em sentido ético)» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 358). Estas leviandade e imprudência, bem como o erro, ou a falta de justa causa, seriam insuficientes para caracterizarem a má-fé processual, exigindo-se a consciência (o saber) e a vontade (o querer) de se estar a actuar contra a verdade, ou com propósitos ilegais.
Assim, «no dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida - dolo directo - ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial - dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se, dos meios e poderes processuais, um uso manifestamente reprovável» (Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, I, Almedina, 1984, p. 380, com bold apócrifo).
O fundamental era, pois, a equiparação ou aproximação do dolo à má-fé, sendo que «na base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 1982, p. 263).
No mesmo sentido se foi concertadamente pronunciando a jurisprudência, concluindo: pela má-fé, «quando facto negado pela parte é verdadeiro e pessoal» (Ac. da RC, de 29.07.1958, Jurisprudência das Relações, 1958, 1029); «má-fé é incompatível com ignorância ou imperfeito conhecimento da verdade» (Ac. da RL, de 09.01.1959, Jurisprudência das Relações, 1959, 9); «para haver má-fé exige-se o conhecimento e não só a mera presunção do conhecimento de que a pretensão ou a oposição deduzida são infundadas» (Ac. da RP, de 18.11.1966, Jurisprudência das Relações, 1966, 909); «é requisito da má-fé o dolo» (Ac. do STJ, de 28.10.1975, BMJ nº 250, p. 156); «má-fé tem como pressuposto o dolo, que é a consciência de se não ter razão» (Ac. da RC, de 14.01.1983, CJ, Tomo 1, p. 28).
(Na doutrina, com utilidade: Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, I, Almedina, 1984, p. 382; Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, em especial, p. 178-182, 269-286; Cunha de Sá, Abuso do Direito, reimpressão da edição de 1973, Almedina, 1997, p. 268 a 274).

Com o Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, consagrou-se um regime mais exigente, em conformidade com o reforço dos deveres de colaboração das partes, consagrados nomeadamente no art. 266º-A (dever de boa fé processual) e no art. 266º-B (dever de recíproca correcção).
Assim, admitiu-se expressamente que, ao lado do dolo, figurasse igualmente a negligência grave, por isso se substituindo o necessário conhecimento da falta de fundamento da oposição deduzida, pela obrigação de conhecer a falta de fundamento da oposição deduzida.
Esta intenção foi claramente assumida e explicitada no Relatório do Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, onde se lê que se consagrou «expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos».
Integram o conceito de negligência grave designadamente as seguintes situações: lide temerária ou ousada (a parte, embora convencida da sua razão, incorreu em erro grosseiro, ajuizando a acção ou a defesa com desconsideração de motivos ponderosos, de facto ou de direito, que comprometiam a sua pretensão); o que demanda por mero capricho, com espírito de emulação ou com erro grosseiro; a lide leviana ou imprudente; a falta grave do dever de diligência; a pertinaz e contundente oposição, clara e decisivamente infundada, por incorrecta interpretação e aplicação da lei e por desajustamento aos factos provados; a pretensão ou defesa manifestamente inviáveis, constitutivas do abuso do direito de acção; e a deficiência técnica grave (apud Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, Almedina, I Vol., 1998, pg. 317. Na jurisprudência, com idêntico detalhe, Ac. da RE, de 12.03.2015, Bernardo Domingos, Processo nº 119631/12.3YIPRT-A.E1).

Contudo, a condenação como litigante de má-fé pressupõe prudência e cuidado do julgador, bem como a correcta destrinça entre lide temerária ou ousada e a actuação dolosa ou gravemente negligente, sob pena de se poder estar a cercear indevidamente o direito de acção.
Com efeito, o direito de acção integra-se no direito fundamental de acesso aos tribunais (art. 20º, nº 1 da C.R.P.), constituindo um direito subjectivo autónomo e distinto do direito material que se pretende fazer actuar em juízo, pelo que o seu exercício não está dependente de qualquer requisito prévio de demonstração da existência do direito substancial. Exigir isso, seria fechar a porta a todos os interessados: aos que não têm, e aos que têm razão. Assim, o recurso aos tribunais judiciais representa um facto lícito, mesmo que se venha a demonstrar que o direito que se pretendeu fazer valer em juízo não existia. O direito de acção só é ilegítimo quando se litiga com má-fé (mais desenvolvidamente, Ac. da RL, de 16.12.2003, Arnaldo Silva, Processo nº 7724/2003-7).
Logo, a litigância de má-fé não pode confundir-se com: pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da prova respectiva, de não se ter logrado convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento; a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; a discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos; ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, lograr convencer.

Com efeito:
. «Não havendo a parte logrado provar os factos por si articulados, nem por isso se pode concluir pela falsidade ou a desconformidade com a verdade da alegação respectiva, de forma a tornar legítima uma pronúncia de litigância de má fé com base na alínea b) do nº2 do Artigo 456º do Código de Processo Civil» (Ac. do STJ, de 11.12.2003, Lucas Coelho, Processo nº 03B294).
«Ou seja, o juízo sobre a má fé não deve ser mera decorrência da prevalência de uma das teses factuais em confronto, devendo, antes, basear-se num convencimento assente em dados irrefutáveis» (Ac. do STJ, de 19.09.2002, Quirino Soares, Processo nº 02B1949).

. «A falta de razão da parte, segundo o entendimento do tribunal, não chega para caracterizar a má fé. Se estivermos no âmbito duma interpretação dos factos e do direito em que seja ainda aceitável divergência de opiniões e discordância das partes, estando estas genuinamente convictas da sua razão substantiva, então será de reconhecer que nos situamos no domínio do exercício (lícito) do direito de acesso ao direito e aos tribunais, constitucionalmente protegido» (Ac. da RP, de 27.01.2009, Mário Serrano, Processo nº 0827486).

. Em matéria de direito, designadamente o processual, a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta (Ac. do STJ, de 26.02.2009, Salvador da Costa, Processo nº 09B0278).
Nestas circunstâncias, não pode arredar-se a hipótese de a Autora ter litigado com a suposição errada, mas seriamente tomada, de que a acção seria processualmente viável e, em caso de séria dúvida, é assim que deverá julgar-se (Ac. do STJ, de 02.10.2003, Araújo de Barros, Processo nº 03B1972. No mesmo sentido, Ac. da RG, de 15.10.2015, Ana Cristina Duarte, Processo nº 3030/11.3TJVNF.G1).
*
5.2.1.2. Consequências
Concluindo-se pela má-fé, será a parte prevaricadora condenada em multa que sancione o seu comportamento, e, caso tenha sido pedida pela parte contrária, numa indemnização a favor desta (actual art. 542º, nº 1 e anterior art. 456º, nº 1, ambos do C.P.C.).
A respeito da multa dispõe o 27º, nº 3 do R.C.P. (como já antes dispunha o art. 102º, al. a) do C.C.J.), devendo a mesma ser fixada entre duas a cem unidades de conta processuais.
Dentro destes limites, deverá atender-se «ao grau de má fé, revelado através dos factos concretos, e à situação económica do litigante doloso, por forma a assegurar quer a função repressiva, de punir o delito cometido, quer a função preventiva, de evitar que o mesmo ou outros o pratiquem de futuro» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, Coimbra Editora Limitada, Coimbra, 1981, p. 269).

Já a respeito da indemnização dispõe o art. 543º do C.P.C. (anterior art. 457º), segundo o qual a mesma poderá consistir «no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários» (al a), bem como, e em acréscimo àquele reembolso, «na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé» (al b).
Deste modo, a situação prevista na alínea a) constitui uma modalidade de indemnização limitada, simples ou de primeiro grau, que se reporta ao «reembolso das despesas que a má-fé obrigou a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos».
Contudo, «o litigante de má fé só tem que pagar a importância equivalente às despesas que o seu adversário teve de fazer como consequência directa da má fé. Quer dizer, a responsabilidade limita-se aos danos directamente emergentes do procedimento doloso» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p. 276-277).
A situação prevista na alínea b) constitui uma modalidade de indemnização plena, agravada ou de segundo grau, que se reporta ao «reembolso das despesas e satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária». Agora «a responsabilidade traduz-se na fórmula “lucros cessantes e danos emergentes”, quer os danos sejam consequência directa da má fé processual, quer sejam consequência indirecta» (Alberto dos Reis, ibidem).
Por outras palavras, a indemnização integra prejuízos correspondentes a danos emergentes e a lucros cessantes que tenham, directa ou indirectamente, por fonte o comportamento doloso ou gravemente negligente, sem exclusão dos danos de natureza não patrimonial desde que com a litigância tenham o nexo exigido por lei, de causalidade adequada (Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, Vol. I, 1998, p. 336).
Face a ambas as formas legais, das alíneas a) e b) citadas, o juiz deverá optar «pela indemnização que julgar mais adequada à conduta da parte»; «naturalmente, que o tribunal imporá ao litigante ou a indemnização simples, ou a indemnização agravada, conforme o grau de má fé, conforme a maior ou menor gravidade da conduta dolosa», não tendo «que ser levado em conta (…) a capacidade económica e financeira do condenado, nem tão pouco o valor da acção», ponderados sim a propósito da multa igualmente aplicada a este título (Alberto dos Reis, op. cit., p. 278).
Resta dizer que, «em qualquer dos casos [das alíneas a) e b) do nº 1 do art. 456º citado], não estão em causa todos os danos que a parte contrária possa ter sofrido em consequência do processo, mas apenas aqueles que, tendo-se produzido posteriormente a ela, são imputáveis à litigância de má fé» (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, p. 225, com bold apócrifo).
Diz-se então que «a indemnização há-de circunscrever-se ao âmbito processual em que a má fé operou. (…) Pelo Código só tem de tomar em consideração as despesas ocasionadas pela má fé e como esta pode dizer respeito unicamente a determinada fase do processo, a actos, termos e incidentes limitados, daí a diferença considerável» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p. 278).
Por outras palavras, se a condenação respeitar apenas a uma fase processual, a indemnização à parte contrária deve corresponder apenas às despesas feitas nessa fase.
Assim, e por exemplo, se a má-fé ocorreu com a apresentação da contestação, apenas os danos sofridos a partir daí poderão ser tidos como consequência dessa má fé (cfr. Ac. da RP, de 04.03.1993, Emérico Soares, BMJ nº 425, pg. 624). Logo, a indemnização devida na sequência da condenação por litigância de má-fé tem de ligar-se por um nexo de causalidade adequada aos danos que não existiriam se não tivesse existido a litigância dolosa (Ac. da RL, 31.05.2007, Américo Marcelino, Processo nº 3490/2007-2).
No caso do reembolso de despesas tidas com honorários, estes «são pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado» (nº 4 do actual art. 543º, e nº 3 do anterior art. 457º, citados).
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5.2.2. Caso concreto
Concretizando, verifica-se que, tendo o Requerente pedido a condenação da Requerida como litigante de má fé, o fez apenas perante as suas alegações de recurso; e alicerçou o seu pedido no facto da mesma «já por diversas vezes ter defendido a necessidade da audição do menor, a fim de salvaguardar o seu superior interesse, não obtendo ganho de causa nessa sua pretensão com justificação reconfirmada pelo Tribunal da Relação», bem como ser «evidente que a recorrente, como resulta da sentença», vir «usando todos os meios e expedientes para impedir, através de uma qualquer decisão judicial, as visitas do filho ao pai, o que na prática já consumou há muto tempo».
Dir-se-á, primeiro, que o facto da Requerida ter, sem sucesso, peticionado a audição do então menor R. N. nos autos principais ou nos seus outros apensos, não lhe interditaria automaticamente que o fizesse igualmente nestes: constituindo a dita audição uma diligência de prova, o conteúdo concreto destes autos - distinto dos demais - poderia agora justificar a diligência, sendo pelo menos admissível a sua dúvida sobre o correcto juízo a formular.
Já relativamente a ter a Requerida «usado de todos os meios e expedientes para impedir as visitas do filho ao pai», atento o teor dos autos só podem aqueles consubstanciar a alegação/oposição que nos mesmos deduziu à sua condenação, uma vez que todas as diligências que depois se realizaram se deveram à iniciativa do próprio Tribunal.
Logo, a conduta que inviabilizou o dito regime de visitas foi a mesma que aqui mereceu a sua condenação como incumpridora do regime de exercício das responsabilidades parentais, exclusivamente adoptada fora da tramitação dos presentes autos; e não pode também este Tribunal da Relação afirmar que a Requerida estaria seguramente convencida da falta de razão que lhe assistiria.
Considera-se, assim, que, sendo embora uma possibilidade, os autos não reúnem indícios suficientemente fortes para que se possa afirmar que a Requerida litigou de má fé, não devendo ser condenada a esse título.
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto pela Requerida (já que a falta de confirmação de uma parte da sentença sindicada se deveu unicamente a ter entretanto R. N. atingido a maioridade, adquirindo por isso total capacidade de exercício de direitos e deixando de estar sujeito ao poder paternal); e pela absolvição da Requerida do pedido de condenação respectiva como litigante e má fé.
*
VI – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação apresentado por A. B., e em julgar improcedente o pedido de condenação respectiva como litigante de má fé, e, em consequência, em:

· confirmar a sentença recorrida, na parte em que julgou verificado o incumprimento, pela Requerida (A. B.), do regime de exercício de responsabilidades parentais pertinente aos filhos J. N. e R. N., e a condenou numa multa de dez UCs, e em indemnização de igual montante a favor dos referidos Filhos e do Progenitor requerente (F. N.);

· declarar prejudicada a entrega imediata pela Requerida progenitora, ao Requerente progenitor, do filho R. N., por o mesmo ter atingido a respectiva maioridade em 02 de Outubro de 2017.

· absolver a Requerida (A. B.) do pedido de condenação respectiva como litigante de má fé, formulado pelo Requerente (F. N.).
*
Custas da apelação pela respectiva Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 19 de Outubro de 2017.


(Relatora) (Maria João Marques Pinto de Matos)
(1º Adjunto) (José Alberto Martins Moreira Dias)
(2º Adjunto) (António José Saúde Barroca Penha)