Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA BALTAZAR | ||
Descritores: | VIOLÊNCIA DOMÉSTICA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/09/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | Não deve ser suspensa a execução da pena de prisão de arguido condenado por crime de violência doméstica, mesmo sendo primário, se se provar que ele não tem respeitado uma medida de coação de proibição de contactos com a ofendida, que ameaçou esta nas instalações do tribunal, na data do julgamento, e que durante o mesmo teve uma postura reativa e hostil, não enjeitando a possível concretização das ameaças de morte que tem feito à ofendida. | ||
Decisão Texto Integral: | - Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Braga – 1º Juízo Criminal. - Recorrente: O arguido João P.... - Objecto do recurso: No processo comum, com intervenção de Tribunal Singular n.º 2088/12. 2PB BRG, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, foi proferida sentença, nos autos de fls. 148 a 162, na qual, no essencial e que aqui importa, se decidiu o seguinte: “DECISÃO: Pelo exposto, julgo a acção penal provada e, em consequência, condeno o arguido João P... como autor material um crime de violência doméstica, p. e p.p. artº 152º, nº 1, al. a) e nº 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.”. ** Requer a revogação da decisão recorrida, nos termos das conclusões sobreditas, substituindo-a por outra que suspenda a execução da pena de prisão, ainda que condicionada à observância de regras de conduta, designadamente, a proibição de qualquer contacto com a ofendia ou outro equivalente com o que se fará a devida JUSTIÇA.”. * O M. P. respondeu ao recurso, concluindo não merecer o mesmo provimento (cfr. fls. 191 a 199). * O assistente respondeu em idêntico sentido (cfr. fls. 200 a 210). * O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 188.* A Ex.mª Procuradora Geral Adjunta, nesta Relação no seu parecer (constante de fls. 218 a 219) conclui, também, que o recurso não merece provimento.* Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, veio o arguido a apresentar a resposta constante de fls. 224 e 225, que aqui se dá integralmente como reproduzida, na qual refere discordar do referido parecer. * Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal. ** - Cumpre apreciar e decidir: - A - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal. - B - No essencial, no recurso, suscitam-se as questões seguintes: 1 - Quanto á pretendida suspensão da execução da pena de prisão efectiva de dois anos; 2 - Quanto á pretendida suspensão da execução da pena de prisão efectiva de dois anos, condicionada á observância de regras de conduta, designadamente a proibição de qualquer contacto com a assistente. - C - Matéria de facto dada como provada e não provada, na 1ª instância e sua motivação - cfr. fls. 148 a 156 (transcrição): “FUNDAMENTAÇÃO: A. Factos provados 1. O arguido João P... e Maria A... contraíram matrimónio entre si em 27 de Novembro de 1998, sendo que já viviam em comunhão de casa, mesa e leito, fazendo vida como se casados fossem desde sensivelmente de 1983. 2. Desde 2009, no interior da residência do casal sita na Praça A..., n° 56, 7° direito frente, nesta cidade e comarca de Braga, de forma constante e repetida, e praticamente todas as semanas, o arguido, dirigindo-se à assistente Maria A... chamava-a de “Vacarrona!”, “Filha da Puta!”, e dizia-lhe: “Tens amantes!”, atingindo-a na sua honra e consideração. 3. Também de forma constante e repetida e praticamente todas as semanas, o arguido afirmava à assistente Maria A... que havia de a matar, assim causando receio a Maria A... de vir a concretizar tal mal futuro contra a sua pessoa, o que coarctou a sua liberdade de determinação. 4. Entretanto, em 20 de Outubro de 2012, Maria A... pós termo ao relacionamento que mantinha com o arguido, tendo saído de casa, à revelia e no desconhecimento do arguido. 5. Para tanto, aproveitou uma ausência do arguido e abandonou a residência. 6. Todavia, o arguido não se conformou com o fim do casamento e começou a perseguir Maria A... pela cidade de Braga, chamando-lhe “Vacarrona”, “Filha da puta!” e dizendo que a mesma tem amantes, mais dizendo que vai colocar na internet tais dizeres sobre a sua esposa, assim atingindo a assistente Maria A... na sua honra e consideração. 7. No dia 24 de Outubro de 2012, cerca das 20H30 minutos, quando Maria A... ia a entrar na Igreja Evangélica Assembleia de Deus, sita na Praça A..., nesta cidade e comarca de Braga, o arguido abeirou-se da mesma dirigindo-lhe impropérios do teor dos supra descritos e retirou-lhe os óculos, dizendo-lhe “Vai agora que já não vês”, bem sabendo que a ofendida tem acentuado défice visual. 8. Nesse mesmo dia, à saída da dita Igreja Evangelista, o arguido discutiu com a assistente, recusando-se a entregar-lhe os óculos e, na presença de agentes da Polícia de Segurança Pública, que foi chamada ao local, disse a Maria A... e aos agentes que sofre de uma doença grave e uma vez que não ele e a Maria A... não se entendiam ia matá-la e depois suicidar-se, assim causando receio a Maria A... de vir a concretizar tal mal futuro contra a sua pessoa, o que coarctou a sua liberdade de determinação. 9. Passados cerca de 8 dias, junto à referida igreja, o arguido procedeu à devolução dos óculos à Maria A.... 10. O arguido João P..., ao agir do modo descrito, chamando à esposa Maria A... os referidos nomes e proferindo as ditas expressões ofensivos da sua honra e consideração, actuou em livre manifestação de vontade no propósito concretizado de a atingir na sua honra e consideração. 11. Mais agiu da forma descrita em livre manifestação de vontade no propósito concretizado de lhe causar receio pela sua vida, deixando-a num estado de atemorização que lhe prejudicou a sua liberdade de determinação. 12. E toda esta actuação foi feita de forma reiterada e continuada, prolongando-se no tempo, nomeadamente no interior da residência do casal, bem sabendo o arguido que a sua conduta era proibida. 13. O arguido João P... nasceu em Angola, onde viveu até aos 16 anos de idade. 14. O seu processo de socialização decorreu no contexto familiar de origem, sendo um dos cinco descendentes de um casal de comerciantes, com razoáveis recursos socioeconómicos. A sua adolescência foi marcada pela morte da progenitora, aos 12 anos de idade e a vinda para Portugal aos 16 anos, inicialmente sozinho, tendo a família regressado mais tarde. O relacionamento intra familiar foi descrito como positivo, e descreve o seu processo educativo como normativo. 15. Frequentou o sistema de ensino em idade própria, em Luanda, o qual decorreu sem incidentes, tendo concluído o equivalente ao 9º ano de escolaridade. 16. O arguido iniciou-se profissionalmente aos 16 anos, em Portugal, como aprendiz de pichelaria ao serviço da firma S... Costa SA, onde permaneceu cerca de 14 anos. Abdicou deste emprego para emigrar para Espanha, na perspetiva de obter melhor salário. Regressou 3 anos depois e retomou a atividade de picheleiro, que exerceu com regularidade, não obstante algumas mudanças de entidade patronal. 17. Ficou desempregado em 2006, efetuando desde então trabalhos ocasionais. 18. Há cerca de dois anos, foi-lhe diagnosticada uma doença do foro oncológico, que lhe tem limitado o exercício da atividade. 19. Da relação afectiva encetada com a ofendida nasceram três filhos, atualmente adultos e autónomos. 20. Nos últimos 6/7 anos os conflitos entre o casal acentuaram-se na medida em que o arguido terá acentuado o consumo de bebidas alcoólicas, tomando-se mais agressivo, quando se encontrava sob o efeito das mesmas. 21. A relação familiar continuou a evidenciar situações de tensão relacional entre o arguido e os seus elementos, com novos episódios de violência sobretudo verbal, que deram origem à separação definitiva do casal em Outubro de 2012. 22. À data dos factos que deram origem aos presentes autos, o arguido constituía agregado com o filho mais novo, residentes num apartamento de tipologia 3, arrendado, inserido na área urbana da cidade de Braga, que reúne condições de habitabilidade. 23. A sustentabilidade económica do agregado, até à separação era assegurada pela pensão de reforma da ofendida e do trabalho da mesma. Desde então, tem sido assegurada pelos parcos rendimentos do arguido obtidos no trabalho precário e ocasional como picheleiro. 24. O filho do arguido emigrou recentemente, para França. 25. João P... exerce a atividade de modo limitado, alegadamente devido à sua situação de saúde, embora a mesma se encontre estabilizada desde Agosto de 2012 e também devido à escassez da oferta de trabalho. 26. João P... revela dificuldade em aceitar a separação, tendo adotado um comportamento mais agressivo e revoltado desde então, com atitudes de perseguição e coação sobre a ofendida, culminando com episódios de violência física e verbal no seio familiar, situações que deram origem a novos processo de inquérito a correr termos no Ministério Público desse Tribunal. Desde Novembro de 2011, João P... foi constituído arguido nos processos de inquérito n°s 326/13.3PBBRG, 2257/12.5PBBRG, 293/13.3PBBRG, apenso ao inquérito n° 261/13.5PBBRG, alegadamente indiciado por crimes de natureza similar aos dos presentes autos. 27. A família mantém com o arguido um relacionamento distante, evidenciando acentuado desgaste psicológico e emocional face ao comportamento adotado pelo arguido até ao presente. 28. A imagem social do arguido tem vindo a construir-se de modo negativo, devido a adoção dos hábitos etílicos, que o arguido não assumiu perantes os serviços de reinserção, e atitudes agressivas na interação com a família, algumas delas na praça pública. 29. O arguido assumiu uma postura de colaboração com os serviços de reinserção social embora evasivo nas suas respostas. Em abstrato, avalia negativamente crimes da natureza aos que lhe são imputados, embora faça uma análise muito simplista e superficial do fenómeno violência doméstica, e das potenciais vitimas e danos provocados, relativizando as consequências para as mesmas. Implicitamente assume posições de externalização da responsabilidade, projetando no comportamento da vítima a causa do comportamento agressivo. 30. O arguido revela sentimentos de revolta face a existência deste processo e outros de natureza similar, verbalizando alguns expressões de retaliação futura contra a vítima. 31. No âmbito da avaliação através do instrumento de avaliação de risco para agressores conjugais (SARA), os resultados indicam moderado grau de risco de reincidência face ao tipo de criminalidade em análise. 32. Habilitado com o 9º ano, apresenta uma trajetória laboral relativamente regular, apesar da mobilidade, até 2006, altura em que o emprego se tomou instável e precário. 33. Atualmente não dispõe de emprego, nem rendimentos fixos, nem de qualquer retaguarda ou apoio familiar, com implicações significativas no assegurar dos seus meios de subsistência básicos. 34. O historial relacional com a ofendida relatado como instável, com episódios de conflito, terá motivado a separação do casal, situação vivenciada pelo arguido com revolta, desencadeando outros episódios de violência. 35. Assim, perante o posicionamento do arguido e o manifesto inconformismo face separação e à existência do presente processo, existem alguns fatores de risco, face à eventual adoção de atitudes de retaliação para com a vítima. 36. Em consequência das condutas do arguido após a separação conjugal, a ofendida teve de abandonar a residência onde se encontrava a morar, passando a residir em local desconhecido do arguido, por razões de segurança. 37. Em audiência o arguido revelou uma postura reativa e hostil, admitindo ameaças de morte à ofendida, não enjeitando a sua possível concretização. 38. Por despacho de 10/01/2013, com fundamento no perigo de continuação da actividade criminosa, foi aplicada ao arguido a medida de coação de proibição de contactar por qualquer forma com a ofendida Maria A... Monteiro Araújo, o que o arguido não tem respeitado, não se coibindo de ameaçar a ofendida mesmo nas instalações deste Tribunal, na data da realização da audiência, revelando sentimentos de total impunidade. 39. O arguido não possui antecedentes criminais. B. Factos não provados: - Desde 2009, o arguido vivia unicamente a expensas da ofendida Maria. - As ameaças dirigidas à ofendida e constantes do ponto 8 dos factos apurados (na presença de agentes da P.S.P.) ocorreram no dia 26/10/2012. C. Motivação da decisão de facto O Tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova produzida, designadamente: a. Na certidão de fls 34-35; b. No certificado de registo criminal de fls 92. c. No relatório social de fls 125 e sgs. d. Nas declarações prestadas, de forma desafiadora e hostil, pelo arguido, admitindo ter retirado os óculos da ofendida, nas apuradas circunstâncias, bem assim as ameaças proferidas perante elementos da P.S.P., não revelando o menor arrependimento e dando mesmo a entender que poderá repetir condutas idênticas e até mais gravosas (afirmando em audiência “por amor tudo se faz”), num patente quadro de impunidade. No mais, negou a acusação, quer ainda o incumprimento da medida de coacção, de que se mostra ciente, alegando que é a ofendida que o procura - o que não se revelou minimamente credível - e com quem passou o Natal e a passagem de ano. e. Nas declarações prestadas, de forma séria e humilde, pela assistente Maria A..., aludindo a todo o contexto de insultos e ameaças, vivenciado durante o seu relacionamento com o arguido, agravado nos últimos anos de casamento. Mais explicou o contexto em que saiu de casa, na sequência de avisos ao arguido de que a situação descrita era para si intolerável. Mais explicou que, a partir dessa data, o arguido tornou-se ainda mais violento na verbalização de insultos e ameaças que a deixaram e deixam seriamente assustada, quer deslocando-se a sua casa, quer abordando-a nos locais que frequentava, mormente, no dia apurado, junto à igreja evangélica, retirando-lhe maldosamente os óculos de que a mesma necessita, dadas as suas dificuldades de visão, e que o arguido bem conhece; quer ainda praticando, desde então outros factos de que apresentou queixa e que caberá na sede própria apreciar (v.g. pegar fogo à varanda da declarante, partir a fechadura, continuar a ameaçar a declarante) e que o temor sério pela sua segurança, a levaram mesmo a ter de abandonar a residência onde estava a morar e, albergar-se em casa de pessoas amigas, facto que é do desconhecimento do arguido e que a declarante tem medo de este vir a descobrir, com receio de retaliações e novas ofensas, referindo que, mesmo na dia da realização da própria audiência, à qual a declarante compareceu com forte relutância e grandes receios, o arguido a ameaçou (“a tua sentença está dada”). Explicou, ainda que, as ameaças de Outubro passado, na presença de polícia, que o arguido de resto admitiu, foram também proferidas no mesmo dia em que lhe retirou os óculos, tendo sido, na sequência disso e do contexto de tal abordagem, que a polícia foi chamada ao local. Mais explicou cabalmente o clima de cordialidade, de facto existiu, no Natal e na passagem de ano, que a declarante passou em casa de pessoas amigas, tendo estas também convidado o arguido, não se tendo registado incidentes nessas duas ocasiões. f. A testemunha José F..., agente da PSP, que se deslocou ao local, junto à igreja evangélica, pretendendo o arguido falar com a ofendida e querendo que esta o acompanhasse, recusando-se, face à atitude negativa da ofendida, a devolver-lhe os óculos e ameaçando-a mesmo na presença da entidade policial, encontrando-se a ofendida visivelmente assustada. g. A testemunha Emanuel S..., conhecendo o casal desde a infância, por relações de amizade e proximidade, referiu que a vida do casal sempre foi, sobretudo nos últimos tempos, muito atribulada, o que era muito comentado, sem que porém o depoente tenha presenciado qualquer incidente. Explica que, já após a separação, se apercebeu de um “reboliço” junto à igreja, não tendo presenciado os factos, constatou porém a ofendida assustada e desorientada com a falta dos óculos. Mais referiu que a ofendida, por causa das perseguições do arguido, teve necessidade de mudar de número de telefone, abandonou ultimamente a casa onde estava a morar, com medo do arguido. Explicou porém que, pelo Natal e ano novo, as coisas estavam mais calmas, tendo arguido e ofendida (cada um por si) passado as festividades em casa do depoente. h. A testemunha Cecília F... (mãe da testemunha Emanuel), com grande proximidade, por razões de vizinhança e amizade, com o casal, referindo que a ofendida muitas vezes lhe confidenciou actos de violência (até sexuais) praticados pelo arguido durante a vivência do casal, os quais porém, para além de maus tratos verbais, naturalmente não presenciou, sabendo que a ofendida tinha muito medo, nomeadamente de sair de casa e pôr fim à relação conjugal. Esteve a declarante presente no episódio junto à igreja, retirando-lhe o arguido, à entrada, os óculos e permanecendo no local até ser chamada então a polícia, aludindo também ela ao teor das ameaças proferidas pelo arguido, que o mesmo não deixa de repetir, sempre que tem oportunidade, tal como refere ter acontecido nas instalações do tribunal, no dia da audiência. i. Apreciando o conjunto da prova produzida, não ficou o tribunal com quaisquer dúvidas quanto à realidade dos factos acima dados como provados, bem se percebendo, do contexto retratado, o estado de inquietação, perturbação e mesmo pavor da ofendida/assistente Maria A.... j. Acresce que o arguido admitiu parcialmente os factos e revelou, quer em audiência, quer junto dos serviços de reinserção social, uma personalidade agressiva, desajustada e compatível com o quadro descrito pela ofendida e potenciadora da prática de novos factos ilícitos na pessoa da ofendida.”. * - Quanto às questões suscitadas no recurso 1 - Quanto á pretendida suspensão da execução da pena de prisão efectiva de dois anos: |