Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
853/08.4TBBCL.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: INVENTÁRIO
CONTA DE CUSTAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A conta de custas tem de ser elaborada de acordo com a decisão judicial proferida e não de acordo com outros critérios que o responsável pela sua elaboração entenda dever aplicar, a menos que tenha existido uma alteração legal que implique a modificação do decidido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) Procedeu-se a inventário por óbito de T…, ocorrido a 29/07/2002, que foi casada com J…, em primeiras e únicas núpcias de ambos, sob o regime de comunhão geral de bens, o qual desempenhou funções de cabeça-de-casal.
A inventariada não deixou testamento, ou qualquer outra disposição de última vontade.
Como únicos herdeiros, sucedem-lhe, para além do seu marido e cabeça de casal, os seguintes filhos:
1) M…, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com A…;
2) M…, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com J…;
3) M…, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com M…;
4) G…, divorciada;
5) R…, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com M…;
6) E…, solteiro, maior;
7) A…, solteiro, maior;
8) J…, solteiro, maior;
9) M…, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com J…;
10) M…, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com A…; e
11) M…, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com S….
Foi apresentada a relação de bens (fls. 22 e seguintes).
Realizou-se a conferência de interessados e procedeu-se a licitações.
Foi elaborado mapa da partilha e foi proferida sentença homologatória da partilha constante do mapa, com o seguinte teor:
“Nos presentes autos de inventário a que se procede para partilha dos bens pertencentes ao acervo hereditário de T…, que faleceu no estado de casada com J… e onde exerceu as funções de cabeça-de-casal o dito J…, homologo pela presente sentença a partilha constante do mapa de fls. 481/486, adjudicando a cada um dos interessados os respetivos quinhões, de acordo com a forma à partilha efetuada e com preenchimentos nos termos acordados em sede de conferência de interessados.
Custas pelos interessados, em conformidade com o disposto no artigo 1383º nº 1 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
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Foi elaborada a conta de custas a fls. 496 e seguintes, de onde resulta a obrigação de pagamento pelos interessados das seguintes quantias:
a) J… -----------------------------------------------------------------€9.877,25;
b) M…, M… -------------------------- €12,84;
c) M… --------------------------------------------------- €12,83;
d) J… -------------------------------------------------------- €12,83;
e) E… ----------------------------------------------------------- €12,83;
f) A… ------------------------------------------------------------ €12,83;
g) R… ---------------------------------------------------------------- €12,83;
h) G… ----------------------------------------------------- €12,83;
i) M…, J… - €12,83;
j) M…., A… ------------------------- €12,83;
l) M… ----------------------------------------------------- €12,83;
m) M…, S… ------------------------- €12,83.
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A fls. 538 vº veio o cabeça-de-casal J…, notificado da conta de custas de 20/03, dizer que tem dúvidas sobre se a conta que lhe foi notificada é apenas da sua responsabilidade ou de todos os herdeiros, pelo facto de lhe ter sido notificado na qualidade de cabeça-de-casal, pelo que requer que se esclareça em conformidade.
A fls. 544 veio a Secção Central prestar informação, nos seguintes termos:
Pedido de esclarecimento de fls. 538
A conta nos presentes autos foi elaborada de acordo com o disposto na Lei 7/2012, de 13 de Fevereiro, designadamente com o disposto no seu artº. 8º – Aplicação no tempo.
Assim, seria dispensada a elaboração da conta, caso não existissem quaisquer quantias em dívida – alínea a) do nº 1 do art.º 29º do RCP e art.º 7º-A da Portaria nº 419-A/2009, o que não é o caso;
Uma vez que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual, em sede de processo de inventário ela será paga apenas pela parte que demande na qualidade de requerente – artº. 6, nº 1 do Reg. C. Processuais.
Em razão da alteração da base tributável (nº 3 do art.º 302º do CPC), mostrando-se em dívida taxa de justiça, a sua imputação far-se-á apenas ao requerente uma vez que só este impulsionou os autos, sendo que a condenação em custas operada nos termos do art.º 1383º do CPC (revogado) releva apenas no que concerne a eventuais encargos em divida, nos quais não se incluirá a Taxa de justiça.
Assim a mencionada conta elaborada a fls. 496 é apenas da responsabilidade do requerente/cabeça de casal J….
Foi proferido despacho a fls. 546 onde se refere o seguinte:
“Fls. 538: Esclareça, em conformidade com a informação que antecede.”
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B) Inconformado com esta decisão veio o cabeça-de-casal, J… interpor recurso (fls. 550 vº), o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo (fls. 557).
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Nas alegações de recurso do cabeça-de-casal, J…, são formuladas as seguintes conclusões:
1) O recorrente não pode ser responsabilizado, exclusivamente, pelo pagamento das custas, uma vez que se limitou a impulsionar o processo no cumprimento das funções de cabeça-de-casal para que foi nomeado –vd alínea a) nº 1 do artigo 2080º;
2) O inventário representa um verdadeiro litisconsórcio necessário de todos os herdeiros, tendo todos eles impulsionado o processo e beneficiado com o respetivo quinhão e, por isso, a taxa de justiça é da responsabilidade de todos – vd nº 2 artigo 529º e nº 1 do artigo 528º do Código de Processo Civil, por analogia.
Termina entendendo dever conceder-se provimento ao recurso e, em consequência, ser revogado o douto despacho em crise.
Não foi apresentada qualquer resposta.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) A questão a decidir na apelação é a de saber se deverá o requerente do inventário suportar a totalidade das custas, nestes autos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
C) Como resulta da sentença que homologou o mapa da partilha, no que se refere a custas aí se decidiu, numa fórmula, aliás, inusual, o seguinte: “custas pelos interessados, em conformidade com o disposto no artigo 1383º nº 1 do Código de Processo Civil.”
O artigo 1383º nº 1 do Código de Processo Civil estabelece que:
“As custas do inventário são pagas pelos herdeiros, pelo meeiro e pelo usufrutuário de toda a herança ou de parte dela, na proporção do que recebam, respondendo os bens legados subsidiariamente pelo pagamento; se a herança for toda distribuída em legados, as custas são pagas pelos legatários na mesma proporção.”
Isto é, o que parece resultar da decisão quanto a custas, é que as mesmas são pagas pelos herdeiros, na proporção do que recebam.
E esta decisão quanto a custas é a que terá de ser tida em consideração na conta que for elaborada no processo.
No entanto, indevidamente, entendeu-se – como resulta da informação de fls. 544, ignorando aquela decisão proferida sobre custas – que havia que se aplicar o Regulamento das Custas Processuais (RCP) e que a responsabilidade pelas custas recaía unicamente sobre o requerente (?) e, acriticamente e contrariando a anterior decisão judicial proferida pelo mesmo Sr. Juiz, este veio sufragar tal entendimento (?).
Ora, sucede que o funcionário que elabora ou é responsável pela elaboração da conta de custas, tem de a elaborar de acordo com a decisão judicial proferida e não de acordo com outros critérios que entenda dever aplicar, a menos que tenha existido uma alteração legal que implique a modificação do decidido, o que in casu, não sucedeu.
De qualquer forma, ainda que assim não fosse – e é – há que ter em atenção que a solução que foi defendida na mencionada informação não tem apoio legal, uma vez que o Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02 entrou em vigor em 20/04/2009 (artigo 26º nº 1) e apenas se aplica aos processos iniciados a partir da entrada em vigor do referido Decreto-Lei (artigo 27º nº 1).
Por outro lado, faz-se apelo ao disposto no artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13/02, para justificar a aposição da referida informação quando é certo que no seu nº 1 se diz que o Regulamento das Custas Processuais, na redação que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data.
Ora, a Lei nº 7/2012, de 13/02, entrou em vigor em 29/03/2012 (artigo 9º), pelo que tendo a presente ação dado entrada em 26/02/2008, nunca lhe seria aplicável o RCP, na redação da referida Lei.
Tanto basta para que se conclua pela necessidade da revogação do despacho recorrido e pela necessidade da elaboração da conta de custas de acordo com o ordenado na sentença, aplicando-se a legislação de custas vigente, ao tempo e, designadamente, o Código das Custas Judiciais, assim procedendo a apelação.
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D) Em conclusão:
A conta de custas tem de ser elaborada de acordo com a decisão judicial proferida e não de acordo com outros critérios que o responsável pela sua elaboração entenda dever aplicar, a menos que tenha existido uma alteração legal que implique a modificação do decidido.
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III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido e determinar que a conta de custas seja elaborada de acordo com o ordenado na sentença, aplicando-se a legislação de custas vigente, ao tempo e, designadamente, o Código das Custas Judiciais.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 19/02/2015
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas