Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
444/04.9TBPVL.G1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: ARRENDAMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I – Mesmo depois da determinação da penhora, o Tribunal pode (deve) formar um juízo valorativo sobre a falta ou insuficiência de título executivo, assim obviando aos inconvenientes e prejuízos que o prosseguimento da execução pode acarretar para o executado, mas essa apreciação só se justifica nas situações em que esse vício é manifesto e evidente, ressalvado que seja o limite temporal a que alude o art. 820º, nº 1 do CPC;
II – A sentença homologatória de uma transacção pela qual as partes, numa acção de despejo, acordam em revogar por comum acordo o contrato de arrendamento para 31.07.2006, mais estipulando que a Ré, ora executada, pode «antecipar ou postecipar» essa data, mantendo-se a obrigação de pagamento da renda «enquanto durar a ocupação efectiva e o contrato só se extingue com a desocupação», não tem a virtualidade de servir de título na acção executiva posteriormente instaurada pelo exequente e em que este, alegando que a Ré executada não desocupou o locado, mantendo-se o arrendamento, pretende a cobrança das rendas e da indemnização moratória de 50% do valor delas;
III – Os pressupostos para a formação do título previsto no art. 15º, nº 2 da Lei nº 6/2006, de 27.02 (NRAU) são, em primeiro lugar, a apresentação do documento que titula o contrato de arrendamento, ou seja o escrito no qual as partes verteram o acordo celebrado, e depois o documento comprovativo de que o senhorio comunicou ao arrendatário o montante em dívida. Faltando essa comunicação falta o título executivo.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães
(Relatora: Isabel Fonseca; Adjuntas: Maria Luísa Ramos e Eva Almeida)

I. RELATÓRIO
Em 11 de Outubro de 2006 T... SA – anteriormente T... – Empreendimentos Turísticos e Con – instaurou acção executiva contra E... –Educação e Ensino..., Lda, apresentando como título executivo uma “sentença condenatória judicial” e aludindo, sob a epigrafe “Factos”, nomeadamente, que:
“1. Por sentença de 15/Dez/2005, exarada a fls. 527 do Processo nº 444/04.9 TBPVBL –Despejo (Ordinário) e que há muito transitou em julgado, foi homologada a transacção celebrada nesses autos entre as aí Autora/reconvinda e Ré /Reconvinte, que agora aqui figuram como Exequente e Executada, respectivamente. (…)”.

Em 7 de Dezembro de 2005 a exequente (primeira outorgante) e a executada (quarta outorgante) celebraram o “termo de transacção extrajudicial” junto a fls. 92 a 106 deste agravo, acordando que:
“(…) QUINTA
A PRIMEIRA e a QUARTA outorgantes colocam fim à acção judicial que entre ambas corre termos sob o n.° 444/04.9, do Tribunal Judicial de Póvoa. de Lanhoso por transacção judicial a lavrar por termo nos autos e nos seguintes e exactos termos, a homologar por sentença:
a) O contrato de arrendamento anexo à p.i. como documento n.° 1 é revogado por comum acordo para 2006.07.31, com a possibilidade de a quarta outorgante antecipar ou postecipar aquela data, de acordo com as suas conveniências, sendo a renda no valor de € 89.275,36 mensais até 30 de Junho de 2006 e de 91.150,14 a partir de 1 de Julho de. 2006 até 30 de Junho de 2007, inclusive, devendo a partir desta data ser actualizada de acordo com os coeficientes legais aplicáveis. A renda será paga até ao dia 15 do mês a que respeitar e é devida enquanto durar a ocupação efectiva e o contrato só se extingue com a desocupação.
b) A possibilidade de postecipar a data da devolução e a extinção do contrato pressupõe o pontual e integral pagamento das rendas ou dos demais valores devidos nos termos da presente transacção global.
c) Se a quarta outorgante quiser antecipar aquela data de cessação do contrato (2006.07.31), deverá avisar a primeira outorgante por fax ou por escrito com 30 dias de antecedência relativamente à data em que pretenda deixar livre e devoluto o prédio. Na data em que a quarta outorgante entregar o imóvel livre e devoluto deve elaborar-se um auto de entrega a ser assinado por primeira e quarta outorgantes onde esteja descrito o estado do imóvel e eventuais reparações a fazer.
d) A quarta outorgante retirará todos os equipamentos e mobiliário desde que isso não danifique o prédio, seja na sua estrutura, seja de qualquer outra forma. Deste modo não poderá retirar tubagens, caldeiras, caixilharias, vidros, janelas, portas, revestimentos (de paredes, chãos e tectos) tectos falsos, instalações eléctricas, louças sanitárias, cablagens etc.. Fica ainda acordado que a quarta: outorgante deixará no imóvel as cadeiras actualmente existentes no auditório e os aparelhos de ar condicionado.
e) Como contrapartida da devolução do prédio livre e devoluto e nas condições convencionadas nesta transacção, em especial nas previstas nas antecedentes alíneas c) e d), a primeira outorgante pagará à quarta a quantia de 75.000,00 euros, contra a assinatura do auto de entrega pelas primeira e quarta outorgantes. Esta quantia é titulada por um cheque hoje emitido, mas não datado, em nome do Dr. David Rodrigues, a quem é entregue nesta data e que, por acordo expresso de todos os aqui outorgantes, terá plenos poderes para nele apor a data da sua apresentação a pagamento no referido momento do vencimento da obrigação pecuniária subjacente.
f) A quarta outorgante pagará à primeira a quantia de 1.577.719,56, correspondente às rendas dos meses de Julho de 2004 (inclusive) a Dezembro de 2005 (inclusive).
g) O pagamento da quantia referida, em f), supra, será realizado em 24 prestações mensais, sucessivas e iguais, com início em 2006.01.30 e termo em 2007.12.31 e nos moldes previstos na al. A) da cláusula sétima da presente transacção global. (…)”.

No requerimento inicial de execução o exequente:
- fixou a quantia exequenda no valor de 257.300,08€, correspondentes a dois meses de rendas, à razão de 91.150,14€ por mês e relativas aos meses de Agosto e Setembro de 2006, acrescida da indemnização moratória de 50%, sendo que à renda de Agosto foi deduzida a quantia de 16.150,14€;
- peticionou a penhora de “uma terça parte dos rendimentos que a Executada recebe mensalmente dos alunos que frequentam o ISAVE e que deverá depositar até ao dia 15 de cada mês na conta bancária que, para o efeito, lhe for indicada pelo Sr. Solicitador de execução”.

Com o requerimento executivo a exequente juntou 6 documentos, a saber:
- carta dirigida à exequente pela executada, datada de 28/07/2006, em que esta refere, nomeadamente, que “vimos por este meio comunicar a V. Exas de que vamos entregar as instalações de Fontarcada à vossa empresa no dia 31 de Agosto de 2006, livres e devolutas” (doc.1).
- um “auto” elaborado pela exequente no dia 31 de Agosto, assinado ainda por oito “testemunhas”, em que a exequente fez consignar que “não pode aceitar a entrega do locado e o contrato de arrendamento mantém-se em vigor” (doc.2).
- um telegrama enviado pela exequente à executada, com o seguinte teor:
“EXMO. SENHOR, NA SEQUENCIA DA VISITA HOJE EFECTUADA AO LOCADO E EM CONFORMIDADE COM AS DECLARACOES LOGO ALI PRESTADAS, CUMPRE-NOS REAFIRMAR, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NO CONTRATO DE TRANSACAO CELEBRADO EM 05-12-05 QUE:
A) O IMOVEL NAO SE ENCONTRA DEVOLUTO, EMCONTRANDO-SE NELE
INSTALADO E A FUNCIONAR UMA CLINICA DENTARIA;
B)NAO PODEMOS ACEITAR A ENTREGA DO LOCADO NESTAS CONDICOES E O CONTRATO DE ARRENDAMENTO MANTEM-SE EM PLENO VIGOR;
C) O CHEQUE DO VALOR DE 75.000 EUROS, EMITIDO SEM DATA E ENTREGUE EM 05-12-05, TITULA UM VALOR DEVIDO EM CONTRAPRESTACAO DA ENTREGA DO IMOVEL DEVOLUTO, PELO QUE, NÃO TENDO ESTA OCORRIDO, A CORRESPONDENTE OBRIGACAO NAO SE VENCEU, AFIGURANDO-SE ILEGITIMA A SUA EVENTUAL APRESENTACAO A PAGAMENTO NESTA OPORTUNIDADE.
COM OS MELHORES CUMPRIMENTOS
RICARDO MARTINS
31-08-06” (DOC. 3)
- Uma carta datada de 07/09/2006, enviada pela executada à exequente, em que aquela refere, nomeadamente:
“Acusamos a recepção do vosso telegrama datado de 31.08.06 cujo conteúdo não corresponde à verdade.
Ao contrário do afirmado no v/ telegrama o imóvel encontra-se livre de pessoas e bens. De facto, retiramos todos os nossos equipamentos e mobiliário e conforme o convencionado na transacção de 5.12.05 deixamos tubagens, caldeiras,caixilharias, vidros, janelas, portas, revestimentos( de paredes, chãos e tectos ) tectos falsos, instalações eléctrica, louças sanitárias, cablagens, etc. Ficaram também as cadeiras do auditório e os aparelhos de ar condicionado. (…)
Deste modo, desde o dia 31.08.2006 que o prédio está na vossa total e absoluta disponibilidade, para o que fazemos o envio, por este meio, de todas as chaves em nossa posse de acesso aos prédios entregues.
Consequentemente, consideramos cumprida a obrigação de entrega que sobre nós impendia e vencida a quantia de 75.000 euros a que temos direito por força do estipulado na alínea e), da cláusula quinta da transacção.
É certo que devemos a V.Excia a quantia de 91.150,14 euros correspondente à renda do mês de Agosto de 2006.
Verificam-se as condições previstas no art.° 847 do Código Civil para se poder operar a compensação do crédito da Ensinave sobre a T..., derivado da falada alínea e), com o crédito que esta detém sobre ela, emergente daquela renda do mês de Agosto.
Consequentemente, a Ensinave, nos termos do art.° 848 do C. Civil, declara compensado o seu crédito sobre a T... com aquela dívida derivada da renda de Agosto, tornando-se a compensação efectiva a partir do momento de recepção desta carta e considerando-se o crédito da T... extinto desde o dia 31.08.06 e mediante o recebimento da quantia de 16.15,14 euros, a qual é titulado pelo nosso cheque n° 24744350 sobre o Banco M... que ora se anexa.
Deste modo consideramos as contas entre as nossas empresas totalmente saldadas.
Relativamente à questão da clínica dentária, cumpre-nos esclarecer V.Excia de que em Janeiro de 2006 comunicamos, nomeadamente por escrito, aos representantes da mesma que, na sequencia da transacção outorgada, em Dezembro de 2005, com a T..., teriam de deixar a respectiva área que ocupam livre de pessoas e bens no momento em que a Ensinave devolvesse as instalações à arrendatária T..., momento esse que se previa para o final do mês de Julho de 2006. Para além disso, a clínica não detém qualquer titulo válido que lhe permita manter-se nas instalações em questão, e os seus representantes legais — que conheceram como ninguém o litigio que opôs a Ensinave à T... por causa do contrato de arrendamento, note-se — conhecem toda a relação contratual que vigorou entre as nossas empresas.
Deste modo, é forçoso concluir que a clínica permanece no local sem titulo válido, abusivamente e contra a nossa vontade. (…)
E porque assim é e ainda porque a clínica ocupa apenas 1.200 m2 dos mais de 40.000m2 das instalações em causa, no rés-do-chão destas e numa zona autónoma e periférica ao seu núcleo principal, consideramos que esta situação, alheia à nossa vontade, note-se, porque importante, acaba por não prejudicar os vossos interesses e, bem pelo contrário, se V.Excias e os representantes da dita clínica estivessem de boa-fé, tal situação redundaria em vantagens patrimoniais mútuas para a T... e a Clínica. Na realidade e como é bom de ver mais vale a T... receber da clínica qualquer quantia por tal ocupação do que as ter encerradas...
Apresentamos os nossos respeitosos cumprimentos” .
Tal carta foi acompanhada de um cheque emitido pela executada, à ordem da exequente, datado de 01/09/2006, pelo valor de 16.150,14€ (doc.4).
- uma carta dirigida pela exequente à executada, datada de 13/09/2006, em que aquela refere, nomeadamente, o seguinte:
“Exm.°s Senhores:
Acusamos a recepção da V/ carta datada de 2006-09-07, cujo conteúdo, além de falso, é absolutamente destituído de fundamento e inclusivamente insultuoso nos dois últimos parágrafos.
Falso porque, como aliás reconhecem expressamente nesses dois últimos parágrafos da V/ carta, o imóvel cuja "entrega" pretendem "confirmar" ainda hoje não se encontra livre de pessoas e bens, por estar nele instalada uma clínica dentária que ocupa, como igualmente referem, uma área de 1.200 m2 do imóvel!...
(…)
Destituído de fundamento porque:
- como é óbvio, a ocupação de 1.200 m2 do rés-do-chão de qualquer edifício prejudica e condiciona efectivamente a fruição desse piso, seja por quem for,
- ao contrário do que dizem e apesar de isso ser indiferente — pois periférica ou não, ocupação é sempre ocupação e não sinónimo de prédio devoluto —, não é verdade que tal ocupação se desenvolva "numa zona autónoma e periférica do núcleo principal" do dito rés-do-chão;
- semelhante ocupação, seja ou não alheia à V/ vontade, é um problema que só à Ensinave é imputável e só a ela compete resolver. (…)
- como o imóvel não se encontrava, nem se encontra ainda livre de pessoas e coisas, não está cumprida a obrigação de entrega que recaía sobre a Ensinave, pois a T... não pode aceitar a respectiva entrega em tais condições, mantendo-se por isso plenamente em vigor o contrato arrendamento, estando à vossa disposição as chaves que nos enviaram;
- consequentemente, além de não estar vencida a obrigação de pagamento da quantia € 75.000,00, mencionada na al. e) da cláusula quinta da transacção de 05/DEZ/2005, também não ocorrem os pressupostos legais para a "compensação" que pretendem operar e que de forma alguma aceitamos;
- mercê disso, a quantia de € 16.150,14 (dezasseis mil e cento e cinquenta euros e catorze cêntimos), titulada no cheque que enviaram, será por nós recebida sob reserva de não prescindirmos de tudo quanto nos é devido e em conformidade com o que dispõe o art. 785.° do Código Civil, ou seja, como sendo por conta,
É o que se nos oferece dizer em resposta à V/ carta, aproveitando-se o ensejo para recordar que no próximo dia 15/SET vencer-se-á a renda respeitante ao mês em curso, o mesmo sucedendo em idêntico dia dos meses seguintes, enquanto o locado não nos for entregue completamente livre de pessoas e coisas” (doc.5).
Tal carta foi enviada à executada registada e com A/R, tendo a executada recebido a mesma, conforme fls. 31 deste apenso.
- uma certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial alusiva à matrícula da sociedade exequente (doc. 6).

Em 16/11/2006 a executada deduziu oposição à execução e requereu a substituição da penhora, concluindo da seguinte forma:
“NESTES TERMOS e nos melhores de direito que Vossa Excelência doutamente suprira:
a) a executada nomeia à penhora os bens móveis a que se alude no art.° 109°, supra e, consequentemente requer a substituição da penhora de uma terça parte das suas receitas pela penhora dos ditos bens móveis, por os mesmos constituírem garantia idónea que igualmente assegurará os fins da execução;
b) deve ser julgada procedente, por provada, a presente oposição, declarando- se extinta a execução;
c) consequentemente e uma vez que não houve citação prévia da executada e a penhora de uma terça parte das receitas constituiu um acto ilícito, deve a exequente ser condenada nos danos culposamente causados à executada nos termos do art.° 819° do C. P. Civil, e cuja liquidação se relega para a fase de execução de sentença;
d) deve ainda a exequente ser condenada em multa correspondente a 10% do valor da execução, ou seja, € 25.730,02, nos termos do art.° 819° do Código de Processo Civil”.

Em 3 de Maio de 2007 a exequente deduziu requerimento peticionando a cumulação sucessiva de execuções, ao abrigo do disposto no art. 54º, nº1 do Cód. do Processo Civil, pelo valor de 957.076,47€, quantia alusiva às rendas vencidas na pendência da execução – referentes aos meses de Outubro de 2006 a Abril de 2007 –, acrescidas da indemnização de 50%.

Em 17 de Maio de 2007 a executada deduziu oposição à “nova execução”.

Na mesma data, no apenso A, a executada apresentou o requerimento cuja cópia consta de fls. 206 - 211 deste agravo, referindo, nomeadamente, o seguinte:
“Exm.° Senhor JUIZ DE DIREITO:
E... — EDUCAÇÃO E ENSINO, LDA, na sequência do que lhe foi ordenado na última sessão da audiência preliminar vem respeitosamente prestar as seguintes informações:
1° As receitas médias mensais auferidas pela Oponente durante o ano em curso ascendem a €496.301,05.
2° Por sua vez, as despesas fixas médias mensais suportadas durante o ano em curso ascendem a € 498.774,74.
3° A Oponente paga todos os meses à Exequente T... a quantia de € 99.762,53, em consequência directa e necessária da transacção que alegadamente constitui o título executivo da presente acção; e ainda (…)
37º Por último, cumpre referir que em 31.12.2006, a Oponente devia (e ainda deve, note-se) a instituições de crédito por empréstimos obtidos o montante de € 963.930,40;
38° deve a fornecedores o montante de € 156.319,95;
39° deve à Exequente em resultado da transacção judicial, alegadamente título executivo da presente demanda, € 1.414.856,15;
40° deve ao Estado e outros entes públicos, o montante de € 228.219,53;
41° e deve a outros credores o montante de € 743.355,32.
42° Por todo o exposto, a Oponente está absolutamente impossibilitada de entregar 1/3 das suas receitas para efeitos de penhora ou do que quer que seja.
43° Dispõe, no entanto, de bens móveis já indicados no presente processo para efeitos de eventual penhora, os quais têm um valor consideravelmente superior ás necessidades de garantia do alegado — mas, inexistente, note-se — crédito da Exequente.
44° Dão-se aqui por integralmente reproduzidos todos os dizeres da nova oposição que imediatamente se vai apresentar à nova e absurda acção executiva intentada pela Exequente em claro e grave abuso de direito.
Acresce referir que,
45° a penhora ordenada pelo Solicitador de Execução é inadmissível e inválida na medida em que devia ter sido precedida de um despacho do juiz, designadamente, por estar em causa o sigilo bancário e, acima de tudo, por estarem em causa Direitos Fundamentais dos alunos e da própria Executada, que é uma instituição de ensino superior com reconhecido interesse público. (…)
49° Por outro lado, e estando em causa, como efectivamente estão, a protecção de direitos fundamentais dos alunos da instituição de ensino, também por este motivo, deve a penhora ser precedida de despacho judicial, como sucede por exemplo na penhora de casa habitada por estar e causa a inviolabilidade do domicilio (art. 34°, n.° 2 da CRP). (…)
57° Deste modo além do facto de a presente execução carecer de total fundamento jurídico, não dispondo a Exequente de título executivo para pedir as rendas milionárias que pede, nem a sonhada indemnização, devendo ser proferido despacho de indeferimento liminar nos termos do art. 820° e 812°, n.'s 1 e 2, al. a) do CPC.
58° Se bem que o que realmente importa salientar neste requerimento é que o acto que ordena a penhora é ilegal por violar as normas dos art.s 861°-A, 808°, n.° 1, 809°, n.° 1 , al. a) do CPC, do art. 26° da CRP e art.s 80° e 81° do CC, pelo que com base nestes preceitos normativos deve desde logo e, antes de mais, haver indeferimento liminar do acto da penhora e ser ordenado o seu levantamento.
TERMOS EM QUE
a) Se requer a prolação do despacho de indeferimento liminar da presente execução, com fundamento nas excepções deduzidas na oposição à "primeira" e "segunda" execuções;
b) Sem prescindir e, de qualquer, modo, deve o acto de penhora do crédito das propinas dos alunos ordenado pelo Sr. Solicitador de Execução ser declarado inadmissível, por ser ilegal e, consequentemente, ser ordenado o 1 levantamento da penhora;
c) Caso assim não se entenda, requer-se a V. Ex.a a prestação de caução mediante a constituição de penhor mercantil sobre os bens móveis oportunamente indicados à penhora”.

Em 07/11/2007 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“O processo principal declarativo terminou por transacção, homologada por sentença de 15.12.2005, a fls. 527.
A exequente, por requerimento de 11.10.2006, veio alegar o incumprimento do acordado, dizendo que o imóvel não lhe foi entregue, livre e devoluto, no dia 31.8.2006.
Em consequência, manter-se-ia plenamente válido e em vigor o contrato de arrendamento mercê do estipulado na referida transacção.
Feitas as respectivas contas (rendas devidas, indemnização pelo atraso no seu pagamento e uma compensação de € 16.150,14), a exequente fixou a quantia exequenda em € 257.300,28. (…)
A
5.1
A presente execução é uma execução de sentença homologatória – cf. art. 46 nº 1 al. a), do CPC.
Por isso, a executada não tem qualquer razão quando alega que não existe título executivo.
Também não tem a executada qualquer razão quando alega a inexequibilidade da sentença.
Na verdade, tal decisão transitou em julgado, única condição necessária e suficiente para afirmar a sua exequibilidade – cf. art. 47 nº 1 do CPC.
5.2.
Mas será a obrigação exequenda certa, exigível e líquida?
A executada diz que não, apontando que não foi feita a “prova complementar do título”, servindo-se a exequente de documentos elaborados apenas por si (um “auto” e um “telegrama”) sendo que aos documentos elaborados pela própria executada e logo juntos com o requerimento inicial não foi dado qualquer valor.
Além disso, diz que cumpriu a prestação a que estava obrigada.
Mas tudo isto contende com o fundo ou mérito da oposição, a apreciar após instrução e julgamento da causa. (…)
C
5.12.
Para terminar, como grupo de questões autónomo em relação aos anteriores, falta apreciar e decidir o “incidente de oposição à penhora”.
5.13.
Foi nomeado à penhora uma terça parte dos rendimentos que a executada recebe mensalmente dos alunos que frequentam o ISAVE.
Tal penhora ainda não foi concretizada.
5.14.
Comecemos pela ilegalidade da penhora.
Em primeiro lugar, deve dizer-se que atento o vício apontado é ele de conhecimento oficioso pelo que não tem razão a exequente quando diz que tal excepção devia ter sido arguida no articulado de oposição à execução – cf. ponto 3.12. – sob pena de apreciada posteriormente se cometer uma nulidade processual – cf. art. 201 do CPC.
Ultrapassado este problema, deve dizer-se que a penhora não é ilegal por violação dos arts. 861-A, 808 nº 1 e 809 nº 1, a) todos do CPC e art. 26 da Constituição da República.
Não é aplicável ao caso o disposto no art. 861-A do CPC.
Não está em causa o direito a qualquer sigilo bancário.
Além disso, também não está em causa a protecção de direitos fundamentais dos alunos da instituição de ensino, nomeadamente na sua vertente de reserva da intimidade da vida privada.
A penhora efectuada está sujeita ao disposto no art. 856 do CPC.
Julgo-a, pois, plenamente válida.
5.15.
A executada prontificou-se a prestar “caução idónea” e mais tarde “caução bancária” – cf. ponto 3.6.
Depois, indicou à penhora bens e equipamento.
Finalmente, disponibilizou-se para prestar caução mediante a constituição de penhor mercantil sobre os bens móveis indicados.
Há fundamentos para a substituição da penhora (que não chegou ainda a concretizar-se)?
Em primeiro lugar, deve dizer-se que para uma decisão justa e ponderada não há qualquer necessidade de se ouvirem as testemunhas arroladas.
A documentação existente é suficiente para a formulação de um juízo sobre a matéria.
Em bom rigor, a referida documentação apenas confirma aquilo que qualquer pessoa sensata pensa e julga: não há nenhuma instituição de ensino, pública, privada ou cooperativa que consiga cumprir as suas obrigações de curto prazo (quanto mais de médio e longo prazo) se, de repente, deixar de receber 1/3 das “propinas” pagas pelos alunos.
Daí que julgo que a executada tem razão quando pretende a substituição da penhora ordenada.
Mas a substituição da penhora por uma penhora do equipamento e outro material ou pela constituição de um penhor mercantil, afigura-se-me também que manifestamente não tutela os interesses da exequente.
Trata-se de material de rapidíssimo desgaste, cuja venda (quer em separado quer em conjunto) se revela quase impossível por um preço que não seja um preço irrisório.
Aliás, atenta a crise geral da economia do país e do ensino superior em particular, não vislumbro qualquer interessado na compra de material usado por preço que minimamente acautele o pagamento da quantia exequenda que é, note-se, de € 1.214.316,73.
Além disso, a penhora individual de todo o material julgo que afectaria consideravelmente a imagem da executada perante professores, funcionários, alunos e suas famílias, e a própria comunidade.
Só a caução bancária (que a própria executada, aliás, aponta como um dos caminhos) pode garantir a satisfação do crédito exequendo, garantir o cumprimento dos compromissos de curto, médio e longo prazo assumidos pela executada, e garantir a imagem pública da executada nos termos já expostos.
Assim, ordeno que a executada preste caução bancária, pelo valor da quantia exequenda, no prazo de 30 dias, em substituição da penhora ordenada.
6.
Para seleccionar a matéria de facto – fixação da base instrutória - nos termos do disposto no art. 787 nº 1 do CPC, designo para audiência preliminar, o próximo dia 22 de Janeiro de 2008, pelas 14h”.

Em 28/11/2007, não se conformando com a decisão “que pôs termo ao incidente de substituição da penhora proferida nos pontos C.5.14 e C.5.15, constante do despacho de fls. 659 a 668, por via do qual se ordenou que a executada prestasse caução bancária pelo valor de 1.214.316,73”, a executada recorreu deste despacho, formulando, em síntese [ Por notória falta de concisão não se reproduzem, na íntegra, as alegações de recurso. ], as seguintes conclusões:
“1º- O presente recurso que versa sobre a decisão de substituição da penhora por uma caução bancária de € 1.214.316,73, está intimamente relacionado com o recurso interposto dos demais despachos de fls. 659 a 668 dos autos.
2º- Na verdade, e muito embora seja certo que nesse despacho constam várias decisões sobre questões diversas, sucede que a questão da inexistência ou inexequibilidade do título executivo está relacionada com a questão da substituição da penhora, pois, uma vez apreciadas todas as questões, de direito, suscitadas nas duas oposições apresentadas pela Executada, e que não foram ainda apreciadas, sendo fundamento bastante para obstar ao prosseguimento da acção executiva, e consequente extinção da execução por inexistência ou desconformidade do título com os pedidos formulados pela Exequente.
3º- Assim sendo, e apesar de haver despachos distintos que incidem sobre questões distintas, a verdade é que estão interligados pelo facto da questão essencial nestes autos ab inicio suscitada pela Executada/Oponente ser a inexistência ou inexequibilidade do título para o fim a que se destina a presente execução. (…)
7º- E tanto é assim, ou seja que o próprio recurso do despacho que ordena a substituição da penhora por caução está relacionado com a questão da manifesta falta de título, que a primeira questão a ser resolvida no caso em apreço, repete-se, é a da inexistência e inexequibilidade do título ou por outras palavras, da desconformidade do título com os pedidos formulados pela Exequente. (…)
9º- Aliás, fazer-se valer duma transacção onde se revoga um contrato de arrendamento para determinada data, para intentar uma acção executiva cujo fim é o pagamento de rendas ditas em atraso é tão despropositado como servir-se duma sentença que homologa uma transacção de divórcio como titulo executivo para prestação de alimentos!!
10º- Não é pelo simples facto de a Exequente invocar uma sentença como título executivo que esta sentença serve de título sem mais, ou seja, sem que se verifique se existe título para o fim a que se destina a execução, sendo que neste caso concreto, a exequente pretende executar rendas ditas em atraso, mais a respectiva indemnização e juros, servindo-se duma sentença homologatória duma transacção que pôs termo a dez processo judiciais e que não faz qualquer referência a um subarrendamento que no fundo é a causa e fundamento desta acção por parte da Exequente que pelo facto do subarrendatário não ter entregue as instalações que ocupava em 31.08.06, considera que não houve revogação do contrato de arrendamento, sendo devidas rendas depois da data da revogação do mesmo e entrega das totalidade do locado ocupado pelo arrendatário.
11º- A análise da conformidade entre a transacção e os pedidos formulados nesta acção, só por si, implicariam necessariamente decisão diversa da proferida.
12º- Com efeito, a questão da substituição das garantias bancárias está intimamente relacionada com a necessidade de haver um despacho liminar que aprecie a inexistência e inexigibilidade do título executivo para o fim a que se destina a execução. Uma vez apreciadas as questões suscitadas pela Oponente/Agravante nas suas oposições às execuções e sendo a oposição julgada procedente, como se espera, deixa de ter qualquer razão de ser apreciar a substituição da penhora por caução bancária.
13º- Acresce que quando a executada sugeriu apresentar uma garantia bancária, referiu-se, naturalmente, ao pedido formulado de €257.300,28, que era o único que estava em causa pois só o despacho recorrido é que deferiu a pretensão da exequente de cumular o valor da 1ª execução com o valor da 2ª.
14º- Razão pela qual há claro e manifesto erro de julgamento quando se concluiu que a executada se propôs avançar com uma caução bancária de € 1.214.316,73!
15º- Acerca do ponto 5.2. da decisão recorrida, discorda-se que a questão da certeza e exigibilidade do título possa ficar para o julgamento da oposição, pois, também estas questões podem e devem, ser apreciadas liminarmente. (…)
25º- Também no ponto 5.3. do despacho recorrido se decide, erradamente, que não há lugar a despacho liminar por estar em causa a execução de uma sentença, fundamentando-se a decisão no disposto no art. 812º-A n.º 1, a) e 812º-A, n.º 3, a), quando na verdade o fundamento invocado pela Executada/Oponente para a existência de um despacho liminar é a al. b) do n.º 2 do art. 812º-A que é uma excepção à regra prevista no n.º 1 do art. 812º-B do CPC, também há erro de julgamento.
26º- Ou seja, apesar do funcionário judicial não ter suscitado a intervenção do juiz nos termos o n.º 3 do art. 812º-A, sucede que nos termos do n.º 2 do art. 812º-A há sempre lugar a despacho liminar quando se esteja perante uma das situações do art. 804º, n.º 2 do CPC.
27º- Na verdade, a Exequente além de ter feito tábua rasa da cláusula 15º do Contrato Transacção (doc. n.º 1 da Oposição), avançou para a presente execução com base num papel por si elaborado que apelidou de “Auto” (doc. n.º 2/r.i. execução), de modo a poder enganar, como realmente enganou, o Sr. Solicitador de Execução, de que não se verificou a entrega das instalações nos termos convencionados na transacção. (…)
38º- E, mais a mais, sendo o fundamento da Exequente para considerar que o contrato de arrendamento não foi resolvido e o locado entregue em 31.08.06 o facto da subarrendatária ENS... ter ficado, ilicitamente, sem qualquer título, a ocupar 3% do locado, sempre se dirá que desde Dezembro de 2006 que o espaço esse encontra livre e devoluto a 100%, pelo que quando muito e no limite se houvessem quaisquer rendas a serem pagas seriam apenas as referentes à ocupação daqueles 3% do locado, e seriam apenas três meses e nunca oito meses como pretende a senhoria, e sempre teriam de ser pagas pelo subarrendatário, conforme tudo se alega nos art.s 140º e ss da oposição à nova execução.
39º- No caso em apreço não há possibilidade de cumulação sucessiva de execuções, nos termos previstos no art. 54º do CPC, e isto, porque não há, nem nunca houve título executivo que servisse de base à execução pretendida pelo Exequente.
40º- Acresce que faltam ainda os requisitos intrínsecos do título, pois, para além de ter de existir título executivo, a obrigação exequenda tem ainda de ser certa, líquida e exigível. E, estando em causa alegadamente um título judicial, a liquidez da obrigação é efectuada na acção declarativa (art. 47º, n.º 5 do CPC).
41º- Em face da transacção é manifesto a falta de título para as rendas peticionadas e sem qualquer margem para dúvidas para a peticionada indemnização pela mora, imagine-se, do montante milionário de € 410.175,63.
42º- Ora, no despacho recorrido não se gastou uma linha nesse controlo! Pura e simplesmente não se apreciou a conformidade ou harmonia entre o(s) pedido (s) e o direito da exequente constante do título.
43º- A propósito de “juros moratórios” é pacífico que se eles não constam do título (sentença) não podem ser exigidos na execução (cfr. entre muitos Ac. do STJ, de 4.11.1997: BMJ, 471º - 293º, Ac. STJ, de 9.11.95; BMJ, 451º - 333). O mesmo com idênticas razões e fundamentos se dirá quanto à indemnização pela inventada mora.
44º- Apesar de no despacho recorrido se reconhecer a crise global do país e do ensino superior em particular, apesar de se reconhecer que “não há nenhuma instituição de ensino, público, privada ou cooperativa que consiga cumprir as suas obrigações de curto prazo (quanto mais de médio e longo prazo)”, ordena-se a prestação de uma caução bancária de € 1.214.316,73, sem sequer se apreciar as desde sempre invocadas desconformidades entre o título e os pedidos.
45º- E o facto de em parte alguma da transacção se referir dívidas de rendas de € 182.300,78 e uma indemnização moratória de € 91.150,14 por força do art.º 1041º do C. Civil, não era mais do que suficiente para a secretaria suscitar a intervenção do juiz?
46º- Pelo que deve o despacho recorrido na parte em que decide que existe título e que o mesmo é exequível ser revogado por ser nulo nos termos das al.s b) e d) do n.º 1 do art. 668º do CPC e desde já se requer que o tribunal ad quem conheça o pedido no mesmo acórdão em que revogar a decisão da 1ª instância, nos termos do n.º 1 do art. 753º do CPC, e de acordo com os fundamentos de direito acima expostos.
47º- Assim sendo, deve o douto despacho recorrido ser alterado nos termos acima requeridos, e ser extinta a execução por inexistência ou inexequibilidade do título (cfr. art.s 814º, a), 812º, n.º 2, a) e 820º do CPC).
48º- Sem prescindir e com respeito à substituição da penhora, a penhora efectuada a 1/3 das propinas referia-se apenas à quantia exequenda de € 257.300,28, pois, até à data do despacho de fls. 659 a 668 ainda não tinha sido proferido qualquer despacho a admitir a cumulação de execuções, pelo que não pode ser ordenada a substituição da penhora por uma caução bancária de € 1.214.316,73 sem que a questão da admissibilidade da cumulação de execuções, intimamente ligada à questão da inexistência e inexequibilidade do título sejam resolvidas em definitivo. Assim sendo, de novo se suscita a nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia e por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos do disposto nas al. b) e d) do n.º 1 do art. 668º do CPC.
49º- Além do despacho recorrido, mais propriamente, no ponto 5.14 padecer de erro de julgamento ao enquadrar juridicamente a ordem da penhora de 1/3 das propinas dos alunos à ordem do solicitador de execução, é claro que esta penhora implica o levantamento do sigilo bancário, pois se as propinas são pagas através de depósito ou transferência bancária, a penhora de 1/3 das mesmas implica necessariamente ordenar a penhora do saldo da conta onde são depositadas as propinas, doutro modo, nem se compreende como seria possível materializar esse acto de penhora, ou pretendia o Sr. Solicitador que fossem os alunos a entregar a si 1/3 das propinas e os restantes à instituição de ensino?
50º- O tribunal a quo apreciou erradamente a legalidade do acto de penhora ordenado pelo Solicitador de Execução que viola as normas dos art.s 861º-A, 808º, n.º 1, 809º, n.º 1, al. a) do CPC, do art. 26º da CRP e art.s 80º e 81º do CC, pelo que é com base nestes preceitos normativos que devia, desde logo, e antes de mais, haver indeferimento liminar a declarar a ilegalidade do acto de penhora e ser ordenado o seu levantamento.
51º- Acresce que, a decisão recorrida contém uma grande e flagrante contradição, pois, se por um lado se admite que a penhora de 1/3 das propinas pagas pelos alunos iria impossibilitar a Instituição de Ensino Executada de cumprir as suas obrigações de curto prazo que dizer da solução dada a final de ordenar a prestação duma caução bancária em substituição da penhora ordenada?!
52º- Resta apenas concluir que o despacho em crise além de padecer de erro de julgamento, não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e padecer de omissão de pronúncia, faz uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.s. 45º, 46º, 1, al. a), 54º, 802º, 804º, n.º 2, 812º, n.ºs 1 e 2, a), 812º-A n.º 2, b) 814º, a) e 820º todos do CPC e ainda dos art.s 861º-A, 808º, n.º 1, 809º, n.º 1, al. a) do CPC, do art. 26º da CRP e art.s 80º e 81º do CC, por um lado, e acolhe errada interpretação e aplicação do disposto nos art.s 45º do RAU e 1089º, 236º, 237º, 238º e 239º, 762º, n.º 2, 334º, todos do CC, e ainda art.s 44º do RAU e 1088º do CC, 15º, n.º 1 do RAU e 405º e 406º do CC. (…)”

A exequente/agravada apresentou contra alegações concluindo da seguinte forma:
“Termos em que, e nos melhores de Direito a serem supridos por V. Ex.ªs, deve [a] alterar-se para meramente devolutivo o efeito atribuído ao recurso ora em apreço, [b] julgar-se irrecorrível, face ao disposto no n.º 4 do art. 510.º do CPCiv., a decisão vertida no item A.5.2 do despacho de fls. 659 a 668 e, de toda a forma, [c] negar-se provimento ao recurso da agravante, com todas as legais consequências”.

A executada, em 28/11/2007, interpôs ainda recurso do despacho proferido em 07/11/2007, quanto às decisões constantes dos pontos A.5.1, A.5.2, A.5.3, A.5.4, B.5.8 e B.5.9 (fls. 218 -222 deste agravo), recurso que foi admitido por despacho proferido em 15(?)/01/2008 (fls. 337 deste agravo), como sendo de agravo, a subir imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo.

Por despacho proferido por esta Relação alterou-se o regime de subida desse recurso, fixando-se a subida “conforme o consignado no dito art. 735º”, isto é, a subida diferida e, na sequência de reclamação da executada, proferiu-se acórdão em 07/05/2009 indeferindo a reclamação e confirmando o despacho [ Circunstancialismo de que se tem conhecimento em virtude do exercício das respectivas funções e na sequência de consulta do livro de registo de sentenças, mais precisamente, do acórdão proferido no processo 444/04.9TBPVL-D.G1 . ].

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva para a decisão o circunstancialismo supra exposto no relatório.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela agravante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 664 do mesmo diploma.
Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, cumpre:
a) saber se, previamente à determinação da penhora, o tribunal pode (deve) formar um juízo valorativo sobre a falta ou insuficiência do título executivo e, sendo a resposta afirmativa, em que condições;
b) saber se o “título executivo” apresentado pela exequente suporta o pedido exequendo;
c) tendo sido nomeado à penhora uma parte dos rendimentos que a executada recebe mensalmente dos alunos que frequentam o ISAVE – Instituto Superior de saúde do Alto Ave, criado pela executada, em que termos deve concretizar-se essa penhora;
d) apreciar dos pressupostos da substituição da penhora.

2. A agravante começa por interligar os dois recursos interpostos – como resulta do relatório, estamos apenas a analisar de um deles, reportado às decisões consignadas sob os pontos 5.14 e 5.15 –, considerando, grosso modo, que “estão interligados pelo facto da questão essencial nestes autos ab inicio suscitada pela Executada/Oponente ser a inexistência ou inexequibilidade do título para o fim a que se destina a presente execução”, o que vale por dizer que, inexistindo título, como a executada sustenta, não pode haver execução, logo, num raciocínio silogístico, não pode ser determinada a penhora, ou a sua substituição por caução. Daí que a executada conclua que “não pode ser ordenada a substituição da penhora por caução até que as questões fulcrais suscitadas nas oposições às execuções que se prendem com a inexistência e inexequibilidade do título sejam resolvidas em definitivo”.
Vejamos.
Do regime processual vigente – aplica-se aos autos o Cód. de Processo Civil na redacção anterior à reforma introduzida pelo Dec. Lei 303/2007de 24 de Agosto, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem –, resulta que o legislador não pretende que o processo executivo corra termos à margem de qualquer apreciação jurisdicional, como se o juiz se pudesse alhear por completo das questões relativas à existência e suficiência do título executivo. Efectivamente, pese embora se tenha agilizado o sistema, permitindo-se que, na grande maioria dos casos, a execução se inicie com a realização imediata da penhora, sem qualquer intervenção do tribunal e sem audição do executado, que só posteriormente é notificado/citado para os termos do processo, o certo é que se estabeleceram válvulas de escape tendentes, exactamente, a obviar às situações em que a execução não tem condições mínimas para prosseguir, maxime perante a evidência da falta ou insuficiência do título executivo. Assim:
- mesmo nas execuções em que é dispensado o despacho liminar, o funcionário judicial deve suscitar a intervenção do juiz nos casos consignados no art. 812º, A, nº 3, nomeadamente quando “duvide da existência do título” – alínea a);
- ultrapassada a fase liminar, ainda assim não ficam resolvidas todas as questões que podiam ser objecto de apreciação nessa sede, não se verificando o princípio da preclusão; efectivamente, nos termos do art. 820º, nº 1, até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados, o juiz pode oficiosamente conhecer da falta ou insuficiência do título, quando o vício é manifesto, com o consequente levantamento da penhora se for extinta a execução – nº2 do mesmo preceito.
A afirmação da executada de que “inexistindo título não pode haver execução” é absolutamente correcta, mas, com todo o respeito, é uma verdade de La Palice. O ponto é saber se esta Relação pode fazer essa análise em casos como o dos autos, isto é, numa situação em que o thema decidendum, em sede de recurso, não é, em primeira linha, apreciar das questões relacionadas com o título executivo mas, fundamentalmente, com a regularidade de um acto processual específico – o acto de penhora.
A resposta não pode deixar de ser afirmativa.
Considerando a função do título executivo – art. 45º, nº1 – e que toda a execução é estruturada com base no título, a sua falta ou insuficiência consubstancia um vício tão grave que inquina, irremediavelmente, todo o processado posterior, impondo-se, então, actividade jurisdicional tendente a paralisar uma execução que, ab inicio, estava votada ao fracasso, respeitando-se, claro está, o limite temporal a que alude o referido art. 820º, nº1.
Alias, não faria sentido e redundaria em exercício puramente especulativo, avaliar do formalismo que a penhora revestiu, bem como da sua suficiência e dos pressupostos da sua substituição nas hipóteses em que, de forma manifesta, se pode afirmar que esse acto não devia ter sido ordenado, sendo irrelevante, para o efeito, a entidade que o impulsionou, o Sr. solicitador de execução ou o Sr. Juiz: trata-se de uma decorrência lógica do princípio processual da proibição da prática de actos inúteis, consagrado no artº 137º.
Nesta perspectiva e com este alcance, temos de concordar com a executada quando refere que a análise do título executivo é questão prévia à apreciação da legalidade da penhora.
Concluindo, mesmo depois da determinação da penhora, o tribunal pode (deve) formar um juízo valorativo sobre a falta ou insuficiência do título executivo, assim obviando aos inconvenientes e prejuízos que o prosseguimento da execução pode acarretar para o executado, mas essa apreciação só se justifica nas situações em que esse vício é manifesto ou evidente e ressalvado que seja o limite temporal a que alude o art. 820º, nº1.

3. O Sr. Juiz, na senda do exequente, entendeu que a “presente execução é uma execução de sentença homologatória” e que, “por isso, a executada não tem qualquer razão quando alega que não existe título executivo”.
Os títulos que podem servir de base à execução são aqueles que se encontram taxativamente enunciados no art, 46º, relevando, nomeadamente, “as sentenças condenatórias” – nº1, al) a –, nos precisos termos que resultam da decisão.
No caso, parece-nos que a pretensão exequenda não se coaduna com o título apresentado, existindo uma desconformidade manifesta.
Começamos por salientar que a execução foi instaurada por apenso à acção declarativa (de despejo), que correu termos e terminou com a sentença homologatória da transacção aludida supra no relatório.
O exequente pretende, tão só, a cobrança das rendas que entende que a ré deve, por força do contrato de arrendamento que celebrou com a exequente, rendas relativas a Agosto de 2006 e meses subsequentes – a transacção, recorde-se, foi celebrada em 07/12/2005, aí se prevendo a revogação por comum acordo para 31/07/2006, podendo a ré/executada “antecipar ou postecipar” essa data, e mantendo-se a obrigação de pagamento de renda “enquanto durar a ocupação efectiva e o contrato só se extingue com a desocupação”. Segundo o que o exequente invoca no requerimento inicial, tal contrato de arrendamento mantém-se em vigor porquanto a executada não desocupou o locado. Efectivamente, aí permanece, em funcionamento, uma clínica dentária pelo que, como a exequente expressamente refere no requerimento executivo, o contrato de continua “plenamente válido e em vigor”, vinculando a exequente e a executada, “com a consequente obrigação de pagamento da renda devia a cargo desta última” – art. 18º do requerimento inicial de execução [ A executada, ao invés, se bem interpretamos a sua posição, entende que cumpriu a transacção efectuada e homologada judicialmente porquanto entregou o prédio que lhe foi arrendado (com a área total de cerca de 40.000m2), não lhe sendo oponível a actuação da entidade que continua a ocupar a área de 1.200 m2, que a executada (arrendatária) havia dado em subarrendamento, tendo o mesmo sido autorizado expressamente e por escrito pela exequente – espaço em que está instalada uma clínica dentária. Assim, prossegue a executada, a questão da entrega dos 1200 m2 é uma questão a resolver entre a exequente e o subarrendatário, a que a executada é alheia, pelo que, não impendendo sobre a executada a obrigação de entrega das instalações actualmente ocupadas pela clínica dentária, não podia ser instaurada a execução. ].
É absolutamente irrelevante para o caso apreciar do mérito da tese que cada uma das partes carreou para o processo, análise que nem sequer se contém no âmbito do recurso apresentado a esta Relação, atenta a fase processual em que se encontra a oposição à execução.
O que releva é que, perspectivando a posição da exequente, colocando-nos no seu lugar, tendo em conta a alegação vertida no requerimento executivo, então facilmente se conclui que a execução tem por fim, exclusivamente, a cobrança coerciva das rendas, consubstanciando uma acção de pagamento da renda (acção de cariz executivo), pelo que dificilmente se concebe que a sentença homologatória da transacção aludida, atento o seu teor, consubstancie título válido para a presente execução.
Aceita-se, pois, a argumentação da executada, quando alude ao despropósito de se fazer valer uma transacção “onde se revoga um contrato de arrendamento para determinada data, para intentar uma acção executiva cujo fim é o pagamento de rendas ditas em atraso”.
Concluindo-se que a sentença homologatória apresentada não suporta a execução, vejamos então os demais títulos elencados no art. 46º, nomeadamente o disposto no seu nº1, alínea d), que remete para “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.
Nos termos do art.º 15.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27/02, com a as alterações introduzidas pela Declaração de rectificação nº24/2006 de 17.04 (NRAU), “o contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida”.
São, portanto, dois os pressupostos para a formação deste título: em primeiro lugar, a apresentação do documento que titula o contrato de arrendamento, ou seja, o escrito no qual as partes verteram o acordo celebrado, depois, documento comprovativo de que o senhorio comunicou ao arrendatário o montante em dívida [ Como se refere no Ac. RL de 12/12/2008, proferido no processo 10790/2008-7 (Relator: Tomé Gomes), acessível in www.dgsi.pt, “estamos, pois, em face de um título executivo de feição complexa integrado por dois elementos corpóreos: o contrato de arrendamento escrito e o documento comprovativo da sobredita comunicação”.
] . Relativamente a este último documento, não encontramos procedimento específico alusivo à forma de comunicação – cfr. o art. 9º do mesmo diploma –, pelo que valem as regras gerais – art. 219º do Cód. Civil. No entanto, tratar-se-á, necessariamente, de uma comunicação feita através duma declaração corporizada num escrito, ressaltando os meios mais usuais, a carta registada com A/R ou a notificação judicial avulsa, e salientando-se que estamos perante uma declaração receptícia [ Questionando a ratio desta exigência alusiva à comunicação, escreveu-se no Ac. citado não ser clara “a razão pela qual o nº 2 do artigo 15º do NRAU exige para a exequibilidade do contrato de arrendamento com vista à acção de pagamento de renda, o comprovativo da comunicação. Não é por certo para demonstrar a constituição da dívida exequenda, já que ela emerge do próprio contrato. Não poderá ser também para operar a interpelação, visto que, tratando-se de obrigação pecuniária de montantes determinados e de prazo certo, tal interpelação está dispensada nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 805º do CC. Daí que a única razão que se descortina é a de obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a tendencial vocação duradoura do contrato”.
].
No caso em apreço, correndo a execução por apenso à aludida acção declarativa, em que, segundo declaração das partes aquando da transacção elaborada, consta o documento que titula o arrendamento, podemos até admitir como verificado o primeiro requisito apontado. A transacção efectuada e homologada por sentença, tem apenas por valência o elemento que define o montante da renda para o período em causa, esgotando-se aí a sua utilidade.
O requerimento executivo é, no entanto, completamente omisso quanto à comunicação exigida no referido preceito. Efectivamente, como resulta do circunstancialismo exposto supra, nunca o exequente juntou aos autos documento comprovativo de que procedeu à liquidação da dívida exequenda e que a comunicou, nesses termos, à executada, quer relativamente às rendas indicadas no requerimento inicial, quer relativamente às vencidas posteriormente, e que motivaram a cumulação de execuções. Saliente-se que na carta expedida à executada, enviada registada e com A/R, que esta recebeu, datada de 13/09/2006, não se fez qualquer alusão a essa matéria.
Em suma, temos uma sentença homologatória de transacção que a exequente entende configurar o título executivo, assim estruturando o seu requerimento inicial e que, como vimos, não tem essa virtualidade – ao contrário do que entendeu o Sr. Juiz – e, relativamente àquele título que seria expectável que a exequente se socorresse para a instauração da acção executiva, o requerimento inicial é omisso.
Acresce que também não se vislumbra qualquer título relativamente às quantias indemnizatórias liquidadas na execução e cuja cobrança coerciva é peticionada, por via do disposto no art. 1041º, nº1 do Cód. Civil, procedendo a argumentação da executada [ No sentido de que a força executória dos documentos referidos no art. 15º, nº2, do NRAU apenas abrange o montante das rendas em dívida constante da comunicação feita ao arrendatário e não a indemnização prevista no nº1 do art. 1041º do Cód. Civl, cfr. o Ac. R.P. de 12/05/2009, proferido no processo 1358/07.6YYPRT-B.P1 (Relator: Guerra Banha), acessível in www.dgsi.pt ].
Conclui-se que inexiste título executivo que suporte a execução, nos moldes em que a exequente a instaurou, vício que é manifesto e não se afigura passível de correcção, justificando que se julgue extinta a execução, ao abrigo do disposto nos arts. 812º, nº2, al) a e 820º.
Assim sendo, impõe-se a revogação do despacho recorrido, com o levantamento da penhora (ordenada e/ou efectuada).
*
Considerando o exposto, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas.
*
Conclusões:
1. Mesmo depois da determinação da penhora, o tribunal pode (deve) formar um juízo valorativo sobre a falta ou insuficiência do título executivo, assim obviando aos inconvenientes e prejuízos que o prosseguimento da execução pode acarretar para o executado, mas essa apreciação só se justifica nas situações em que esse vício é manifesto e evidente, ressalvado que seja o limite temporal a que alude o art. 820º, nº1 do Cód. do Processo Civil.
2. A sentença homologatória de uma transacção pela qual as partes, numa acção de despejo, acordam em revogar por comum acordo o contrato de arrendamento, para 31/07/2006, mais estipulando que a ré, ora executada, pode “antecipar ou postecipar” essa data, mantendo-se a obrigação de pagamento de renda “enquanto durar a ocupação efectiva e o contrato só se extingue com a desocupação”, não tem a virtualidade de servir de título na acção executiva posteriormente instaurada pelo exequente e em que este, invocando que a ré/executada não desocupou o locado, mantendo-se o arrendamento, pretende a cobrança coerciva de rendas e da indemnização moratória de 50% do valor daquelas.
3. Os pressupostos para a formação do título previsto no art.º 15.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27/02 (NRAU) são, em primeiro lugar, a apresentação do documento que titula o contrato de arrendamento, ou seja, o escrito no qual as partes verteram o acordo celebrado, depois, o documento comprovativo de que o senhorio comunicou ao arrendatário o montante em dívida; faltando essa comunicação, falta o título executivo.
*
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o agravo e, consequentemente, revogando-se o despacho recorrido, julga-se extinta a execução, determinando-se o levantamento da penhora.
Custas pela exequente agravada.
Notifique.