Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3817/11.7TBBCL.G1
Relator: CRUZ BUCHO
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
LIQUIDAÇÃO
COIMA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: No caso de concurso de contraordenações, a liquidação da coima pelo mínimo significa que coima é fixada no mínimo legal correspondente a cada uma das infrações cometidas.
Decisão Texto Integral:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
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I - Relatório

X Futebol Clube, com os demais sinais dos autos, interpôs recursos de impugnação das decisões administrativas proferidas pela Direcção Regional de Braga do SEF que, no âmbito dos processos de contra-ordenação que aí correram os seus termos sob os nºs E-61/2010-120, E-77/2010-120 e E-62/2009-120, a condenou no pagamento de coimas nos valores de € 3.200,00, € 8.000,00 e € 3.500,00, respectivamente, pela prática de infracções p. e p. pelo artº 198º, nº 2, al. a) do REPSAE - regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional aprovado pela Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho - (emprego de cidadão estrangeiro não autorizado a exercer uma actividade profissional)

O 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, por sentença de 4 de Maio de 2012 julgou parcialmente procedente aqueles recurso de impugnação judicial e em consequência condenou o X Futebol Clube no pagamento de:
“[1]
a) Coima no valor de € 2.500,00, pela prática de contra-ordenação, p. e p. pelos artºs 198º, nº 2, al. a) e 208º da L. nº 23/2007, de 04.07 [respeitante aos factos que implicaram o cidadão S... Luz];
b) Coima no valor de € 2.500,00, pela prática de contra-ordenação, p. e p. pelos artºs 198º, nº 2, al. a) e 208º da L. nº 23/2007, de 04.07 [respeitante aos factos que implicaram o cidadão Alexandre C...];
c) Coima no valor de € 2.700,00, pela prática de contra-ordenação, p. e p. pelos artºs 198º, nº 2, al. a) e 208º da L. nº 23/2007, de 04.07 [respeitante aos factos que implicaram o cidadão Luís L...];
d) Coima no valor de € 2.700,00, pela prática de contra-ordenação, p. e p. pelos artºs 198º, nº 2, al. a) e 208º da L. nº 23/2007, de 04.07 [respeitante aos factos que implicaram o cidadão Rafael Q...];
e) Coima no valor de € 2.700,00, pela prática de contra-ordenação, p. e p. pelos artºs 198º, nº 2, al. a) e 208º da L. nº 23/2007, de 04.07 [respeitante aos factos que implicaram o cidadão Richard O...];
f) Coima no valor de € 2.700,00, pela prática de contra-ordenação, p. e p. pelos artºs 198º, nº 2, al. a) e 208º da L. nº 23/2007, de 04.07 [respeitante aos factos que implicaram o cidadão U... Júnior];
[2]
Em cúmulo jurídico das coimas parcelares reportadas em [1], na coima única de € 7.000,00 [sete mil euros].”

Inconformado com esta decisão, o arguido dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que aqui se deixam transritas:


«1ª O Recorrente interpôs recurso da sentença que o condenou na prática de seis contraordenações p. e p. pelos artigos 198º, n.º 2, al. a) e 208º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, porquanto contratou jogadores de futebol estrangeiros sem que os mesmos estivessem autorizados a exercer uma atividade profissional em Portugal.
2ª As contraordenações imputadas ao Clube Recorrente foram processadas ao abrigo do D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro, pelas infrações detetadas, que são punidas cada uma com a coima cujos montantes abstratos variam entre 2 360,00 € e 11 788,00 €, respetivamente mínimo e máximo.
3ª Por via do disposto no artigo 204º, n.º 3 da Lei n.º 23/07, de 4 de Julho, foi dada ao Recorrente a faculdade de proceder ao pagamento voluntário das coimas, por metade do mínimo, no valor de 1. 180,00 € cada uma.
4ª Sucede, porém, que o cálculo do valor das coimas a liquidar padece de erro na sua determinação.
5ª Com efeito, atento o exposto, verifica-se no caso o concurso de contraordenação p.p. no artigo 19º do R.G.I.M.O.S. – D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro.
6ª Pelo que no caso dos autos deveria ter sido feita a respetiva determinação da medida da coima com observância do estipulado nesta norma legal.
7ª Assim, ao Recorrente, por esta via, só poderia ser aplicada a coima nos moldes a seguir enunciados.
8ª Ao abrigo do artigo 18º do R.G.I.M.O.S. as coimas concretamente a aplicar ao Recorrente pelos factos que lhe são imputados deveriam cifrar-se nos montantes mínimos de 2. 360,00 € por cada uma das infrações praticadas.
9ª Portanto, a determinação do limite mínimo da coima a aplicar ao Recorrente não pode ser inferior à mais elevada das coimas aplicadas às várias contraordenações, isto é, de 2 360,00 €.
10ª Atendendo aos critérios de determinação da coima estabelecidos no artigo 18º, nº 1 do R.G.I.M.O.S., a medida da coima total a aplicar ao Recorrente derivada do concurso de infrações deveria fixar-se no seu limite mínimo de 2 360,00 €.
11ª Sendo que, ao abrigo do disposto no artigo 204º, nº 3 da Lei n.º 23/07 de 4 de Julho, devia ter sido dada ao Recorrente a faculdade de proceder ao pagamento voluntário da coima total pelas infrações, por metade do mínimo, no valor global e único de 1 180,00 €, no prazo e condições que viessem a ser fixadas pela autoridade administrativa.
12ª Sucede, porém, que a autoridade administrativa não procedeu ao cúmulo jurídico nos termos supra expostos e o Recorrente não foi notificado para proceder ao pagamento voluntário das coimas em cúmulo jurídico.
13ª E por esta via a entidade administrativa violou o preceituado nos artigos 18º, 19º e 50º-A do R.G.I.M.O.S e artigo 204º, nº 3 da Lei 23/07 de 4 de Julho, o que determina a nulidade do processado.
Caso assim não se entenda:
14ª Acontece que o processo de legalização na delegação dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras de Braga obriga os jogadores de futebol profissionais a deslocarem-se a países terceiros, nomeadamente Espanha, para tratar do visto de residência, tudo por força da sua morosidade.
15ª Sendo que tal morosidade procedimental não é compatível com a celeridade do futebol em termos de prazos de inscrição e de calendário, nomeadamente, os jogadores têm prazo para se inscrever quer na Federação Portuguesa de Futebol, quer na Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
16ª Além de que a delegação dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras de Braga adotou recentemente uma forma de atuação diferente em relação às restantes delegações do país.
17ª Desde logo, as restantes delegações, além de não autuarem os clubes de futebol, concedem aos jogadores de clubes de futebol um visto de residência ao abrigo do regime especial previsto no artigo 123º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
18ª Ora, o Recorrente X Futebol Clube é uma Agremiação Desportiva de Utilidade Pública, cujo objeto passa essencialmente pelo fomento e prática do desporto, bem como pelo estímulo e apoio às atividades culturais e recreativas.
19ª O Recorrente é uma Agremiação Desportiva de Utilidade Pública, conforme o despacho de 1982/09/16, publicado no Diário da República, II Série, n.º 125 de 1983/05/31, pelo que exerce uma atividade de interesse público.
20ª Assim, aos atletas Suelivan, Alexandre, Luís, Richard e Uilson, deveria ter sido concedido o visto de residência na primeira solicitação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.
21ª Pelo exposto, o Clube Recorrente não praticou uma contraordenação conforme o disposto na alínea a) do nº 2 do art.º 198º da Lei 23/07 de 4/7, nem incorre no pagamento de uma coima de € 2 000,00 a € 10 000,00, atualizados nos termos do artigo 208º da Lei 23/07 de 4/07 para € 2 235,00 e € 11 167,00, respetivamente, do que deve ser absolvido.
22ª O Tribunal a quo violou, por erro de interpretação e aplicação, as normas da alínea a) do n.º 2 do art.º 198º, da alínea c), do n.º 1 do art.º 123º e art.º 208º, todos da Lei n.º 23/07, de 04/07.
Caso assim não se entenda:
23ª Por sua vez, em sede de cúmulo jurídico das coimas aplicadas e de acordo com o disposto no artigo 19º do R.G.I.M.O.S., o Tribunal a quo entendeu ser justo, adequado e proporcional condenar o Recorrente na coima única de € 7.000,00.
24ª Ora, o Recorrente entende que andou mal o Tribunal a quo ao condenar o Recorrente no pagamento das coimas por aqueles valores, atenta as circunstâncias dadas como provadas e consideradas.
25ª Conforme os factos provados, e a esses teremos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar o quantum da coima, o grau de culpa do agente - devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo -, e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção (cf. art.º 71º do Código Penal ex vi artigo 32º do R.G.I.M.O.S.), sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do Recorrente em sociedade.
26ª Na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar os factores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável (cf. art.º 71º, n.º 3 ex vi artigo 32º do R.G.I.M.O.S.).
27ª À culpa caberá fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada e para além da qual se estará perante uma instrumentalização da dignidade humana do infrator, sendo em função de considerações de prevenção – geral de integração e especial de socialização – que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena – cf. artigo 18º, n.º 1 do R.G.I.M.O.S.
28ª Ora, as infrações cometidas pelo Recorrente não foram cometidas com o intuito de lesar ninguém, porquanto foram cometidas por breves períodos de tempo, conforme considerou a douta sentença ora em crise.
29ª O Recorrente não retirou quaisquer benefícios económicos das infrações cometidas pois, por um lado, pagou todos os valores monetários acordados e, por outro, temos de atentar no facto de o Recorrente ser uma pessoa coletiva sem fins lucrativos.
30ª Pelo que o bem jurídico afetado, nomeadamente, a permanência em Portugal de cidadãos estrangeiros sem o competente visto de residência não foi posto em causa gravemente, pois os jogadores em causa acabaram por obter o competente visto de residência.
31ª Mais: o Recorrente pagou sempre todos os créditos salariais aos seus jogadores, pelo se infere a sua perfeita integração profissional e a sua consciência de existência de deveres cívicos e laborais.
32ª Tanto que a douta sentença considerou que a Recorrente incorreu em dolo eventual e não em dolo direto.
33ª O Recorrente agiu perante a necessidade de respeitar os prazos de inscrição dos jogadores junto da Federação Portuguesa de Futebol e, sem outra hipótese, teve que se conformar com as eventuais consequências legais daí decorrentes.
34ª Conforme julgou o Tribunal a quo, as exigências de prevenção especial não são elevadas, pese embora o recorrente tenha sido Recorrente num anterior processo contraordenacional com natureza idêntica.
35ª Assim, considerando as circunstâncias supra expostas, deverão pender a favor do Recorrente, seja por aplicação do princípio geral "in dubio pro reo", seja pelo facto da falta de fundamentos para penalizar o Recorrente de forma mais intensa.
36ª Com o devido respeito, labora o Tribunal a quo em erro, pelo que nunca deveria ter sido aplicada, em sede de cúmulo jurídico, uma coima superior a € 3.000,00, porquanto tal montante afigura-se justo, adequado e proporcional, nos termos dos artigos 18º e 19º do R.G.I.M.O.S..
37ª A Recorrente é uma Agremiação Desportiva de Utilidade Pública, cujo objeto passa essencialmente pelo fomento e prática do desporto, bem como pelo estímulo e apoio às atividades culturais e recreativas.
38ª A Recorrente é pessoa colectiva, que não tem por fim a obtenção de lucros para distribuir pelos seus sócios, e que tem por finalidade especial, além do mais, o fomento e prática do desporto, bem como o estímulo e apoio às atividades culturais e recreativas.
39ª Consequentemente, a Recorrente enquadrando-se na previsão do artigo 4º, n.º 1, al. f) do R.C.P., pelo que, nessa medida, está isenta das custas processuais.
Atento tudo quanto atrás exposto, entende o Recorrente que o recurso deverá ser julgado totalmente procedente e em consequência deverá o aresto em crise ser alterado nos sentidos atrás indicados, só assim se fazendo a mais sã e almejada JUSTIÇA.»

O Minstério Público junto do Tribunal a quo não respondeu tempestivamente ao recurso (cfr. fls. 458).

O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 453.

Nesta Relação o Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Por decisão sumária de Guimarães, 1 de Outubro de 2012 proferida ao abrigo do disposto no artigo 417º, n.º 6, alínea b) do Código de Processo Penal, foi decido rejeitar o recurso.

O recorrente reclamou tempestivamente para a conferência.

Procedeu-se à realização da conferência.

*
II- Fundamentação
1. É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo.
A) Factos provados (transcrição):
[Proc. nº E-62/2009-120]
a) O cidadão Suelivan Alves da Luz, nascido aos 30.11.1991 e de nacionalidade cabo-verdiana, ingressou em território português aos 19.07.2009.
b) Desde então, passou a exercer a actividade de jogador de futebol, por conta, no interesse e sob as ordens e direcção do X Futebol Clube, mediante o pagamento por esta entidade de contrapartida mensal de carácter pecuniário.
c) Na sequência de indeferimento do pedido de prorrogação de permanência em território nacional, que apresentou, aos 18.09.2009, retornou o mesmo ao respectivo país de origem.
d) Aí requereu, aos 26.10.2009, na secção Consular da Embaixada de Portugal, em Praia/Cabo Verde, um visto de residência, para efeitos de exercício de uma actividade profissional subordinada, que foi emitido aos 11.11.2009, válido desde essa data e até 10.03.2010.
e) No período compreendido entre 19.07.2009 e 10.11.2009, o cidadão Suelivan Alves da Luz não estava habilitado a exercer em Portugal actividade profissional subordinada.

[Proc. E61/2010-120]
f) X Futebol Clube, por um lado, e o cidadão Alexandre C..., nascido aos 09.06.84, de nacionalidade brasileira, por outro, declararam por escrito, aos 14.07.2009, celebrar entre si “Contrato de Trabalho”, com início aos 01.07.2009 e termo no final de época desportiva de 2010/2011, por via o qual o primeiro admitiu o segundo ao seu serviço, para prestar, em sua representação e sob a sua autoridade e direcção, a actividade de jogador profissional de futebol, mediante o pagamento, nas épocas desportivas de 2009/2010 e de 2010/2011, da quantia global ilíquida de € 25.000,00, a pagar em 10 prestações mensais, no valor de € 2.500,00 cada uma.
g) Aos 28.09.2009, o cidadão Alexandre C... requereu, no Consulado Geral de Portugal em Vigo/Espanha, um visto de residência, para efeitos de exercício de uma actividade profissional subordinada, que lhe foi concedido aos 20.10.2009, com validade desde essa data e até 16.02.2010.
h) No período compreendido entre 01.07.2009 e 19.10.2009, o cidadão Alexandre C... não estava habilitado a exercer em Portugal actividade profissional subordinada.

[Proc. E77/2010-120]
i) Os cidadãos Luís L..., Rafael Q..., Richard O... e Uilson J..., todos de nacionalidade brasileira, nascidos, respectivamente, aos 15.06.87, 09.08.88, 20.03.89 e 27.04.89, ingressaram em território português aos 29.06.2010.
j) X Futebol Clube, por um lado, e os cidadãos Luís L..., Rafael Q..., Richard O... e Uilson J..., por outro, declararam por escrito, aos 29.07.2010, celebrar entre si “Contrato de Trabalho a Termo”, válido para a época desportiva de 2010/2011, com início aos 01.07.2010 e termo aos 30.06.2011, por via o qual o primeiro admitiu os segundos ao seu serviço, para prestarem, em sua representação e sob a sua autoridade e direcção, a actividade de jogadores profissionais de futebol, mediante o pagamento da importância global de € 16.625,00, correspondente a 14 remunerações mensais ilíquidas de € 1.187,50, a liquidar pelo clube cedente, o “Esporte Clube de Santo André”, podendo o X Futebol Clube pagar aos segundos outorgantes prémios de jogo ou de classificação, em função dos resultados.
l) Os cidadãos Luís L..., Rafael Q..., Richard O... e U... Júnior apresentaram, aos 28.01.2011, manifestação de interesse, ao abrigo do disposto no artº 88º, nº 2 da L. nº 23/07, de 04.07, no portal do SEF, na internet, para efeitos de exercício de uma actividade profissional subordinada para o X Futebol Clube, que foram alvo de parecer negativo, aos 14.02.2011.
m) Os cidadãos Luís L..., Rafael Q..., Richard O... e U... Júnior começaram a representar o X Futebol Clube em competições oficiais o primeiro desde 29.08.2010 e os restantes desde 07.08.2010.
n) No período compreendido entre 01.07.2010 e 18.02.2011, os cidadãos Luís L... e Rafael Q... não estavam habilitados a exercer em Portugal actividade profissional subordinada.
o) No período compreendido entre 01.07.2010 e 17.02.2011, os cidadãos Richard O... e U... Júnior não estavam habilitados a exercer em Portugal actividade profissional subordinada.
p) Os cidadãos U... Júnior, Richard O..., Luís L... e Rafael Q... estiveram inscritos nos serviços da SS e da DGI, como trabalhadores por conta de outrem, com os nºs 12045621983/273025635, 12045621577/273025767, 12045621810/273025295 e 12045622077/273025090, respectivamente.
q) Até às datas reportadas em n) e o) residiram em Barcelos.
r) O recorrente, por intermédio de actuação livre de pessoa ao seu serviço e no respectivo interesse, ao proceder nos termos em que o fez, admitiu, pelo menos, como possível estar a empregar os cidadãos referidos em a), f) e i) sem que os mesmos estivessem habilitados para o efeito, conformando-se com essa possibilidade.
s) A recorrente teve contra si pendente processo de contra-ordenação, a que correspondeu o nº 58/2005-120, instaurado aos 05.05.2005 e cuja coima liquidou, em sede de pagamento voluntário, aos 06.07.2005, pela prática de infracção consistente em empregar cidadão estrangeiro não habilitado para o efeito.
t) A recorrente apresentou, no período fiscal de 01.07.2010 a 30.06.2011, matéria colectável no valor de € 119.985,27.
*
B) Factos não provados (transcrição):
Não se demonstrou, com relevância para a decisão a proferir, que:
1- Até à concessão do visto reportado em d), o cidadão Suelivan Alves da Luz tivesse estado no X Futebol Clube ao abrigo de um “contrato de aprendizagem”.
2 – O cidadão Alexandre C..., entre Julho de 2009 e a data em que lhe foi concedido o visto referido em g), se haja mantido no X Futebol Clube por mera tolerância e favor, em particular para se ambientar às instalações, aos futuros colegas e técnicos desportivos, em processo de formação técnico-profissional.
3 - Só haja sido formalmente outorgado o contrato aos 12.07.2009 para efeitos de acautelar a participação desportiva do atleta nas competições da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, quando fosse validada a sua estadia em Portugal, através de visto de residência para actividade subordinada, tendo sido estabelecida a data de 01.07.2009 como início dos seus efeitos, por decorrência de tal data coincidir com o início da época desportiva.
4 - O atleta em questão apenas haja prestado, mediante retribuição, a sua actividade desportiva, participando em actividades dessa natureza, sob a autoridade e direcção do clube, a partir de 20.10.2009.
5 - Os cidadãos Luís L..., Rafael Q..., Richard O... e U... Júnior, trabalhando, ou enquanto trabalharam, por conta do X Futebol Clube estejam/estivessem perfeitamente integrados na realidade sócio-económica portuguesa, sendo respeitadores e respeitados por todos no meio onde estão inseridos, cumprindo todas as normas e leis em vigor no país, onde se sentem felizes, criaram raízes e encontraram estabilidade financeira.
Nenhum outro facto, com relevância para a decisão a proferir, resultou como demonstrado ou não demonstrado – importando registar que o Tribunal não seleccionou parte da matéria constante das decisões administrativas que entendeu não revestir, propriamente, natureza factual e que se reporta, mais rigorosamente, a elementos de prova.

*

C) Motivação (transcrição):
O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como demonstrada, no seguinte:
a) a t): Análise crítica e conjugada da globalidade da prova produzida.
Com efeito e no que, em particular, concerne à materialidade constante nas als. a) a e), relativa ao cidadão Suelivan, atendeu-se, desde logo, ao teor da documentação constante do apenso B, em particular de fls. 4 e 5 [correspondente ao pedido de prorrogação de permanência em Portugal]; 6-11 [cópia do passaporte, do qual consta o registo de saída/entrada em território nacional aos 19.07.2009]; 13 [atestado médico passado pela recorrente, datado de 10.09.2009]; 14 [declaração de responsabilidade passada, aos 11.09.2009]; 19 [informação da FPF, comprovativa da ausência de dados, aos 15.10.2009]; 79-109 [pedido de visto apresentado na Praia/Cabo Verde; cópia de contrato de trabalho datado de 22.10.2009 e seguro de acidentes de trabalho efectivado aos 09.09.2009]; 110 [registo de remunerações na SS]; e 113-119 [contrato de formação desportiva, com início aos 30.11.2009].
Para além disso, a testemunha Paulo N..., inspector do SEF, no depoimento que prestou, em sede de audiência de julgamento, confirmou que o cidadão em referência requereu, junto daqueles serviços, prorrogação da autorização de permanência em território português, no qual alegava encontrar-se a exercer a actividade de jogador de futebol por conta do X . Mais disse que, na sequência da decisão de indeferimento que recaiu sobre aquela pretensão, viria o mesmo, ulteriormente, a requerer nos serviços Consulares da Embaixada de Portugal, em Praia/Cabo Verde, a atribuição de visto de residência, para efeitos de exercício de uma actividade profissional subordinada, que lhe veio, efectivamente, ser atribuído. Disse, igualmente, que, para instruir o referido pedido de concessão de visto de residência, fez juntar cópia de contrato de trabalho desportivo celebrado, em data anterior, com o X , não obstante posteriormente, depois do seu retorno a Portugal, ter sido registo na FPF um contrato denominado de formação desportiva.
A testemunha Sónia T..., também inspectora do SEF, declarou ter tido intervenção no pedido de prorrogação de permanência apresentado pelo cidadão Suelivan, em Setembro de 2009, sendo que o mesmo era, então, titular de visto turístico. Adiantou que aquele pedido de prorrogação foi indeferido, por virtude do facto de o requerente alegar ter estado a exercer actividade profissional por conta do X , contrariando, assim, os fins do visto que lhe tinha sido concedido. Confirmou que, na sequência disso, o referido cidadão acabou por abandonar o território nacional, retornando, depois, já com autorização de residência para o exercício de actividade profissional subordinada por conta do X . Confirmou, do mesmo modo, que, para o efeito de obter a referida autorização de residência, apresentou cópia de contrato de trabalho desportivo celebrado com o X , não obstante em data posterior, após o seu retorno a Portugal, ter celebrado contrato a que foi atribuída a designação de formação desportiva, este registado na FPF.
A testemunha José G..., secretário técnico do X , declarou que o cidadão Suelivan veio para Portugal, a coberto de contrato de formação desportiva, sendo que, porém, sofreu uma lesão, que atrasou o “rendimento” dele e o acompanhamento da equipa. Esclareceu que o referido cidadão já tinha estado em Portugal, sensivelmente em Maio de 2009, tendo realizado cá vários jogos, por conta da equipa de futebol “Batuque”, de Cabo Verde. Afirmou que o contrato de trabalho profissional apenas foi celebrado após a formação desportiva do jogador, confirmando que o mesmo foi junto ao pedido de concessão de visto de residência apresentado em Praia. Disse, também e quando nesse sentido instado, que, no âmbito dos contratos de formação desportiva, os jogadores apenas representam os juniores e que, regra geral, não são remunerados, excepto os cidadãos estrangeiros, a quem, são atribuídas “bolsas”. Também foi dizendo que no caso dos jogadores sujeitos a contrato de formação desportiva, o clube liquida importância inferior, em caso de transferência dos mesmos. Confirmou, finalmente, que o cidadão Suelivan jogou, efectivamente, por conta do X , tendo recebido contraprestação monetária.
O cidadão S... Luz, inquirido a coberto do disposto no artº 340º do Cód. de Proc. Penal [aplicável “ex vi” do disposto no artº 41º do RGCO] confirmou que, no decurso do ano de 2009, em data concreta que não soube já precisar, se deslocou, efectivamente, a Portugal, no contexto de uma digressão pela Europa, por conta do seu clube de futebol de origem, o “Batuque”, tendo participado em alguns jogos. Mais disse que, na sequência disso, o X mostrou interesse na sua pessoa, pelo que, depois de retornar a Cabo Verde, voltou a Portugal, para jogar na equipa júnior daquele clube, mediante o pagamento de contrapartida monetária, que não soube já indicar com precisão, mas que estimou fosse de cerca de € 265,00. Nesse contexto, afirmou que realizou treinos e participou, efectivamente, em jogos, no interesse, sob a direcção e as instruções do clube, sendo que, porém, logo no início da época, sofreu uma lesão no joelho. Confirmou ter apresentado pedido de prorrogação de permanência em Portugal e ter-lhe sido concedido, posteriormente, visto de residência. Confirmou, do mesmo modo, que, depois de completar os 18 anos, celebrou contrato denominado de formação desportiva, adiantando que, no seu entender, só o poderia celebrar depois de perfazer aquela idade.
Pois bem. Tendo sido esta a prova que se produziu, não teve este Tribunal dúvida a respeito da materialidade dada como demonstrada.
Com efeito, resultou dos termos dos depoimentos prestados pelas testemunhas José G... e S... Luz que este exerceu, efectivamente, a actividade de jogador de futebol, por conta, no interesse e sob as ordens e direcção do X , mediante o pagamento por este de contrapartida monetária. Disse, no entanto, a primeira das reportadas testemunhas que o cidadão Suelivan teria vindo para Portugal logo a coberto, formalmente, de contrato de formação desportiva, sendo que, porém, a documentação constante dos autos não confirma isso. Na realidade, a acompanhar o pedido de prorrogação de permanência apresentado pelo cidadão Suelivan, que, na data, tinha apenas visto para fins turísticos, foi junta, isso sim, uma declaração do X , datada de 11.09.2009, da qual consta que o mesmo estaria em Portugal para realizar testes de aptidão desportiva, a fim de integrar a equipa de futebol júnior. Não obstante os termos de tal declaração, o X celebrou contrato escrito com o cidadão Suelivan, denominado “Contrato de Trabalho”, datado de 22.10.2009, documento esse que foi junto para instruir o pedido de autorização de residência. Posteriormente, em 30.11.2009, celebrou contrato que fez denominar de “formação desportiva”.
Ora, independentemente da data de celebração, formal, de qualquer daqueles contratos e até do respectivo nomem juris, a verdade é que da prova produzida resultou a demonstração do efectivo exercício pelo cidadão Suelivan da actividade remunerada de jogador de futebol, no interesse, por conta e sob as ordens e direcção do X . Aliás, deve dizer-se que não nos surpreende a sucessão de formalização daqueles contratos. É que, na realidade, carecia o referido cidadão de deter contrato de trabalho profissional, para o efeito de lhe ser concedida, como foi, autorização de residência. Contudo, tal contrato nunca chegou a ser registado junto da FPF, tendo sido, apenas, o contrato posteriormente celebrado e denominado de “formação desportiva”. Está o cidadão Suelivan, ainda hoje, convencido de que a celebração de contrato de formação desportiva dependia da circunstância de completar os 18 anos. Não é, assim, porém, à luz do regime que decorre da L. nº 28/98, de 26.06, como, seguramente, o recorrente saberá. O que nos parece é que, dependendo, isso sim, a possibilidade de conclusão de contrato de trabalho desportivo do facto de o atleta ter 18 anos, depois de o Suelivan ter atingido essa idade conveio ao clube mantê-lo formalmente vinculado a um contrato de formação desportiva, designadamente, por ter maiores facilidades de transferência e por ser, eventualmente, menor a contrapartida mensal a pagar. Ou seja, cremos nós que o Suelivan esteve sempre vinculado, materialmente, ao clube como jogador profissional, sendo que, até atingir os 18 anos, não era possível, legalmente, formalizar contrato de trabalho e, depois de ter atingido tal idade, passou a ser conveniente vinculá-lo, formalmente, a contrato de formação desportiva.
De qualquer dos modos, sempre se dirá que, mesmo o contrato de formação desportiva, formalizado aos 30.11.2009, apresenta características, de acordo com a vontade manifestada, que o afastam de um verdadeiro contrato daquela natureza – designadamente, a subordinação a que o jogador ficou sujeito, bem como o pagamento de contraprestação monetária.
Com respeito à materialidade constante das als. f) a h), respeitante ao cidadão Alexandre C..., atendeu-se, desde logo, ao teor da documentação constante do processo principal a fls. 3-6, 42-45, 83, 84 [relativa ao plantel do X e ficha de jogo realizado aos 16.08.2009]; 7, 76-78 [relativa à informação obtida da SS]; 10-15 [certificado internacional de transferência do jogador, contrato de trabalho celebrado com o X e cópia do passaporte, documentação essa, igualmente, constante de fls. 152-154 e 156]; 157 [revogação do contrato, aos 13.12.2010], 160 [inscrição na SS], 161 [atestado médico] e 162 [título de residência].
Para além disso, a testemunha Paulo N..., à qual se fez acima alusão, confirmou que, em Outubro de 2009, na sequência de consulta realizada na internet, ao portal oficial do X , foi verificado que o cidadão Alexandre C... pertencia ao plantel de futebol profissional daquele clube. Confirmou que, na sequência disso, foi obtida, junto da FPF, cópia do contrato celebrado entre o X e aquele cidadão, datado de 14.07.2009 e com efeitos a partir do dia um dos referidos mês e ano. Confirmou, ainda, que, apenas em 28.09.2009, o referido cidadão solicitou a concessão de visto de residência, em Vigo.
A testemunha José G..., à qual se fez, também já, referência, declarou que o cidadão em questão, depois de vir para Portugal, prestou provas, tendo sido, de seguida, celebrado com ele contrato de trabalho. Só depois, segundo afirmou, foi pedido o visto de residência, em Vigo, alegando que tal procedimento se deve aos entraves colocados pela delegação do Norte do SEF na atribuição de vistos de residência. Ora, dos termos de tal depoimento, em conjugação com a restante documentação junta aos autos, em particular a respeitante ao contrato de trabalho e, também, ao registo de remunerações constante de fls. 76-78, resulta que aquele cidadão esteve, efectivamente, a exercer a actividade profissional de jogador de futebol, por conta do X .
Com respeito à materialidade constante das als. i) a q), relativa aos cidadãos Luís L..., Rafael Q..., Richard O... e U... Júnior atendeu-se, desde logo, ao teor da documentação constante do apenso A, em particular de fls. 5, 6 [declaração de responsabilidade assinada, aos 28.06.2010, pelo X ], 25-35 [cópia dos passaportes dos cidadãos reportados]; 36-47, 118-125, 134-136 [lista de plantel e composição da equipa], 51-75 [contratos de trabalho e certificados de transferência], 126-129 [processamento realizado ao abrigo dos artºs 88º e 89º da L. nº 23/2007], 130-133, 137-139, 140-142,143, 144-146 [relativa à inscrição na SS e na DGI] e toda a documentação constante de fls. 223-356, que corresponde com a constante de fls. 163 e ss. do processo principal.
De resto, deve dizer-se que a materialidade supra reportada não foi objecto de impugnação por banda da recorrente.
Não obstante isso, a testemunha Sónia T..., à qual se fez já alusão, confirmou que os cidadãos em referência abandonaram o território nacional em Fevereiro de 2011, na sequência dos pareceres negativos que incidiram sobre as pretensões que apresentaram a coberto do disposto no artº 88º da L. nº 23/2007.
A testemunha António M..., também inspector do SEF, confirmou que o X assinou termo de responsabilidade dos cidadãos considerados, que ingressaram em território com visto para fins turísticos. Mais disse que, em Dezembro de 2010, foi verificado que os indicados cidadãos integravam o plantel da equipa, tendo, na sequência disso, sido obtida cópia dos respectivos contratos de trabalho junto da FPF. Reportou-se, ainda, aos descontos registados na SS.
A testemunha José G... confirmou que aqueles quatro jogadores vieram para Portugal em Julho de 2010, através de protocolo com a equipa de origem, confirmando que só mais tarde – depois de Fevereiro de 2011 - obtiveram os mesmos visto de residência, encontrando-se três deles, o Uilson, o Richard e o Luís, a jogar, ainda actualmente, no X . Disse, ainda, o que, de resto, resulta dos contratos celebrados, que o pagamento das remunerações era encargo do clube de origem, sendo, porém, liquidados cá os seguros e a inscrição na Liga.
Aliás e não obstante, como se disse já, a matéria de facto considerada, se encontrar assente, devido, desde logo, anão impugnação respectiva, a verdade é que a circunstância de a obrigação de pagamento do X se encontrar, de alguma forma, sub-rogada, não descaracteriza a natureza dos contratos celebrados, no âmbito dos quais se previa, de todo o modo, a possibilidade de pagamento de prémios de jogo ou de classificação.
Quanto ao facto constante da al. r) e s), atendeu-se não apenas ao teor de toda a documentação supra reportada, como, também, ao teor de fls. 67-74.
Finalmente, quanto à materialidade inserta na al. t), atendeu-se ao teor do documento junto em sede de audiência de julgamento.
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O Tribunal louvou-se, para a determinação da matéria de facto dada como não demonstrada, na ausência de prova ou de prova convincente da sua realidade.
Com efeito e no que concerne aos factos vertidos sob os ponto 1 a 4, a prova que se produziu foi aquela que se deixou exposta, a propósito da fundamentação da matéria de facto dada como demonstrada e que, por economia de meios, se dá por reproduzida, sendo que a mesma não foi de molde a suportar a afirmação de veracidade respectiva.
Quanto ao facto constante do ponto 5, a prova produzida, mau grado as documentadas inscrições na SS e na DGI, não foi o suficiente para suportar a correspondente materialidade.

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2. O recorrente coloca à discussão neste tribunal as seguintes questões:
· Nulidade do processado por a autoridade administrativa não ter procedido ao cúmulo jurídico das coimas e notificado o recorrente para proceder ao pagamento voluntário;
· Inexistênca das contra-ordenações;
· Dosimetria das coimas

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3. A liquidação da coima pelo mínimo em caso de concurso de contra-ordenações
Sustenta o recorrente que em caso de concurso de contra-ordenações a autoridade administrativa deveria ter procedido à determinação da medida da coima com observância do estatuído nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 19.º do RGCO, concedendo-lhe a faculdade de proceder ao pagamento voluntário da coima total, por metade do mínimo. Como a entidade administrativa não procedeu ao cúmulo jurídico, não tendo sido notificado para proceder ao reportado pagamento voluntário; que, por essa via, foram violados os artºs 18º, 19º, 50º-A do RGCO e 204º, nº 3 da Lei nº 23/2007, de 04.07, o que determina a nulidade do processado.

Não lhe assiste, manifestamente, razão.

Como, com total acerto, se assinalou na decisão recorrida:
“Ora, no que concerne ao sobredito fundamento, cabe fazer notar, com o devido respeito, que o recorrente incorre em algumas confusões conceituais.
Com efeito, a realização de operação de cúmulo jurídico – seja no domínio penal ou contra-ordenacional - tem por pressuposto que haja efectiva condenação e, por conseguinte, que seja determinada, concretamente e nesse contexto procedimental, a medida concreta das sanções a aplicar aos ilícitos em concurso. Não se aplica, naturalmente, tal instituto quando, ainda antes de proferida qualquer decisão condenatória de fundo, a entidade administrativa notifica o infractor para proceder, querendo, ao pagamento voluntário, designadamente, no quadro normativo previsto pelo artº 204º, nº 3 da L. nº 23/2007.
Na realidade, em cumprimento da sobredita disposição legal, a entidade administrativa procede, isso sim, à notificação do infractor para proceder ao pagamento voluntário por cada infracção verificada, que, no caso do ilícito considerado, é proporcional ao número de cidadãos contratados. Foi, assim, a notificação em causa correctamente realizada, pelo que não assiste razão ao recorrente”

Vejamos.

É o seguinte o teor do artigo 204.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho que “Aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional”:
«Artigo 204.ª
Negligência e pagamento voluntário
1—Nas contra-ordenações previstas nos artigos anteriores a negligência é sempre punível.
2—Em caso de negligência, os montantes mínimos e máximos da coima são reduzidos para metade dos quantitativos fixados para cada coima.
3—Em caso de pagamento voluntário, os montantes mínimos e máximos da coima são reduzidos para metade dos quantitativos fixados para cada coima.»

Por seu turno, sob a epígrafe de “Pagamento voluntário”, estatui o art 50º-A do RGCO: «1 - Nos casos de contra-ordenação sancionável com coima de valor não superior a metade dos montantes máximos previstos nos nºs 1 e 2 do Artigo 17º, é admissível em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, o pagamento voluntário da coima, a qual, se o contrário não resultar da lei, será liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas. 2 - O pagamento voluntário da coima não exclui a possibilidade de aplicação de sanções acessórias ».

Conforme a doutrina e a jurisprudência têm salientado de forma uniforme, o pagamento voluntário a que se refere o artigo 50º-A do RGCO é admissível até ao momento da prolação da decisão da autoridade administrativa – cfr., v.g., Acs. da Rel. de Coimbra de 28-4-1999, Col. de Jur. Ano XXIV, tomo 2, pág. 57, de 5-5-1999, rec.º n.º 142/99, in www.trc.pt, de 7-7-2004, proc.º n.º 2004/04, rel. Oliveira Mendes, de 14-7-2010, proc.º n.º 31/09.5GAVZL.C1, rel. Paulo Valério e Ac. da Rel. do Porto de 15-1-2003, proc.º n.º 0240884, rel. Isabel Pais Martins, todos in www.dgsi.pt, Manuel Lopes Rocha, Mário Gomes Dias e Manuel Ataíde Ferreira, Contra-Ordenações, Legislação e Doutrina, Escola Superior de Polícia, Lisboa, 1994, pág. 179, Simas Santos e Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3ªed., Lisboa, 2006, pág. 356, António Beça Pereira, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 6ªed, Coimbra, 2005, pág. 101, Sérgio Passos, Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, Coimbra, 2006, pág. 358, Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3ªed., Coimbra, 2009 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Lisboa, 2011, pág. 218 e.

Por outro lado, nos termos do artigo 19.º do RGCO, “a punição do concurso efectua-se em termos de cúmulo material mitigado a qual pressupõe uma aplicação concreta de uma coima em relação a cada contra-ordenação” (Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, cit., pág. 163).

“A possibilidade de pagamento voluntário situa-se a montante de tal definição concreta” (ibidem)

Também os Cons.º Simas Santos e Lopes de Sousa, em anotação ao citado artigo 50.º-A, salientam que:
« Não se explica no presente artigo se, nos casos de concurso de contra-ordenações, há que atender, para efeitos de pagamento voluntário, ao conjunto das contra-ordenações integrantes do concurso ou a cada uma delas separadamente.
Porém, terá de atender-se a cada uma das contra-ordenações que integram o concurso, admitindo o pagamento voluntário em relação àquela ou àquelas em relação às quais se verificaram os requisitos legais, pois é essa a interpretação que está em consinância com o sentido da autorização legislativa, concedida pela Lei n.º 4/89, de 3 de Março, em que se baseou a introdução pelo Decreto-Lei n.º 236/89 deste regime de pagamento voluntário, e a que se compagina com o método de determinação da coima máxima abstractamente aplicável ao concurso de contra-ordenações.
Com efeito, na alínea f) do art. 2.º daquela Lei refere-se que a autorização , nesta matéria, tem o alcance de “prever a possibilidade de pagamento voluntário das coimas aplicadas pela prática de determinadas contra-ordenações, o que aponta no sentido de ser em relação às próprias contra-ordenações”e não ao eventual concurso que haverá que atender.
Por outro lado, a possibilidade de pagamento voluntário é apreciada antes de ser proferida a decisão que fixa as coimas e, antes dela, não é possível saber qual o limite máximo da coima aplicável ao concurso de contra-ordenações, pois este limite é obtido através da soma das coimas concretas aplicadas a cada uma das contra-ordenações (art. 19.º, n.º1 do RGCO)» (Contra-Ordenações, cit., págs. 356-357, itálicos e negrito no original).

No mesmo sentido se pronunciou o Prof. Pinto de Albuquerque:
«No caso de concurso de contra-ordenações, o limite legal da coima de valor não superior dos montantes máximos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 17.º vale também para cada uma das contra-ordenações» (Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, cit., pág.218)

Em face da lei, tal como interpretada pela melhor doutrina e jurisprudência, é assim inequivoco que, no caso de concurso de contra-ordenações, a liquidação da coima pelo mínimo significa que a coima é fixada no mínimo legal (no caso em apreço reduzido a metade por força do citado artigo 204.º, n.º3) correspondente a cada uma das infracções cometidas.

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2. A questão da autorização de residência temporária

O recorrente foi condenado pela prática de contra-ordenações p. e p. pelo artº 198º, nº 2, al. a) do REPSAE - regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional aprovado pela Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (emprego de cidadão estrangeiro não autorizado a exercer uma actividade profissional).

De acordo com o citado artigo 198.º (Exercício de actividade profissional não autorizado):
«1—O exercício de uma actividade profissional independente por cidadão estrangeiro não habilitado com a adequada autorização de residência, quando exigível, constitui contra-ordenação punível com uma coima de E 300 a E 1200.
2—Quem empregar cidadão estrangeiro não autorizado a exercer uma actividade profissional nos termos da presente lei fica sujeito, por cada um deles, à aplicação de uma das seguintes coimas:
a) De E 2000 a E 10 000, se empregar de um a quatro;
(…)»

Por seu turno, de acordo com o Artigo 208.º do mesmo diploma legal, “Sem prejuízo dos limites máximos previstos no regime geral das contra-ordenações, os quantitativos das coimas são actualizados automaticamente de acordo com as percentagens de aumento da remuneração mínima nacional mais elevada, arredondando-se o resultado obtido para a unidade de euro imediatamente superior.»

Segundo o recorrente, este não praticou a contra-ordenações por que foi condenado porquanto aos atletas Luís L..., Rafael Q..., Richard O... e U... Júnior deveria ter sido concedido o visto de residência na primeira solicitação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123.º, n.1, alínea c) da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho

A este nível é também manifesto que não lhe assite razão

É a seguinte a redacção do artigo artigo 123.ºda citada Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho:

“Artigo 123.º
Regime excepcional
1—Quando se verificarem situações extraordinárias a que não sejam aplicáveis as disposições previstas no artigo 122.º, bem como nos casos de autorização de residência por razões humanitárias ao abrigo da lei que regula o direito de asilo, mediante proposta do director- geral do SEF ou por iniciativa do Ministro da Administração Interna pode, a título excepcional, ser concedida autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos na presente lei:
a) Por razões de interesse nacional;
b) Por razões humanitárias;
c) Por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma actividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social.
2 — As decisões do Ministro da Administração Interna sobre os pedidos de autorização de residência que sejam formulados ao abrigo do regime excepcional
previsto no presente artigo devem ser devidamente fundamentadas.”

Como se observou na douta decisão recorrida:

“Importa registar que nenhuma circunstância se apurou passível de excluir a ilicitude dos factos ou a culpa do recorrente. A esse propósito, cabe fazer notar que a alusão realizada pelo recorrente, no recurso interposto da decisão proferida no Proc. nº 77, à circunstância de os cidadãos Luís L..., Rafael Q..., Richard O... e U... Júnior preencherem os requisitos para que lhes fosse concedida pelo SEF autorização de residência, o que não ocorreu, é facto não sindicável senão na sede própria – que seria a dos correspondentes procedimentos – sem qualquer interferência quanto à verificação dos ilícitos considerados ou quanto responsabilidade do recorrente.”

Sempre se dirá que conforme decorre quer da epígrafe (Regime excepcional) quer da letra do preceito acabado de transcrever (...pode, a título excepcional, ser concedida…) aquela autorização é concedida a título excepcional e apenas “Quando se verificarem situações extraordinárias”

Ora, a pretensa morosidade do processo de legalização na delegação de Braga dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras que, segundo o recorrente, obrigaria os jogadores profissionais de futebol a deslocarem-se a Espanha para tratar do visto de residência, o que se não provou nem constitui facto notório, bem como a existência de prazos relativamente curtos de inscrição dos jogadores não constitui, manifestamente, uma situação extraordinária que justifique a excepcionalidade da concessão de uma autorização de residência temporária.

Por outro lado, como se afirmou na decisão sumária e agora se reitera, não obstante o futebol dever ser considerada uma actividade relevante no domínio desportivo, não foi invocada uma única circunstância que pudesse sequer indiciar interesse público no exercicio da actividade profissional de futebol por parte dos atletas em questão.

Por último, não se provou por parte da delegação dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras de Braga uma qualquer actuação diferente em relação às restantes delegações do Pais pelo que falece por completo a invocada violação dos pricípios da igualdade e da proporcionalidade.

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3. Dosimetria das coimas

Para além de impugnar o montante da coima única que estima dever ser fixada em €3000, o recorrente parece também impugnar o quantitativo das coimas parcelares.

Também nesta parte o recurso é manifestamente improcedente.

Verificado o concurso efectivo de contra-ordenações, deve ser determinada a medida concreta da coima por cada uma delas, no quadro da moldura abstracta correspondente, e posteriormente a coima única que tem como limite abstracto mínimo a mais elevada das coimas concretamente aplicadas e como limite abstracto máximo a soma das penas concretamente aplicadas, com o limite do dobro do limite máximo (abstracto) mais elevado das contra-ordenações em concurso (artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82).

A determinação da medida concreta da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação (artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82).

No caso em apreço não merece censura nem a determinação da coima por cada uma das contra-ordenações nem a coima única a que se procedeu na decisão.

Recorda-se que o recorrrente foi condenado pela prática de seis contra-ordenações, sendo duas delas em coimas de €2.500 e as quatro restantes em coimas de €2.700.

Considerando a moldura abstracta das coimas em questão de €2.235 a €11.167 e de €2360 a €11.788 e o disposto no artigo 18.º do RGCO, é óbvio que as coimas parcelares aplicadas ao recorrente não violam as regras de experiência nem a sua quantificação se revela de todo desproporcionada.

E o mesmo se dirá quanto à coima única aplicada ao rcorrente (€7000).

No caso em apreço, não se provou que “O Recorrente agiu perante a necessidade de respeitar os prazos de inscrição dos jogadores junto da Federação Portuguesa de Futebol e, sem outra hipótese, teve que se conformar com as eventuais consequências legais daí decorrentes”

Todos os demais factores indicados pelo recorrente (nomeadamente os períodos, relativamente curtos, em que os cidadãos considerados estiveram, sem habilitação, a exercer actividade profissional subordinada por conta do recorrente, dolo eventual, antecedentes contraordenacionais, pagamento dos valores monetários acordados com os jogadores) foram sopesados na douta decisão recorrida.

Numa moldura abstracta que varia entre €2700 e €15.800, a medida da coima encontrada de €7000, correspondente a menos de dois sextos, revela-se perfeitamente adequada, necessária e proporcional.

Por isso que nenhuma razão exista para que não deva ser mantida.

Saliente-se, até, que o montante da coima foi já consideravelmente diminuído na douta decisão recorrida.

Recorda-se que inicialmente a decisão administrativa condenara o recorrente nas coimas de €3200 (proc.º E-61/2010-120, referente a Alexandre C...), €3500 (proc.º n.º E-62/2009-120, referente a S... Luz) e de €8000 (proc.º n.º E-77/2010-120 respeitante aos demais quatro jogadores)

Reduzir ainda mais o quantitativo daquela coima única, em medida correspondente a menos de um quarto da respectiva moldura, como pretende o recorrente, seria conferir-lhe carácter meramente simbólico, redundando em impunidade.

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O presente recurso é, assim, manifestamente improcedente.
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Uma última palavra, em sede tributária, para deixar expressamente consignado que, contrariamente ao que alude na sua conclusão 39.º, o recorrente não se encontra isento de custas processuais por, não obstante se tratar de uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos, não se verificar in casu o condicionalismo previsto na alínea f) do n.º1 do artigo 4.º do RCP [“quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”].

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III- Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em:
1) Indeferir a reclamação apresentada;
2) Rejeitar o recurso por manifesta improcedência, confirmando-se a douta sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4UC a que acresce o pagamento de igual importância, nos termos do artigo 420º, n.º3 do Código de Processo Penal.
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Guimarães, 18 de Dezembro de 2012