Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3000/16.5T8VNF-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

O art.º 99.º do CIRE estabelece o regime geral dos efeitos da declaração de insolvência na compensação de créditos sobre a insolvência, cfr. art.º 47.º do CIRE, com dívidas à massa insolvente, cfr. art.º 51.º do CIRE.

De acordo com o disposto no art.º 90.º do CIRE, só pode ser considerado titular de créditos sobre a insolvência, designadamente para efeitos de compensação de créditos com a massa insolvente, quem como tal tenha sido reconhecido no processo de insolvência como credor.

Para operar a compensação teria a executada que reclamar o seu crédito na insolvência, porque só pode ser considerado credor quem tiver sido reconhecido no respectivo processo.

O facto de não ser admissível, no caso, a compensação não constitui qualquer abuso de direito, uma vez que os credores compensantes podem sempre reclamar os seus créditos no processo de insolvência.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - A exequente Massa Insolvente de (…) deduziu execução contra a executada “… Lda.”, a que foi atribuído o n.º 3000/16.5T8VNF, peticionando o pagamento da quantia certa a que a executada foi condenada pela sentença exequenda.
*
A executada deduziu embargos de executado, requerendo a extinção da execução.
Para o efeito, a executada alega ser credora da exequente, em virtude de ter vindo a pagar, no âmbito de processo executivo instaurado por terceiro conta os ora exequentes e executada, uma dívida da responsabilidade solidária da ora executada e dos exequentes declarados insolventes. Invoca, por isso, a compensação de créditos.
Sustenta ainda existir abuso de direito na reclamação do pagamento executivo apresentado pela exequente, tendo em conta a existência do aludido contra-crédito da executada.
*
A exequente contestou, basicamente para contraditar a existência de um contra-crédito da executada e a verificação dos pressupostos da extinção do crédito por compensação, nomeadamente tendo em conta o regime da insolvência.

Os autos prosseguiram e no seguimento foi proferida sentença na qual se decidiu:
Nestes termos, vistos os princípios expostos e as indicadas normas jurídicas, julgam-se os embargos de executado totalmente improcedentes.

Inconformada a executada interpôs recurso cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

1 - A regra do duplo grau de jurisdição respeitante à decisão sobre a matéria de facto, impõe que seja possível ao Tribunal de 2ª instância reanalisar e reapreciar a factualidade apurada na 1ª instância.
2 - Sucede porém que na Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” apenas se mostram identificados e relacionados no elenco da matéria de facto declarada Provada, o correspondente à Sentença proferida em 21/05/2015 e ao posterior acórdão datado de 4/02/2016.
3 - Nenhum outro facto foi declarado Provado e incluído no elenco da factualidade Provada.
4 - E também não foi enumerado e enunciado pelo tribunal “a quo” nenhum facto Não Provado!
5 - Ora, em cumprimento do disposto no nº 4 do art. 607º do CPC, e para permitir que em sede de recurso da matéria de facto o tribunal de 2ª instancia possa ponderar e dirimir o litígio, atendendo a todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito é obrigatório para o tribunal de 1ª instancia enunciar e elencar, na fundamentação da Sentença, todos os factos que julga provados e todos os que julga não provados, sem quaisquer omissões.
6 - A omissão de relacionamento no elenco da matéria de facto declarada Provada de factos invocados pela Executada/Embargante e aqui Recorrente, designadamente os que infra melhor se indicarão, 7 - Tal como a omissão de relacionar e elencar a matéria de facto declarada Não Provada parece consubstanciar a prática pelo tribunal “a quo” da nulidade decorrente de omissão de pronúncia prevista e sancionada no art. 615º al. d) do CPC.
8 - Nulidade esta, naquela sua dupla vertente – omissão de inclusão de factos provados no elenco da matéria de facto provada e omissão de relacionar e elencar os factos não provados - que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos, devendo conduzir, designadamente, à revogação da Sentença proferida.

Isto Posto,

9 - Para além da factualidade elencada pelo tribunal “a quo” na Sentença, entende a Embargante/Apelante que a demais prova documental junta aos autos pela Embargante, directamente relacionada com factualidade expressamente invocada, tal como a demais prova oferecida, designadamente, a mencionada no requerimento probatório que foi apresentado no final da sua P.I. de Embargos, e ainda aquela que na sequência do determinado na audiência prévia veio posteriormente a ser junta aos autos, designadamente, as certidões judiciais juntas ao processo em Maio de 2017, e as certidões judiciais e documentos juntos aos autos em 1/03/2018 – REFª: 28352529 –
10 - Deve, atentas as várias soluções plausíveis da questão de facto e de direito que nos autos são colocadas, ser acrescentado àquele elenco da matéria de facto provada mais os seguintes factos:

z) Em 2007 a Cª de Seguros X Portugal, S.A., decide instaurar contra a entidade patronal daquele trabalhador sinistrado – F. F. e mulher – tal como contra a empreiteira geral da obra, “Y & Filhos, Lda.”, acção para o exercício do seu invocado direito de regresso ou sub-rogação – Proc. nº 7/07.7TBEPS - por forma a reaver os valores que dizia ter pago em razão do descrito acidente de trabalho e das condenações decretadas pela 1ª e 2ª instancia nos supra citados autos que correram termos no Tribunal do Trabalho de Barcelos – nº 14 da P.I.;
aa) Aos 15/06/2009 foi proferida Sentença no tribunal de 1ª instancia de Esposende, a qual julgou parcialmente procedente tal acção interposta pela Cª de Seguros e condenou “os RR. “Y & Filhos, Lda,” e F. F. e mulher, M. C., a pagarem, solidariamente, à A. a importância de €.259.799,29, acrescida de juros de mora, à taxa anual a 4%...” – nº 15 da P.I.;
bb) Sentença judicial esta que, mau grado ter sido objecto de recurso de Apelação e de recurso de Revista, foi mantida pela 2ª e 3ª instância, conforme se mostra documentado na certidão junta a fls._ dos autos de acção ordinária de onde foi extraída a certidão de sentença que aqui veio ser dada à execução – nº 16 da P.I.;
cc) Condenados os ali RR., F. F. e mulher, M. C., solidariamente com a sociedade “Y & Filhos, S.A.”, no pagamento da dita quantia de €.259.799,29, logo a sociedade ali R. e aqui Executada, iniciou negociações com aquela Cª de Seguros visando a celebração de uma transacção judicial que possibilitasse o pagamento daquela quantia em prestações, e com parcial perdão dos juros entretanto vencidos, por forma a que, quer a sociedade, quer aqueles RR. pudessem cumprir com a obrigação decorrente do judicialmente fixado – nº 17 da P.I.;
dd) A Embargante procedeu logo ao pagamento das custas de parte conforme o reclamado pela Cª de Seguros X – nº 18 da P.I.;
ee) Infelizmente não foi possível em tempo útil celebrar a transacção com a Cª de Seguros, até porque aqueles RR., F. F. e mulher, M. C., em vez de colaborarem de forma séria nas negociações, passaram a dedicar o seu tempo e o dinheiro que lhes restava a simular a realização de negócios de compra e venda, tal como a simular negócios de dação em cumprimento, transmitindo todos os prédios de que eram proprietários – com excepção de uma pequena loja que estava dada de hipoteca e à ordem dos supra citados autos de acidente de trabalho – bem como o estabelecimento comercial que então exploravam para familiares directos, familiares mais afastados e pessoas amigas… - nº 20 da P.I.;
ff) O que conduziu a que a Cª de Seguros X, em Janeiro de 2012, instaurasse contra aqueles mesmos RR. - F. F. e mulher, M. C. – tal como contra a sociedade aqui Executada/Embargante – “Y & Filhos, S.A.” – execução daquela sentença que havia sido proferida no ano de 2009, para cobrança das quantias então já vencidas, a qual sob o nº 7/07.7TBEPS-B, que, agora sob o nº 3707/14.1T8VNF corre termos nesta mesma 2ª Secção de Execução – J2, reclamando o pagamento a todos os executados e de forma solidária da quantia de €.308.210,79, conforme tudo melhor se alcança do requerimento executivo do supra citado processo o qual, e a título devolutivo, a final se requererá seja apensado a estes autos – nº 21 da P.I.;
gg) Entretanto, estava pendente e suspensa, em razão da anterior pendencia da supra citada acção que correu termos sob o nº 7/07.7TBEPS, uma acção declarativa ordinária que os ali RR. e depois ali Executados, e a que sucedeu a Massa Insolvente, tinham instaurado contra a sociedade “Y & Filhos, S.A.” para reclamar, em via de regresso, o ressarcimento do que tinham entretanto pago ao trabalhador sinistrado – nº 27 da P.I.;
hh) Acção declarativa essa, donde provem o título executivo – sentença – que sob o nº 75/07.1TBPVZ começou o seu curso no Tribunal da Póvoa de Varzim e acabou remetida para o Tribunal de Esposende – nº 28 da P.I.;
ii) E é nesta acção, onde levando em conta a autoridade de caso julgado resultante do decidido naquela acção judicial nº 7/07.7TBEPS – cuja Sentença, recorda-se, declarou que os RR., F. F. e mulher, M. C., eram juntamente com a Sociedade “Y & Filhos, S.A.”, responsáveis, em partes iguais, pelo incumprimento das normas de segurança que foram causa da ocorrência do acidente de trabalho que vitimou o trabalhador daqueles, conforme supra invocado - acabaria a R., aqui Executada e Embargante a ser condenada no pagamento de metade – quota parte 50% - do valor que os ali AA. e agora “Massa Insolvente de F. F. e mulher, M. C.” invocavam ter pago ao seu trabalhador sinistrado – nº 29 da P.I.;
jj) Nasceu assim o título executivo que aqui é dado à execução e através do qual, e em via de regresso, se pretende cobrar da R., “Y & Filhos, S.A.”, aquela metade do valor pago ao trabalhador sinistrado com o fundamento que os AA. teriam pago a mais do que lhes competia afirmando-se na sentença transitada em julgado e dada à execução que: “(…) E assim, como decorrência da regra contida no art. 524º do Código Civil, têm os mesmos direito a receber da ré, por via do direito de regresso, o montante de €.15.875,47”, conforme tudo melhor se alcança do texto integral de tal sentença judicial que como título executivo e documento nº 1 foi junta com o requerimento executivo nos autos principais de que estes são apensos e o qual, aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos – “vide gratiae” certidão judicial junta com o requerimento executivo – nº 30 da P.I.;
kk) Entretanto a aqui executada e ali R. batalhava sozinha no âmbito da supra citada execução nº 7/07.7TBEPS-B, que, agora sob o nº 3707/14.1T8VNF corre termos por esta mesma 2ª Secção de Execução – J2, no sentido de pagar a sua quota parte correspondente a metade do pedido executivo como também em decorrência da “fuga” dos também ali executados e agora “Massa Insolvente de F. F. e mulher, M. C.” a quota parte que aos mesmos caberia pagar nesses mesmo pedido executivo cujo valor inicial foi fixado em €.308.210.79 – nº 31 da P.I.;
ll) E mesmo antes de aqueles seus condevedores se terem feito declarar insolventes já a embargante havia iniciado a realização de entregas à dita companhia de seguros ao ritmo do pagamento de €.2.500,00 mensais – nº 32 da P.I.;
mm) Logo tendo invocado perante os seus condevedores, ali AA. e agora aqui “Massa Insolvente de F. F. e mulher, M. C.” o exercício do seu legal direito de compensação (art. 847º do Cód. Civil) na medida em que estava a suportar sozinha o pagamento daquela avultadíssima quantia que lhes vinha sendo reclamada em processo executivo pela Companhia de Seguros – nº 33 da P.I.;
nn) Direito de compensação este que igualmente tem vindo a ser invocado agora contra a Insolvência, ou seja, “Massa Insolvente de F. F. e mulher, M. C.” através de sucessivos requerimentos dirigidos ao processo de insolvência que sob o nº 1790/13.6TBPVZ se iniciou no tribunal Cível da Póvoa de Varzim e agora corre termos na Instância Central da 1ª Secção de Comércio – J4, do Tribunal de Santo Tirso, comarca do Porto, conforme cópias dos requerimentos que a Embargante se obriga a juntar aos autos no prazo de 10 dias – nº 34 da P.I.;
oo) Em face daquela “fuga” para a insolvência – obviamente que acompanhada do costumado pedido de exoneração do passivo restante … - dos co-executados, F. F. e M. C., a aqui executada/embargante e também executada no supra citado processo de execução nº 3707/14.1T8VNF – 2ª Secção de execução – J2, continuou a pagar sozinha à companhia de Seguros X, S.A. aquela divida de €. 308.210,79, ao ritmo de €.2.500,00/mês – nº 35 da P.I.;
pp) Tendo finalmente conseguido, no mês de Outubro de 2015, celebrar transacção judicial nos termos da qual e quando já tinha pago a quantia total de €.52.500,00, reduzir o capital e juros peticionados nessa mesma execução à quantia de €.275.000,00 que continuará a pagar, como efectivamente vem fazendo, à razão de €.2.500,00/mês, conforme tudo melhor se alcança da respectiva transacção judicial junta ao dito processo de execução nº 3707/14.1T8VNF, desta mesma 2ª Secção de Execução, J2, a qual já foi doutamente homologada por Sentença, transitada em julgado, e que aqui, por brevidade e economia processual se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos – nº 36 da P.I.;
qq) Até ao dia de hoje já pagou àquela companhia de seguros por sua conta e também por conta da Insolvência de F. F. e M. C., Massa Insolvente a quantia de, como infra melhor se explicará, a quantia total de €.75.000,00 (30x2.500,00), conforme tudo melhor se alcança da cópia dos pertinentes recibos de quitação emitidos pela credora, Cª de Seguros X, os quais adiante se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos – docs. 1 a 8 – nº 37 da P.I.;
rr) Mostrando-se paga pela Embargante àquela Cª de Seguros, até à data de 31/08/2018, 56 prestações de €.2.500,00 cada, o que perfaz o valor de €.140.000,00 – “vide gratiae” recibos emitidos pela credora/Cª de Seguros juntos aos autos, bem como os que posteriormente à última junção foram entregues pela credora e os quais, e em complemento daqueles outros, adiante se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos – docs. 1 a 7-;
ss) Já pagou os honorários encargos e custas reclamados pela Agente de Execução nesse mesmo processo de execução instaurado contra os Insolventes, F. F. e M. C., bem como contra a sociedade Embargante, no montante de €.4.011,79, conforme tudo também melhor se alcança da conta apresentada pela senhora AE no supra citado processo executivo – nº 39 da P.I.;
tt) E todos estes pagamentos dizem respeito ao cumprimento da obrigação solidária que pertencia em partes iguais à aqui executada/embargante e à agora “Massa Insolvente de F. F. e M. C.” – nº 39 da P.I.;
uu) Aliás, a Companhia de Seguros ali Exequente apresentou-se no supra citado processo de insolvência, procurado pelos condevedores e co-executados, F. F. e M. C., reclamando exactamente o mesmo crédito que se mostra em execução, crédito esse que lhe foi reconhecido pelo valor de €.332.572,92 – nº 40 da P.I.;
vv) E também a própria Cª de Seguros X, credora reconhecida no âmbito daquele citado processo de Insolvência que diz respeito à Massa Insolvente de F. F. e M. C., já dirigiu requerimento a tal processo informando que o crédito por si reclamado e reconhecido por Sentença transitada em julgado, tem estado a ser pago pela sociedade “Y & Filhos, S.A.” – nº 41 da P.I.;
ww) E pedindo ao tribunal fosse reconhecida e declarada a sub-rogação legal, ainda que parcial, desta sociedade como titular daquele crédito que foi por ela reclamado e reconhecido no respectivo apenso da reclamação de créditos, conforme tudo melhor se alcança do requerimento, documento que também adiante vai junto e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos – doc. nº 9- nº 42 da P.I.;
xx) Somando os valores até ao momento pagos pela sociedade Executada/Embargante e cuja obrigação é solidária entre si própria os Insolventes e a sua sucessora, “Massa Insolvente de F. F. e mulher, M. C.”, aqui Exequente, o valor de €.79.011,79 (75.000,00+4.011,79=79.011,79) – 43 da P.I. valor este que actualizado a 31 de Agosto de 2018 ascende a €.144.011,79-;
11 – O tribunal “a quo”, incorreu no vicio de insuficiência da matéria de facto dada por provada devendo este tribunal “ad quem”, no exercício dos seus poderes, e porque tal vício afecta ou impossibilita uma decisão jurídica correcta e justa do processo, suprir essa mesma omissão e acrescentar ao elenco da matéria de facto provada toda a factualidade enunciada naquelas alíneas a) a
y).
12 - Vicio este de omissão de inclusão no elenco da matéria de facto provada de toda aquela factualidade que foi articulada na P.I. de Embargos á Execução, elaborada e apresentada pela Apelante, que aqui expressamente se invoca e cuja verificação implica, desde logo, a revogação da Sentença aqui recorrida.

SEM PRESCINDIR,

13 - A Embargante/Apelante repetiu na sua P.I. de Embargos á Execução a excepção de compensação que, como foi invocado – “vide gratiae” nºs 31, 32 e 33 da P.I. - , ainda antes dos co-devedores, F. F. e mulher, se terem apresentando à insolvência já havia invocado perante os mesmos.
14 - Na verdade, fazendo e acertando contas, é fácil verificar que a Executada/Embargante tem direito de reclamar daqueles co-devedores, ou seja, da “Massa Insolvente de F. F. e M. C.”, o valor correspondente a metade daquele quantia de €.144.011,79, ou seja, €.72.005,90 (144.011,79:2=72.005,90) – art. 524º do C.C.
15 -Tem direito a reclamar este dito valor de €.72.005,90 – valor este a que irá acrescer, mês a mês, o correspondente a metade da prestação paga, ou seja, €.1.250,00
– e tem também o direito de exercitar sobre “Massa Insolvente de F. F. e mulher, M. C.”, aqui Exequente, o seu direito de compensar parcialmente este crédito no contra-crédito que a Massa Insolvente aqui vem, sem pré-aviso, reclamar da mesma – art. 524º e 847º e segs. do C.C.
16 - Sendo certo que, atento o valor de crédito de capital de que é titular a Executada/Embargante sobre a dita Massa Insolvente, no dito montante de €.72.005,90 e atento o crédito de capital da mesma Massa Insolvente sobre a Executada/Embargante, no montante de €.15.875,47, é manifesto que este foi já integralmente consumido por aquele – art. 847º nº 2 e 854º do C.C.
17 - Resulta daqui, como é muito fácil de ver e a “Massa Insolvente de F. F. e M. C.”, já há muito tem obrigação de saber, que por força da dita compensação, nenhum crédito e nenhum direito tem a mesma para poder fazer prosseguir a execução contra a Executada/Embargante e aqui Apelante.
18 - Excepção que foi oportuna e legalmente invocada na P.I. de Embargos e que, salvo o devido respeito, deveria ter sido conhecida e declarada, nos termos da aplicação conjugada das supra citadas normas legais e ainda do disposto no art. 729º al. h) do CPC pelo Tribunal “a quo”.
19 - E tratando-se, como observou a sentença recorrida, de uma Execução intentada pela MI dos co-devedores, a pertinente questão de direito colocada nos Embargos, também está directa e especificamente regulamentada, no que directamente concerne ao exercício, por parte da Executada, do seu direito a invocar a compensação, no disposto na norma especial constante do art. 99º do C.I.R.E.
20 - Esta norma em que se estriba o direito da Executada/Embargante de invocar nos seus Embargos, como fez, o direito de compensação que havia invocado perante os seus co-devedores, ao longo dos meses de 2011, 2012 e 2013, ou seja, muito antes de ter sido proferida a Sentença que declarou a Insolvência destes é a especifica e norma especial consagrada no art. 99º do CIRE, aplicável conjugadamente com o disposto no art. 847º e seguintes do Código Civil.
21 - Ora, no caso descrito nos autos é absolutamente claro e manifesto que ocorrem e estão até já demonstrados os dois pressupostos – apesar de bastar apenas um deles … - estipulados na lei para permitir que a Executada/ Embargante, credora dos insolventes possa invocar contra a “Massa Insolvente” o seu direito de compensação em face de contra-crédito dessa mesma MI.
22 - Salienta-se que o crédito sobre a insolvencia tem todos os seus requisitos preenchidos em data anterior à da declaração da insolvencia dos co-devedores a qual ocorreu em 8/08/2013.
23 - A análise atenta da factualidade invocada pela executada/Embargante na sua P.I. de Embargos, deve permitir ser declarado admissível a compensação invocada por estarem preenchidos os requisitos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 99.° do CIRE.
24 – já que, trata-se de créditos judicialmente exigíveis, de acordo com os critérios antes explanados, sendo que não surgem atingidos por qualquer das situações da alínea a), “in fine” do n.° 1 do artigo 847.° do Código Civil, tratando-se também de obrigações “da mesma espécie e qualidade” (alínea b) do n.° 1 daquele preceito).
25 - A exigibilidade resulta daquela 1ª sentença proferida no âmbito do citado processo nº 7/07.7TBEPS, e a qual, em 15/06/2009, condenou os “RR. Y & Filhos, Lda., F. F. e M. C. a pagarem solidariamente, à A. a importancia de €.259.799,29 acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%...” e das interpelações verbais e escritas que, antes da declaração de Insolvência dos co-devedores, repetidamente, foram efectuadas aos mesmos pela sociedade Executada/Embargante e aqui Apelante.
26 - É, pois, cristalino que as dívidas a compensar não se constituíram após a data de declaração da insolvência, estando verificados os requisitos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 847.° do Código Civil antes daquela data, tal como estão verificados os requisitos das alineas a) e b) do nº 1 do artº 99 º do CIRE (cf. Luis.A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código de Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª ed., 477 e 478).
27 – Importa ter presente que:

I - A exigibilidade do crédito para efeito de compensação – art. 847.º, n.º 1, al. a), do CC – não significa que o crédito (passivo) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito existe na esfera jurídica do compensante e preenche os requisitos legais “não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade”.
II - Realidade distinta da exigibilidade judicial do crédito, imposta pelo art. 847.º, n.º 1, al. a), do CC, é o respectivo reconhecimento judicial, não obstante só possa operar a compensação caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem.
28 - A compensação de créditos é um dos meios de extinção das obrigações, que se torna efectiva através da declaração de uma das partes à outra – art. 848º, nº1, do Código Civil – feita judicial ou extrajudicialmente – arts. 217º, 224º e 854º do Código Civil e 266º, nº2, c) do NCPC do Código de Processo Civil.
29 - Diz-se que se trata de um “acerto de contas”, por não ser razoável, nem equitativo, que quem é simultaneamente credor e devedor haja, reciprocamente, de pedir o pagamento do seu crédito sem reconhecer que também deve ao impetrante; receberia dele para depois lhe pagar.
30 - A exigibilidade do crédito para efeito de compensação não significa que o crédito (passivo) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito, que se pretende ver compensado, existe na esfera jurídica do compensante, e preenche os demais requisitos legais; sendo exigível, não procedendo contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade – als. a) e b) do nº1 do art. 847º do Código Civil.

Ou no dizer do supra citado douto acórdão do TRL:

31 -
Em suma, exige-se o reconhecimento judicial do crédito para que a compensação possa ser invocada na execução – ou que ele seja aceite, ou não seja controvertido, ou não careça de apreciação judicial, o que tudo é o mesmo -, sem qualquer base legal para o efeito já que as normas do CPC relativas à execução claramente não o exigem, como resulta do art. 729/-h e 731. Para suprir a falta de fundamento legal, invoca-se a insegurança e morosidade que acarreta a possibilidade de dedução da compensação de créditos ainda não reconhecidos, e a necessidade de celeridade na resposta judiciária que o processo executivo impõe. Argumento que não é aceitável, pois que se a lei admite a dedução da compensação, sem restrições, não pode ser a jurisprudência a decidir o contrário com base em razões que ditariam outra opção legislativa.
E diz-se que a restrição à possibilidade de deduzir, nestes casos, a excepção da compensação não prejudica o executado, mas a verdade é que o pode prejudicar – enquanto o obriga a pagar desde logo, sem a certeza de alguma vez poder obter o pagamento do contracrédito, o que é particularmente grave nos casos de declarada insolvência.
Isto para além de tal posição abstracta contrariar o regime legal da compensação como uma espécie de garantia das obrigações, dada a transferência do risco da insolvência, como se verá mais à frente.
32 -
Alguns dos acórdãos invocam ainda a questão da pendência anterior de uma acção declarativa, configurando a questão como litispendência, mas sem razão, como se verá abaixo, pois que em relação à excepção de compensação deduzida em oposição à execução o que se verifica é a questão da prejudicialidade que poderá levar, ou não, à suspensão da oposição à execução.
33 -
Outros invocam ainda o argumento de que os créditos derivados de responsabilidade civil não são compensáveis – nalguns casos chamando-lhes créditos hipotéticos, quando o que se passa é que eles são créditos litigiosos -, o que, como se viu acima, não é correcto.
34 - Por fim, alguns acórdãos exigem ainda prova documental do contracrédito, o que de novo não tem base legal, pois, nada autoriza esta restrição: ao alegar a compensação, o executado pretende apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo (na acção declarativa de embargos de executado), nada mais lhe sendo consentido em processo executivo; não está em causa executar aí o contracrédito e não se vê, por isso, que este tenha de constar de título executivo.
35 - Não pode deixar de causar alguma estranheza a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo, atendendo a que a finalidade da invocação do contracrédito é a oposição à execução, e não a execução do contracrédito. O título executivo atribui a exequibilidade extrínseca a uma pretensão e constitui uma condição da acção executiva. O título executivo só se compreende em função da possibilidade da satisfação coactiva de uma pretensão e para permitir esta satisfação. Sendo assim, não estando em causa a satisfação coactiva do contracrédito, não é justificada a exigência de que o mesmo conste de um título executivo.
36 - Diz Miguel Teixeira de Sousa, no post de 23/06/2016, Jurisprudência (381):
Em função do (agora) disposto no art. 729-h do CPC, não se acompanha a orientação defendida no acórdão quanto à compensação como fundamento da oposição à execução. Sobre a matéria, cf. Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente e Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (2).
37 - Por fim, quanto ao argumento de que aquela jurisprudência não prejudica os executados compensantes, pois que eles podem exigir as dívidas em acções autónomas: Como já se disse não é assim, pois que esta jurisprudência impede o funcionamento da função de garantia da compensação bem como a de transferência do risco da insolvência. Ou seja, esta jurisprudência esquece estas funções da compensação. Ora, se o executado for obrigado a pagar a um insolvente, no âmbito de uma execução, ele perde totalmente o privilégio que a lei lhe dá e, por isso, o risco da insolvência passa a ser dele.
38 - Na raiz do regime está, por certo, a preocupação de evitar um circuito económico inútil. Mas, tal como modelado, dele decorre uma consequência prática de primeira água: não sendo necessária, ainda que ficticiamente, a circulação do objecto da prestação, significa isto que, na medida da compensabilidade obrigacional, o credor/devedor se encontra em posição privilegiada quanto à satisfação do seu crédito. Em lugar de ter de fazer circular o objecto da prestação (ingressando os bens no património do seu credor e estando sujeitos à agressão por credores comuns), pode aproveitar a sua própria dívida para satisfazer o seu crédito - estando os credores do seu credor sujeitos a suportá-lo. Desta forma, aquele que pode recorrer à compensação goza de uma posição particularmente favorável em sede insolvencial (art. 99 do CIRE).”
39 -
Ou como diz F. A. Cunha de Sá, obra citada, pág. 216:
“Além do seu carácter expedito, a compensação pode ainda revelar-se como uma espécie de garantia da satisfação do interesse do credor, conferindo-lhe uma posição privilegiada na hipótese de insolvência do devedor. Com efeito, o credor vê realizado o seu crédito através de uma simples renúncia, quer dizer, ele nada recebe, mas também nada paga (e por isso tal renúncia é onerosa). Ora, se o credor tivesse de pagar o débito a que, por seu turno está vinculado, viria a decorrer da insuficiência patrimonial que é característica da insolvência um pagamento pro rata do seu crédito.”
40 - É esta função de garantia (indirecta, atípica) da compensação, com as inerentes vantagens, que leva a que a compensação seja tratada também nas obras dedicadas às garantias de cumprimento das obrigações (por exemplo, de Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, 5ª edição, 2006, Almedina, págs. 253-254, e Menezes Leitão, 5ª edição, 2016, Almedina, págs. 308-3 e ainda e chamando a atenção para esta distribuição do risco da insolvência e o prejuízo que pode resultar da sua inobservância, vejase o ac. do STJ de 06/06/2017 proc. 147667/15.5YIPRT.L1.S2:
41 - Assim sendo, a posição correcta é antes a que é defendida pela seguinte jurisprudência:

“ Ac. do TRE de 20/10/2016, proc. 119/14.0TBABT-A.E1:
I. O conceito de contracrédito judicialmente exigível, a que alude o art. 847/1-a, 1.ª parte, do art. 847 do CC, basta-se com a possibilidade do crédito do executado sobre o exequente, estar vencido e não pago, facultando-lhe o recurso imediato à tutela judicial, tanto por via da instauração de acção declarativa condenatória no cumprimento do contracrédito, como de acção executiva, havendo para o efeito o suficiente título executivo.
II. Tese que se nos afigura consentânea com a redacção do art. 729/-h do CPC, que veio permitir que o contracrédito a compensar, seja provado por qualquer meio, mesmo sendo deduzido no âmbito de uma oposição à execução baseada em sentença.
III. Demonstrada a interpretação harmónica destas normas, torna-se evidente que no âmbito da oposição à execução baseada noutro título, regulada pelo art. 731 do CPC, o credor pode deduzir oposição à execução por embargos, alegando contracrédito vencido e não pago, a compensar com o crédito exequendo, que poderá provar por qualquer meio admissível em processo declarativo.
42 Ac. do TRG de 09/07/2015, proc. 335/11.7TBVNC-C.G1:
[…] da conjugação da alínea g) do apontado art. 729 com a previsão normativa ora introduzida pela alínea h) do mesmo preceito, não será obstáculo à compensação o facto de o contracrédito que o embargante invoque não se encontrar ainda reconhecido judicialmente”

AINDA SEM PRESCINDIR E POR MERA CAUTELA DE PATROCINIO,

ABUSO DE DIREITO:

43 - A actuação da Exequente/Apelada estriba-se num chocante e desequilibrado exercício das posições jurídicas, querendo valer-se os codevedores/ Massa Insolvente do seu estado de insolvência para exigirem serem ressarcidos, em via de direito de regresso, de 50% do que terão pago ao trabalhador sinistrado.
44 - Mas, recusando cumprir a sua obrigação de, também em via de direito de regresso, procederem ao pagamento da divida da mesma proporção de 50% do que sabem estar a ser pago pela co-devedora e aqui Embargada à Cª de Seguros X.
45 - Esta conduta da Massa Insolvente daqueles co-devedores tem a inelutável qualificação de uma actuação em manifesto e chocante abuso de direito.
46 - Vício este na actuação e conduta da Massa Insolvente que traduz o exercício de forma ilegítima de um direito de crédito, quando bem se sabe que existe um correspondente direito de crédito que ultrapassa, em muito mais do triplo aquele contra-crédito.
47 - Esta actuação e conduta da Massa Insolvente para com a sociedade Executada, é contrária aos princípios impostos pela boa fé negocial, e até pelo fim económico subjacente àquele crédito e contra-crédito, conforme decorre do disposto no art. 334º do Cod. Civil.
48 - A Executada/Embargante, também por este fundamento – abuso de direito -, pode opor à Exequente, aquela excepção de compensação que inibe a mesma de instaurar abusivamente a presente execução – art. 334º, 524º e 847º do Cód. Civil e arts. 729º al. h) C.P.Civil –
49 - Já que é um manifesto e até repugnante caso de abuso de direito, traduzido na conduta duplamente abusiva da Exequente/Apelada, traduzida quer na violação do “dolo agit qui petit quod statim redditurus est”, segundo o qual é contrário à boa fé exigir o que de seguida se deva restituir, quer no violento desequilíbrio no exercício da posição jurídica a que se alcandorou aquela “Massa insolvente” dos co-devedores, F. F. e mulher, na medida em que os mesmos pretendem aproveitar-se e exibem uma desproporção objectiva entre o quererem cobrar na integra o credito de que a mesma é titular sobre a executada/Apelante, ao mesmo tempo que se querem eximir ao cumprimento da obrigação de ressarcirem esta em razão dos pagamentos que na vez daqueles vem fazendo ao credor de ambos.
50 - Pelo que, salvo o devido respeito, a Sentença recorrida violou e, ou, interpretou erradamente, por um lado, o conjugadamente disposto nos arts. 607º nº 4, 608º nº 2 e 662º nº 1 do CPC, por outro lado, violou e, ou, interpretou erradamente, a aplicação conjugada do disposto nos arts. 217º, 224º, 847º, 848º a 856º do C.C. tal como, e sempre conjugadamente, o disposto nos arts 729º al. h) do CPC e ainda o art.99º do CIRE,

A recorrida apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1. Na ação declarativa que correu termos sob o n.º 75/07.1TBPVZ, em que era autora a ora exequente e era ré a ora executada, foi proferida a sentença de fls. 2 a 9 dos autos executivos, datada de 21.05.2015, cujo teor se dá por reproduzido, na qual se decidiu, além do mais:
a. “Condenar a ré…a pagar à massa insolvente dos autores…a quantia de € 15.875,47…acrescida de juros…”.
2. A qual foi confirmada em sede de recurso pelo acórdão de fls. 24 a 46 dos autos executivos, datado de 04.02.2016.
**
Insurge-se a recorrente por na sentença recorrida não se terem considerado factos que foram alegados na petição de embargos, alegando também que a mesma violou o disposto no artigo 607º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
O artigo 607º, nº 4, daquele Código, estabelece que na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência.

Exige-se, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida.

Como se refere na decisão recorrida a mesma foi proferida ao abrigo do disposto no artigo 595, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.

De acordo com o n.º 1, alínea b) do citado artigo o despacho saneador destina-se a “conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”.

Tal acontecerá quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos; quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, e quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental.


Além disso, entende-se que o conhecimento do mérito da causa, total ou parcialmente, só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não tendo em vista apenas a partilhada pelo juiz da causa.

Assim, o juiz, ao identificar o objecto do litígio e ao fixar os temas da prova (art. 596º do CPC), deve (continuar a) seleccionar para a matéria de facto (para os temas da prova), aquela que seja relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito.

Deste modo, o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito: ao despacho saneador não cabe antecipar qualquer solução jurídica e, muito menos, desconsiderar quaisquer factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção.

Como decorre dos autos o título executivo é uma sentença em que a executada foi condenada no pagamento à exequente da quantia de € 15. 875,47.

Os factos alegados na petição de embargos fundamentam e tendem a demonstrar o alegado crédito que a executada pretende que seja tido em conta operando a compensação.

Sucede que a questão de direito que se coloca é a de saber se a compensação no caso pode operar. E foi isto que foi considerado na sentença recorrida.

É certo que entre fundando-se a execução em sentença pode servir de fundamento de oposição o contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos – alínea h) do artigo 729º do Código de processo Civil.

Os requisitos da compensação estão elencados no art.º 847.º do C.Civil, segundo o qual:

“1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livra-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A iliquidez da dívida não impede a compensação”.
A compensação é uma causa de extinção das obrigações que se encontra regulamentada nos artigos 847.º a 856.º do Código Civil, e que se traduz fundamentalmente na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas, devedor na outra, e o credor desta última devedor na primeira. É, assim, um encontro de contas, que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos, para além de que se afigura equitativo não obrigar a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor, pois de outro modo correria o risco de não ver o respectivo crédito inteiramente satisfeito, caso entretanto se desse a insolvência da contraparte, cfr. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 797.


A compensação pode ser total ou parcial, cfr. art.º 847.º, n.º 2 do C.Civil, a ela não obsta a iliquidez da dívida, cfr. art.º 847.º, n.º 3 do C.Civil, não opera “ipso jure” ou, automaticamente, cfr. Menezes Cordeiro, in “Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário”, pág. 129/133, antes se tornando efectiva mediante declaração, que não pode ser feita sob condição ou a termo, de uma das partes à outra, cfr. art.º 848.º do C.Civil, e depende de ser o crédito de quem toma a iniciativa da compensação exigível judicialmente, não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade, cfr. art.º 847.º, n.º 1 do C.Civil.

No caso, outra questão se coloca que é a de saber se a compensação pode ser invocada na oposição à execução e podendo em que moldes.

Como tem sido jurisprudência dominante (Entre outros, Ac do STJ de 18.01.07, de 22.06.06, de 14.12.06, todos em www.dgsi.pt ) para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente, admitindo-se que este reconhecimento possa ocorrer em simultâneo, mas apenas na fase declarativa do litígio, contrapondo o R. o seu crédito, como forma de operar a compensação”.

Também no citado Acórdão de 18/1/17 se decidiu que “ Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (…) Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa”

“Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”, pelo que, “estando o crédito que a R. apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor (…) Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação” (Ac. do STJ de 29.03.07, n www.dgsi.pt)

Assim, considerando quanto ficou dito, tem de considerar-se que o invocado crédito compensante não preenche o requisito de ser judicialmente exigível, não podendo, pois, ser admitida a compensação visada pela opoente, por não verificação de tal requisito, cumulativamente imposto pelo artigo 847º do Código Civil para a admissibilidade de tal forma de extinção da obrigação.

Mas como se decidiu na sentença recorrida independentemente desta questão a extinção de créditos por compensação, no caso, está condicionada ao previsto no artigo 99º do CIRE.

Dispõe o artigo 99.º do CIRE que:

1 - Sem prejuízo do estabelecido noutras disposições deste Código, a partir da declaração de insolvência os titulares de créditos sobre a insolvência só podem compensá-los com dívidas à massa desde que se verifique pelo menos um dos seguintes requisitos:

a) Ser o preenchimento dos pressupostos legais da compensação anterior à data da declaração da insolvência;

b) Ter o crédito sobre a insolvência preenchido antes do contra-crédito da massa os requisitos estabelecidos no artigo 847.º do Código Civil.

2 - Para os efeitos das alíneas a) e b) do número anterior, não relevam:


a) A perda de benefício de prazo prevista no n.º 1 do artigo 780.º do Código Civil;


b) O vencimento antecipado e a conversão em dinheiro resultantes do preceituado no n.º 1 do artigo 91.º e no artigo 96.º


3 - A compensação não é prejudicada pelo facto de as obrigações terem por objecto divisas ou unidades de cálculo distintas, se for livre a sua conversão recíproca no lugar do pagamento do contra-crédito, tendo a conversão lugar à cotação em vigor nesse lugar na data em que a compensação produza os seus efeitos.
4 - A compensação não é admissível:


a) Se a dívida à massa se tiver constituído após a data da declaração de insolvência, designadamente em consequência da resolução de actos em benefício da massa insolvente;

b) Se o credor da insolvência tiver adquirido o seu crédito de outrem, após a data da declaração de insolvência;
c) Com dívidas do insolvente pelas quais a massa não seja responsável;
d) Entre dívidas à massa e créditos subordinados sobre a insolvência.


O artigo 99.º do CIRE estabelece o regime geral dos efeitos da declaração de insolvência na compensação de créditos sobre a insolvência, cfr. art.º 47.º do CIRE, com dívidas à massa insolvente, cfr. art.º 51.º do CIRE.

Assim, em geral a compensação de créditos sobre a insolvência com contra-créditos da massa insolvente só é admitida quando se verificarem os requisitos elencados nas alíneas do n.º1 do referido preceito, mas há que ter em atenção o disposto no n.º4 do mesmo artigo, casos onde está excluída a compensação.

Ora, no caso, mesmo que não se verificasse qualquer caso de exclusão da possibilidade de compensação, há que ter em atenção ao que dispõe o art.º 90.º do mesmo diploma legal, segundo o qual, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos “em conformidade com os preceitos do presente Código”. Daqui resulta que têm de os exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE.

Na realidade é esta a solução que melhor se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal que é, tal como o caracteriza o art.º 1.º do CIRE. Daí que para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos noutro processo, cfr. art.º 98.º, n.º 3 do CIRE.

Desta forma, há que concluir que o preceituado no art.º 90.º do CIRE é um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores da insolvência.

Assim, e em consonância com o preceituado no art.º 90.º do CIRE, só pode ser considerado titular de créditos sobre a insolvência, designadamente para efeitos de compensação de créditos com a massa insolvente, cfr. art.º 99.º do CIRE, quem como tal tenha sido reconhecido no processo de insolvência como credor. Neste sentido, veja-se entre outros, Acs. da Relação de Coimbra de 25.02.2014, de 12.01.2010. ambos in
www.dgsi.pt.

E por isso, que no caso dos autos era de todo irrelevante a apreciação da matéria de facto que a apelante pretende ver considerada, verificando-se, a previsão do n.º 1 do artigo 595º, alínea b) do Código de Processo Civil, uma vez que a declaração de insolvência tem efeitos sobre os créditos. Daí que durante a pendência do processo os credores apenas podem exercer os seus direitos no âmbito do processo.

Deste modo, a declaração de insolvência restringe a faculdade de os credores da insolvência compensarem os seus créditos com dívidas à massa.
E só podem compensá-los com dívidas à massa desde que se verifique um dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 99º.
Como já se referiu, conforme resulta do disposto no artigo 90º do CIRE os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com preceitos do presente código, durante a pendência do processo de insolvência.

No caso, a partir do momento em que foi declarada a insolvência para operar a compensação teria a recorrente que reclamar o seu crédito na insolvência, porque só pode ser considerado credor quem tiver sido reconhecido no respectivo processo.

Com efeito, de acordo com o n.º 1 do artigo 46º, do CIRE – a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, abrangendo, salvo disposição em contrário, todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como os bens e direitos adquiridos na pendência do processo.
Por isso, no caso, teria que ser observado o disposto nos artigos 90º e 99º do CIRE, sendo que a compensação não está excluída, desde que o crédito seja reclamado nos termos do disposto no CIRE, não devendo ser decidida a questão à margem do processo de insolvência.
**
Dispõe o artigo 334º do Código Civil, que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”

Configura-se, assim, um comportamento antijurídico que se caracteriza pelo exercício anormal do direito próprio, que não pela violação de um direito de outrem ou pela ofensa de uma norma tuteladora de um interesse alheio .

E para que o abuso de direito exista, não basta que o exercício do direito pelo seu titular, cause prejuízo a alguém – a atribuição de um direito traduz deliberadamen­te a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com aqueles confluentes – sendo neces­sário, sim, que o titular dele manifestamente exceda os limites que lhe cumpre obser­var, impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do próprio direito exercido.

Assim, na base do abuso de direito está o propósito exclusivo de criar à outra parte uma situação lesiva, através do funcionamento da lei, mas já não de uma cláusu­la contratual, a que a parte livre e voluntariamente se vinculou, não podendo esta figura ju­rídica sustentar o incumprimento de obrigações assumidas, ou a transformação em estipula­ções de conteúdo que lhe é favorável – Cunha de Sá, Abuso de Direito, páginas 249, 250 e 278.
Temos para nós que o facto de não ser admissível, no caso a compensação não constitui qualquer abuso de direito, uma vez que os credores compensantes podem sempre reclamar os seus créditos no processo de insolvência.
Em síntese, dir-se-á que o art.º 99.º do CIRE estabelece o regime geral dos efeitos da declaração de insolvência na compensação de créditos sobre a insolvência, cfr. art.º 47.º do CIRE, com dívidas à massa insolvente, cfr. art.º 51.º do CIRE.
- Em consonância com o preceituado no art.º 90.º do CIRE, só pode ser considerado titular de créditos sobre a insolvência, designadamente para efeitos de compensação de créditos com a massa insolvente, cfr. art.º 99.º do CIRE, quem como tal tenha sido reconhecido no processo de insolvência como credor.

A executada não alegou, nem provou que, oportunamente reclamou na insolvência o crédito que pretende ver agora compensado, logo, não pode ser reconhecida, para efeitos de compensação de créditos, como titular de um crédito sobre a insolvência.


III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 19 de Junho de 2019.

Conceição Cruz Bucho
Maria Luísa Ramos
António Júlio Sobrinho