Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
530/18.8T9VVD.G1
Relator: JÚLIO PINTO
Descritores: INSTRUÇÃO
INDÍCIOS SUFICIENTES
PRONÚNCIA
VIOLAÇÃO DE SEGREDO DE JUSTIÇA
REPRODUÇÃO EM NOTÍCIA DE JORNAL DE ATOS PROCESSUAIS DE INQUÉRITO EM SEGREDO DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Integra, em termos objetivos, a factualidade típica do tipo legal de crime de violação de segredo de justiça p. e p. pelo artigo 371º, nº1 do CP, o facto de na acusação se descrever o escrito de uma notícia difundida num jornal, de que o arguido é autor, na qual são divulgados factos e ocorrências verificadas no decurso de uma diligência processual, e factos concretos imputados pelo Ministério Público como indiciariamente praticados pelo aí arguido em inquérito sujeito a segredo de justiça.
II- Nessa medida, existem índicos suficientes para fundamentar a SUA pronúncia pela prática do referido crime se o arguido não coloca em causa a existência e o conteúdo da referida notícia da sua lavra.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

Nos presentes autos com o n.º 530/18...., pendentes no Juízo de Instrução Criminal ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., realizou-se instrução, por requerimento do arguido AA.
*
O arguido, na sequência de acusação pública contra si proferida, que lhe imputava, em coautoria com o arguido BB, a prática de um crime de violação de segredo de justiça, previsto e punido pelo artigo 371.º, nº 1, do Código Penal, com referência aos artigos 30.º/2 e 31.º/1 da Lei 2/99, de 13/01 – Lei da Imprensa, e ao artigo 86.º/8 do Código de Processo Penal, requereu a abertura da instrução, sob o pretexto de que a factualidade vertida na acusação particular não preenche os pressupostos objetivos do tipo legal pelo qual vem acusado, afirmando que:
“- a acusação é nula, pois os factos não permitem imputar-lhe o crime, já que era apenas Director do ..., não tendo assinado a notícia nem teve conhecimento de todos os factos de forma a poder sobre eles se posicionar antes da publicação.
- não existem índicos de que tenha tido acesso ao processo, tal como não existe quanto ao autor da notícia. estando em causa juízos de valor e não factos, acrescentando que o que lhe vem imputado integra-se no contexto do seu exercício de defesa no âmbito de um processo disciplinar que lhe foi instaurado.”
Conclui pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia.
Decorrida a fase processual da instrução, veio a ser proferida decisão instrutória, que julgou:
“Assim, tendo em conta o acima exposto, decido não pronunciar os arguidos AA e BB pela prática de um crime de violação de segredo de justiça, p e p. pelo artigo 371.º/1 do Código Penal, com referência aos artigos 30.º/2 e 31.º/1 da Lei 2/99, de 13/01 – Lei da Imprensa, e ao artigo 86.º/8 do Código de Processo Penal, como lhes imputa o MP.”
*
Inconformada com tal despacho de não pronúncia, interpôs recurso o Ministério Público, restrito à decisão proferida relativamente ao arguido BB, rematando a motivação com as conclusões, que a seguir se transcrevem.

« Conclusões:
1 - O tipo de violação do segredo de justiça visa a credibilização da Justiça e a reputação dos visados no processo sujeito a segredo.

2 - Assume natureza diferente a informação ou a notícia da prática de um crime com repercussão nacional – como foi efectivamente ocorreu- e a publicação da cópia da constituição como arguido e do termo de identidade e residência de um dos agentes desse crime.
 
3 - O interesse público, legítimo, por tal notícia não abrange ou não abarca a publicação de cópia do acto da constituição como arguido e da aplicação da medida de coacção, ou seja, com a publicação de cópia do documento que atesta a realização desse acto.

4 – O processo apesar das anteriores publicações continua sujeito a segredo de justiça e não há interesse público que possa justificar a publicação de cópia do actos do processo - constituição como arguido e o termo de identidade e residência.

5 – Deste modo, entendemos que os factos indiciados integram a prática, pelo arguido BB de um crime de violação de segredo de justiça, previsto e punido pelo artigo 371.º, nº1 do Código Penal.

6 - Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que vossas excelências doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho, na parte de que se recorre e determinado novo que pronuncie o arguido BB pela prática dos factos e do crime - descritos na acusação pública, agora em autoria material e como resulta dos factos suficientemente indiciados e elencados no ponto 3.2 da decisão instrutória, assim se fazendo JUSTIÇA.»
*
O arguido BB apresentou resposta, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, com a consequente improcedência do recurso formulado. Concluindo da seguinte forma:
(…)
CONCLUSÕES:

1. A publicação da frente do auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência é irrelevante no âmbito do segredo de justiça.
2. A notícia assinada pelo arguido limitou-se a reproduzir factos do conhecimento geral por já terem sido tornados públicos por outros meios de comunicação social.
3. Quando a notícia foi publicada, o estatuto de arguido (do ora assistente) era do domínio público, assim como as medidas de coação a que foi sujeito (termo de identidade e residência, suspensão do exercício de funções, proibição de contactos com os demais arguidos, com quaisquer militares das Forças Armadas ou da Guarda Nacional Republicana e elementos da Polícia Judiciária Militar).
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE MANTER-SE NA INTEGRA A DECISÃO INSTRUTÓRIA.»
*
O Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da posição assumida pelo Ministério Público em 1ª instância, que sufragou.
*
Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
*
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO:

Da acusação: (Transcrição)
(…)
1. À data dos factos, o arguido AA exercia as funções de Diretor do jornal “...”, propriedade da sociedade “P..., Unipessoal, Lda.”, sendo que o arguido BB trabalhava como jornalista no referido jornal.
2. Por seu turno, o Major do Exército, CC, exercia funções de Investigador-Chefe da Polícia Judiciária Militar, no Pólo da PJM do ....
3. Na altura, corria termos no DCIAP de Lisboa o Processo n.º 661/17...., relativo ao furto de armas militares, no dia 28/6/2017, e sua recuperação encenada, que teve enorme repercussão nacional e que ficou conhecido como “furto das armas do paiol de ...”.
4. No âmbito do referido processo, por despacho proferido pelo Ministério Público a 13/11/2017 e validado por despacho judicial de 15/11/2017, foi determinada a aplicação àqueles autos do segredo de justiça, o qual vigorou até 25/9/2019, data em que foi proferido despacho de encerramento do Inquérito.
5. Por força do referido segredo de justiça, nos termos do artigo 86.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, tornou-se legalmente proibido a todos os sujeitos e participantes processuais e a todas as pessoas que, por qualquer título, tivessem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes:
a) assistir à prática ou tomar conhecimento do conteúdo de ato processual a que não tivessem o direito ou dever de assistir;
b) divulgar a ocorrência de ato processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidisse a tal divulgação.
6. O segredo de justiça do referido processo era, aliás, do domínio público e de conhecimento generalizado, designadamente dos media, tanto mais que a Exma. Conselheira Procuradora-Geral da República emitira, a 4/7/2017, uma nota para a comunicação social dando conta, precisamente, que o Inquérito estava em segredo de justiça e que, a partir dessa data, a respetiva investigação seria dirigida pelo DCIAP, coadjuvado pela Polícia Judiciária.
7. No dia 25 de setembro de 2018, o Major CC foi detido e
constituído como arguido no âmbito do referido processo.
8. Os arguidos AA e BB obtiveram, em circunstâncias não apuradas, uma cópia do auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência que o Major CC prestara perante a Polícia Judiciária nessa mesma data, documento esse que bem sabiam dizer respeito ao Inquérito n.º 661/17.... que, de resto, aí se encontrava identificado.
9. E, apesar de bem saberem que tal Inquérito continuava em segredo de justiça e que não lhes era permitido divulgar peças processuais ou quaisquer elementos de prova relativos a tal processo, os arguidos decidiram publicar no jornal  “...” o tal auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência, aproveitando-se do impacto que necessariamente tal artigo iria ter nesta região, tanto mais que o Major CC vive em ..., ....
10. Animados desse propósito, os arguidos, agindo de comum acordo e em conjugação de vontades e de esforços, fizeram inserir nas páginas 4 e 5 da edição de 7 de novembro de 2018 (n.º 144) do “...” um artigo com o título «CASO ... – MAJOR DE ... ENFRENTA ACUSAÇÃO DO DCIAP», com chamada de primeira página sob a epígrafe «É DE ... UM DOS ARGUIDOS DO CASO DO ARMAMENTO DE ... – Major acusado pela Unidade de Contra-Terrorismo da PJ».
11. No referido artigo, exararam os arguidos, além do mais, o seguinte:
«CC, nascido em ..., ..., é um dos principais arguidos no caso que envolve o “desaparecimento e recuperação” do armamento militar do quartel de ..., durante o ano de 2017, sendo apontado como um dos principais estrategas de um alegado plano de simular a recuperação do armamento roubado.
nascido em ..., o atual major do Exército Português e militar da Polícia Judiciária Militar (PJM), de 47 anos, que habitualmente liderou o grupo coral daquela paróquia em ..., é apontado pelo DCIAP como um dos principais envolvidos no plano que a PJM terá desenvolvido para o “reaparecimento” das armas. Na acusação é ainda indicado que CC e outros dois militares da PJM iriam ser agraciados pelo Presidente da República, em outra encanação, para devolver a confiança da população portuguesa no Exército e na investigação da PJM.
Segundo a acusação do DCIAP, o major terá informado outro investigador da PJM, o major DD, que a PJ civil estaria a investigar as movimentações da PJM por suspeitas de que esta polícia militar iria “encenar” o reaparecimento das armas.
Segundo a mesma acusação, tanto o militar de ... como outros dois elementos da PJM terão aceite encenar toda a recuperação do armamento em conjunto com altas entidades militares e do Ministério da Defesa, e apenas foram desmascarados graças a uma investigação paralela da Polícia Judiciária civil, a mando da antiga Procuradora Geral da República.
Ao que o ... apurou junto da defesa do processo, CC terá sido avisado por um amigo, elemento da PJ civil, de que essa mesma polícia estaria já a investigar o plano da PJM.
Ao que apurámos, a denúncia anónima que levantou a investigação terá sido feita por um colega de CC, com a patente de coronel.
A acusação refere que, depois de tomar conhecimento da investigação da PJ civil, CC deslocou-se ao ... para reunir com militares da GNR que, alegadamente, também estariam envolvidos na recuperação das armas, tendo sido naquele momento captado em vídeo por agentes
descaraterizados da PJ civil.
No entanto, a PJM sabia dessa vigia e também vigiou os agentes à civil, impedindo que os mesmos, alegadamente, colocassem um georeferenciador na viatura dos militares.
Ao que o ... apurou, os agentes da PJ civil foram mesmo alvo de uma rusga por parte da PJM naquele momento, que terão surgido de G3 em riste, impedindo os agentes à paisana de cumprir o plano».
12. Tal artigo continuava com uma entrevista com o Dr. EE, que foi Mandatário do Major CC no referido processo, desde 26/9/2018 a 15/10/2018.
13. No final do artigo, na página 5 do jornal, os arguidos inseriram o termo de constituição de arguido e de identidade e residência lavrado no âmbito do referido Inquérito, de onde constava o respetivo NUIPC (“661/17....”), a data em que o documento foi emitido e assinado (“25/09/2018”), a entidade que o processou (“Polícia Judiciária – Unidade Nacional Contra-Terrorismo”), o nome do aí arguido (“CC”), a respetiva naturalidade  (“...”), a sua nacionalidade (“portuguesa”), a data de nascimento  (“.../.../1971”), a sua profissão (“militar da Polícia Judiciária Militar”) e a sua morada (“Rua ...”), tendo sido truncados os elementos relativos ao n.º de porta, contacto telefónico e número do documento de identificação e data de validade.
14. O artigo em questão é da autoria e foi assinado pelo arguido BB, tendo sido publicado com o consentimento do arguido AA, na qualidade de Diretor do jornal, que dele tomou conhecimento prévio.
15. Na data da publicação do referido artigo no jornal “...”, o despacho de acusação ainda não tinha sido proferido pelo Ministério Público, o que só veio a verificar-se a 25/9/2019.
16. Assim, as referências “à acusação do DCIAP” constantes do artigo em apreço são reportadas ao auto de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, que teve lugar nos dias 27 e 28 de setembro de 2018, no qual constam elencados os factos imputados aos arguidos, conforme decorre da certidão constante do anexo II.
17. Ambos os arguidos sabiam que o Inquérito em questão estava sujeito ao segredo de justiça e que não lhes era permitido publicar o referido artigo e inserir no mesmo o termo de constituição de arguido e de identidade e residência por se tratar de um ato processual coberto pelo referido segredo.
18. Não obstante, decidiram conjuntamente inserir tal documento no artigo, com o intuito de lhe conferir uma credibilidade reforçada junto dos leitores.
19. Bem sabiam os arguidos que, ao atuar dessa forma estavam a colocar em causa quer os interesses processuais da investigação, quer a preservação da presunção de inocência do aí arguido CC, interesses esses tutelados pelo segredo de justiça e que funcionam como limite legítimo ao direito de informar.
20. Os arguidos agiram sempre de comum acordo e em conjugação de intenções.
21. Atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Dessa forma, incorreram os arguidos, em coautoria material e com dolo direto, na prática de um crime de violação do segredo de justiça, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 371.º, n.º 1, do Código Penal, 30.º, n.º 2, e 31.º, n.º 1, da Lei n.º 2/99, de 13/1, com referência ao artigo 86.º, n.º 8, do Código de Processo Penal.
 (…)
*
Por sua vez, a decisão instrutória recorrida é do seguinte teor: (Transcrição)

“(…)
«3. Fundamentação.
3.1.        As finalidades da instrução.
Como se sabe, nos termos do disposto no artigo 286.º/1 do Código de Processo Penal, com a fase processual penal (facultativa) de instrução visa-se a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, não estando, consequentemente, em causa a realização de um novo inquérito, mas a comprovação, por parte do juiz de instrução, da decisão proferida pelo Ministério Público, de acusação ou de arquivamento, sem prejuízo de o juiz instruir autonomamente os factos em apreço – sempre em função das finalidades da instrução - e não se limitar ao material probatório carreado para os autos.
Nos termos do artigo 308.º/1 do Código de Processo Penal se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia.
Estabelece o artigo 283.º/2 do Código de Processo Penal que a suficiência de indícios se encontra dependente de deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
Assim, como vem referindo a jurisprudência (v.g. acórdão do TRP de 23/11/2011, proc. 18/09.8TATMC.P1, dgsi.pt), em primeiro lugar impõe-se um juízo de indiciação da prática de um crime, ou seja, importa indagar se os elementos probatórios produzidos, quer na fase de inquérito, quer na de instrução, conduzam ou não à verificação de uma conduta criminalmente tipificada.

Caso se opere essa adequação, proceder-se-á, em segundo lugar, a um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido, de modo que os meios de prova legalmente admissíveis e que foram produzidos, ao conjugarem-se entre si, conduzam à imputação do(s) facto(s) criminoso(s) ao(s) arguido(s).
A finalizar, cabe efectuar um juízo de prognose condenatório, pelo qual se possa concluir a razoável possibilidade de o arguido vir a ser condenado por esses factos, estabelecendo-se um juízo indiciador semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento.
*
Fixadas as directrizes que, de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, a presente decisão abordará desde logo a questão de saber se os factos são típicos – e sendo se (in)existe prova indiciária que preencha o tipo de crime de violação de segredo de justiça e da respectiva imputação às arguidas.

3.2. Factos suficientemente indiciados.
1. À data dos factos, o arguido AA exercia as funções de Diretor do jornal “...”, propriedade da sociedade “P..., Unipessoal, Lda.”, sendo que o arguido BB trabalhava como jornalista no referido jornal.
2. Por seu turno, o Major do Exército, CC, exercia funções de Investigador-Chefe da Polícia Judiciária Militar, no Pólo da PJM do ....
3. Na altura, corria termos no DCIAP de Lisboa o Processo n.º 661/17...., relativo ao furto de armas militares, no dia 28/6/2017, e sua recuperação encenada, que teve enorme repercussão nacional e que ficou conhecido como “furto das armas do paiol de ...”.
 4. No âmbito do referido processo, por despacho proferido pelo Ministério Público a 13/11/2017 e validado por despacho judicial de 15/11/2017, foi determinada a aplicação àqueles autos do segredo de justiça, o qual vigorou até 25/9/2019, data em que foi proferido despacho de encerramento do Inquérito.
5. O segredo de justiça do referido processo era, aliás, do domínio público e de conhecimento generalizado, designadamente dos media, tanto mais que a Exma. Conselheira Procuradora-Geral da República emitira, a 4/7/2017, uma nota para a comunicação social dando conta, precisamente, que o Inquérito estava em segredo de justiça e que, a partir dessa data, a respetiva investigação seria dirigida pelo DCIAP, coadjuvado pela Polícia Judiciária.
6. No dia 25 de setembro de 2018, o Major CC foi detido e constituído como arguido no âmbito do referido processo.
7. O arguido BB obteve, em circunstâncias não apuradas, uma cópia do auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência que o Major CC prestara perante a Polícia Judiciária nessa mesma data, documento esse que bem sabia dizer respeito ao Inquérito n.º 661/17.... que, de resto, aí se encontrava identificado.
8. E, apesar de bem saber que tal Inquérito continuava em segredo de justiça e que não lhe era permitido divulgar peças processuais ou quaisquer elementos de prova relativos a tal processo, o arguido BB decidiu publicar no jornal “...” o tal auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência.
9. Animado desse propósito, o arguido BB fez inserir nas páginas 4 e 5 da edição de 7 de novembro de 2018 (n.º 144) do “...” um artigo com o título «CASO ... – MAJOR DE ... ENFRENTA ACUSAÇÃO DO DCIAP», com chamada de primeira página sob a epígrafe «É DE ... UM DOS ARGUIDOS DO CASO DO ARMAMENTO DE ... – Major acusado pela Unidade de ContraTerrorismo da PJ».
10. No referido artigo, exarou o arguido BB, além do mais, o seguinte:
«CC, nascido em ..., ..., é um dos principais arguidos no caso que envolve o “desaparecimento e recuperação” do armamento militar do quartel de ..., durante o ano de 2017, sendo apontado como um dos principais estrategas de um alegado plano de simular a recuperação do armamento roubado.
nascido em ..., o atual major do Exército Português e militar da Polícia Judiciária Militar (PJM), de 47 anos, que habitualmente liderou o grupo coral daquela paróquia em ..., é apontado pelo DCIAP como um dos principais envolvidos no plano que a PJM terá desenvolvido para o “reaparecimento” das armas. Na acusação é ainda indicado que CC e outros dois militares da PJM iriam ser agraciados pelo Presidente da República, em outra encanação, para devolver a confiança da população portuguesa no Exército e na investigação da PJM.
Segundo a acusação do DCIAP, o major terá informado outro investigador da PJM, o major DD, que a PJ civil estaria a investigar as movimentações da PJM por suspeitas de que esta polícia militar iria “encenar” o reaparecimento das armas.
Segundo a mesma acusação, tanto o militar de ... como outros dois elementos da PJM terão aceite encenar toda a recuperação do armamento em conjunto com altas entidades militares e do Ministério da Defesa, e apenas foram desmascarados graças a uma investigação paralela da Polícia Judiciária civil, a mando da antiga Procuradora Geral da República.
Ao que o ... apurou junto da defesa do processo, CC terá sido avisado por um amigo, elemento da PJ civil, de que essa mesma polícia estaria já a investigar o plano da PJM. Ao que apurámos, a denúncia anónima que levantou a investigação terá sido feita por um colega de CC, com a patente de coronel.
A acusação refere que, depois de tomar conhecimento da investigação da PJ civil, CC deslocou-se ao ... para reunir com militares da GNR que, alegadamente, também estariam envolvidos na recuperação das armas, tendo sido naquele momento captado em vídeo por agentes descaraterizados da PJ civil.
No entanto, a PJM sabia dessa vigia e também vigiou os agentes à civil, impedindo que os mesmos, alegadamente, colocassem um georeferenciador na viatura dos militares. Ao que o ... apurou, os agentes da PJ civil foram mesmo alvo de uma rusga por parte da PJM naquele momento, que terão surgido de G3 em riste, impedindo os agentes à paisana de cumprir o plano».
11. Tal artigo continuava com uma entrevista com o Dr. EE, que foi Defensor constituído do Major CC no referido processo, desde 26/9/2018 a 15/10/2018.
12. No final do artigo, na página 5 do jornal, o arguido BB inseriu o termo de constituição de arguido e de identidade e residência lavrado no âmbito do referido Inquérito, de onde constava o respetivo NUIPC (“661/17....”), a data em que o documento foi emitido e assinado (“25/09/2018”), a entidade que o processou (“Polícia Judiciária – Unidade Nacional Contra-Terrorismo”), o nome do aí arguido (“CC”), a respetiva naturalidade (“...”), a sua nacionalidade (“portuguesa”), a data de nascimento (“.../.../1971”), a sua profissão (“militar da Polícia Judiciária Militar”) e a sua morada (“Rua ...”), tendo sido truncados os elementos relativos à filiação, ao n.º de porta, contacto telefónico e número do documento de identificação e data de validade.
13. O artigo em questão é da autoria e foi assinado pelo arguido BB.
14. Na data da publicação do referido artigo no jornal “...”, o despacho de acusação ainda não tinha sido proferido pelo Ministério Público, o que só veio a verificar-se a 25/09/2019.
15. Assim, as referências “à acusação do DCIAP” constantes do artigo em apreço são reportadas ao auto de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, que teve lugar nos dias 27 e 28 de setembro de 2018, no qual constam elencados os factos imputados aos arguidos, conforme decorre da certidão constante do anexo II.
16. Ambos os arguidos sabiam que o Inquérito em questão estava sujeito ao segredo de justiça.
17. Não obstante, decidiu o arguido BB inserir tal documento no artigo.
18. O arguido BB atuou de forma livre, voluntária e consciente.

3.3. Factos não suficientemente indiciados.
19. O arguido AA obteve, em circunstâncias não apuradas, uma cópia do auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência que o Major CC prestara perante a Polícia Judiciária nessa mesma data, documento esse que bem sabia dizer respeito ao Inquérito n.º 661/17.....
20. O arguido AA, apesar de bem saber que tal Inquérito continuava em segredo de justiça e que não lhe era permitido divulgar peças processuais ou quaisquer elementos de prova relativos a tal processo, decidiu conjuntamente com o arguido BB publicar no jornal “...” o tal auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência, aproveitando-se do impacto que necessariamente tal artigo iria ter nesta região, tanto mais que o Major CC vive em ..., ....
 
21. O arguido BB publicou a notícia aproveitando-se do impacto que necessariamente tal artigo iria ter nesta região, tanto mais que o Major CC vive em ..., ....
22. O arguido AA animado desse propósito, agindo de comum acordo e em conjugação de vontades e de esforços com o arguido BB, fez inserir nas páginas 4 e 5 da edição de 7 de novembro de 2018 (n.º 144) do “...” um artigo com o título «CASO ... – MAJOR DE ... ENFRENTA ACUSAÇÃO DO DCIAP», com chamada de primeira página sob a epígrafe «É DE ... UM DOS ARGUIDOS DO CASO DO ARMAMENTO DE ... – Major acusado pela Unidade de Contra Terrorismo da PJ».
23. No final do artigo, na página 5 do jornal, o arguido AA inseriu o termo de constituição de arguido e de identidade e residência lavrado no âmbito do referido Inquérito.
24. O artigo em questão foi publicado com o consentimento do arguido AA, na qualidade de Diretor do jornal, que dele tomou conhecimento prévio.
25. Ambos os arguidos sabiam que não lhes era permitido publicar o referido artigo e inserir no mesmo o termo de constituição de arguido e de identidade e residência por se tratar de um ato processual coberto pelo referido segredo.
26. Bem sabia o arguido BB que ao atuar dessa forma estava a colocar em causa quer os interesses processuais da investigação, quer a preservação da presunção de inocência do aí arguido CC.
27. O arguido BB agiu sempre de comum acordo e em conjugação de intenções com o arguido AA.
28. O arguido BB sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

3.4. Motivação.
A qualidade dos arguidos é incontroversa, estando adquirido para os autos que o arguido requerente exercia à data dos factos as funções de Diretor do jornal “...”, propriedade da sociedade “P..., Unipessoal, Lda.”, enquanto o arguido BB trabalhava como jornalista no referido jornal (factos sob o ponto 1).
Os factos sob os pontos 2 a 6 estão igualmente suficientemente indiciados, concretamente no que se refere ao segredo de justiça aplicado no processo 661/17..... Aliás a repercussão pública dos factos constantes desse processo (em segredo de justiça) foi enorme, tal como foi a existência do processo em si, tudo a merecer forte acompanhamento mediático.
É um facto notório.
E já o era, com referência à data da publicação da notícia, há mais de um ano. O comunicado da PGR é de 04/07/2017 e a notícia é de 07/11/2018.
O facto referido em 7 está suficientemente indiciado nos autos. Desde logo através do confronto do auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência junto a fls. 27 em conformidade com a frente do mesmo publicada no jornal (fls. 8).
Os factos referidos em 8 a 15 estão também suficientemente indiciados, em face do conhecimento do segredo de justiça aplicado ao inquérito, do conhecimento do impedimento de divulgação em violação do segredo de justiça e do conteúdo da notícia publicada.
Importa ainda dizer que naturalmente o arguido AA sabia que o inquérito em questão estava sujeito ao segredo de justiça. Mas uma coisa é saber outra é ter actuado nos termos afirmados pelo MP (facto 16).
O autor da notícia, tal como é publicado, é o arguido BB (jornalista), sendo ele que a assina, tendo actuado de forma livre, voluntária e consciente (factos 17 e 18).
Quanto ao facto referido em 19, em parte alguma dos autos resulta que o arguido AA tenha obtido o referido auto de constituição de arguido e termo de identidade. Na verdade, o único elemento que permite afirmar a saída do referido documento do processo é o facto de o mesmo ter sido publicado no jornal ...
Claro que não chegou ao “jornal” por artes mágicas. Na verdade, tal documento foi entregue ao ora assistente (então arguido) no dia 25/09/2018 (data da constituição de arguido). É o que impõe o artigo 58.º/4 do CPP: a constituição de arguido implica a entrega, sempre que possível no próprio acto, de documento que constem a identificação do processo e do defensor, se este tiver sido nomeado, e os direitos processuais referidos no artigo 61.º.
Se o então seu defensor (Dr. EE) posteriormente ficou ou não com o referido documento é questão que não importa desenvolver. De qualquer forma, pese embora a posição de cada um nos presentes autos sobre este assunto, uma coisa se afigura mais ou menos evidente um deles entregou-o. No caso já não importa saber quem foi nem afirmar quem nas circunstâncias concretas o poderia ter feito (lembre-se que a notícia é publicada em 07/11/2018 e nela é referido o referido causídico). Apenas importa referir que ao mesmo acedeu o jornalista (o arguido BB) já que o publicou no dia 07/11/2018 conjuntamente com a notícia
Acontece que o arguido requerente – como refere a acusação – era o director. A notícia, onde se incorpora (dela fazendo parte) o referido auto de constituição de arguido e termo de identidade é da autoria do arguido (jornalista) BB, como se disse.
Não há qualquer elemento nos autos que sustente ter o arguido AA acedido – por qualquer forma – ao referido documento. Aliás, segundo consta da notícia a fonte de informação do jornalista que escreveu a notícia terá sido a defesa. Como se diz na notícia “Ao que o ... apurou junto da defesa do processo…”.
E da acusação (ponto 12 da acusação) e da notícia consta a referência ao Advogado Dr. EE (ignorando-se se este foi sancionado disciplinarmente por decisão transitada em julgado - fls. 208/221).
E também em parte alguma dos autos (factos 20 a 23) resulta que o arguido AA tenha decidido, conjuntamente com o arguido BB, publicar e inserir no jornal “...” o tal auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência.
Com todo o respeito não se apreende a fonte de sustentação considerada pelo MP. Só se compreende a narrativa do MP num quadro indiferenciado de tratamento do grau de participação no facto, não procurando descrever factualmente o grau de participação de cada arguido na base de uma sustentação indiciária probatória adquirida. Tem assim razão o arguido requerente quando se insurge contra esta forma de narração.
Pois o que fica é apenas a publicação e o autor identificado dela: o arguido BB.
Quanto à factualidade referida em 24 não se colhe nos autos que o arguido AA tenha tomado conhecimento prévio do teor da notícia e da publicação da frente do referido auto de constituição de arguido e termo de identidade e tenha dado o consentimento à publicação ou pelo menos não se tenha oposto. Os arguidos não prestaram declarações. E não se pode presumir esse conhecimento prévio e o consequente assentimento ou não oposição. Aliás, se lermos a acusação o que se apreende é que o MP avançou na linha da comparticipação (co-autoria – tanto assim que a afirma a final), ou seja que ambos os arguidos tomaram conhecimento do referido documento do processo e que, por acordo, resolveram publicá-lo (Director e Jornalista). Ou seja, o MP não situa o plano de actuação do arguido AA em violação das funções de Director, ou seja, que teve oportunidade de se opor à divulgação/publicação e não o fez. Antes afirma que ele próprio actuou em acordo com o arguido jornalista. Acontece que não há nos autos elementos probatórios que sustentem uma actuação por parte do arguido AA seja no âmbito da autoria, seja no âmbito da co-autoria.
Quanto à factualidade referida em 25 a 28 – não suficientemente indiciada – naturalmente que ambos os arguidos, pessoas esclarecidas na função, sabem o que podem ou não publicar, com referência a um processo que esteja em segredo de justiça. Mas o que importa, como infra se verá, é que no caso concreto o segredo de justiça não obstava à publicação do referido documento (acto como foi publicado) ou da notícia (conteúdo).

3.5. O crime imputado: VIOLAÇÃO DE SEGREDO DE JUSTIÇA
Como se sabe o segredo de justiça beneficia de protecção constitucional nos termos do artigo 20.º/3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo que o artigo 37.º/1 da CRP garante que todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem descriminações.
Embora tendo presente que o direito à informação, constitucionalmente garantido, não se encontra na titularidade dos órgãos ou membros da comunicação social, pois corresponde a um direito de todos os cidadãos, o de informarem, se informarem e serem informados, mas que por vicissitudes várias dos tempos de hoje se mostram instrumentalmente concentrados na figura do jornalista (O segredo do inquérito penal – uma leitura jurídico-constitucional”, separata, Direito e Justiça, vol. XIV, T.2, 2000, Lisboa, p. 70) que pode ser visto enquanto procurador do público em geral (quando e apenas no exercício de uma profissão).
Por isso também o artigo 38.º/1-b) da CRP consagra o direito dos jornalistas ao acesso às fontes de informação – mas nos termos da lei.

Dispõe o artigo 371.º do Código Penal (CP) que:
1 Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de processo.
(…)

E dispõe o artigo 86.º do Código de Processo Penal (CPP) que:
(…)
8. O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de:
a) Assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir;
b) Divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação.
(….)
 
Dispondo o artigo 30.º da Lei 2/99, de 13/01 (Lei da Imprensa) que:
(…)
2 - Sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respectiva norma incriminatória, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
Do que decorre que os jornalistas se mostram subjectivamente abrangidos pelo âmbito da norma penal incriminatória (já antes, mas categoricamente desde 2007).
E se antes de 2007 já se entendia que “contacto com o processo” não podia ser lido e limitado a uma dimensão meramente física do processo, pois este devia ser visto “enquanto realidade dinâmica, enquanto realidade unitária e estruturada, enquanto conjunto ordenado de actos funcionalmente orientados à prossecução de uma finalidade comum”, após a reforma o inciso “independentemente de ter tomado contacto com o processo” não deixa qualquer dúvida que o “quem” (crime comum) se refere a qualquer agente, pelo que este comete o crime mesmo que não aceda ao processo que se encontre em segredo de justiça, bastando que tenha tomado conhecimento de elementos a ele pertencentes.
Hoje, face ao texto da lei, já não faz qualquer sentido a leitura restritiva que se fazia antes da reforma de 2007 de forma a garantir a concordância prática entre a tutela do segredo de justiça e a liberdade de informação e de ser informado constante do n.º 1 do artigo 37.º da CRP.
Mais a mais quanto a violação de segredo ocorre numa fase inicial do processo, a impor que a liberdade de informação e de ser informado tenha de ceder, pois não há ainda seguramente que estabelecer qualquer concordância prática entre direitos (protecção da eficácia da investigação e o direito à informação).
Não havendo, nas situações iniciais de investigação, qualquer interesse público que legitime a divulgação de informações sujeitas ao segredo de justiça.
Tanto assim que o simples direito a informar, por si só, não justifica a publicação de informações abrangidas pelo segredo de justiça.
Tenha-se presente que o Estatuto dos Jornalistas (artigo. 8.º/3 da Lei n.º 1/99 de 1 de Janeiro) dispõe que “o direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça”.
Sabendo-se ainda que o artigo 10.º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) dispõe:
(…)
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
Tendo o TEDH, em matéria de segredo de justiça, proferido já vários acórdãos, podendo destacar-se os acórdãos no Caso do Sunday Times v. United Kingdoom, processo n.º 6538/74; no Caso Weber v. Switzerland, processo n.º 11034/84; e o Caso Craxi v. Italy, processo n.º 25337/94 – cfr. Inês Ferreira Leite, Segredo ou Publicidade: A Tentação de Kafka na Investigação Criminal Portuguesa – nos quais faz ressaltar a necessidade de observâncias de alguns princípios orientadores:
a) A liberdade de expressão é um dos pilares do Estado de Direito Democrático, essencial para a realização pessoal dos seus cidadãos e como garante da própria democracia;
b) Podem ser impostas por lei restrições à liberdade de expressão, desde que as mesmas visem um objectivo legítimo numa sociedade democrática. Em matéria de segredo de justiça estão em causa a necessidade de manutenção da autoridade e da imparcialidade dos tribunais e a protecção do direito ao nome e à reputação de terceiros;
c) A avaliação da legitimidade dos fins é feita, essencialmente, tendo em consideração o escopo da lei, mas podem ser ponderadas as circunstâncias concretas que rodearam a aplicação das restrições, em casos excepcionais;
d) Para que tais restrições sejam compatíveis com a CEDH estas têm que corresponder a uma “pressing social need” (i. e., a uma necessidade de imperioso interesse público), devem limitar-se ao estritamente necessário para garantir o fim visado e ser proporcionais aos interesses em jogo;
e) A proporcionalidade afere-se tendo em consideração os seguintes critérios: avaliação do interesse público (a informação divulgada deverá satisfazer necessidades ou preocupações sociais legítimas), intensidade do interesse público em causa (nível de conflituosidade ou polémica social e espaço de cobertura dada nos media ao assunto), âmbito da confidencialidade das informações divulgadas (o Tribunal tem entendido diversamente consoante as informações divulgadas eram já do conhecimento público ou não, e em que medida); intensidade do alcance da divulgação das informações (análise do meio de comunicação social utilizado e do público alvo) e, por fim, carácter prejudicial das informações divulgadas (orientação da divulgação e forma de apresentação das informações, tipo de informações divulgadas e aptidão destas na lesão da reputação de terceiros ou na descredibilização da autoridade judiciária ou do processo em causa).
Ou, com referência a Portugal, v.g., os acórdãos “Campos Dâmaso contra Portugal”, acórdão de 24/04/2008; “Laranjeira Marques da Silva contra Portugal”, acórdão de 19/01/2010” e “Pinto Coelho contra Portugal”, acórdão 28/06/2011.
No caso, como já se disse, se olharmos para a decisão do MP que consagrou o segredo de justiça (fls. 26), vemos que apenas estiveram em causa os fins relacionados com a boa administração da justiça, no caso os “interesses da investigação” que se apresenta como interesse público.
E assim, como afirma a referida autora (Inês Ferreira Leite), a prevalência do direito a informar em prol do interesse público, quando estejam em causa os interesses investigatórios, será excepcional, uma vez que é o próprio interesse público quem dita a importância da reserva da investigação.
Sendo imposto o segredo de justiça, necessariamente mediante validação judicial, foi já feito um primeiro juízo de concordância prática entre o interesse público e os interesses da investigação por parte do MP e do JIC. E é este juízo, em concreto, que legítima a posterior censura penal dos jornalistas que venham a divulgar informações relevantes cobertas pelo segredo, só excepcionalmente se admitindo que uma segunda ponderação do interesse público possa a ser tomada em conta no julgamento penal.
Como refere a autora “apenas se deverá considerar abrangida pela incriminação a divulgação do «teor de acto processual», ou seja, a leitura de partes de actos processual, a descrição fáctica ou a publicitação do acto, quando o teor do mesmo se esgote na sua própria materialidade, e já não meras referências à normal tramitação do processo, à situação processual do arguido que se revele notória, à ocorrência de diligências, sem que estas sejam descritas ou identificadas nominalmente os intervenientes nas mesmas, ou mesmo à mera narrativa histórica que originou o processo e que, por natureza, seja do conhecimento público”.
Sendo que a expressão “ilegitimamente” não se relaciona com a fonte de obtenção do conhecimento – a qual poderá ser perfeitamente legítima – antes se refere ao próprio acto de dar conhecimento.
Aliás, “a divulgação de factos, informações e documentos relativos a processos em curso em relação aos quais se impõe o segredo de justiça, será sempre ilegítima quando não se contenha dentro dos limites do interesse público, mesmo que a forma como o jornalista tomou conhecimento de tais factos seja autónoma ao processo penal e o resultado de uma sua investigação paralela”.
“Apenas duas correcções deverão ser feitas ao sistema acima delineado, a primeira no sentido de reforçar o direito a informar, excepcionando-se do segredo a mera divulgação de actos processuais, diligências, factos notórios ou que já sejam do conhecimento público, ou cuja natureza seja incompatível com a manutenção do segredo; e a segunda, para esclarecer que o direito a informar nunca deverá prevalecer quando atinja o núcleo fundamental do direito à reserva da vida privada”.
Se é certo que o TEDH reconhece legitimidade aos Estados para imporem limites à liberdade de imprensa visando a defesa da imparcialidade e credibilidade das autoridades judiciais, o certo é que não reconhece um direito a que os assuntos discutidos no tribunal sejam, durante a pendência dos processos ou de certas fases judiciais, silenciados na opinião pública.
Tanto mais que para que as restrições sejam compatíveis com a CEDH as mesmas têm que corresponder à tal “pressing social need” (i. e., a uma necessidade de imperioso interesse público), devendo assim limitar-se ao estritamente necessário para garantir o fim visado e ser proporcionais aos interesses em jogo.
“O que nos leva à problemática, que não passa pela vinculação ao dever de segredo, relativa aos limites da incriminação na perspectiva do acto de divulgação. Isto é, na divulgação de informações abrangidas pelo segredo no âmbito dos fenómenos de “arrastão noticioso”, quando, após uma divulgação inicial por um meio de comunicação social, os restantes se limitam a fazer referência à notícia original ou a comentários posteriores à referida notícia. Este problema não se resolve pelo artigo 86.º do CPP, mas sim mediante interpretação do próprio artigo 371.º do CP. A incriminação abrange apenas e só as condutas daqueles que “deem conhecimento de teor de acto de processo penal. Ora, nestes casos, os jornalistas em questão estão apenas a divulgar actos que i) dizem respeito a notícias publicadas e não a actos processuais; e ii) já são do conhecimento público, ficando excluída a responsabilidade penal, desde que a peça noticiosa se limite a transcrever ou repetir os factos já divulgados”.

Com estes considerandos, já algo longos, e em face da factualidade, logo ao nível da sua narração acusatória, temos que nenhum dos arguidos, mesmo o arguido BB, divulgou um acto processual.
A publicação da frente auto de constituição de arguido e termo de identidade é claramente inócua no âmbito do segredo de justiça, mais a mais no tempo da publicação.
Tal como é o conteúdo da notícia assinada pelo arguido BB.
Trata-se de notícia cujo conteúdo se situa no âmbito do conhecimento e domínio públicos. A enorme apetência mediática do referido processo tudo revelou diariamente e em directo, com comentários e contra comentários de anónimo e menos anónimos. Ora, quando a notícia foi publicada (em 07/11/2018) já o então arguido CC havida sido submetido a primeiro interrogatório judicial para aplicação de medidas de coacção.
E ninguém é sujeito a medidas de coacção se não for arguido constituído.
Na verdade (Anexo II) o interrogatório judicial (sendo nele a defesa do então arguido, ora assistente, assegurada pelo Senhor Dr. EE) ocorreu em 27/09/2018.
E como se diz na notícia “O ... falou com EE, advogado de ..., com ligações à freguesia ..., já no final de outubro, mas apenas agora foi autorizado a publicar as declarações do advogado que defende o major de ...”.
As declarações do Advogado não estão abrangidas pelo segredo de justiça.
Como se disse, entre a constituição de arguido e o interrogatório e a data da notícia (quase mês e meio) foi todo um mundo noticioso que se desenvolveu.
Como também já se disse, apenas se deverá considerar abrangida pela incriminação a divulgação do «teor de acto processual», ou seja, a leitura de partes de actos processual, a descrição fáctica ou a publicitação do acto, quando o teor do mesmo se esgote na sua própria materialidade.
Ora, a parte publicada do documento de constituição de arguido e termo de identidade e residência é absolutamente atípica, pois dele apenas consta o nome do arguido, data de nascimento, sexo, profissão e morada (incompleta), com preocupação de ocultação de outros elementos (que aliás não têm qualquer interesse para o segredo de justiça).
Sendo que ao tempo da publicação da notícia o estatuto de arguido (do ora assistente) era amplamente do domínio público, tal como eram do domínio público as medidas de coacção a que fora sujeito (termo de identidade e residência, suspensão do exercício de funções, proibição de contactos com os co-arguidos e com quaisquer militares das Forças Armadas ou da Guarda Nacional Republicana ou ainda quaisquer elementos da Polícia Judiciária Militar).
Quanto à narrativa da notícia escrita também não se vê que tenha sido dado conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontrasse coberto por segredo de justiça e que já não fosse do domínio público ao tempo da publicação.
Lembre-se que o arguido (ora assistente) foi afirmado como fortemente indiciado da prática de crimes de denegação de justiça e prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e associação criminosa e ainda detenção de arma proibida.
Tipologia de crimes, agentes e medidas de coacção que (em 28/09/2018) foram conhecidas do público em geral.
 
Do que se conclui que da notícia, nada se colhe que ao tempo já não fosse do domínio público.

4. Decisão:
4.1. De não pronúncia.
Assim, tendo em conta o acima exposto, decido não pronunciar os arguidos AA e BB pela prática de um crime de violação de segredo de justiça, p e p. pelo artigo 371.º/1 do Código Penal, com referência aos artigos 30.º/2 e 31.º/1 da Lei 2/99, de 13/01 – Lei da Imprensa, e ao artigo 86.º/8 do Código de Processo Penal, como lhes imputa o MP.

Sem custas. Notifique.»
***
Apreciação do recurso

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são as seguintes:

a) Saber se da prova produzida, quer em sede de inquérito, quer na fase de instrução, resultam indícios suficientes da prática pelo arguido do tipo legal de crime de violação de segredo de justiça, previsto e punido pelo artigo 371.º do Código Penal, que lhe é imputado na acusação.

Vejamos

O Artigo 283.º do CPP, prevê:
“Acusação pelo Ministério Público
1 - Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele.
2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) ……..;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
(…)”
In casu o recorrente insurge-se contra a decisão de não pronúncia proferida pelo Mmº. Juiz de Instrução.
Entende o recorrente que, contrariamente ao prolatado na decisão impugnada, a acusação proferida, e a factualidade nela inserta, e a indiciada na decisão instrutória, contém todos os factos necessários para submeter o arguido BB (a este se limita o recurso) a julgamento pela prática de um crime de violação de segredo  de justiça. Manifestando o entendimento que os dizeres aí vertidos preenchem, objetiva e subjetivamente, os elementos típicos enformadores da prática desse ilícito penal.
Pugnando que seja proferida decisão que revogue o despacho de não pronúncia ora em escrutínio, com a consequente pronúncia do arguid BB  como autor do crime ínsito na acusação particular, uma vez que existem indícios suficientes do cometimento por aquela dos factos aí descritos, de molde a basear despacho de pronúncia pela prática de um crime de violação de segredo de justiça, previsto e punido pelo artigo 371.º do Código Penal.
De harmonia com o disposto no artigo 286.° do Código de Processo Penal a instrução visa a comprovação judicial da existência ou inexistência de indícios em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Assim, se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia, nos termos do artigo 308.º do Código de Processo Penal.
Naturalmente que se pressupõe verificados os pressupostos processuais necessários, exigidos por lei, para que o processo possa seguir os posteriores termos.
Comentando aquele preceito, o art. 286º aludido, diz Eduardo Maia Costa no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, págs. 957/8: “A instrução constitui uma fase processual autónoma, de carácter facultativo, que visa exclusivamente a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar tomada no final do inquérito.

A instrução visa, pois, a comprovação das seguintes decisões:

a) da acusação do Ministério Público, a requerimento do arguido;
b) da acusação do assistente, em procedimento por crime particular, a requerimento do arguido;
c) do despacho de arquivamento do Ministério Público, nos procedimentos por crime público ou semipúblico, a requerimento do assistente.

A comprovação consiste no controlo jurisdicional sobre qualquer dessas decisões por parte de um juiz diverso do juiz de julgamento.
Segundo Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 4.ª edição atualizada, abril de 2011, pág. 777, “A instrução consiste na fase de discussão da decisão de arquivamento ou de acusação tomada pelo MP no final do inquérito. Mas o âmbito desta discussão é limitado pela lei, ou melhor, pelo objetivo que a lei estabelece para aquela discussão. Nela pretende-se apurar a existência de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança (artigo 308.º, n.º 1). Portanto, a instrução visa discutir a decisão de arquivamento apenas no que respeita ao juízo do MP de inexistência de indícios suficientes e discutir a decisão de acusação apenas no que respeita ao juízo do MP de existência de indícios suficientes.
Por sua vez, o requerimento de abertura de instrução procurará infirmar a acusação, substanciando uma contestação àquela, devendo contribuir para a determinação do objeto da instrução, delimitando e definindo o âmbito e os limites da investigação a cargo do juiz de instrução, bem como a final da decisão instrutória de pronúncia ou de não pronúncia; o texto do requerimento constitui o horizonte e o limite da correção possível.
A este propósito, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, a págs. 130/131, afirma: «formulada a acusação pelo MP (art. 283.º) ou pelo assistente quando o procedimento depender de acusação particular (art. 285.º), o arguido pode (…) requerer a abertura da fase da instrução, fundamentando o requerimento com as razões de facto e de direito que, na sua perspectiva, deverão conduzir à rejeição total ou parcial da acusação (…)».
Acrescenta este Autor (loc. cit.) que «(…) a instrução pode ser requerida pelo arguido com o fim de ilidir ou enfraquecer a prova indiciária da acusação, mas também por razões puramente de direito material ou adjectivo, que a tornem inadmissível. Já não parece que possa ter lugar a requerimento do arguido quando apenas pretenda ilidir ou enfraquecer a prova indiciária ou preparar a defesa sem pretender, porém, a neutralização da acusação, pela sua rejeição na decisão instrutória».
Conclui que a instrução a requerimento do arguido «visa o controlo negativo da acusação».
Voltando ao caso vertente.

“Artigo 371.º
Violação de segredo de justiça
1 - Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de processo.
2 - Se o facto descrito no número anterior respeitar:
a) A processo por contra-ordenação, até à decisão da autoridade administrativa; ou
b) A processo disciplinar, enquanto se mantiver legalmente o segredo;
o agente é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.
Importa, então, desde já saber se a divulgada pelo arguido enquanto jornalista e em causa nos presentes autos integram desde logo os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de violação do segredo de justiça.
O segredo de justiça destina-se, primordialmente, a garantir uma investigação eficaz e profícua, que permita a recolha e preservação de prova do(s) crime(s) noticiado(s), eventualmente cometido(s), tendo em vista a boa administração da justiça.
No entanto, na doutrina, é corrente a referência a uma “tríplice ordem de finalidades” que com o segredo de justiça se almeja: o interesse do Estado na realização da justiça que exige uma investigação eficiente e a preservação de meios de prova, o que passará por prevenir o prejuízo que adviria para a investigação do conhecimento, pelos arguidos, das diligências investigatórias planeadas ou em curso de realização, que lhes permitiria perturbar ou dificultar a reunião de prova; evitar o dano que pode advir para a honra e dignidade do arguido ou simples suspeito a divulgação de factos que podem vir a ficar por provar e protegê-lo de imputações que podem mesmo revelar-se falsas; proteção das pessoas em geral contra os abusos de alguma imprensa que cultiva o gosto pela especulação e pelo sensacionalismo e, em particular, as vítimas (o caso mais flagrante será o das vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual) e outros participantes processuais que podem ficar expostos a retaliações e vinganças.
Assim, entre outros, M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I, 3.ª edição, 2008, p. 576; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Verbo, 5.ª edição revista e actualizada, p. 42; Frederico da Costa Pinto, Segredo de Justiça e Acesso ao Processo, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, p. 71; Conselheiro Henriques Gaspar, comentários ao artigo 86.º in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 295/296.
É nesse sentido que, também, aponta o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (CC da PGR) n.º 121/80, no qual se afirma que o segredo de justiça serve “variados interesses, alguns em notória tensão dialéctica: o interesse do Estado na realização de uma justiça isenta e independente, poupada a intromissões de terceiros, a especulações sensacionalistas ou a influências que perturbem a serenidade dos investigadores e dos julgadores; o interesse de evitar que o arguido, pelo conhecimento antecipado dos factos e das provas, actue de forma a perturbar o processo, dificultando o apuramento daqueles e a reunião destas, senão mesmo a subtrair-se à acção da justiça; o interesse do mesmo arguido em não ver publicamente revelados factos que podem não vir a ser provados sem que com isso se evitem graves prejuízos para a sua reputação e dignidade; enfim, o interesse de outras partes no processo, designadamente os presumíveis ofendidos, na não revelação de certos factos prejudiciais à sua reputação e consideração social, como nos crimes contra a honestidade”.
No entanto, no Parecer do mesmo CC da PGR n.º 60/2003, embora se admita que, de forma indirecta ou imediata, a preservação do segredo de justiça serve, também, a tutela do princípio da presunção de inocência do arguido, o seu bom nome, reputação e intimidade da vida privada, já se afirma o “bom êxito” da investigação como valor jurídico fundamental a preservar:
“Podemos dizer que, de um ponto de vista estritamente jurídico, o valor ou bem jurídico que de forma directa e imediata é protegido pela previsão do segredo de justiça é a qualidade e bom êxito da investigação de crimes e, em última instância, da justiça penal.
No fundo, o segredo de justiça funciona como pressuposto ou um instrumento, positivo ou negativo, do sucesso da qualidade da investigação que está a ser desenvolvida do ponto de vista processual penal”.
É nesta linha de pensamento que se posiciona A. Medina de Seiça, Comentário Conimbricense do Código Penal, III, Coimbra Editora, p. 645/646, em comentário ao artigo 371.º:
“§ 5 Muito embora não se negue que os diversos fundamentos usualmente invocados assumam inequívoco relevo, não nos parece que todos eles apresentem suficiente densidade normativa para justificar a importante restrição de direitos que o segredo de justiça leva necessariamente implicada e que, por isso, deve mostrar-se constitucionalmente ancorada. Assim, não julgamos que a presunção da inocência do arguido por si mesma justifique o segredo de justiça. Nem o segredo interno, que, como se assinalou, comporta para os destinatários, neste caso arguido, a impossibilidade de aceder ao conteúdo de certas diligências processuais. Pelo contrário, tal ocultamento implicará uma diminuição efectiva das garantias de defesa do arguido em nada contribuindo para que a sua inocência saia reforçada. E não serve igualmente para fundamentar o próprio segredo externo, ou seja, a impossibilidade de a comunidade em geral ter acesso ao conteúdo do processo. Com efeito, aceitar que a divulgação dos termos de um processo implica uma limitação à presunção de inocência deveria estender a reserva a todas as fases processuais, incluindo as de audiência de julgamento. Por outro lado, um correcto esclarecimento sobre o processo pode contribuir de forma mais perfeita para o reforço daquela presunção do que a especulação e o mistério em que os casos tantas vezes se movem”.
É, geralmente, reconhecido que na primeira fase do processo penal os interesses da investigação, por um lado, e, ainda que de forma indirecta ou mediata, os direitos das pessoas (sejam os suspeitos agentes dos crimes, sejam os ofendidos) podem justificar a exclusão da publicidade.

Prevê o Artigo 86.º, do CPP
“Publicidade do processo e segredo de justiça
1 - O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei.
2 - O juiz de instrução pode, mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e ouvido o Ministério Público, determinar, por despacho irrecorrível, a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, quando entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais.
3 - Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.
(…)”
6 - A publicidade do processo implica, nos termos definidos pela lei e, em especial, pelos artigos seguintes, os direitos de:
a) Assistência, pelo público em geral, à realização do debate instrutório e dos actos processuais na fase de julgamento;
b) Narração dos actos processuais, ou reprodução dos seus termos, pelos meios de comunicação social;
c) Consulta do auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele.
7 - A publicidade não abrange os dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meios de prova. A autoridade judiciária especifica, por despacho, oficiosamente ou a requerimento, os elementos relativamente aos quais se mantém o segredo de justiça, ordenando, se for caso disso, a sua destruição ou que sejam entregues à pessoa a quem disserem respeito.
8 - O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de:
a) Assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir;
b) Divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação…..(…)”
Como consabido, a regra é a publicidade do processo penal, logo a partir do inquérito (artigo 86.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal). Excecionalmente, nas situações definidas nos n.os 2 e 3 do artigo 86.º do Cód. Proc. Penal, pode determinar-se a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, quer na sua dimensão interna (que respeita aos sujeitos e participantes processuais diretamente envolvidos na concreta relação processual), quer na sua projeção externa (que se reporta à generalidade das pessoas, estranhas a essa relação processual). Em qualquer dessas dimensões, ou fase processual em que seja decretado, a partir desse momento o segredo de justiça vincula os sujeitos processuais nele intervenientes e todos que nesse processo participam, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes (nº 8 do citado art. 86º).
Para o caso, interessa considerar, então, a situação contemplada no n.º 8 daquele preceito, e as proibições previstas nas suas alíneas, concretamente a al. b), nos termos da qual, as pessoas indicadas no corpo desse número estão proibidas da divulgação da ocorrência de ato processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação.

No despacho de não pronúncia impugnado, decidiu-se:
“(…)
«1. À data dos factos, o arguido AA exercia as funções de Diretor do jornal “...”, propriedade da sociedade “P..., Unipessoal, Lda.”, sendo que o arguido BB trabalhava como jornalista no referido jornal.
2. Por seu turno, o Major do Exército, CC, exercia funções de Investigador-Chefe da Polícia Judiciária Militar, no Pólo da PJM do ....
3. Na altura, corria termos no DCIAP de Lisboa o Processo n.º 661/17...., relativo ao furto de armas militares, no dia 28/6/2017, e sua recuperação encenada, que teve enorme repercussão nacional e que ficou conhecido como “furto das armas do paiol de ...”.
 4. No âmbito do referido processo, por despacho proferido pelo Ministério Público a 13/11/2017 e validado por despacho judicial de 15/11/2017, foi determinada a aplicação àqueles autos do segredo de justiça, o qual vigorou até 25/9/2019, data em que foi proferido despacho de encerramento do Inquérito.
5. O segredo de justiça do referido processo era, aliás, do domínio público e de conhecimento generalizado, designadamente dos media, tanto mais que a Exma. Conselheira Procuradora-Geral da República emitira, a 4/7/2017, uma nota para a comunicação social dando conta, precisamente, que o Inquérito estava em segredo de justiça e que, a partir dessa data, a respetiva investigação seria dirigida pelo DCIAP, coadjuvado pela Polícia Judiciária.
6. No dia 25 de setembro de 2018, o Major CC foi detido e constituído como arguido no âmbito do referido processo.
7. O arguido BB obteve, em circunstâncias não apuradas, uma cópia do auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência que o Major CC prestara perante a Polícia Judiciária nessa mesma data, documento esse que bem sabia dizer respeito ao Inquérito n.º 661/17.... que, de resto, aí se encontrava identificado.
8. E, apesar de bem saber que tal Inquérito continuava em segredo de justiça e que não lhe era permitido divulgar peças processuais ou quaisquer elementos de prova relativos a tal processo, o arguido BB decidiu publicar no jornal “...” o tal auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência.
9. Animado desse propósito, o arguido BB fez inserir nas páginas 4 e 5 da edição de 7 de novembro de 2018 (n.º 144) do “...” um artigo com o título
«CASO ... – MAJOR DE ... ENFRENTA ACUSAÇÃO DO DCIAP»,
com chamada de primeira página sob a epígrafe «É DE ... UM DOS ARGUIDOS DO CASO DO ARMAMENTO DE ... – Major acusado pela Unidade de ContraTerrorismo da PJ».
10. No referido artigo, exarou o arguido BB, além do mais, o seguinte:
«CC, nascido em ..., ..., é um dos principais arguidos no caso que envolve o “desaparecimento e recuperação” do armamento militar do quartel de ..., durante o ano de 2017, sendo apontado como um dos principais estrategas de um alegado plano de simular a recuperação do armamento roubado.
nascido em ..., o atual major do Exército Português e militar da Polícia Judiciária Militar (PJM), de 47 anos, que habitualmente liderou o grupo coral daquela paróquia em ..., é apontado pelo DCIAP como um dos principais envolvidos no plano que a PJM terá desenvolvido para o “reaparecimento” das armas. Na acusação é ainda indicado que CC e outros dois militares da PJM iriam ser agraciados pelo Presidente da República, em outra encanação, para devolver a confiança da população portuguesa no Exército e na investigação da PJM.
Segundo a acusação do DCIAP, o major terá informado outro investigador da PJM, o major DD, que a PJ civil estaria a investigar as movimentações da PJM por suspeitas de que esta polícia militar iria “encenar” o reaparecimento das armas.
Segundo a mesma acusação, tanto o militar de ... como outros dois elementos da PJM terão aceite encenar toda a recuperação do armamento em conjunto com altas entidades militares e do Ministério da Defesa, e apenas foram desmascarados graças a uma investigação paralela da Polícia Judiciária civil, a mando da antiga Procuradora Geral da República.
Ao que o ... apurou junto da defesa do processo, CC terá sido avisado por um amigo, elemento da PJ civil, de que essa mesma polícia estaria já a investigar o plano da PJM. Ao que apurámos, a denúncia anónima que levantou a investigação terá sido feita por um colega de CC, com a patente de coronel.
A acusação refere que, depois de tomar conhecimento da investigação da PJ civil, CC deslocou-se ao ... para reunir com militares da GNR que, alegadamente, também estariam envolvidos na recuperação das armas, tendo sido naquele momento captado em vídeo por agentes descaraterizados da PJ civil.
No entanto, a PJM sabia dessa vigia e também vigiou os agentes à civil, impedindo que os mesmos, alegadamente, colocassem um georeferenciador na viatura dos militares. Ao que o ... apurou, os agentes da PJ civil foram mesmo alvo de uma rusga por parte da PJM naquele momento, que terão surgido de G3 em riste, impedindo os agentes à paisana de cumprir o plano».
11. Tal artigo continuava com uma entrevista com o Dr. EE, que foi Defensor constituído do Major CC no referido processo, desde 26/9/2018 a 15/10/2018.
12. No final do artigo, na página 5 do jornal, o arguido BB inseriu o termo de constituição de arguido e de identidade e residência lavrado no âmbito do referido Inquérito, de onde constava o respetivo NUIPC (“661/17....”), a data em que o documento foi emitido e assinado (“25/09/2018”), a entidade que o processou (“Polícia Judiciária – Unidade Nacional Contra-Terrorismo”), o nome do aí arguido (“CC”), a respetiva naturalidade (“...”), a sua nacionalidade (“portuguesa”), a data de nascimento (“.../.../1971”), a sua profissão (“militar da Polícia Judiciária Militar”) e a sua morada (“Rua ...”), tendo sido truncados os elementos relativos à filiação, ao n.º de porta, contacto telefónico e número do documento de identificação e data de validade.
13. O artigo em questão é da autoria e foi assinado pelo arguido BB.
14. Na data da publicação do referido artigo no jornal “...”, o despacho de acusação ainda não tinha sido proferido pelo Ministério Público, o que só veio a verificar-se a 25/09/2019.
15. Assim, as referências “à acusação do DCIAP” constantes do artigo em apreço são reportadas ao auto de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, que teve lugar nos dias 27 e 28 de setembro de 2018, no qual constam elencados os factos imputados aos arguidos, conforme decorre da certidão constante do anexo II.
16. Ambos os arguidos sabiam que o Inquérito em questão estava sujeito ao segredo de justiça.
17. Não obstante, decidiu o arguido BB inserir tal documento no artigo.
18. O arguido BB atuou de forma livre, voluntária e consciente.
(…)”
«Com estes considerandos, já algo longos, e em face da factualidade, logo ao nível da sua narração acusatória, temos que nenhum dos arguidos, mesmo o arguido BB, divulgou um acto processual.
A publicação da frente auto de constituição de arguido e termo de identidade é claramente inócua no âmbito do segredo de justiça, mais a mais no tempo da publicação.
Tal como é o conteúdo da notícia assinada pelo arguido BB.
Trata-se de notícia cujo conteúdo se situa no âmbito do conhecimento e domínio públicos. A enorme apetência mediática do referido processo tudo revelou diariamente e em directo, com comentários e contra comentários de anónimo e menos anónimos. Ora, quando a notícia foi publicada (em 07/11/2018) já o então arguido CC havida sido submetido a primeiro interrogatório judicial para aplicação de medidas de coacção.
E ninguém é sujeito a medidas de coacção se não for arguido constituído.
Na verdade (Anexo II) o interrogatório judicial (sendo nele a defesa do então arguido, ora assistente, assegurada pelo Senhor Dr. EE) ocorreu em 27/09/2018.
E como se diz na notícia “O ... falou com EE, advogado de ..., com ligações à freguesia ..., já no final de outubro, mas apenas agora foi autorizado a publicar as declarações do advogado que defende o major de ...”.
As declarações do Advogado não estão abrangidas pelo segredo de justiça.
Como se disse, entre a constituição de arguido e o interrogatório e a data da notícia (quase mês e meio) foi todo um mundo noticioso que se desenvolveu.
Como também já se disse, apenas se deverá considerar abrangida pela incriminação a divulgação do «teor de acto processual», ou seja, a leitura de partes de actos processual, a descrição fáctica ou a publicitação do acto, quando o teor do mesmo se esgote na sua própria materialidade.
Ora, a parte publicada do documento de constituição de arguido e termo de identidade e residência é absolutamente atípica, pois dele apenas consta o nome do arguido, data de nascimento, sexo, profissão e morada (incompleta), com preocupação de ocultação de outros elementos (que aliás não têm qualquer interesse para o segredo de justiça).
Sendo que ao tempo da publicação da notícia o estatuto de arguido (do ora assistente) era amplamente do domínio público, tal como eram do domínio público as medidas de coacção a que fora sujeito (termo de identidade e residência, suspensão do exercício de funções, proibição de contactos com os co-arguidos e com quaisquer militares das Forças Armadas ou da Guarda Nacional Republicana ou ainda quaisquer elementos da Polícia Judiciária Militar).
Quanto à narrativa da notícia escrita também não se vê que tenha sido dado conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontrasse coberto por segredo de justiça e que já não fosse do domínio público ao tempo da publicação.
Lembre-se que o arguido (ora assistente) foi afirmado como fortemente indiciado da prática de crimes de denegação de justiça e prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e associação criminosa e ainda detenção de arma proibida.
Tipologia de crimes, agentes e medidas de coacção que (em 28/09/2018) foram conhecidas do público em geral.
Do que se conclui que da notícia, nada se colhe que ao tempo já não fosse do domínio público.»
Cotejada que é a factualidade dada como indiciada somos do entendimento, salvo o devido respeito por opinião diversa, contrariamente ao que se concluiu no despacho recorrido, que existe matéria indiciada para se concluir pela verificação do imputado crime de violação de segredo de justiça, previsto e punido pelo artigo 371.º, do Código Penal, atento o que importa formular um juízo de prognose de condenação do arguido se sujeito a julgamento pela prática respetiva, o que é sinónimo de prolação de despacho de pronúncia do mesmo.
Não está questionado que o arguido divulgou as notícias constantes da peça jornalística constante da acusação. Tal com não há qualquer dúvida que os elementos divulgados estavam sujeitos a segredo de justiça, facto que o arguido conhecia.
De igual forma é incontroverso que, para além da alusão ao facto do assistente/queixoso ter sido constituído arguido e sujeito a termo de identidade e residência, e de ter inserido na notícia cópia dos respetivos autos, o arguido BB, na qualidade de jornalista, escreveu o artigo exarado nas páginas 4 e 5 da edição de 7 de novembro do “...”, no qual escreve um texto como o teor constante do ponto 10 dos factos indiciados, que aqui se dó como reproduzido para todos os efeitos legais.
Na decisão recorrida o Mmº Juiz defende a posição que a notícia em causa não “divulgou nenhum ato processual; A publicação da frente auto de constituição de arguido e termo de identidade é claramente inócua no âmbito do segredo de justiça, mais a mais no tempo da publicação; Tal como é o conteúdo da notícia assinada pelo arguido BB.
Trata-se de notícia cujo conteúdo se situa no âmbito do conhecimento e domínio públicos. A enorme apetência mediática do referido processo tudo revelou diariamente e em directo, com comentários e contra comentários de anónimo e menos anónimos. Ora, quando a notícia foi publicada (em 07/11/2018) já o então arguido CC havida sido submetido a primeiro interrogatório judicial para aplicação de medidas de coacção. E ninguém é sujeito a medidas de coacção se não for arguido constituído.
Na verdade (Anexo II) o interrogatório judicial (sendo nele a defesa do então arguido, ora assistente, assegurada pelo Senhor Dr. EE) ocorreu em 27/09/2018. E como se diz na notícia “O ... falou com EE, advogado de ..., com ligações à freguesia ..., já no final de outubro, mas apenas agora foi autorizado a publicar as declarações do advogado que defende o major de ...”. As declarações do Advogado não estão abrangidas pelo segredo de justiça.
Como também já se disse, apenas se deverá considerar abrangida pela incriminação a divulgação do «teor de acto processual», ou seja, a leitura de partes de acto processual, a descrição fáctica ou a publicitação do acto, quando o teor do mesmo se esgote na sua própria materialidade.
Ora, a parte publicada do documento de constituição de arguido e termo de identidade e residência é absolutamente atípica, pois dele apenas consta o nome do arguido, data de nascimento, sexo, profissão e morada (incompleta), com preocupação de ocultação de outros elementos (que aliás não têm qualquer interesse para o segredo de justiça).
Sendo que ao tempo da publicação da notícia o estatuto de arguido (do ora assistente) era amplamente do domínio público, tal como eram do domínio público as medidas de coacção a que fora sujeito (termo de identidade e residência, suspensão do exercício de funções, proibição de contactos com os co-arguidos e com quaisquer militares das Forças Armadas ou da Guarda Nacional Republicana ou ainda quaisquer elementos da Polícia Judiciária Militar).
Quanto à narrativa da notícia escrita também não se vê que tenha sido dado conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontrasse coberto por segredo de justiça e que já não fosse do domínio público ao tempo da publicação.
Lembre-se que o arguido (ora assistente) foi afirmado como fortemente indiciado da prática de crimes de denegação de justiça e prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e associação criminosa e ainda detenção de arma proibida.
Tipologia de crimes, agentes e medidas de coacção que (em 28/09/2018) foram conhecidas do público em geral.” (transcrição)
Ora, começaremos por dizer que, independentemente da eventual inocuidade da divulgação do auto de constituição de arguido e termo de identidade e residência, não vislumbramos dos autos, dos factos indiciados e não indiciados, qualquer alusão á alegada publicidade e conhecimento público da situação processual do ora assistente, tal como também não retiramos do texto da notícia escrita e difundida que os dados aí narrados tenham sido fornecidos ao arguido pelo defensor daquele no 1º interrogatório de arguido detido.
Para além disso, contrariamente ao afirmado, estando o processo em segredo de justiça também esse defensor estava abrangido pela proibição de divulgação do conteúdo dos atos processuais, que eram do seu conhecimento por via profissional, em que participou como interveniente processual. Pelo que, se alguma coisa lhe foi relatado por aquele defensor relativamente ao teor ou conteúdo daquele ato processual em que esteve presente, também o arguido estava vinculado à mesma proibição, nos termos do art. 86º, nº 8, do CPP. Mas, certo é que do texto da notícia em questão não logramos vislumbrar que o aí narrado corresponda ao que possa ter sido transmitido ao arguido pelo dito defensor, embora seja legítimo cogitar que assim possa ter acontecido, nem sequer qual a fonte ou forma de conhecimento dos mesmos. E da decisão sob escrutínio também não logramos encontrar qualquer facto ou indício concreto que permita inferir qual a origem dos factos noticiados, se diretamente do processo ou de uma investigação paralela.
Para além disso, não obstante o invocado conhecimento, ou domínio público, do denominado “Caso ...”, e da especulação noticiosa sobre algumas alegadas incidências respeitantes ao mesmo, do que neste processo se cuida é da divulgação noticiosa de factos ocorrido no decurso de um ato processual, 1º interrogatório de arguido, levada a cabo no âmbito de um processo, em fase de inquérito, que se encontrava sob segredo de justiça. Processo esse em que se investigava precisamente o que se teria passado naquele caso e quais os autores dos factos a indagar. O que vai muito para além de tudo o que possa ter sido difundido nos meios de informação acerca dessa situação, que não passaria de especulação jornalística.
De qualquer forma, essa eventual difusão noticiosa alvitrada na decisão em análise, sem fundamento factual que a estribe, não retirava o caráter secreto da investigação judicial em curso.       
Assente que o processo em causa nestes autos estava em segredo de justiça mal se percebe a ausência de pronúncia, posto que se mostra fortemente indiciado que tal era o estado do processo, que o arguido conhecia a existência do segredo e que mesmo assim quis violar esse segredo. Tal como não se concebe, perante o conjunto da factualidade incontrovertida indiciada, e até da motivação expendida, que tenha sido dado como não suficientemente indiciado que: “26.      Bem sabia o arguido BB que ao atuar dessa forma estava a colocar em causa quer os interesses processuais da investigação, quer a preservação da presunção de inocência do aí arguido CC” e “28. O arguido BB sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei”, o que se nos afigura, salvo o devido respeito por opinião diversa, algo contraditório com o cenário factual dado como indiciado, com a fundamentação expendida e com a atividade profissional desenvolvida pelo arguido.
Atente-se que na decisão impugnada se fez contar, na parte final da motivação: “Quanto à factualidade referida em 25 a 28 – não suficientemente indiciada – naturalmente que ambos os arguidos, pessoas esclarecidas na função, sabem o que podem ou não publicar, com referência a um processo que esteja em segredo de justiça. Mas o que importa, como infra se verá, é que no caso concreto o segredo de justiça não obstava à publicação do referido documento (acto como foi publicado) ou da notícia (conteúdo).
Daqui se depreende que esta decisão não teve como suporte essencial a falta de meios de prova que sustentassem grande parte dos factos articulados na acusação, uma vez que se constata a existência inquestionável de indícios que permitiam imputar ao arguido a prática do ilícito penal de que vinha acusado, que, com toda a probabilidade, se conduzida a julgamento levariam a uma muito provável condenação. O que nos deparamos é com uma posição, legitimamente assumida, de que a elaboração e difusão da notícia publicada não viola o segredo de justiça que vigorava sobre o inquérito em curso, ou seja, com a atipicidade da conduta assumida pelo arguido.
Mas, percorrida aquela acusação, concretamente o escrito na notícia difundida que, alegadamente, divulga factos e ocorrências verificadas no decurso de uma diligência processual, e factos concretos imputados pelo Ministério Público como indiciariamente praticados pelo aqui assistente, em inquérito sujeito a segredo de justiça, afigura-se-nos que do ali exarado resultará a prática do crime de violação de segredo de justiça aí alvitrado.
Como consabido, “…. os factos narrados hão-de fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e só a podem fundamentar se constituírem crime. Se os factos não constituírem crime verifica-se a inexistência do objecto do processo, tornando-o inexistente e consequentemente não pode prosseguir”. (Cfr. Germano Marques da Silva in Curso Proc. Penal, III, 207/8)
Crime na noção contida na alínea a) do artigo 1º do C P Penal, é o “conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais”.
Acusação manifestamente infundada é aquela que nos seus próprios termos não tem condições de viabilidade, no entendimento expressivo de FF, o que acontece nos casos taxativos previstos no n.º 3 do artigo 311º C P Penal.
O fundamento da inexistência de factos na acusação que constituam crime, só pode ser aferido diante do texto da acusação, quando faltem os elementos constitutivos - objectivos e subjectivo - de qualquer ilícito criminal ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do C P Penal.
A acusação, sendo formalmente a manifestação da pretensão de que o arguido seja submetido a julgamento pela prática de determinado crime e por ele condenado, constitui o pressuposto indispensável da fase de julgamento, por ela se definindo e fixando o objeto deste último. (Germano Marques da Silva, ob. Cit. p. 113)
Da estrutura acusatória do processo penal decorre que impende sobre o acusador a exposição total dos factos e do crime que imputa ao arguido, cabendo-lhe, assim, a iniciativa de definir o objeto do processo.
Estes princípios têm plena aplicação nesta fase processual. Atenta a natureza meramente comprovativa da instrução, a mesma é constituída não pela repetição da investigação levada a cabo pelo Ministério Público, mas pela apreciação de se, perante os elementos constantes do processo (bem como dos carreados pelo requerente da instrução e pelos resultantes da atividade judicial inquisitória – elementos subordinados ao objeto traçado no requerimento de abertura de instrução), a decisão de arquivar ou acusar foi a correta, e o mérito do enquadramento jurídico dos factos em causa
Trata-se, pois, nesta fase, de aquilatar, para além da existência de indícios bastantes de que os factos constantes da acusação, se levados a julgamento, conduziriam a uma muito provável condenação do arguido, mas, previamente, cumpre averiguar se essa factualidade merece, ou não, ser discutida, ou seja, se há razões para a sujeitar a um debate público e contraditório em julgamento, o que, implica a feitura de um juízo inequívoco e incontroverso sobre a própria atipicidade da conduta nela imputada ao arguido, ou seja, o aludido mérito do enquadramento jurídico dos factos constantes do requerimento acusatório.
Apreciar se os factos descritos na acusação – concretamente se a notícia e seu teor dada à estampa pelo arguido -, é suscetível de integrar a factualidade típica, a previsão do tipo legal do artigo 371º, do CP.
A este propósito transcrevemos aqui o que bem se escreveu na decisão instrutória impugnada:
Como se sabe o segredo de justiça beneficia de protecção constitucional nos termos do artigo 20.º/3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo que o artigo 37.º/1 da CRP garante que todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem descriminações.
Embora tendo presente que o direito à informação, constitucionalmente garantido, não se encontra na titularidade dos órgãos ou membros da comunicação social, pois corresponde a um direito de todos os cidadãos, o de informarem, se informarem e serem informados, mas que por vicissitudes várias dos tempos de hoje se mostram instrumentalmente concentrados na figura do jornalista (O segredo do inquérito penal – uma leitura jurídico-constitucional”, separata, Direito e Justiça, vol. XIV, T.2, 2000, Lisboa, p.
70) que pode ser visto enquanto procurador do público em geral (quando e apenas no exercício de uma profissão).

Por isso também o artigo 38.º/1-b) da CRP consagra o direito dos jornalistas ao acesso às fontes de informação – mas nos termos da lei.

Dispõe o artigo 371.º do Código Penal (CP) que:
1. Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de processo.
(…)

E dispõe o artigo 86.º do Código de Processo Penal (CPP) que:
(…)
8. O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de:
a) Assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir;
b) Divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação.
(….)Dispondo o artigo 30.º da Lei 2/99, de 13/01 (Lei da Imprensa) que:
(…)
2 - Sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respectiva norma incriminatória, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

Do que decorre que os jornalistas se mostram subjectivamente abrangidos pelo âmbito da norma penal incriminatória (já antes, mas categoricamente desde 2007).

E se antes de 2007 já se entendia que “contacto com o processo” não podia ser lido e limitado a uma dimensão meramente física do processo, pois este devia ser visto “enquanto realidade dinâmica, enquanto realidade unitária e estruturada, enquanto conjunto ordenado de actos funcionalmente orientados à prossecução de uma finalidade comum”, após a reforma o inciso “independentemente de ter tomado contacto com o processo” não deixa qualquer dúvida que o “quem” (crime comum) se refere a qualquer agente, pelo que este comete o crime mesmo que não aceda ao processo que se encontre em segredo de justiça, bastando que tenha tomado conhecimento de elementos a ele pertencentes.

Hoje, face ao texto da lei, já não faz qualquer sentido a leitura restritiva que se fazia antes da reforma de 2007 de forma a garantir a concordância prática entre a tutela do segredo de justiça e a liberdade de informação e de ser informado constante do n.º 1 do artigo 37.º da CRP.

Mais a mais quanto a violação de segredo ocorre numa fase inicial do processo, a impor que a liberdade de informação e de ser informado tenha de ceder, pois não há ainda seguramente que estabelecer qualquer concordância prática entre direitos (protecção da eficácia da investigação e o direito à informação).

Não havendo, nas situações iniciais de investigação, qualquer interesse público que legitime a divulgação de informações sujeitas ao segredo de justiça.

Tanto assim que o simples direito a informar, por si só, não justifica a publicação de informações abrangidas pelo segredo de justiça.
Tenha-se presente que o Estatuto dos Jornalistas (artigo. 8.º/3 da Lei n.º 1/99 de 1 de Janeiro) dispõe que “o direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça”.
Sabendo-se ainda que o artigo 10.º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) dispõe:
(…)
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos  direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”

O crime de violação de segredo de justiça p. e p. pelo art. 371.° do Código Penal, protege primariamente as exigências de funcionalidade da administração da justiça, particularmente perante risco de perturbação das diligências probatórias e de investigação, bem jurídico da titularidade do Estado.
De acordo com A. Medina de Seiça, in Comentário Conimbrincense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, pág. 646, Coimbra Editora, 2001 “...embora se aceite que a tutela do segredo de justiça se prende, nalguns aspectos do regime, com a protecção da vida privada e até da honra das partes envolvidas, a verdade é que essa tutela não participa dos fundamentos justificadores da sua existência nem com eles se confunde (...) Em nosso entender, a existência do segredo de justiça decore primariamente de exigências de funcionalidade da administração da justiça, particularmente perante o risco de perturbação das diligências probatórias e de investigação (...) o crime de violação de segredo de justiça configura um crime de perigo abstracto para o bem Jurídico da máquina judiciária nas fases preliminares do processo".
Do mesmo modo, Paulo Pinto de Albuquerque, quando refere que "o bem jurídico protegido pela Incriminação é a funcionalidade da justiça criminal (...)" -  Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Ed., actualizada, UCP, páginas 966-967 (comentário ao art. 371do CP).
A incriminação do art. 371.° do CP visa, pois, tutelar o funcionamento da Justiça, mas na sua incriminação compreende-se também a existência de um bem jurídico complexo que tutela a par do interesse do Estado na realização da Justiça, também, direta e imediatamente, os interesses privados dos cidadãos que sendo visados naqueles inquéritos (tramitados em segredo de Justiça), como no caso sub judice sucede com o ora assistente, gozam da presunção de inocência e do direito de não verem publicamente reveladas partes do teor de atos processuais que atestam uma visão não contraditória e enviesada do objeto do processo, pois como evidenciam MANUEL SIMAS SANTOS e MANUEL LEAL – HENRIQUES - Mº Pº Coimbra in Código Penal Anotado, vol. IV (arts. 236.° a 399.°), 4ª Edição, comentário ao art. 371.°, página 782., a criminalização da violação do segredo de justiça visa proteger "o interesse do Estado" do mesmo modo que visa também proteger o interesse do próprio arguido em não ver publicamente revelados os factos que podem vir a não ser provados" (corporizando o regime adjetivo do segredo de justiça previsto no art. 86.° n.° 2 do CPP a integração destes interesses individuais no campo de proteção abrangido pela incriminação na medida em que admite a sua determinação no interesse, e a pedido, intervenientes processuais.
Dando aqui por transcrito o que já afirmamos, e o que foi exarado no despacho sob escrutínio, com que não concordamos em absoluto, relativamente à qualificação do tipo de notícia em questão, aos escritos aí exarados, no que ao bem jurídico em causa no art. 371º do CP, concerne, cumpre concluir que a conduta imputada ao arguido assume dignidade penal, por preencher os elementos que tipificam o ilícito legal em causa.
Se a emissão e divulgação da notícia em causa é suscetível de integrar a factualidade típica, desde logo, com este fundamento – que precede a análise, avaliação e apreciação do sentido, que lhe é dado, com que foi utilizado e que é idóneo a traduzir – sempre o escrito e divulgação de ato processual propalado noticiosamente pelo arguido, pode traduzir e integrar o tipo do artigo 371º, do CP – que é o que aqui está em questão.
Face a tudo o exposto, e em resumo, não pode deixar de se revogar a decisão recorrida na consideração de que a ofensa prevista no tipo de crime do artigo 371º, do CP, não pode deixar de ser cometida através da redação, publicação e difusão de notícia em que se divulgam factos e incidências circunstanciais constantes de ato processual praticado no âmbito de inquérito em segredo de justiça, colocando em causa a investigação em curso nesse processo, e com a virtualidade de atingir a esfera jurídica do aí arguido.
É tempo de concluir, afirmando a existência de fundamento, para o concreto recurso apresentado pelo Ministério Público, dado o facto de, decisivamente, a materialidade descrita na acusação pública constituir crime.
No mais, repete-se a conclusão de que existem nos autos indícios da prática do crime, ou melhor dito, que o que está escrito e narrado na notícia da lavra do arguido GG - cuja existência e conteúdo não coloca em causa – é suscetível de integrar a previsão do tipo legal de crime de violação de segredo de justiça.
Pelo que, entendendo-se como preenchidos no caso vertente os elementos típicos objetivos, e subjetivo, do ilícito criminal imputado ao arguido na acusação deduzida, o caminho que levou à não pronúncia deste não se mostra bem percorrido.
Tudo visto e ponderado, sendo o arguido BB submetido a julgamento pelos factos que o Ministério Público lhe imputa, e reproduzindo-se em sede de audiência de julgamento a prova recolhida nos autos, não nos parece que seja predominante a probabilidade da absolvição ou, dito de outro modo, é mais provável a condenação do que a absolvição. Sendo de concluir que em julgamento a manterem-se em audiência os elementos de prova existentes e já referidos, o resultado da produção de prova será uma séria e fundada probabilidade de que o arguido cometeu os factos que lhe são imputados, com o que a condenação, por se verificarem factos suscetíveis de integrarem o crime de violação de segredo de justiça, constituirá o resultado mais provável.
Em tais condições de elevada probabilidade de condenação do arguido, não se justifica uma decisão de não pronúncia, devendo ser revogada a decisão recorrida.
Em suma, de tudo o exposto resulta: A factualidade indiciária impõe a conclusão de que existe matéria factual alegada para que se possa verificar o preenchimento, pelo arguido, dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito que lhe é imputado.
Sendo, pois, passível de censura a decisão instrutória que não pronunciou o arguido pela prática do crime de violação de segredo de justiça.
Saber se o Ministério Público irá conseguir provar o que consta da acusação ainda que perante a versão da defesa, é matéria para ser apurada e decidida em julgamento após produção da prova quando o contraditório funcionar em pleno e quando a defesa esgrimir os seus argumentos sejam eles quais forem. Para já e com o que existe entendemos que a indiciação é suficiente para que a factualidade seja levada a julgamento pois que se mantiver incólume haverá lugar a condenação.
Assim, haverá que pronunciar, pela prática do crime de violação de segredo de justiça o arguido BB, pelos factos que lhe são imputados na acusação pública proferida.
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III DECISÃO.

Pelo exposto, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães acordam, julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência:

- Revogar a decisão recorrida e determinar que no tribunal a quo seja proferido despacho de pronúncia do arguido BB, pelos factos e crime constantes da acusação requerida.
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Sem custas, por não serem devidas
Notifique.
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(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do C. P. P.)
Guimarães, 17 de abril, de 2023

Os Juízes Desembargadores
Relator - Júlio Pinto
1º Adjunto - Pedro Cunha Lopes
2º Adjunto Fátima Furtado