Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2088/12.2PBBRG.G1
Relator: TERESA BALTAZAR
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Não deve ser suspensa a execução da pena de prisão de arguido condenado por crime de violência doméstica, mesmo sendo primário, se se provar que ele não tem respeitado uma medida de coação de proibição de contactos com a ofendida, que ameaçou esta nas instalações do tribunal, na data do julgamento, e que durante o mesmo teve uma postura reativa e hostil, não enjeitando a possível concretização das ameaças de morte que tem feito à ofendida.
Decisão Texto Integral: - Tribunal recorrido:
Tribunal Judicial de Braga – 1º Juízo Criminal.
- Recorrente:
O arguido João P....
- Objecto do recurso:
No processo comum, com intervenção de Tribunal Singular n.º 2088/12. 2PB BRG, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, foi proferida sentença, nos autos de fls. 148 a 162, na qual, no essencial e que aqui importa, se decidiu o seguinte:
“DECISÃO:
Pelo exposto, julgo a acção penal provada e, em consequência, condeno o arguido João P... como autor material um crime de violência doméstica, p. e p.p. artº 152º, nº 1, al. a) e nº 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.”.

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Inconformado com a supra referida decisão o arguido João P... dela interpôs recurso (cfr. fls. 179 a 184), terminando a sua motivação com as conclusões constantes de fls. 182 a 184, seguintes (transcrição):
“I. Vem o presente recurso, da sentença que condenou o arguido, ora recorrente, pela prática, como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p.p. artigo 122°, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão efetiva, com a qual não podemos concordar.
II.. Arguida e ofendida viveram juntos durante cerca de 30 anos - estando casados há cerca de 15 anos, sendo que, apenas nos últimos meses, após se terem separados, houve episódios de injúrias e de ameaças proferidas pelo arguido contra a ofendida, tendo o mais grave consistido em, junto a uma igreja, ter-lhe retirado os óculos, que não devolveu no imediato, mas apenas após uma semana.
111. Entre a separação e o julgamento, ocorreram situações de são convívio entre arguido e ofendida, como ocorreu no Natal e Ano Novo de 2012.
IV. O recorrente, não tem antecedentes criminais;
V. o arguido padece de doença oncológica, tendo-lhe sido retirado todo o estômago, já que foi submetido em 24/08/2011 a " esofagectomia distal + gastrectomia total e a hernioplastia inguinal esquerda (recidivada), doença da qual se mantém em tratamentos.
VI. Ao longo dos meses que decorreram desde a separação se, atos há da conduta do arguido censuráveis, certo é que também existiram momentos de pacífica convivência, sendo certo que há um relacionamento de cerca de 30 anos e que não parece crível que o arguido concretize ameaças de morte, porque, se fossem assim tão sérias, no período que decorreu desde a separação já as teria concretizado e não concretizou. VII. Pelo que não há razão para aplicar a última das penas, havendo, outrossim, razões para crer que a ameaça da pena e censura do facto, realizam adequadamente as finalidade da punição, justificando-se a suspensão da pena aplicada.
Até porque ao arguido foi retirado o estômago, em razão de doença cancerígena, o que diminui sensivelmente a sua capacidade física e mental para o cometimento de atos de extrema violência.
VIII. Até porque a suspensão da execução da pena de prisão pode ser condicionada à observância de regras de conduta, designadamente, a proibição de qualquer contacto com a arguida ou outro equivalente, o que parece razoável que este Tribunal ad quem determine.
XIX. A douta sentença recorrida interpretou, a nosso ver, erradamente, o disposto no artigo 50° e 52°, n° 1 e 2 do Código Penal.
TERMOS EM QUE,

Requer a revogação da decisão recorrida, nos termos das conclusões sobreditas, substituindo-a por outra que suspenda a execução da pena de prisão, ainda que condicionada à observância de regras de conduta, designadamente, a proibição de qualquer contacto com a ofendia ou outro equivalente

com o que se fará a devida JUSTIÇA.”.

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O M. P. respondeu ao recurso, concluindo não merecer o mesmo provimento (cfr. fls. 191 a 199).
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O assistente respondeu em idêntico sentido (cfr. fls. 200 a 210).
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O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 188.
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A Ex.mª Procuradora Geral Adjunta, nesta Relação no seu parecer (constante de fls. 218 a 219) conclui, também, que o recurso não merece provimento.

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Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, veio o arguido a apresentar a resposta constante de fls. 224 e 225, que aqui se dá integralmente como reproduzida, na qual refere discordar do referido parecer.

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.

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- Cumpre apreciar e decidir:
- A - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal.
- B - No essencial, no recurso, suscitam-se as questões seguintes:
1 - Quanto á pretendida suspensão da execução da pena de prisão efectiva de dois anos;
2 - Quanto á pretendida suspensão da execução da pena de prisão efectiva de dois anos, condicionada á observância de regras de conduta, designadamente a proibição de qualquer contacto com a assistente.
- C - Matéria de facto dada como provada e não provada, na 1ª instância e sua motivação - cfr. fls. 148 a 156 (transcrição):
“FUNDAMENTAÇÃO:
A. Factos provados
1. O arguido João P... e Maria A... contraíram matrimónio entre si em 27 de Novembro de 1998, sendo que já viviam em comunhão de casa, mesa e leito, fazendo vida como se casados fossem desde sensivelmente de 1983.
2. Desde 2009, no interior da residência do casal sita na Praça A..., n° 56, 7° direito frente, nesta cidade e comarca de Braga, de forma constante e repetida, e praticamente todas as semanas, o arguido, dirigindo-se à assistente Maria A... chamava-a de “Vacarrona!”, “Filha da Puta!”, e dizia-lhe: “Tens amantes!”, atingindo-a na sua honra e consideração.
3. Também de forma constante e repetida e praticamente todas as semanas, o arguido afirmava à assistente Maria A... que havia de a matar, assim causando receio a Maria A... de vir a concretizar tal mal futuro contra a sua pessoa, o que coarctou a sua liberdade de determinação.
4. Entretanto, em 20 de Outubro de 2012, Maria A... pós termo ao relacionamento que mantinha com o arguido, tendo saído de casa, à revelia e no desconhecimento do arguido.
5. Para tanto, aproveitou uma ausência do arguido e abandonou a residência.
6. Todavia, o arguido não se conformou com o fim do casamento e começou a perseguir Maria A... pela cidade de Braga, chamando-lhe “Vacarrona”, “Filha da puta!” e dizendo que a mesma tem amantes, mais dizendo que vai colocar na internet tais dizeres sobre a sua esposa, assim atingindo a assistente Maria A... na sua honra e consideração.
7. No dia 24 de Outubro de 2012, cerca das 20H30 minutos, quando Maria A... ia a entrar na Igreja Evangélica Assembleia de Deus, sita na Praça A..., nesta cidade e comarca de Braga, o arguido abeirou-se da mesma dirigindo-lhe impropérios do teor dos supra descritos e retirou-lhe os óculos, dizendo-lhe “Vai agora que já não vês”, bem sabendo que a ofendida tem acentuado défice visual.
8. Nesse mesmo dia, à saída da dita Igreja Evangelista, o arguido discutiu com a assistente, recusando-se a entregar-lhe os óculos e, na presença de agentes da Polícia de Segurança Pública, que foi chamada ao local, disse a Maria A... e aos agentes que sofre de uma doença grave e uma vez que não ele e a Maria A... não se entendiam ia matá-la e depois suicidar-se, assim causando receio a Maria A... de vir a concretizar tal mal futuro contra a sua
pessoa, o que coarctou a sua liberdade de determinação.
9. Passados cerca de 8 dias, junto à referida igreja, o arguido procedeu à devolução dos óculos à Maria A....
10. O arguido João P..., ao agir do modo descrito, chamando à esposa Maria A... os referidos nomes e proferindo as ditas expressões ofensivos da sua honra e consideração, actuou em livre manifestação de vontade no propósito concretizado de a atingir na sua honra e consideração.
11. Mais agiu da forma descrita em livre manifestação de vontade no propósito concretizado de lhe causar receio pela sua vida, deixando-a num estado de atemorização que lhe prejudicou a sua liberdade de determinação.
12. E toda esta actuação foi feita de forma reiterada e continuada, prolongando-se no tempo, nomeadamente no interior da residência do casal, bem sabendo o arguido que a sua conduta era proibida.
13. O arguido João P... nasceu em Angola, onde viveu até aos 16 anos de idade.
14. O seu processo de socialização decorreu no contexto familiar de origem, sendo um dos cinco descendentes de um casal de comerciantes, com razoáveis recursos socioeconómicos. A sua adolescência foi marcada pela morte da progenitora, aos 12 anos de idade e a vinda para Portugal aos 16 anos, inicialmente sozinho, tendo a família regressado mais tarde. O relacionamento intra familiar foi descrito como positivo, e descreve o seu processo educativo como normativo.
15. Frequentou o sistema de ensino em idade própria, em Luanda, o qual decorreu sem incidentes, tendo concluído o equivalente ao 9º ano de escolaridade.
16. O arguido iniciou-se profissionalmente aos 16 anos, em Portugal, como aprendiz de pichelaria ao serviço da firma S... Costa SA, onde permaneceu cerca de 14 anos. Abdicou deste emprego para emigrar para Espanha, na perspetiva de obter melhor salário. Regressou 3 anos depois e retomou a atividade de picheleiro, que exerceu com regularidade, não obstante algumas mudanças de entidade patronal.
17. Ficou desempregado em 2006, efetuando desde então trabalhos ocasionais.
18. Há cerca de dois anos, foi-lhe diagnosticada uma doença do foro oncológico, que lhe tem limitado o exercício da atividade.
19. Da relação afectiva encetada com a ofendida nasceram três filhos, atualmente adultos e autónomos.
20. Nos últimos 6/7 anos os conflitos entre o casal acentuaram-se na medida em que o arguido terá acentuado o consumo de bebidas alcoólicas, tomando-se mais agressivo, quando se encontrava sob o efeito das mesmas.
21. A relação familiar continuou a evidenciar situações de tensão relacional entre o arguido e os seus elementos, com novos episódios de violência sobretudo verbal, que deram origem à separação definitiva do casal em Outubro de 2012.
22. À data dos factos que deram origem aos presentes autos, o arguido constituía agregado com o filho mais novo, residentes num apartamento de tipologia 3, arrendado, inserido na área urbana da cidade de Braga, que reúne condições de habitabilidade.
23. A sustentabilidade económica do agregado, até à separação era assegurada pela pensão de reforma da ofendida e do trabalho da mesma. Desde então, tem sido assegurada pelos parcos rendimentos do arguido obtidos no trabalho precário e ocasional como picheleiro.
24. O filho do arguido emigrou recentemente, para França.
25. João P... exerce a atividade de modo limitado, alegadamente devido à sua situação de saúde, embora a mesma se encontre estabilizada desde Agosto de 2012 e também devido à escassez da oferta de trabalho.
26. João P... revela dificuldade em aceitar a separação, tendo adotado um comportamento mais agressivo e revoltado desde então, com atitudes de perseguição e coação sobre a ofendida, culminando com episódios de violência física e verbal no seio familiar, situações que deram origem a novos processo de inquérito a correr termos no Ministério Público desse Tribunal. Desde Novembro de 2011, João P... foi constituído arguido nos processos de inquérito n°s 326/13.3PBBRG, 2257/12.5PBBRG, 293/13.3PBBRG, apenso ao inquérito n° 261/13.5PBBRG, alegadamente indiciado por crimes de natureza similar aos dos presentes autos.
27. A família mantém com o arguido um relacionamento distante, evidenciando acentuado desgaste psicológico e emocional face ao comportamento adotado pelo arguido até ao presente.
28. A imagem social do arguido tem vindo a construir-se de modo negativo, devido a adoção dos hábitos etílicos, que o arguido não assumiu perantes os serviços de reinserção, e atitudes agressivas na interação com a família, algumas delas na praça pública.
29. O arguido assumiu uma postura de colaboração com os serviços de reinserção social embora evasivo nas suas respostas. Em abstrato, avalia negativamente crimes da natureza aos que lhe são imputados, embora faça uma análise muito simplista e superficial do fenómeno violência doméstica, e das potenciais vitimas e danos provocados, relativizando as consequências para as mesmas. Implicitamente assume posições de externalização da responsabilidade, projetando no comportamento da vítima a causa do comportamento agressivo.
30. O arguido revela sentimentos de revolta face a existência deste processo e outros de natureza similar, verbalizando alguns expressões de retaliação futura contra a vítima.
31. No âmbito da avaliação através do instrumento de avaliação de risco para agressores conjugais (SARA), os resultados indicam moderado grau de risco de reincidência face ao tipo de criminalidade em análise.
32. Habilitado com o 9º ano, apresenta uma trajetória laboral relativamente regular, apesar da mobilidade, até 2006, altura em que o emprego se tomou instável e precário.
33. Atualmente não dispõe de emprego, nem rendimentos fixos, nem de qualquer retaguarda ou apoio familiar, com implicações significativas no assegurar dos seus meios de subsistência básicos.
34. O historial relacional com a ofendida relatado como instável, com episódios de conflito, terá motivado a separação do casal, situação vivenciada pelo arguido com revolta, desencadeando outros episódios de violência.
35. Assim, perante o posicionamento do arguido e o manifesto inconformismo face separação e à existência do presente processo, existem alguns fatores de risco, face à eventual adoção de atitudes de retaliação para com a vítima.
36. Em consequência das condutas do arguido após a separação conjugal, a ofendida teve de abandonar a residência onde se encontrava a morar, passando a residir em local desconhecido do arguido, por razões de segurança.
37. Em audiência o arguido revelou uma postura reativa e hostil, admitindo ameaças de morte à ofendida, não enjeitando a sua possível concretização.
38. Por despacho de 10/01/2013, com fundamento no perigo de continuação da actividade criminosa, foi aplicada ao arguido a medida de coação de proibição de contactar por qualquer forma com a ofendida Maria A... Monteiro Araújo, o que o arguido não tem respeitado, não se coibindo de ameaçar a ofendida mesmo nas instalações deste Tribunal, na data da realização da audiência, revelando sentimentos de total impunidade.
39. O arguido não possui antecedentes criminais.
B. Factos não provados:
- Desde 2009, o arguido vivia unicamente a expensas da ofendida Maria.
- As ameaças dirigidas à ofendida e constantes do ponto 8 dos factos apurados (na presença de agentes da P.S.P.) ocorreram no dia 26/10/2012.
C. Motivação da decisão de facto
O Tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova produzida, designadamente:
a. Na certidão de fls 34-35;
b. No certificado de registo criminal de fls 92.
c. No relatório social de fls 125 e sgs.
d. Nas declarações prestadas, de forma desafiadora e hostil, pelo arguido, admitindo ter retirado os óculos da ofendida, nas apuradas circunstâncias, bem assim as ameaças proferidas perante elementos da P.S.P., não revelando o menor arrependimento e dando mesmo a entender que poderá repetir condutas idênticas e até mais gravosas (afirmando em audiência “por amor tudo se faz”), num patente quadro de impunidade. No mais, negou a acusação, quer ainda o incumprimento da medida de coacção, de que se mostra ciente, alegando que é a ofendida que o procura - o que não se revelou minimamente credível - e com quem passou o Natal e a passagem de ano.
e. Nas declarações prestadas, de forma séria e humilde, pela assistente Maria A..., aludindo a todo o contexto de insultos e ameaças, vivenciado durante o seu relacionamento com o arguido, agravado nos últimos anos de casamento.
Mais explicou o contexto em que saiu de casa, na sequência de avisos ao arguido de que a situação descrita era para si intolerável. Mais explicou que, a partir dessa data, o arguido tornou-se ainda mais violento na verbalização de insultos e ameaças que a deixaram e deixam seriamente assustada, quer deslocando-se a sua casa, quer abordando-a nos locais que frequentava, mormente, no dia apurado, junto à igreja evangélica, retirando-lhe maldosamente os óculos de que a mesma necessita, dadas as suas dificuldades de visão, e que o arguido bem conhece; quer ainda praticando, desde então outros factos de que apresentou queixa e que caberá na sede própria apreciar (v.g. pegar fogo à varanda da declarante, partir a fechadura, continuar a ameaçar a declarante) e que o temor sério pela sua segurança, a levaram mesmo a ter de abandonar a residência onde estava a morar e, albergar-se em casa de pessoas amigas, facto que é do desconhecimento do arguido e que a declarante tem medo de este vir a descobrir, com receio de retaliações e novas ofensas, referindo que, mesmo na dia da realização da própria audiência, à qual a declarante compareceu com forte relutância e grandes receios, o arguido a ameaçou (“a tua sentença está dada”). Explicou, ainda que, as ameaças de Outubro passado, na presença de polícia, que o arguido de resto admitiu, foram também proferidas no mesmo dia em que lhe retirou os óculos, tendo sido, na sequência disso e do contexto de tal abordagem, que a polícia foi chamada ao local. Mais explicou cabalmente o clima de cordialidade, de facto existiu, no Natal e na passagem de ano, que a declarante passou em casa de pessoas amigas, tendo estas também convidado o arguido, não se tendo registado incidentes nessas duas ocasiões.
f. A testemunha José F..., agente da PSP, que se deslocou ao local, junto à igreja evangélica, pretendendo o arguido falar com a ofendida e querendo que esta o acompanhasse, recusando-se, face à atitude negativa da ofendida, a devolver-lhe os óculos e ameaçando-a mesmo na presença da entidade policial, encontrando-se a ofendida visivelmente assustada.
g. A testemunha Emanuel S..., conhecendo o casal desde a infância, por relações de amizade e proximidade, referiu que a vida do casal sempre foi, sobretudo nos últimos tempos, muito atribulada, o que era muito comentado, sem que porém o depoente tenha presenciado qualquer incidente. Explica que, já após a separação, se apercebeu de um “reboliço” junto à igreja, não tendo presenciado os factos, constatou porém a ofendida assustada e desorientada com a falta dos óculos. Mais referiu que a ofendida, por causa das perseguições do arguido, teve necessidade de mudar de número de telefone, abandonou ultimamente a casa onde estava a morar, com medo do arguido. Explicou porém que, pelo Natal e ano novo, as coisas estavam mais calmas, tendo arguido e ofendida (cada um por si) passado as festividades em casa do depoente.
h. A testemunha Cecília F... (mãe da testemunha Emanuel), com grande proximidade, por razões de vizinhança e amizade, com o casal, referindo que a ofendida muitas vezes lhe confidenciou actos de violência (até sexuais) praticados pelo arguido durante a vivência do casal, os quais porém, para além de maus tratos verbais, naturalmente não presenciou, sabendo que a ofendida tinha muito medo, nomeadamente de sair de casa e pôr fim à relação conjugal. Esteve a declarante presente no episódio junto à igreja, retirando-lhe o arguido, à entrada, os óculos e permanecendo no local até ser chamada então a polícia, aludindo também ela ao teor das ameaças proferidas pelo arguido, que o mesmo não deixa de repetir, sempre que tem oportunidade, tal como refere ter acontecido nas instalações do tribunal, no dia da audiência.
i. Apreciando o conjunto da prova produzida, não ficou o tribunal com quaisquer dúvidas quanto à realidade dos factos acima dados como provados, bem se percebendo, do contexto retratado, o estado de inquietação, perturbação e mesmo pavor da ofendida/assistente Maria A....
j. Acresce que o arguido admitiu parcialmente os factos e revelou, quer em audiência, quer junto dos serviços de reinserção social, uma personalidade agressiva, desajustada e compatível com o quadro descrito pela ofendida e potenciadora da prática de novos factos ilícitos na pessoa da ofendida.”.
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- Quanto às questões suscitadas no recurso

1 - Quanto á pretendida suspensão da execução da pena de prisão efectiva de dois anos:
O recorrente não põe em causa a materialidade fáctica apurada contida nos pontos n.ºs 1 a 39 da sentença recorrida (fls. 148 a 153).
Nem tão pouco se insurge contra a pena fixada na sentença em função de tal acervo fáctico.
Sustenta, porém, que este último implicaria que a pena arbitrada fosse suspensa na sua execução, nos termos do art. 50.º, n.º 1 do C. Penal.
Vejamos.
Dispõe este normativo:

“1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.
Como com acerto se afirma na bem fundamentada sentença recorrida:
“Esta medida de conteúdo reeducativo e pedagógico tem na sua base um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, que deverá assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e a ressocialização (em liberdade) do arguido” (fls. 161).
Ora, no caso vertente, não é, de todo, razoável conceber um tal juízo de previsibilidade.
Com efeito, perante o conjunto dos factos provados contidos na sentença nos seus pontos n.ºs 2, 3, 6 a 8, 10 a 12, 20, 21, 26, 28, 30 e 34 a 36 conjugados com os factos apurados nos pontos n.ºs 37 e 38 da mesma decisão, não é possível convencermo-nos que, caso permaneça em liberdade o arguido não voltará a delinquir contra a assistente.
E desde logo porque foi o próprio arguido que em plena audiência mostrou “(…) uma postura reactiva e hostil, admitindo ameaças de morte á ofendida, não enjeitando a sua possível concretização” (facto n.º 37, a fls. 153); sendo certo que “Por despacho de 10/01/2013, com fundamento no perigo de continuação da actividade criminosa, foi aplicada ao arguido a medida de coação de proibição de contactar por qualquer forma com a ofendida Maria A... Monteiro Araújo, o que o arguido não tem respeitado, não se coibindo de ameaçar a ofendida mesmo nas instalações deste Tribunal, na data da realização da audiência, revelando sentimentos de total impunidade (facto n.º 38 a fls. 153).
Quanto ás alegadas situações de “são convívio entre arguido e ofendida” ocorridas entre a separação e o julgamento, verifica-se que as mesmas não constam do elenco dos factos apurados.
Todavia, da motivação da decisão de facto constante da sentença e a propósito dos depoimentos da assistente e da testemunha Emanuel S... - merecedores da credibilidade do tribunal - resulta que houve duas situações, o Natal e o Ano Novo, que o arguido e a assistente, cada um por si, passaram em casa daquela testemunha e a convite da mesma (a qual os conhece desde a infância), não tendo então ocorrido incidentes.
Mas a natureza meramente pontual destas duas situações e o contexto de festividade em que elas ocorreram e a conduta ulterior supra aludida do arguido em audiência, não autorizam a emissão de um juízo de prognose positivo sobre a conduta futura deste último.
No que tange á circunstância do arguido não ter antecedentes criminais, ela já foi tida em consideração na medida da pena, que foi fixada no seu mínimo legal: dois anos de prisão, sendo a moldura penal de dois a cinco anos - cfr. o art. 152.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 do C. Penal.
Em relação á doença oncológica de que o arguido padece, apurou-se que esta lhe foi diagnosticada há cerca de dois anos e isso lhe tem limitado o exercício da actividade; mais se provou que a sua doença está estabilizada desde Agosto de 2012 – pontos n.ºs 18 e 25 da sentença recorrida a fls. 151 e o relatório social de fls. 125 e seg.s, elaborado a 04-04-2013 (fls. 129) do qual consta que a situação clínica do arguido se encontra “estabilizada desde Agosto de 2012” (fls. 127, II).
Dos documentos juntos pelo arguido em sede deste recurso, resulta que o mesmo teve alta do Hospital de Braga em 01-09-2011, indo submeter-se a tratamentos médicos naquele hospital em 13-08-2013 (cfr., respectivamente, fls. 185 e 186).
Ora, não pondo em causa a gravidade da doença de que o arguido padece o certo é que os autos apontam no sentido de que a mesma está, pelo menos, estabilizada, não obstaculizando à execução da pena de prisão efectiva em que foi condenado; e podendo, por outro lado, o arguido prosseguir os tratamentos médicos de que necessite e onde aqueles devam ser realizados, em pleno cumprimento de tal pena – cfr., entre outros, os art.s 7.º, n.º 1 al. i), 19º, n.º 1 al. a), 32º, n.ºs 1, 2 e 3 e sobretudo o 34º, n.º 1, todos do Código de Execução da Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro.
Por seu turno, nada nos presentes autos indicia que a doença de que o arguido é portador, em si mesma, o impeça de voltar a delinquir contra a assistente.
Em suma, face ao conjunto de toda a apurada e já citada conduta do arguido, a que acresce a sua ausência de arrependimento bem como a preocupante ausência de vontade por parte do mesmo de querer modificar o seu comportamento relativamente á assistente, afigura-se-nos, que aquele não interiorizou ainda o mal do crime que cometeu.
Não nos convencemos, pois, de que o arguido renegará, no futuro o cometimento de actos ilícitos.
Inexistindo, destarte, como inexiste o prognostico favorável sobre a conduta ulterior do arguido a que alude o art. 50.º, n.º 1 do C. Penal, não é possível suspender-lhe a execução da pena que lhe foi fixada.
Termos em que deve improceder o recurso neste ponto.
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2 - Quanto á pretendida suspensão da execução da pena de prisão efectiva de dois anos, condicionada á observância de regras de conduta, designadamente a proibição de qualquer contacto com a assistente:
De acordo com o disposto no art. 52.º, n.ºs 1 e 2 al. d) do C. Penal o tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão da pena de prisão, de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, incluindo a proibição de o condenado acompanhar determinadas pessoas.
A imposição ao condenado do estatuído neste comando legal tem, naturalmente, como pressuposto a previsão favorável de que o mesmo acatará a regra de conduta em apreço.
In casu, contudo, e uma vez mais, não é viável um tal juízo de prognose.
Na verdade, a postura assumida pelo arguido, desde logo em audiência e nas instalações do tribunal é reveladora de uma ostensiva hostilidade em relação á ofendida, não autorizando prognosticar que o mesmo, se em liberdade, acataria as regras de condutas previstas no sobredito normativo, em particular a de não contactar a ofendida e não obstante a sua conduta poder estar sob fiscalização.
Assim sendo e tendo ainda em consideração a forte exigência de prevenção geral que nesta sorte de delitos importa acautelar, afim de se obstar á lamentável frequência com que ocorrem, não vislumbramos fundamento jurídico para suspender a execução da pena e ainda que tal suspensão ficasse condicionada á observância de normas de conduta.
Pelo que também neste ponto deve improceder o recurso interposto.
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Nestes termos e pelos fundamentos expostos deverá manter-se a sentença recorrida e improceder o recurso interposto.
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- Decisão:
Pelo exposto, decide-se nesta Relação em julgar o recurso como improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Notifique / D. N.
(Texto processado em computador e revisto pela primeira signatária – artº 94º, nº 2 do CPP – Proc n.º 2088/12.2PB BRG.G1).
Guimarães, 09 de Setembro de 2013