Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
121/22.9T8VRM.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: NULIDADES DA SENTENÇA
PODER INQUISITÓRIO
PERÍCIA OFICIOSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. O poder inquisitório do tribunal é complementar da atividade instrutória desenvolvida pelas partes no cumprimento dos respetivos ónus probatórios.
2. Esse poder não deve ser exercido se a parte onerada com a prova do facto não efetuou a proposição probatória correspondente e essa omissão deva ser qualificada como negligente.
3. Carece de pertinência a determinação oficiosa de realização de perícia sobre factos que podem ser provados por prova documental e/ou testemunhal e que a parte a quem incumbe o ónus da prova optou por não propor.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. EMP01... Unipessoal, Lda., intentou ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato contra EMP02..., Lda., pedindo que «seja a Ré condenada no pagamento de 7.447,00€ (sete mil quatrocentos e quarenta e sete euros), acrescidos de juros até efetivo e integral pagamento.»
Para o efeito, alegou que no âmbito da sua atividade vendeu à Ré, que os recebeu, os materiais que se encontram descritos na fatura nº ...22, de 22.02.2022, com vencimento na mesma data, no valor de € 7.300,00, contudo, não pagou o preço, nem procedeu à devolução dos materiais nem da respetiva fatura.
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A Ré contestou e deduziu reconvenção, pedindo que a Reconvinda seja condenada a concluir a obra de acordo com o que foi contratado, concretamente a retirar o silicone que se encontra mal aplicado, colocando outro de acordo com as boas regras de aplicação; a reparar o rodapé do móvel danificado pelas humidades criadas pelas infiltrações de água da chuva pela caixilharia; a retirar as borrachas de suporte dos vidros que estão mal colocadas por outras de acordo com as boas técnicas de serralharia; a retirar o silicone que se encontra fixado em diversas partes dos vidros, algumas das quais já com manchas, e/ou não sendo possível trocar por vidros novos; a verificar a qualidade do vidro fornecido e o seu isolamento térmico, dado que com alguma exposição solar o espaço fica demasiado quente/abafado.
Alegou, além do mais, que os trabalhos adjudicados à Autora não foram concluídos e outros encontram-se executados deficientemente.
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A reconvenção não foi admitida.
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1.2. Realizada a audiência de julgamento, lavrou-se sentença, a julgar a ação procedente e a «Conden[ar] a ré, EMP02..., Lda, a pagar à autora, EMP01..., Unipessoal, Lda a quantia de 7.300,00€ (sete mil e trezentos euros), acrescida dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.»
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1.3. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
«A) A fundamentação apresentada pelo Tribunal Recorrido não satisfaz integralmente os requisitos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), 607.º, n.º 4 e 195.º, n.º 1, do C.P.C.., na medida em que não indica os concretos meios probatórios, como ainda não indica as razões ou motivos por que eles se tornaram credíveis e decisivos para a formação da convicção do julgador;
B) Considerando-se não cumpridas as exigências de motivação dos factos não provados, conclui-se pela nulidade da douta sentença recorrida e que expressamente se invoca para todos os efeitos legais;
Sem prescindir,
C) Segundo a al. b) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (o que se aplica igualmente aos despachos, com as necessárias adaptações, por força do disposto no nº 3 do art.º 613º do C.P.C.);
D) A necessidade de especificação dos fundamentos da decisão judicial emerge do art.º 154º do Código de Processo Civil, onde se dispõe que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas;
E) Afirma-se no acórdão de 7/12/2021 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Ana Rodrigues da Silva e disponível em www.dgsi.pt) que “quando exista uma ausência da fundamentação de facto, por falta de especificação de factos provados e não provados, bem como por omissão de qualquer apreciação crítica da prova produzida, e sua subsunção ao direito aplicado, impedindo, assim, a sua sindicância, estamos perante uma situação de falta de fundamentação, o que determina a nulidade da sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do art. 615º, nº 1, al. b) do CPC”, e sendo que “esta nulidade apenas pode ser colmatada pelo tribunal que proferiu a sentença, porquanto a apreciação da prova produzida pelo tribunal de recurso significaria a diminuição de um grau de jurisdição na apreciação e julgamento da matéria de facto”;
F) Reconduzindo todas estas considerações ao caso concreto dos autos, constata-se desde logo que na Douta Sentença proferida não apresenta a motivação ou o conjunto de juízos conducentes [à] decisão tomada;
G) A não indicação da realidade factual subsumível às previsões legais, a par do percurso lógico que conduz à afirmação conclusiva da falta de preenchimento de tal previsão, mais não representa que a falta de fundamentação do decidido, porque é totalmente omisso qualquer raciocínio nesse sentido;
H) No caso concreto não é possível apreender qualquer linha de raciocínio que leve à consideração conclusiva expressa na Douta Decisão recorrida;
I) A sentença sob recurso padece do vício formal de falta de fundamentação para os efeitos da nulidade cominada na al. b) do nº 1 do artº. 668º do C.P.C.;
J) Na sentença ora sob recurso, em sede de fundamentação, e pese embora da mesma conste a enunciação da factualidade assente e provada, certo é que, do enquadramento jurídico da factualidade assente não constam juízos classificatórios da realidade em apreço, não constam juízos interpretativos dos normativos convocados, culminando-se na não caracterização jurídica dos factos apurados e na concretização do efeito jurídico correspondente;
K) No caso dos presentes autos, ocorre falta de fundamentação de direito, pois, não obstante a indicação do universo factual, na sentença não se revela qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão;
L) Ocorre falta de fundamentação que afeta formalmente a Sentença recorrida;
M) A Douta Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo deve ser anulada, devendo o Douto Tribunal a quo suprir a nulidade em questão fundamentando de facto e de direito a decisão a proferir em substituição da sentença ora em crise.
N) Para o que importa nesta parte, refira-se que o Douto Tribunal a quo deu como não provados os seguintes:
“(…)Factos Não Provados:
a) Os trabalhos realizados pela ré tiveram atrasos significativos.
b) Após a colocação da caixilharia, vidros e demais materiais e antes da obra estar concluída, a Ré reclamou que alguns trabalhos estavam mal efetuados.
c) Logo após colocarem a caixilharia, em fevereiro de 2022, e num dia de chuva o espaço, agora interior, ficou inundado em virtude da caixilharia não vedar água da chuva vinda do exterior.
d) Alguns dias depois, e por mais do que uma vez, trabalhadores da A. foram ao local tentar verificar as infiltrações da água, onde fizeram diversos trabalhos para vedar a entrada de água mas que ficaram por arrematar.
e) As humidades criadas pelas infiltrações de água danificaram o rodapé de um móvel que se encontrava no local, que a Ré assumiu reparar.
f) A Ré reclamou junto da A. as borrachas de suporte dos vidros e caixilharia que estavam mal colocadas e alertou para o facto de o silicone em alguns sítios estar mal colocado e também em diversas partes dos vidros estarem cheios de silicone, algumas partes manchadas, e que tinham de retirar os restos ou trocar por vidros novos, pois não aceitava como se encontrava.
g) Por último, a representante da Ré questionou também que o espaço vedado com a nova caixilharia quando o sol incidia ficava demasiado quente/abafada, duvidando da qualidade dos vidros.
h) A representante da Ré comunicou ao representante da A. que a obra não estava terminada de acordo com o convencionado, não aceitando a mesma.
(…).

Sem prescindir,
O) Considerou o Douto Tribunal a quo que: “(…) a testemunha AA, mãe do sócio-gerente da ré, começou por referir ter sido a pessoa que contactou directamente com a autora, na pessoa do seu representante legal, a fim de realizar uma obra na sede da ré, que é o local da sua residência também, sita na Rua ..., ..., União de freguesias ..., ... e .... Essa obra consistia da construção de um "jardim de Inverno", com uma estrutura metálica e telhado em vidro e uma porta de correr. Asseverou que o valor do orçamento foi de 12.300,00€, com IVA incluído tendo procedido ao pagamento da quantia de 5.000,00€, a título de adiantamento. Os contactos tendentes à realização da obra ocorreram em 2021, no mês de Outubro. Referiu que a obra teve atrasos e não começou quando deveria, só tendo começado em Janeiro de 2022. A obra não ficou concluída porque segundo a testemunha, a mesma tem defeitos, como sejam: silicone mal colocado espalhado em alguns vidros, já com manchas, as borrachas estão mal colocadas, sendo que quando chove existem entra água e humidade no espaço, o que levou a que o rodapé de um móvel ficasse danificado; o vidro aplicado não corresponde ao que constava do orçamento, sendo que quando está sol e calor, é impossível permanecer no espaço pois fica demasiado quente e abafado. Referiu também que comunicou estas anomalias ao legal representante da ré, tendo feito deslocar um funcionário que rectificou um local onde havia infiltração mas a situação manteve-se igual. Mais referiu que posteriormente contactou um perito que analisou a obra e lhe referiu que o vidro colocado não era o adequado para a obra em causa, mas sim o que constava do orçamento.(…)”
P) E mais considerou o Douto Tribunal a quo que: “(…)…o depoimento da testemunha AA afigurou-se seguro e circunstanciado, no que toca à existência de anomalias nos trabalhos efectuados. Porém, nenhuma outra prova, nomeadamente pericial ou técnica foi produzida, de molde a que o Tribunal pudesse formular um juízo positivo, isento de dúvida quanto aos mesmos. Refira-se que o Tribunal não dispõe de conhecimentos técnicos especializados para aferir da existência ou não de defeitos e se estes comprometem a funcionalidade da obra em causa. Diga-se, que nenhuma prova foi requerida nesse sentido pela ré, nem mesmo foram juntas aos autos registos fotográficos, ou requerido o depoimento do técnico que se deslocou à residência onde funciona a sede da autora. A prova de tais factos enquanto factos modificativos do direito invocado pela autora incumbia à ré, o que não logrou fazer, razão pela qual nada mais restava ao Tribunal que considerar os factos vertidos em a) a i) não provados. (…)”
Q) Certamente o Douto Tribunal a quo pretendia referir-se aos factos vertidos em a) a h) e não de a) a i) dado que inexiste a alínea i) dos factos não provados, o que, provavelmente, terá ocorrido por mero lapso perfeitamente relevável;
R) Reportando-nos em concreto aos factos dados como não provados, sempre se dirá que deveria o Douto Tribunal a quo ter dado estes factos como provados atenta a prova produzida em audiência de discussão de julgamento;
S) Pese embora o depoimento da testemunha da recorrente AA se tenha afigurado seguro e circunstanciado, no que toca à existência de anomalias nos trabalhos efetuados, certo é que, o Douto Tribunal a quo julgou como não provados os factos vertidos em a) a h) dos factos não provados;
T) No entendimento do Douto Tribunal a quo, pese embora a testemunha da recorrente AA tenha apresentado um depoimento seguro e circunstanciado quanto [à] existência de defeitos nos trabalhos realizados pela Recorrida, considerou o Douto Tribunal a quo que não dispõe de conhecimentos especializados para aferir da existência ou não de defeitos e se estes comprometem a funcionalidade da obra em discussão nos autos, e na ausência de qualquer outra prova pericial ou técnica produzida nos autos, decidiu o Douto Tribunal a julgar, em mais, os factos vertidos elencados de a) a h) dos factos não provados;
U) Todavia, o Douto Tribunal a quo julgou os factos de a) a h) como não provados sem previamente ter ordenado a realização de uma perícia (ainda que oficiosamente) para aferir da existência os alegados defeitos nos trabalhos;
V) Se por um lado, o Douto Tribunal a quo deu como assente que o depoimento da testemunha da Recorrente AA se afigurou seguro e circunstanciado, no que toca à existência de anomalias nos trabalhos efetuados;
W) Por outro lado, inexistindo qualquer outra prova, nomeadamente pericial ou técnica produzida nos autos, de molde a que o Douto Tribunal pudesse formular um juízo positivo, isento de dúvida quanto aos mesmos, e não dispondo o Douto Tribunal a quo de conhecimentos técnicos especializados para aferir da existência ou não de defeitos, deu, logo, como não provados os factos elencados em a) a h) dos factos não provados;
X) O Douto Tribunal a quo atentou no depoimento da testemunha da Recorrente como um depoimento seguro e circunstanciado quanto [à]s alegadas anomalias nos trabalhos executados pela Recorrida;
Y) Contudo, dada a ausência de qualquer prova pericial ou técnica existente nos autos e tendo em consideração que o Tribunal a quo não dispõe de conhecimentos técnicos especializados para aferir da sua existência, o Tribunal a quo, sem mais, julgou os factos vertido em a) a h) como não provados;
Z) Face ao depoimento seguro e circunstanciado da testemunha da recorrente AA, deveria o Douto Tribunal a quo ter ordenado, ainda que oficiosamente, a realização de uma perícia para aferir da existência de anomalias/defeitos no que respeita aos trabalhos realizados pela Recorrida;
AA) Dada a ausência de qualquer outra prova, mormente, prova pericial e especializada para apurar a existência de anomalias nos trabalhos, não deveria o Douto Tribunal a quo ter decidido julgar os factos em apreço como não provados (a) a h) dos factos não provados), sem primeiramente ter determinado, oficiosamente, a realização de uma perícia;
BB) E, ao mesmo passo, admitiu o Douto Tribunal a quo não dispor de conhecimento técnicos especializados que lhe permitisse aferir da existência ou não dos defeitos invocados pela Recorrente de molde a que o Tribunal formulasse um juízo positivo, isento de dúvida quanto aos mesmos;
CC) Ainda assim, entendeu o Tribunal a quo, não ordenar a produção de prova pericial para aferir da existência de anomalias nos trabalhos realizados pela Recorrida;
DD) É certo que a Recorrente poderia ter requerido a realização de uma perícia para apuramento da anomalias e defeitos relativamente aos trabalhos realizados pela Recorrida;
EE) Contudo, tal facto não impede nem impossibilita o Douto Tribunal a quo de determinar a realização da perícia técnica nesse sentido, e, portanto, oficiosamente;
FF) O Tribunal deveria ordenar, ainda que oficiosamente, a realização de uma perícia técnica para aferir da existência ou não dos defeitos invocados pela Recorrente;
GG) Nenhuma dúvida havendo de que a perícia é um meio de prova destinado a suprir a falta de conhecimentos especializados do juiz sobre determinada matéria, a primeira questão que se suscita é a de saber se os factos indicados excedem a capacidade cognitiva do juiz;
HH) E dos autos resulta claro que o Douto Tribunal a quo, como se admite na Douta Sentença, não dispõe de conhecimentos técnicos especializados para aferir da existência de defeitos e se estes comprometem a funcionalidade da obra, por forma a que o Douto Tribunal a quo pudesse formular um juízo positivo, isento de dúvida quanto aos mesmos;
II) Mas como o próprio Douto Tribunal a quo admite, este não detém conhecimento técnicos para aferir da existência desses defeitos, pelo que, teria toda a dificuldade em saber se os trabalhos realizados pela Recorrida apresentam ou não os defeitos que a Recorrente alega
JJ) E no caso vertente, o depoimento duma testemunha não explicaria ao Douto Tribunal a quo as operações de construção e os materiais empregados e os trabalhos a realizar em caso da existência de defeitos, certamente não elucidaria o Douto Tribunal a quo quanto [à] existência dos mesmos;
KK) In casu, coloca-se a questão de saber se o facto de a Recorrente não ter requerido a realização de perícia técnica para aferir da existência de defeitos dos trabalhos, determinaria inelutavelmente a não realização da perícia, ainda que oficiosamente ordenada pelo Douto Tribunal a quo;
LL) A resposta a esta questão impõe que se tenha presente o princípio do inquisitório, expressamente consagrado no art. 411.º do C.P.C., nos termos do qual “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
MM) Sem prejuízo de, em obediência ao princípio do dipositivo estabelecido no n.º 1 do art. 5º do C.P.C., caber às partes o ónus de invocar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, o princípio do inquisitório impõe ao juiz, quanto àqueles factos e aos demais de que lhe é lícito conhecer, o poder/dever de diligenciar no sentido da descoberta da verdade e da justa composição do litígio;
NN) Face ao princípio do inquisitório o tribunal não está limitado aos elementos probatórios apresentados pelas partes, tendo o poder-dever de procura da verdade material, dentro do âmbito limitado pelo objeto do processo;
OO) O juiz deverá providenciar pela obtenção da prova necessária à formação da sua convicção quanto aos factos que lhe é lícito conhecer e que possam ter utilidade para a solução da controvérsia suscitada no processo.
PP) Sobre esse ponto há que ter presente que no caso dos autos alega a recorrente a existência de defeitos e anomalias nos trabalhos realizados pela Recorrida, pelo que requer que, face [à] existência dos mesmo seja feita operar a exceção de não cumprimento do contrato;
QQ) No caso destes autos, a realização da perícia visa precisamente auxiliar o Tribunal “a quo” na averiguação e apuramento e existência dos defeitos nos trabalhos executados pela Recorrida, sendo certo tratar-se dum domínio técnico específico que reclama conhecimentos especiais de que o julgador, in casu, o Douto Tribunal a quo, não é portador;
RR) É inequívoco que a prova pericial a que se reporta a recorrente e que, segundo esta, deveria ter sido ordenada oficiosamente pelo Douto Tribunal a quo, reveste uma relevância essencial com vista à formação da convicção do julgador quanto à perceção, averiguação e apuramento daquele concreto facto;
SS) No tocante à pertinência e necessidade da perícia com vista [à] aferição dos defeitos e anomalias dos trabalhos realizados não podemos deixar de assinalar o reconhecimento desse juízo feito pelo próprio Douto Tribunal a quo em sede de Douta Sentença, designadamente, quando da mesma se extrai que “(… ) o depoimento da testemunha AA afigurou-se seguro e circunstanciado, no que toca à existência de anomalias nos trabalhos efetuados. Porém, nenhuma outra prova, nomeadamente pericial ou técnica foi produzida, de molde a que o Tribunal pudesse formular um juízo positivo, isento de dúvida quanto aos mesmos. Refira-se que o Tribunal não dispõe de conhecimentos técnicos especializados para aferir da existência ou não de defeitos e se estes comprometem a funcionalidade da obra em causa. (…)”
TT) Não obstante a Recorrente não ter requerido a perícia pericial - o indicado meio de prova é pertinente e indispensável à demonstração dos factos alegados pela Recorrente quanto aos defeitos dos trabalhos realizados pela Recorrida, sendo, por conseguinte, essencial ou imprescindível à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa.
UU) Tendo o Douto Tribunal a quo apreciado o depoimento da testemunha da Recorrente AA no sentido de se ter afigurado seguro e circunstanciado no que toca [à] existência das anomalias nos trabalhos efetuados, não menos verdade que, na ausência de prova pericial ou técnica, porque não requerida pela Recorrente, o Douto Tribunal a quo não deveria ter considerado como não provados os factos indicados em a) a h) dos factos não provados;
VV) O Douto Tribunal a quo deveria, no decurso da audiência final, ter ordenado, ainda que oficiosamente e pese embora não requerida pela Recorrente, a realização de perícia para aferir da existência das anomalias e defeitos dos trabalhos executados pela Requerida, tudo com vista ao apuramento da verdade e [à] justa composição do litígio em apreciação nos autos;
WW) Deverá a Douta Sentença em crise ser revogada e substituída por outra em que ordene a remessa dos autos [à] primeira instância e, reaberta a audiência de julgamento, se ordene oficiosamente a realização de perícia para aferir da existência das anomalias e defeitos dos trabalhos executados pela Requerida, tudo com vista ao apuramento da verdade e [à] justa composição do litígio em apreciação nestes autos seguindo-se a ulterior tramitação até final;
Sem prescindir,
XX) O tribunal deu como não provados os factos de a) a h) dos factos não provados constantes da douta sentença e que aqui se dão por integralmente reproduzidos por uma questão de economia processual, e que a recorrente entende que foram incorretamente julgados atenta a prova produzida;
YY) Do depoimento da testemunha da Recorrente AA e da diligência de acareação entre esta e o legal representante da Recorrida, deveria ter dado como provado que “Os trabalhos realizados pela ré tiveram atrasos significativos.”, pois dos mesmos resultou que os trabalhos levados a efeito pela Recorrida sofreu atrasos significativos, como concretamente se afere nas passagens da gravação da prova supra devidamente transcritas na motivação do presente recurso;
ZZ) Além disso, do depoimento da testemunha da Recorrente, AA, na passagem da gravação da prova supra devidamente transcritas na motivação do presente recurso, que referiu após a colocação da caixilharia, vidros e demais materiais e antes da obra estar concluída, a Recorrente reclamou que alguns trabalhos estavam mal efetuados, facto este que deveria ter sido dado como provado;
AAA) Face ao depoimento da testemunha da Recorrente AA deveria o Douto Tribunal a quo ter dado como provado que “Alguns dias depois, e por mais do que uma vez, trabalhadores da A. foram ao local tentar verificar as infiltrações da água, onde fizeram diversos trabalhos para vedar a entrada de água mas que ficaram por arrematar” e que “As humidades criadas pelas infiltrações de água danificaram o rodapé de um móvel que se encontrava no local, que a Ré assumiu reparar.” como concretamente se afere nas passagens da gravação da prova supra devidamente transcritas na motivação do presente recurso e que damos por reproduzidas;
BBB) De acrescentar que, do depoimento da testemunha da Recorrente, AA, na passagem da gravação da prova supra devidamente transcritas na motivação do presente recurso, resultou que “A Ré reclamou junto da A. as borrachas de suporte dos vidros e caixilharia que estavam mal colocadas e alertou para o facto de o silicone em alguns sítios estar mal colocado e também em diversas partes dos vidros estarem cheios de silicone, algumas partes manchadas, e que tinham de retirar os restos ou trocar por vidros novos, pois não aceitava como se encontrava.” e que “Por último, a representante da Ré questionou também que o espaço vedado com a nova caixilharia quando o sol incidia ficava demasiado quente/abafada, duvidando da qualidade dos vidros.”, depoimento esse que deveria ter conduzido a que tais factos fossem dados como provados;
CCC) Por fim, considerando o depoimento da testemunha da Recorrente AA deveria ter sido dado como provado que “A representante da Ré comunicou ao representante da A. que a obra não estava terminada de acordo com o convencionado, não aceitando a mesma”, como se afere nas passagens da gravação da prova supra devidamente transcritas na motivação do presente recurso e que se dão por reproduzidas;
DDD) Decidindo, dessa forma, foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 5º nº 1 e alíneas a) e b) do nº 2, 410º, 411º, 413º, 414º, 467º a 489º, 572º, 598º, todos do Código de Processo Civil, artigo 20º e 202º da Constituição da República Portuguesa, artigos 342º, 346º, 388º, 389º do Código Civil.

TERMOS EM QUE,
Nos melhores de direito e com mui douto suprimento de VOSSAS EXCELÊNCIAS, deve conceder-se provimento ao presente Recurso, e:
a) Se declare nula a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo por falta de indicação concreta da prova que lançou mão para considerar cada facto como provado e não, fazendo apenas uma enunciação genérica dos meios de prova - violação do disposto nos arts.662.º, n.º 2, alínea c), 607.º, n.º 4 e 195.º, n.º 1, do C.P.C.;

Sem prescindir,
b) Se declare a nulidade da Douta Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo e seja ordenada a remessa do processo ao Douto Tribunal “a quo” para que se proceda à elaboração de nova sentença com adequada fundamentação de facto e de direito conforme legalmente imposto;
Sem prescindir,
c) Deverá a Douta Sentença em crise ser revogada e substituída por outra em que ordene a remessa dos autos á primeira instância e, reaberta a audiência de julgamento, se ordene oficiosamente a realização de perícia para aferir da existência das anomalias e defeitos dos trabalhos executados pela Requerida, tudo com vista ao apuramento da verdade e á justa composição do litígio em apreciação nestes autos seguindo-se a ulterior tramitação até final;
Sem prescindir,
d) Após analisada somente a matéria de facto, em nossa modesta opinião, foram incorretamente julgados, concretamente, os factos dados como não provados em a) a h) dos factos não provados, os quais devem ser dados como provados na sua totalidade, devendo a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente e absolva a Recorrente do pedido por operar a exceção de não cumprimento do contrato.»
*
A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido.
**
1.4. Questões a decidir

Nas conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a Recorrente suscita as seguintes questões:

i) Nulidade processual por falta de indicação dos concretos meios de prova que alicerçaram a decisão quanto a cada facto (conclusões A) e B));
ii) Nulidade da sentença por falta fundamentação de direito (conclusões C) a M));
iii) Falta de determinação oficiosa da realização de perícia (conclusões N) a WW));
iv) Modificação da decisão quanto aos factos não provados (conclusões XX) a CCC);
v) Repercussões em sede de direito da eventual modificação da matéria de facto.
***
II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
«1) A autora dedica-se à atividade de exploração de serralharia civil, fabricação, montagem, colocação, comércio, importação e exploração de estruturas metálicas, nomeadamente de portas, janelas, portões e elementos de construção similares em metal.
2) No âmbito da sua actividade comercial, a autora forneceu à ré, os materiais descritos na factura n.º ...22, os quais se destinavam e foram aplicados numa obra de construção de uma estrutura metálica, com telhado em vidro e porta de correr, que a autora realizou para a ré, na sede desta, a seu pedido, sita na Rua ..., União de freguesias ..., ... e ....
3) Os materiais referidos em 2) foram:
a) Janela de correr 3fls Tr-Rail em alumínio cor noir 200S, c/vidro laminado 3.3 +12WEP+6A50 3050X2650mm
b) Janela de correr 3fls Tr-Rail em alumínio cor noir 200S, c/vidro laminado 3.3 +12WEP+6A50 3770X2840mm;
c) Cobertura em alumínio cor noir 200S, com vidro laminado 4.4 + 16 WEP + 6 A50 temperado, 3740X5300mm;
d) Porta de abrir 1 FL em alumínio cor Noir 200S, C/vidro duplo 4+22 22 WEP + 6 ... 795X2000mm.
4) O preço global da obra realizada pela autora ascendeu a 12.300,00€, com IVA
 incluído.
5) A Ré entregou ao representante da A., a pedido desta, a quantia de € 5.000,00, a título de início de pagamento.
6) A autora realizou a obra mencionada em 3) e entregou-a à ré.
7) Em consequência dos trabalhos realizados, em 22.02.2022, a autora emitiu a factura n.º ...22, em nome da ré, no valor de 7.300,00€, sem IVA, com vencimento imediato.
8) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 28.04.2022 e recepcionada a 02.05.2022, a autora solicitou à ré a quantia constante da factura mencionada em 5).
9) O vidro aplicado na obra referida em 3) não corresponde ao vidro constante do orçamento elaborado pela autora.»
*
2.1.2. Factos não provados

O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
«a) Os trabalhos realizados pela ré tiveram atrasos significativos.
b) Após a colocação da caixilharia, vidros e demais materiais e antes da obra estar concluída, a Ré reclamou que alguns trabalhos estavam mal efetuados.
c) Logo após colocarem a caixilharia, em fevereiro de 2022, e num dia de chuva o espaço, agora interior, ficou inundado em virtude da caixilharia não vedar água da chuva vinda do exterior.
d) Alguns dias depois, e por mais do que uma vez, trabalhadores da A. foram ao local tentar verificar as infiltrações da água, onde fizeram diversos trabalhos para vedar a entrada de água mas que ficaram por arrematar.
e) As humidades criadas pelas infiltrações de água danificaram o rodapé de um móvel que se encontrava no local, que a Ré assumiu reparar.
f) A Ré reclamou junto da A. as borrachas de suporte dos vidros e caixilharia que estavam mal colocadas e alertou para o facto de o silicone em alguns sítios estar mal colocado e também em diversas partes dos vidros estarem cheios de silicone, algumas partes manchadas, e que tinham de retirar os restos ou trocar por vidros novos, pois não aceitava como se encontrava.
g) Por último, a representante da Ré questionou também que o espaço vedado com a nova caixilharia quando o sol incidia ficava demasiado quente/abafada, duvidando da qualidade dos vidros.
h) A representante da Ré comunicou ao representante da A. que a obra não estava terminada de acordo com o convencionado, não aceitando a mesma.»
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2.2. Do objeto do recurso
2.2.1. Nulidade da sentença por falta de indicação de meios de prova
Sustenta a Recorrente que «A fundamentação apresentada pelo Tribunal Recorrido não satisfaz integralmente os requisitos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), 607.º, n.º 4 e 195.º, n.º 1, do C.P.C.., na medida em que não indica os concretos meios probatórios, como ainda não indica as razões ou motivos por que eles se tornaram credíveis e decisivos para a formação da convicção do julgador».
Na motivação das alegações alega que «cometeu-se uma nulidade processual prevista no art. 195.º, n.º 1, do CPC», ou seja, uma nulidade secundária.

Sobre o conteúdo do dever de motivar a decisão sobre a matéria de facto rege o artigo 607º, nº 4, do CPC, onde se dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz, depois de declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, deve analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Analisada a sentença recorrida, verifica-se que contém a motivação da decisão de facto, tanto no que respeita aos factos provados como aos factos não provados.
É verdade que a fundamentação no que respeita aos factos provados é algo genérica, mas, apesar disso, é percetível por que se decidiu daquele concreto modo.
Além disso, apenas se deram como provados nove factos e a Recorrente não invoca qualquer erro de julgamento relativamente a esses factos. Significa isto que, no que respeita aos factos julgados provados, o pretenso vício invocado não tem qualquer relevância prática: bem ou mal fundamentada, a decisão quanto aos factos provados está correta. Recorde-se que a nulidade processual só se produz «quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa».
Quanto aos factos não provados, a motivação é esclarecedora da análise crítica efetuada pela Mma. Juiz a quo. Depois de efetuar o confronto entre, por um lado, as declarações de parte do legal representante da Autora e o depoimento da testemunha BB e, por outro lado, o depoimento da testemunha AA, mãe do sócio-gerente da Ré, a Mma. Juiz afirmou que não conseguia «formular um juízo positivo» pelas razões que expôs.
Em todo o caso, a insuficiência ou incompletude da motivação não produzem nulidade. Isto porque a lei consagra um meio processual específico de reação, que é a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, suscetível de conduzir à revogação ou anulação da sentença em recurso, mas não produz a sua nulidade.

Termos em que improcede esta primeira questão.
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2.2.2. Nulidade da sentença por falta de fundamentação

Invocando a Recorrente que a sentença é nula por falta de fundamentação de direito, cumpre apreciar tal fundamento.

Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), do CPC, a sentença é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
O artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, o qual mostra-se concretizado, quanto ao processo civil, no artigo 154º, nº 1, do CPC, e constitui um corolário do processo equitativo (art. 20º, nº 4, da CRP), «dado que dá a perceber as razões do deferimento ou do indeferimento do requerimento ou da procedência ou improcedência da ação e permite controlar o iter decisório, nomeadamente por um tribunal de recurso»[1].
Segundo Alberto dos Reis[2], «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto». Como referem, igualmente, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3], «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito».
Por conseguinte, enquanto vício da sentença, ou seja, como fundamento da sua nulidade, apenas releva a ausência de qualquer fundamentação e não quaisquer outras patologias. Na previsão da alínea b) só está incluída a falta absoluta de fundamentação e não a insuficiente, errada, incompleta ou deficiente. No nosso entendimento, ainda constitui falta de fundamentação uma motivação impercetível, sem relação compreensível com o objeto discutido, enquanto vício paralelo à ininteligibilidade do objeto do processo como motivo de ineptidão da petição inicial[4].

Analisada a decisão recorrida, constata-se que contém tanto os fundamentos de facto como a fundamentação de direito.
A diretriz sobre a fundamentação de direito consta do artigo 607º, nº 3, do CPC, na parte em que se estabelece que o juiz deve «indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes».
Verifica-se que o Tribunal recorrido cumpriu tal imposição nas páginas 10 a 13 da sentença, onde indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas que considerou relevantes. É uma fundamentação perfeitamente explícita, que aprecia todas as questões de direito de que era lícito conhecer e que justifica a aplicação do regime jurídico que alicerçou o dispositivo.
Portanto, ao contrário do afirmado nas conclusões das alegações, a sentença não é nula por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão, nem padece de falta de fundamentação.

Pelo exposto, não sendo nula a sentença, improcede este fundamento do recurso.
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2.2.3. Da falta de produção de prova pericial
Alega a Recorrente que o «Tribunal a quo deveria, no decurso da audiência final, ter ordenado, ainda que oficiosamente e pese embora não requerida pela Recorrente, a realização de perícia para aferir da existência das anomalias e defeitos dos trabalhos executados pela Requerida, tudo com vista ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio em apreciação nos autos», uma vez que considerou o depoimento da testemunha da Recorrente AA como «seguro e circunstanciado no que toca [à] existência das anomalias nos trabalhos efetuados» e que considerou os factos elencados de a) a h) como não provados dos factos não provados por não dispor de «conhecimentos técnicos especializados para aferir da existência ou não de defeitos».

Importa apreciar se deveria ter sido ordenada oficiosamente a realização de perícia para aferir da alegada existência de anomalias e defeitos nos trabalhos executados pela Autora.
A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos factos (artigo 341º do CCiv). Aquilo que a singulariza é o seu específico objeto: a perceção ou apreciação de factos que exijam conhecimentos especiais que o julgador não possua, ou por os factos, relativos a pessoas, não deverem ser objeto de inspeção judicial (artigo 388º do CCiv). Por conseguinte, abstraindo da específica situação dos factos relativos a pessoas, que nenhum relevo tem para o caso dos autos, a prova pericial pressupõe que sejam necessários conhecimentos especiais para percecionar ou apreciar factos, ou seja, conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos que a generalidade das pessoas não tem e que só quem os possuir pode compreender e valorar adequadamente.
O perito é um intermediário entre a fonte de prova e o juiz. Apreende ou aprecia factos e traduz ao juiz o resultado da sua observação ou apreciação[5].
Dispõe o artigo 467º, nº 1, do CPC, que a perícia tanto pode ser requerida por qualquer das partes como pode ser determinada oficiosamente pelo juiz.
Em matéria de instrução do processo, a qual tem por objeto os factos necessitados de prova, vigora o princípio do inquisitório: «incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer» - artigo 411º do CPC.
Segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[6], o juiz «pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes».
Refere Miguel Teixeira de Sousa[7] que «Na vertente activa, o poder inquisitório do tribunal pode ser exercido, em qualquer momento da tramitação da causa, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância».

No caso dos autos, a Ré alegou na contestação, enquanto fundamento da exceção, que a obra executada pela Autora «apresentava vícios» (art. 19º), concretamente:

- a «caixilharia não vedar a água da chuva vinda do exterior» (art. 12º);
- os «diversos trabalhos» feitos posteriormente, «por mais do que uma vez», pelos «trabalhadores da A.», «para vedar a entrada de água (…) ficaram por arrematar» (art. 13º);
- «as borrachas de suporte dos vidros e caixilharia que estavam mal colocadas» (art. 16º);
- o «silicone em alguns sítios estar mal colocado e também em diversas partes dos vidros estarem cheios de silicone, algumas partes manchadas» (art. 17º);
- «o espaço vedado com a nova caixilharia quando o sol incidia ficava demasiado quente/abafada» (art. 18º).

Tendo presente que o facto alegado no artigo 12º da contestação se refere a um momento anterior à intervenção/reparação feita pela Autora, o facto relevante é o do artigo 13º, sobre se os trabalhos feitos para vedar a entrada de água «ficaram por arrematar».
Feita esta consideração prévia e como nos autos não está em causa o apuramento dos concretos trabalhos necessários para suprir as anomalias da obra alegadas pela Ré (a reconvenção não foi admitida), a primeira conclusão a retirar é que, diferentemente do considerado pelo Tribunal a quo na motivação da decisão de facto, não eram necessários conhecimentos especiais para apreciar da verdade dos factos probandos.
Não é preciso ser um técnico do ramo de caixilharias e vidros, designadamente um engenheiro, para verificar se os vidros estão «cheios de silicone» ou com «partes manchadas», ou se um espaço vedado fica «demasiado quente/abafado». Para apurar a temperatura que se atinge num espaço basta ter um termómetro e para saber se existem manchas e silicone espalhado pelos vidros ou se um móvel está danificado, basta utilizar a visão.
O mesmo se diga da alegada falta de “remate” ou das borrachas e silicone mal colocados, seja lá isso o que for, na medida em que a própria Ré não concretiza no que consiste a má colocação (o que redundaria não na constatação da realidade de um concreto vício alegado, mas sim na investigação sobre que vício em concreto se verifica e que corresponda à categoria genérica de «mal colocado»).
Para observar tais factos basta usar os sentidos que qualquer pessoa em princípio possui.
Tanto assim é que nenhuma das partes sentiu a necessidade de requerer a realização de prova pericial e esta só deve ser produzida quando se justifica.
Pelo exposto, desde logo por esta singela razão, não se impunha a produção de prova pericial.

Depois, mesmo que por hipótese de raciocínio a prova pericial fosse útil, o princípio do inquisitório não tem por fim a superação, através da intervenção do tribunal, da ineficiência das partes, sobre as quais recaem os princípios da autorresponsabilidade e do dispositivo. Como se refere no acórdão desta Relação de 04.03.2013[8], «Este poder, complementar, de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste, não podendo configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes das partes.»
A este propósito ensina Miguel Teixeira de Sousa[9] «(a) Num processo submetido à disponibilidade das partes, o poder inquisitório só pode ter uma expressão complementar da actividade de instrução por elas desenvolvida (RG 18/2/2016 (2734/10); RP 8/10/2024 (2865/24)). O exercício do poder inquisitório torna-se necessário em função da prova que for produzida por qualquer das partes. O poder inquisitório é um poder circunstancial que deve ser exercido numa certa oportunidade, não um poder incondicional que o tribunal deve exercer em qualquer situação. (…) Se a parte não propôs uma prova pré-constituída ou não requereu uma prova constituenda, não cabe ao tribunal suprir essa omissão da parte. (c) O poder inquisitório não pode ser utilizado pelo tribunal qd se tenha verificado uma omissão negligente da parte onerada com a prova do facto, ou seja, qd não haja motivos para afastar a preclusão da proposta ou do requerimento de produção da prova»[10].
No caso dos autos, a Ré apenas arrolou uma testemunha (a mãe do sócio-gerente da sociedade Ré) e, podendo tê-lo feito, não juntou aos autos os registos fotográficos das apontadas anomalias (a testemunha AA afirmou terem sido tiradas fotografias: «na altura, até pedi a quem lá foi para me tirar fotografias» [00:10:41]) e também não requereu o depoimento do alegado técnico que se terá deslocado à casa onde se situa a sede da Ré (CC: «eu, inclusive, como não achei que aquela obra estava em condições, chamei um técnico e foram lá ver» [00:08:17]). Caso entendesse que era necessária uma testemunha mais qualificada tecnicamente, então era exigível a indicação do apontado técnico como testemunha. Em último caso, se entendesse que estavam em causa factos cuja perceção ou apreciação exigiam conhecimentos especiais, deveria ter requerido a produção de prova pericial, o que não fez.
Num quadro como o descrito, o poder inquisitório não podia ser utilizado pelo Tribunal a quo: como a Ré não requereu a mencionada prova constituenda, não cabia ao Tribunal suprir essa omissão da parte. Está em causa um resultado probatório insatisfatório para a Ré, a quem incumbia o ónus da prova, que poderia ter sido evitado através da produção de prova documental ou testemunhal, nos termos que se enunciaram.
Finalmente, «o poder inquisitório procura resolver as dúvidas sobre a prova de um facto, não solucionar as dúvidas sobre um facto»[11], sendo que é esta última a situação invocada na motivação da decisão sobre a matéria de facto.
Com efeito, verifica-se que a Mma. Juiz a quo, apesar de ter sido produzida prova sobre os factos considerados não provados, ficou em dúvida sobre a verdade desses factos. Daí o resultado probatório expresso na decisão recorrida, o qual está em consonância com o princípio consagrado no artigo 414º do CPC, segundo o qual a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. E os factos invocados pela Recorrente baseiam a exceção por si deduzida na contestação, pelo que sobre si recaía o respetivo ónus da prova, em conformidade com o disposto no artigo 342º, nº 2, do CCiv.

Pelo exposto, improcedem as conclusões aduzidas sobre esta questão.
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2.2.3. Impugnação da decisão da matéria de facto
Segundo especifica na conclusão XX) das suas alegações, a Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância no que concerne aos pontos a) a h) dos factos não provados.

2.2.3.1. Ponto a) dos factos não provados
Sob a alínea a), o Tribunal a quo julgou não provado que «Os trabalhos realizados pela ré tiveram atrasos significativos.»
A Recorrente entende que o Tribunal a quo «deveria ter dado como provado que “Os trabalhos realizados pela ré tiveram atrasos significativos.”»

Ressalvada a devida consideração, este ponto de facto é irrelevante para a decisão de direito.
Isto porque não foi deduzida qualquer pretensão com base nos alegados atrasos na execução da obra. O que releva são os alegados vícios da obra, enquanto fundamento da exceção de não cumprimento deduzida. «Os atrasos significativos», cuja dimensão temporal não foi explicitada, não constituem facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pela Autora.
Pelo exposto, não há que aditar um ponto de facto sobre tal matéria e determina-se a eliminação do ponto a) dos factos não provados.
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2.2.3.2. Pontos b) e c) dos factos não provados
Os pontos de facto ora em apreciação têm o seguinte teor:
«b) Após a colocação da caixilharia, vidros e demais materiais e antes da obra estar concluída, a Ré reclamou que alguns trabalhos estavam mal efetuados.
c) Logo após colocarem a caixilharia, em fevereiro de 2022, e num dia de chuva o espaço, agora interior, ficou inundado em virtude da caixilharia não vedar água da chuva vinda do exterior.»
A Recorrente alega que, com base no depoimento da testemunha AA, «deveria ter sido dado como provado que após a colocação da caixilharia, vidros e demais materiais e antes da obra estar concluída, a Recorrente reclamou que os trabalhos estavam mal efetuados» e que «logo após colocarem a caixilharia, em fevereiro de 2022, e num dia de chuva o espaço, agora interior, ficou inundado em virtude da caixilharia não vedar água da chuva vinda do exterior.»

Apreciados os fundamentos da impugnação e realizado o seu confronto com a prova produzida, verifica-se, em primeiro lugar, que a Ré alegou por diversas vezes na contestação que a obra não estava concluída (por exemplo, nos arts. 11º, 19º, 20º, 21º, 23º, 25º, 26º, 27º, 29º e 31º), mas sem concretizar o que faltava concluir (é elucidativo o art. 21º: «Havendo necessidade de efetuar trabalhos para conclusão da obra»).
Trata-se, por isso, de uma alegação sem conteúdo útil.
Todavia, a Ré confunde o conceito de obra não concluída com o de obra executada com desconformidades relativamente ao acordado. No fundo, o que a Ré alegou foi a existência de desconformidades.
Daí que a referência à falta de conclusão da obra deva ser considerada não provada.

Em segundo lugar, do confronto do depoimento da testemunha AA, mãe do sócio-gerente da Ré e em cujo prédio onde foi feita a obra, com o depoimento da testemunha BB, funcionário da Ré e irmão do seu sócio-gerente, e as declarações de parte do legal representante da Autora (cuja prestação foi oficiosamente determinada), DD, apenas resulta a inequívoca realidade de que a testemunha AA, após a colocação da caixilharia, vidros e demais materiais (inerentes à construção de uma estrutura metálica, com telhado/cobertura e portas/janelas), reclamou junta da Autora que entrava água pela cobertura e que posteriormente esta procedeu à reparação.
É isso que resulta uniformemente do que disseram essas três pessoas na audiência final.
A testemunha AA disse que «Eles deram a obra, para ser mais rápida, concluída em fevereiro (…), logo a seguir, veio a chuva, tive logo problemas de água a cair lá dentro» [00:05:33]. Perante tal situação, numa altura em que a estrutura metálica estava concluída [00:06:22], «chamei-os» [00:06:20]; ligou ao sócio-gerente da Ré [00:06:28], DD, e explicou-lhe que estava a chover lá dentro [00:06:30]. «O Sr. DD» [00:07:04], mandou o Sr. BB [00:07:05] e este fez a reparação, vedando o que estava a permitir a entrada de água [00:07:13 e 00:07:20].
Por sua vez, a testemunha BB disse que «depois de ter terminado a obra, houve de facto uma reclamação de que havia uma pinga, não era muito, não era continuada, que havia uma pinga no telhado em vidro» [00:09:06]; «no telhado que eu coloquei, houve uma reclamação que havia uma pequena pinga esporádica no telhado e mal o patrão soube disso, deu-me ordens para ir constatar o que se estava a passar. E eu, de imediato, peguei no carro e desloquei-me ao local da obra e vi que estava a cair uma pinga em cima. Tinha uma mesa e tinha um recipiente a apanhar a pinga.» [00:09:23]. «No primeiro dia de sol, que não choveu, eu desloquei-me e fiz a reparação da pinga» [00:10:38]. Afirmou que não houve mais reclamações [00:10:48].
Também o legal representante da Autora, DD, disse que «a nível da pinga que apareceu dentro da casa, sim senhora, foi verdade. Mandei lá uma pessoa, verificou que, realmente, havia uma pinga isolada, [impercetível] pinga... eu vi um vídeo, pinga... pronto, esperou. No primeiro dia de sol, no primeiro dia de sol, fomos reparar a pinga. A partir desse momento, nunca... nem ninguém me atendeu um telefonema ou me respondeu a uma mensagem. Nunca.»
Tal como bem concluiu o Tribunal recorrido, da análise crítica da aludida prova não é possível extrair a conclusão de que foi formulada uma reclamação com a extensão referida no ponto b) ou que o episódio de entrada de água pela cobertura, ocorrido em fevereiro de 2022, tenha inundado o espaço.

Por isso, decide-se aditar um novo ponto à factualidade provada, com o seguinte teor:
«10) Após a colocação da caixilharia, vidros e demais materiais, em fevereiro de 2022, AA, mãe do sócio-gerente da Ré, reclamou junto de DD, sócio-gerente da Autora, que entrava água da chuva pela cobertura em alumínio e vidro da estrutura construída pela Autora.
Em consonância com esta alteração e o resultado probatório a que atrás aludimos, os pontos b) e c) dos factos não provados passam a ter a seguinte redação:
b) Que além da reclamação referida em 10), a Ré tenha reclamado que alguns trabalhos estavam mal efetuados.
c) Que em fevereiro de 2022, num dia de chuva, o espaço interior tenha ficado inundado em virtude da caixilharia não vedar água da chuva vinda do exterior.
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2.2.3.3. Pontos d) e e) dos factos não provados
Impugna igualmente a Recorrente o decidido quanto aos pontos d) e e) dos factos não provados, que a seguir se transcrevem:
d) Alguns dias depois, e por mais do que uma vez, trabalhadores da A. foram ao local tentar verificar as infiltrações da água, onde fizeram diversos trabalhos para vedar a entrada de água mas que ficaram por arrematar.
e) As humidades criadas pelas infiltrações de água danificaram o rodapé de um móvel que se encontrava no local, que a Ré assumiu reparar.

Conforme resulta dos meios de prova que já enunciamos em 2.2.3.2., em fevereiro de 2022, depois de ter sido apresentada a reclamação, um trabalhador da Autora, concretamente, BB, após num primeiro momento se ter deslocado para apurar o que sucedeu e a sua causa, efetuou a reparação na cobertura, tendo resolvido a anomalia que aí se verificava. A própria testemunha AA referiu que foi a testemunha BB que foi lá fazer a reparação. Tanto BB como DD afirmaram que foi uma única pessoa fazer a reparação e não vários «trabalhadores» e «por mais do que uma vez» (no sentido de terem sido feitas várias intervenções/reparações), como alegara a Ré na contestação.
Não há qualquer evidência inequívoca da falta de «arremate» do trabalho realizado pela testemunha BB. Aliás, a Recorrente, quando motiva o recurso quanto ao decidido na alínea d) dos factos não provados, não indica um concreto excerto da gravação do depoimento da testemunha AA em que esta afirme que os trabalhos realizados pela testemunha BB «ficaram por arrematar».
Embora a testemunha AA afirme a danificação de um móvel, isso é contraditado pelo depoimento da testemunha BB e pelas declarações de parte do legal representante da Autora. O afirmado pela testemunha AA a esse respeito não é corroborado por qualquer outro meio de prova. Logo, tem de se secundar a convicção adquirida pela Mma. Juiz, que não ficou convencida da veracidade do facto constante da alínea e).

Pelo exposto, na parcial procedência da impugnação, decide-se:
i) Aditar aos factos provados um ponto de facto com o seguinte teor:
11) Após a reclamação referida em 10), no mês de fevereiro de 2022, um trabalhador da Autora foi ao local verificar a anomalia na cobertura e posteriormente, noutro dia, efetuar a respetiva reparação.
ii) Alterar a alínea d) dos factos não provados, que passará a ter a seguinte redação:
d) Que tenha ido ao local mais do que um trabalhador verificar as infiltrações de água e que os trabalhos realizados pela Autora tenham ficado por arrematar.
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2.2.3.4. Pontos f) e g) dos factos não provados
Seguindo a sequência da exposição dos fundamentos do recurso, estão agora em causa os seguintes pontos de facto não provados:
«f) A Ré reclamou junto da A. as borrachas de suporte dos vidros e caixilharia que estavam mal colocadas e alertou para o facto de o silicone em alguns sítios estar mal colocado e também em diversas partes dos vidros estarem cheios de silicone, algumas partes manchadas, e que tinham de retirar os restos ou trocar por vidros novos, pois não aceitava como se encontrava.
g) Por último, a representante da Ré questionou também que o espaço vedado com a nova caixilharia quando o sol incidia ficava demasiado quente/abafada, duvidando da qualidade dos vidros.
h) A representante da Ré comunicou ao representante da A. que a obra não estava terminada de acordo com o convencionado, não aceitando a mesma.»

É certo que a testemunha AA afirmou ter reclamado da generalidade das anomalias descritas nas transcritas alíneas f) e g), mas isso é frontalmente contrariado pelo depoimento da testemunha BB, que negou perentoriamente ter havido outra reclamação ou interpelação para além da referida em 10) (00:15:34 e 00:15:40 da gravação do seu depoimento), como pelas declarações de parte prestadas por DD (legal representante da Ré: «No primeiro dia de sol, no primeiro dia de sol, fomos reparar a pinga. A partir desse momento, nunca... nem ninguém me atendeu um telefonema ou me respondeu a uma mensagem. Nunca. Só nos finais de março, nos finais de março, que eu, por WhatsApp, pedi pagamento à D. AA, porque nós... toda a gente percebe: nós temos obrigações a cumprir perante os nossos fornecedores. E eu pedi-lhe o pagamento. Certo? Disse-lhe que estava... que lhe pedia a liquidação da fatura. E a D. AA respondeu-me o seguinte... se não me falha a memória, mas eu tenho aqui no meu WhatsApp. Se não me falha a memória, a D. AA diz-me o seguinte: que eu me atrasei, que não tive palavra com ela, isso, que foi sempre educada comigo, ou não sei o quê, educação que eu, que não tinha... nunca a tratei mal, nem nunca lhe faltei ao respeito, porque eu também nunca a vi... muito poucas vezes. E disse-me o seguinte... e mais ainda: "Ainda estou dentro do prazo para lhe pagar". Jamais me disse: "Sr. DD, não há silicone", "Sr. DD, a porta não abre", "a porta não fecha", ou "está limpo", ou "está sujo". Não. Disse-me: "Estou dentro do prazo para lhe pagar". E eu respondi-lhe: "Pronto. A partir deste momento, não lhe chateio mais". E aí, entreguei os casos, porque é assim, se a D. AA, que foi com quem eu tratei, me dissesse assim: "Ó Sr. DD, olhe, venha cá...". Repare, eu tenho uma empresa aberta, tenho vários funcionários. Eu trabalho de norte a sul. Consigo, graças a Deus, exportar para fora do país, certo? Eu tenho por obrigação de reparar os defeitos que, porventura, possam vir a acontecer.» [00:10:56].
Portanto, temos uma pessoa a afirmar que efetuou outras reclamações e outras duas pessoas a negar terminantemente a existência de tais reclamações.
Além da referida contradição e oposição entre meios de prova, inexiste qualquer elemento nos autos que corrobore o depoimento da testemunha AA. Por exemplo, não há um documento a demonstrar que a Ré interpelou a Autora nos termos assinalados nas alíneas f), g) e h) dos factos não provados.
Mais, a própria realidade dos vícios aí referidos não resulta de qualquer outro meio de prova. Apenas uma pessoa, obviamente interessada no desfecho da causa, até porque assume em várias passagens do seu depoimento que os trabalhos foram executados para si e a seu pedido, afirma existirem anomalias. As outras duas pessoas ouvidas afirmam a inexistência desses vícios, que tudo foi executado de harmonia com o acordado entre AA e DD.
Além disso, não resulta sequer do depoimento de AA que num concreto dia, num condicionalismo certo e determinado, tenha sido feita pela representante da Ré uma comunicação formal ao representante da A. que a obra não estava terminada de acordo com o convencionado, não aceitando a mesma. Aludiu apenas no seu depoimento a «conversas para trás e conversas para a frente» [00:08:17], «depois começámos a desconversar entre um e outro» [00:09:32] e que «as conversas com o Sr. DD não foram favoráveis» [00:11:38], matéria que é negada pelo legal representante da Ré, que afirma que depois de ter exigido o pagamento da fatura nunca mais houve qualquer contacto.
Pelo exposto, não se deteta qualquer erro na apreciação da prova produzida, sendo igualmente de concluir, como se fez constar da sentença, que os meios de prova produzidos relativamente aos factos constantes das alíneas f), g) e h) não permitem «formular um juízo positivo, isento de dúvida quanto aos mesmos.»
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2.2.3.5. Matéria de facto estabilizada
Factos provados:
1) A autora dedica-se à atividade de exploração de serralharia civil, fabricação, montagem, colocação, comércio, importação e exploração de estruturas metálicas, nomeadamente de portas, janelas, portões e elementos de construção similares em metal.
2) No âmbito da sua actividade comercial, a autora forneceu à ré, os materiais descritos na factura n.º ...22, os quais se destinavam e foram aplicados numa obra de construção de uma estrutura metálica, com telhado em vidro e porta de correr, que a autora realizou para a ré, na sede desta, a seu pedido, sita na Rua ..., União de freguesias ..., ... e ....
3) Os materiais referidos em 2) foram:
a) Janela de correr 3fls Tr-Rail em alumínio cor noir 200S, c/vidro laminado 3.3 +12WEP+6A50 3050X2650mm
b) Janela de correr 3fls Tr-Rail em alumínio cor noir 200S, c/vidro laminado 3.3 +12WEP+6A50 3770X2840mm;
c) Cobertura em alumínio cor noir 200S, com vidro laminado 4.4 + 16 WEP + 6 A50 temperado, 3740X5300mm;
d) Porta de abrir 1 FL em alumínio cor Noir 200S, C/vidro duplo 4+22 22 WEP + 6 ... 795X2000mm.
4) O preço global da obra realizada pela autora ascendeu a 12.300,00€, com IVA
 incluído.
5) A Ré entregou ao representante da A., a pedido desta, a quantia de € 5.000,00, a título de início de pagamento.
6) A autora realizou a obra mencionada em 3) e entregou-a à ré.
7) Em consequência dos trabalhos realizados, em 22.02.2022, a autora emitiu a factura n.º ...22, em nome da ré, no valor de 7.300,00€, sem IVA, com vencimento imediato.
8) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 28.04.2022 e recepcionada a 02.05.2022, a autora solicitou à ré a quantia constante da factura mencionada em 5).
9) O vidro aplicado na obra referida em 3) não corresponde ao vidro constante do orçamento elaborado pela autora.
10) Após a colocação da caixilharia, vidros e demais materiais, em fevereiro de 2022, AA, mãe do sócio-gerente da Ré, reclamou junto de DD, sócio-gerente da Autora, que entrava água da chuva pela cobertura em alumínio e vidro da estrutura construída pela Autora.
11) Após a reclamação referida em 10), no mês de fevereiro de 2022, um trabalhador da Autora foi ao local verificar a anomalia na cobertura e posteriormente, noutro dia, efetuar a respetiva reparação.
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Factos não provados (designados por outras alíneas, dada a supressão da primitiva alínea a)):
a) Que além da reclamação referida em 10), a Ré tenha reclamado que alguns trabalhos estavam mal efetuados.
b) Que em fevereiro de 2022, num dia de chuva, o espaço interior tenha ficado inundado em virtude da caixilharia não vedar água da chuva vinda do exterior.
c) Que tenha ido ao local mais do que um trabalhador verificar as infiltrações de água e que os trabalhos realizados pela Autora tenham ficado por arrematar.
d) As humidades criadas pelas infiltrações de água danificaram o rodapé de um móvel que se encontrava no local, que a Ré assumiu reparar.
e) A Ré reclamou junto da A. as borrachas de suporte dos vidros e caixilharia que estavam mal colocadas e alertou para o facto de o silicone em alguns sítios estar mal colocado e também em diversas partes dos vidros estarem cheios de silicone, algumas partes manchadas, e que tinham de retirar os restos ou trocar por vidros novos, pois não aceitava como se encontrava.
f) Por último, a representante da Ré questionou também que o espaço vedado com a nova caixilharia quando o sol incidia ficava demasiado quente/abafada, duvidando da qualidade dos vidros.
g) A representante da Ré comunicou ao representante da A. que a obra não estava terminada de acordo com o convencionado, não aceitando a mesma.
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2.2.4. Reapreciação de Direito

A Ré interpôs recurso, pretendendo que a sentença recorrida seja «revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente e absolva a Recorrente do pedido por operar a exceção de não cumprimento do contrato.»
Na alínea d) com que terminou as suas alegações estabeleceu, e bem, uma relação de dependência da modificação da sentença, no que respeita à procedência da exceção de não cumprimento do contrato de empreitada, relativamente à alteração da matéria de facto nos exatos termos por si propugnados.
O quadro factual relevante com vista à subsunção jurídica quanto à aludida exceção é essencialmente o mesmo que serviu de base à prolação da sentença recorrida, na medida em que as alterações introduzidas nos factos provados se referem a uma concreta reclamação contra um vício que apresentava a cobertura da estrutura construída pela Autora, a qual foi objeto de reparação. Não se modificou a decisão recorrida quanto aos demais factos não provados, relativos aos alegados vícios ou desconformidades da obra.
No nosso entender, a eventual alteração da solução jurídica alcançada na decisão impugnada dependia, na sua totalidade, da modificação da matéria de facto preconizada pela Recorrente nas conclusões das suas alegações, o que não sucedeu. Por conseguinte, como a reapreciação da matéria de direito dependia da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto fixada, sendo esta última julgada improcedente quanto aos vícios alegadamente subsistentes, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquela primeira, em conformidade com o disposto no artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, in fine, ambos do CPC.
Como não é apontado qualquer erro de direito à sentença, o recurso improcede.
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2.3. Sumário

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III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a suportar pela Recorrente.
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Guimarães, 30.10.2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Joaquim Boavida
Maria Luísa Duarte Ramos
Alexandra Rolim Mendes


[1] Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online, acessível em https://blogippc.blogspot.com, em anotação ao artigo 154º do CPC.
[2] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, (Reimp.), Coimbra Editora, pág. 140.
[3] Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, págs. 670-672.
[4] Ou seja, uma fundamentação disparatada ou absurda, sem qualquer relação com o que se discute, ou ininteligível, no sentido de que a generalidade das pessoas não a consegue compreender.
[5] Neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág. 312.
[6] Ob. cit., pág. 207.
[7] CPC Online, em anotação ao artigo 410º do CPC.
[8] Proferido no processo 293/12.0TBVCT-J.G1 e relatado por Ana Cristina Duarte, disponível em www.dgsi.pt.
[9] CPC Online, em anotação ao artigo 411º do CPC.
[10] A ênfase a negrito é da nossa autoria.
[11] Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., em anotação ao artigo 411º do CPC.