Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3030/11.3TJVNF.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
SOCIEDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes.
2. O novo CPC é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes.
3. Neste novo CPC – artigo 544.º -, relativamente à litigância de má fé, deixou de estar prevista a responsabilização do legal representante da sociedade, em vez desta, que passou a ser responsabilizada nos termos da regra geral do artigo 542.º.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
“S…, Lda.” deduziu ação declarativa contra “M…, Lda.” pedindo que a ré seja condenada a pagar à autora as quantias de € 47.120,00 correspondente aos kg de café que não foram consumidos, € 28.272,00 referente a prejuízos e lucros cessantes em consequência do incumprimento do contrato e € 22.565,39 correspondente ao valor do material entregue pela autora à ré como contrapartida publicitária, quantias essas acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.
Contestou a ré, em 23 de Março de 2012, invocando a nulidade do contrato e o abuso de direito, para além de se defender por impugnação.
Replicou a autora, respondendo à matéria de exceção e peticionando a condenação da ré como litigante de má fé no pagamento de uma indemnização a favor da autora em montante nunca inferior a € 3500,00.
Treplicou a ré para contestar o pedido de litigância de má fé e para requerer a condenação da autora como litigante de má fé a pagar o reembolso das quantias suportadas pela ré, em quantia não inferior a € 5000,00, pedido que foi rejeitado pela autora em novo articulado.
Foi proferido despacho saneador e definidos os factos assentes e a base instrutória.
No decurso da instrução, veio o mandatário da ré juntar documentos comprovativos da dissolução da ré, tendo a acta de deliberação da dissolução, a data de 28/02/2011 e a acta de encerramento da liquidação, a data de 31/01/2012.
A autora pugnou pelo prosseguimento da ação, com a substituição da sociedade pelos seus sócios e a condenação destes como litigantes de má fé, por terem omitido ao tribunal a liquidação da sociedade, na data em que aquela se apresentou a contestar.
Posteriormente, veio a ré invocar a sua ilegitimidade, por já se encontrar dissolvida aquando da interposição da ação, pugnando pelo indeferimento da requerida má fé dos seus sócios.
Foi ordenada a citação dos sócios da ré para os termos da ação, tendo-se estes apresentado a contestar, por exceção – ilegitimidade passiva e inutilidade da lide derivada de ausência de partilha de quaisquer bens da sociedade pelos sócios - e impugnação.
Respondeu a autora, pugnando pela condenação dos réus como litigantes de má fé, ao que estes responderam, pugnando pelo indeferimento.

Foi proferida sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e condenou M…, na qualidade de legal representante da ré M…, Lda., na multa de 5 UCs e na indemnização que vier a ser fixada relativamente a honorários e despesas decorrentes da atividade processual subsequente à contestação por parte da autora S…, Lda.

Discordando da sentença, na parte em que o condenou como litigante de má fé, dela interpôs recurso M…, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
I) No dia 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (JusNet 987/2013), conforme consta do seu artigo 8°. Comparando o texto do artigo 548° do código revogado, com o do novo artigo 544°, constata-se que foi eliminada a responsabilidade individual da pessoa singular que aja de má-fé em representação da parte, pessoa colectiva ou sociedade;
II) Ora, nos termos do artigo 5° n.º 1 do referido diploma que aprovou o novo Código, este "é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes".
III) Sendo assim, à face do novo artigo 544° do CPC, a conduta do representante da ré, deixou de estar tipificada e, portanto, de ser punível, passando a sê-lo a própria sociedade.
IV) Assim, a Meritíssima Juiz a quo não podia aplicar - como aplicou - a norma do artigo 458.º do Código de Processo Civil anterior, em virtude de ser aplicável aos presentes autos o artigo 544.º do novo Código de Processo Civil, como é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência portuguesas.
Daí ser tal decisão manifesta, clara e objectivamente ilegal, devendo ser revogada, como se impõe.
V) A ré nunca litigou de má-fé, isto porque a presente acção foi interposta em 20/09/2011, seis meses após a sua dissolução, que ocorreu em 21/03/2011. Assim, foi dissolvida muitos meses antes da entrada da presente acção em juízo, pelo que o seu representante legal não pode ser responsabilizado pela circunstância da autora estar a demandar uma sociedade já extinta.
VI) Pela dissolução se ter verificado há quase um ano, quando foi citado para a acção - em 23/02/2012 -, o sócio da ré não informou o mandatário dessa ocorrência. Por isso, e só por isso, este contestou a acção nos termos em que o fez. E só quando se encontrava a preparar o julgamento, em Dezembro de 2013, é que se apercebeu da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade, disso dando imediata conta ao tribunal.
VII) Quem tinha obrigação de não intentar a acção contra uma sociedade extinta e em liquidação era a autora. Foi ela e não a ré que fez do processo um uso manifestamente reprovável, pois antes de a accionar tinha a obrigação de saber qual a sua situação jurídica.
Assim, a incúria e a negligência foram da autora, não da ré, nem do seu legal representante.
VIII) Por outro lado, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
IX) A pretensa litigância de má-fé não resulta provada, nem se manifesta nos autos, não se demonstrando qualquer actuação dolosa ou gravemente negligente da ré, com vista a conseguir um objectivo ilegal, a impedir a descoberta da verdade, ou a entorpecer a acção da justiça, não decorrendo a verificação de actuação de litigância de má-fé, por si só, da circunstância de a parte não ter alegado a sua dissolução nos articulados.
X) Ademais, exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, situação esta que não se verificou nos presentes autos.
Daí a manifesta falta de fundamentos fácticos e legais para a condenação da ré como litigante de má-fé.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão de condenação do legal representante da ré, como litigante de má-fé, com todas as consequências legais.
Assim se fará a habitual sã e serena JUSTIÇA!

Contra alegou a autora pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver prende-se com a correção da condenação como litigante de má fé.

II. FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida não fixou os factos com base nos quais procedeu à aplicação do direito (que resultam da tramitação processual supra elencada), sendo o seu teor o seguinte:
“Uma vez que não entraremos no julgamento do mérito da causa, fica prejudicada a apreciação do incidente de litigância de má fé suscitado pela Autora na réplica.
Resta, contudo, apreciar o incidente de litigância de má fé suscitado pela demandante no articulado de resposta àquele que foi apresentado pelos sócios após a respetiva citação para o prosseguimento da lide nos termos do artigo 1620 do Código das Sociedades Comerciais.
No instituto da litigância de má fé está em causa a violação do dever de probidades que pode assumir uma modalidade substancial e outra instrumental.
Será a primeira quando diga respeito ao fundo da causa, ou seja, à relação substancial apresentada em juízo; será instrumental caso se reconduza a um modo reprovável de usar os meios processuais para fazer vingar as respetivas pretensões.
O artigo 456° do Código de Processo Civil enumera os casos que catalogou de suficientemente graves para merecerem o juízo de censura inerente a este instituto:
- a parte:
»deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não deve ignorar;
» altera a verdade dos factos ou omite outros relevantes para a decisão da causa;
» omite gravemente o cumprimento do dever de cooperação;
» faz do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar sem fundamento sério o trânsito em julgado da sentença.
Para não caírem no âmbito de aplicação deste preceito e respetivas sanções, as partes deverão litigar com a devida correção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres previstos nos artigos 266° e 266°-A.
Como decorre do artigo 456° do Código de Processo Civil, a litigância de má fé assenta numa atuação que desrespeita o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo.
A censura pode basear-se na existência de um comportamento doloso ou gravemente negligente.
Como se extrai da primeira parte do presente despacho, a Ré, na pessoa do seu legal representante e liquidatário, M…, omitiu gravemente o dever de cooperação com o Tribunal e a parte contrária, que redundou num uso manifestamente reprovável do processo, na medida em que, não obstante tivesse sido citado 23 de Fevereiro de 2012, quase um mês após a deliberação aprovada por si e pela sócia Ma… no sentido de encerrar a liquidação da sociedade, não comunicou aos autos tal facto com a contestação. Tal omissão deu origem à apresentação de articulados de réplica, tréplica, elaboração de despacho saneador e seleção da matéria de facto, apresentação de requerimentos probatórios, já que apenas na fase de julgamento, concretamente, em 20 Dezembro de 2013, foi comunicada a dissolução e extinção.
Estamos perante um comportamento merecedor de censura: nem se diga que o legal representante da demandada não sabia nem tinha obrigação de saber das implicações legais da dissolução, uma vez que é do senso comum que esta, com o subsequente apuramento do ativo e do passivo, visa pôr termo à existência da pessoa coletiva. Por outro lado, deveria ser do senso comum e interiorizado pelos cidadãos em geral o conteúdo das suas obrigações perante o aparelho de administração da Justiça, mormente, o dever de contribuir para a rápida resolução dos litígios e para a descoberta da verdade, de cumprimento fundamental sob pena de falência e descrédito do sistema judicial. No caso, a deliberação de encerramento da liquidação tinha sido tomada 23 dias antes da sua citação, pelo que, sendo um facto tão recente, muito se estranha que não transmitisse tal facto ao respetivo Mandatário quando entrou em contacto com o mesmo para o inteirar da pretensão deduzida e dos fundamentos para a dedução da defesa.
Concluindo-se pela existência de litigância de má fé, impõe-se a condenação da Ré na pessoa do legal representante M…, em multa nos termos das disposições conjugadas dos artigos 456° n° 1, 458° (apesar de a redação do artigo 544.º prever apenas a responsabilidade do representante de incapazes, precisamos de ter presente que a omissão que está na origem da condenação ocorreu antes da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, uma vez que o primeiro despacho que agendou a audiência de julgamento foi proferido em 18 de Março de 2013) do Código de Processo Civil e 27° nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Nesta multa, a fixar segundo o prudente arbítrio do julgador dentro dos limites do último preceito citado, há de atender-se à intensidade do dolo ou negligência manifestados em equação com a capacidade económica e financeira do litigante.
A negligência revelada pela conduta do legal representante da Ré é grave
Em contrapartida, não se apurou qualquer facto relacionado com a situação patrimonial do mesmo.
Assim, atendendo tão só à gravidade da conduta, a sanção corresponde a cinco UCs.
A indemnização da parte contrária pode consistir no reembolso das despesas a que a litigância tenha obrigado, incluindo honorários de mandatários e técnicos e na satisfação de prejuízos que tenham resultado como sua consequência direta ou indireta.
A contestação apresentada com omissão de informação relevante conduziu à apresentação de articulado de réplica, requerimentos probatórios, resposta a reclamação sobre a seleção da matéria de facto e a outros incidentes.
Tal reflete-se, mormente, no pagamento de honorários e em variadas despesas relacionadas com a presente lide.
O artigo 457° n° 1 do Código de Processo Civil dispõe que se não houver elementos para fixar na sentença a importância da indemnização, as partes serão ouvidas e fixar-se-á com prudente arbítrio o que se afigurar razoável.
Os presentes autos não contêm qualquer elemento que permita determinar o montante dos prejuízos decorrentes da litigância da Ré, não restando alternativa ao mecanismo previsto na norma citada.
Pelo exposto, ao abrigo das normas citadas, julgando procedente o incidente de litigância de má fé, condeno M…, na qualidade de legal representante da Ré M…, Ld", na multa de cinco UCs e na indemnização que vier a ser fixada relativamente a honorários e despesas decorrentes da atividade processual subsequente à contestação por parte da Autora S…, Ld.a.
Custas do incidente a cargo da Ré. Registe e notifique”

Como já vimos, a única questão a resolver no presente recurso prende-se com a bondade da condenação do legal representante da ré como litigante de má fé.
Antes de avançarmos, diremos que se nos afigura que in casu não estavam reunidos os pressupostos para a condenação como litigante de má fé, ao abrigo do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 542.º do CPC (anterior artigo 456.º), ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido.
Nos termos da actual legislação, e após a reforma processual introduzida pelo Decreto-Lei n.º n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa, tal como preconizava A. Reis, in «Código de Processo Civil Anotado», II volume, pág.280, e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.
Como refere Menezes Cordeiro «alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo» (in «Da Boa Fé no Direito Civil», Colecção Teses, Almedina).
Pode ler-se no Acórdão desta Relação de 11/05/2010, disponível em www.dgsi.pt/jtrg: «No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380). Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48).
O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 266º-A, do mesmo diploma legal. Em qualquer caso a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil».
De acordo com a interpretação que se vem fazendo do estatuído pelo artigo 456.º do Código de Processo Civil, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte
A sanção por litigância de má fé apenas deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes. A condenação por litigância de má fé só deve ser proferida quando não haja dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte. Daí que, para que se conclua que uma parte litigou de má fé não basta que a parte não veja acolhida a sua pretensão ou a sua versão dos factos. Pode defender convicta, séria e lealmente uma posição sem dela convencer o tribunal – veja-se, neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 12/05/2005 e 06/10/2005 in www.dgsi.pt/jtrp.
De igual modo se tem vindo a considerar na jurisprudência que a sustentação de teses controvertidas na doutrina e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, mesmo que integre litigância ousada, não integra litigância de má fé – Acórdão da Relação de Coimbra de 16/11/2004, in www.dgsi.pt/jtrc.

Ora, da análise do comportamento processual da ré não pode concluir-se pela sua litigância de má fé, apenas porque não deu conhecimento oportuno ao tribunal da sua liquidação enquanto sociedade.
Não conseguimos ver que tal atuação tenha desrespeitado o tribunal ou a parte contrária. Aliás, como vimos, a parte contrária, ao conhecer a situação de liquidação da sociedade promoveu, mesmo, a continuação da ação contra os sócios daquela, tendo decaído em tal pedido nos termos que constam da sentença proferida nos autos.
Deve, também dizer-se que as questões da dissolução, liquidação e encerramento, têm um cunho marcadamente jurídico, não sendo exigível ao legal representante da ré que tivesse conhecimento das implicações processuais da dissolução e liquidação da sociedade perante uma ação de cobrança de dívida, implicações essas que, aliás, nem sequer são unânimes, como se viu perante a atuação da autora que pretendeu prosseguir com a ação, mesmo depois do conhecimento nos autos da sua liquidação.
Daí que não possa imputar-se à sociedade ré e ao seu legal representante um comportamento consciente e reprovável com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
Pode, aliás, considerar-se igualmente censurável o comportamento da autora, ao intentar ação para cobrança de dívidas contra uma sociedade dissolvida sete meses antes da entrada em juízo da petição inicial.
Nenhum dos dois comportamentos pode, no entanto, considerar-se de má fé no sentido do desrespeito do tribunal eivado de um comportamento doloso ou gravemente negligente, no sentido que lhe apontámos supra.
Assim, pensamos que não existem nos autos elementos que levem à conclusão da litigância de má fé no sentido de que ela só deve ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, não se levantando quaisquer dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.

Quanto à primeira questão colocada pelo apelante, relativamente à aplicação da lei no tempo, entendemos que, também aqui terá razão.
Com efeito, o artigo 5.º n.º 1 da Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, que aprovou o Código de Processo Civil diz que este é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes (não se observando aqui nenhuma das exceções consagradas nos números seguintes deste artigo).
A regra aqui estabelecida foi a da aplicabilidade imediata do CPC, evitando-se, assim, que durante anos se continuasse a aplicar o CPC revogado – ver anotação a este artigo in CPC – Comentários e Anotações Práticas, António Martins, 2.ª edição, pág. 13.
Não releva aqui o facto de o comportamento imputável ao legal representante da ré ter ocorrido ainda na vigência do CPC revogado, uma vez que o novo CPC eliminou expressamente a possibilidade de o legal representante ser responsabilizado em vez da sociedade – artigo 544.º -, passando esta a ser responsabilizada nos termos da regra geral do artigo 542.º, ambos do NCPC.
Assim, ainda que se verificassem os fundamentos da condenação por litigância de má fé, nunca o legal representante da sociedade ré poderia ser condenado no lugar desta, face ao que dispõe o atual CPC, designadamente, os seus artigos 542.º e 544.º, motivo pelo qual procedem as conclusões da alegação do apelante, devendo ser revogada a decisão recorrida.

Sumário:
1. Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes.
2. O novo CPC é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes.
3. Neste novo CPC – artigo 544.º -, relativamente à litigância de má fé, deixou de estar prevista a responsabilização do legal representante da sociedade, em vez desta, que passou a ser responsabilizada nos termos da regra geral do artigo 542.º.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida que condenou o apelante, na qualidade de legal representante da ré, como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor da parte contrária.
Custas pela apelada.
Guimarães, 15 de outubro de 2015
Ana Cristina Duarte
Francisco Cunha Xavier
Francisca Mendes