Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
875/20.7T8VRL.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
DANO DE PRIVAÇÃO DO USO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO INDEPENDENTE E APELAÇÃO SUBORDINADA
Decisão: APELAÇÃO INDEPENDENTE PARCIALMENTE PROCEDENTE, APELAÇÃO SUBORDINADA PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Quem tiver a direção efetiva de veículo e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação (cfr. artigo 503º do Código Civil).
II - Não se verificando a culpa efetiva de algum dos condutores dos veículos intervenientes, não resultando estar nenhum deles onerado com a presunção de culpa do n.º 3 do artigo 503º do Código Civil, não estando também comprovado que o acidente ocorreu por facto do lesado ou de terceiro, e nem que resultou de força maior estranha ao funcionamento dos veículos (artigo 505.º do Código Civil), a colisão de veículos deverá ficar sujeita à disciplina do artigo 506º do Código Civil.
III) - A privação do uso de um veículo, ainda que desacompanhada de um prejuízo patrimonial concreto, constitui um dano ressarcível, pelo que o facto de o veículo ser usado pelo lesado no seu quotidiano não pode deixar de determinar a atribuição de uma indemnização no período em que perdurou a privação do uso, in casu, até à aquisição de um novo veículo pelo lesado.
IV) - A determinação do valor dessa indemnização, que não implica um qualquer prejuízo patrimonial concreto, deve ser fixada com recurso a critérios de equidade, nos termos do artigo 566º n.º 3 do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

J. D., residente na Avenida …, n.º …, ..., Vila Nova de Famalicão, intentou a presente ação declarativa de condenação contra X - Companhia de Seguros, S.A., com sede no Largo …, n.º …, Lisboa e Y - Companhia de Seguros S.A., com sede na Rua ..., n.º .., Lisboa, para efetivação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, pedindo a condenação solidária das Rés a pagarem à Autora a quantia global de €29.856,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da ocorrência do acidente até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, que foi interveniente em acidente de viação ocorrido em 06 de abril de 2019, na Autoestrada A4, que envolveu 5 veículos.
Assim, quando seguia no seu veículo (EA) no sentido Amarante/Vila Real, à saída do Túnel do Marão, deparou-se com o veículo QR despistado, não tendo conseguido evitar o embate, do qual resultaram danos ligeiros no EA e não resultaram danos nos seus ocupantes.
Porém, logo de seguida, surge no mesmo sentido o veículo ND, em velocidade excessiva, tendo embatido no EA e arrastado este veículo, o QR e ainda o OJ, que também se encontrava ali parado, mas não embatido, para a berma do lado direito.
Mais alega que deste embate resultaram avultados danos no EA, bem como ferimentos na Autora e outros danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que descreve.
Conclui pela responsabilização dos condutores dos veículos QR e ND.
Regularmente citada, a Ré X - Companhia de Seguros, S.A. contestou, alegando que o acidente ficou a dever-se à culpa exclusiva das condutoras dos veículos EA e QR, pois que estavam a ocupar a via sem que fizessem uso de qualquer sinalização de perigo.
A 2.ª Ré Y-Companhia de Seguros S.A., contestou alegando a existência de culpa da concessionária que não avisou da existência de perigo; bem como a ausência de culpa da condutora do QR, já que foi o EA que lhe embateu, sendo certo que os danos resultaram quase exclusivamente do embate da viatura ND.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, bem como despacho a identificar o objeto do processo e a enunciar os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Em face do exposto e atentas as considerações que antecedem, o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:

I – Condena a ré “X Companhia de Seguros, SA” a pagar à autora a quantia de a quantia de € 8.650,00 (oito mil seiscentos e cinquenta euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação da ré até efetivo pagamento;
II – A quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a presente data até efetivo pagamento;
III – Absolve a ré “X Companhia de Seguros, SA” do demais peticionado;
IV – Absolve a ré “Y Companhia de Seguros, SA” de todos os pedidos formulados pela autora.
*
Custas na proporção do decaimento (artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Notifique. Registe.”

Inconformada, apelou a Ré X - Companhia de Seguros SA da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“1ª- O presente recurso de apelação é interposto da sentença proferida, pois que, salvo o devido respeito, ao decidir como o fez, a sentença recorrida não procedeu a uma correta interpretação e aplicação dos preceitos e valores legais pertinentes aos factos provados.

Assim,
2ª- O presente recurso de apelação é interposto da douta sentença proferida e versa sobre duas questões:
- A primeira reporta-se à questão de atribuir a responsabilidade na produção do acidente e pelos danos sofridos pela Autora exclusivamente ao condutor do veículo seguro matrícula ND.

Subsidiariamente,
- A segunda questão, e caso se mantenha a responsabilidade na produção do acidente ao condutor do ND, reporta-se ao montante de 7.000,00 euros, atribuído à autora pelos danos sofridos no veículo EA.
3ª- Face aos factos provados, salvo o devido respeito, a Mª Juiz do Tribunal a quo decidiu de forma simplista ao atribuir a responsabilidade dos danos sofridos pela Autora exclusivamente ao condutor do veículo seguro na Ré, o ND, com o que, salvo o devido respeito discordamos totalmente.
4ª- Aliás, até nos parece contraditório que se atribua a responsabilidade do acidente ao condutor do ND, quando exatamente pelas mesmas razões , quer a Autora, quer o condutor do QR , que o condutor do OJ, não tenham conseguido evitar os despistes e embates, como , aliás, a Mª Juiz refere e considera , e bem .
5ª- Na verdade, não tendo a autora agido com culpa, nem os demais condutores, sendo o acidente decorrente próprio do risco da circulação dos veículos, não se compreende que sendo um “choque em cadeia” numa auto estrada, se não usa o mesmo critério em relação ao condutor do ND, antes se o vai responsabilizar pelo acidente e suas consequências quando “ A faixa esquerda encontrava-se ocupada com os veículos QR e EA e a faixa direita encontrava-se ocupada com o OJ.”
6ª- Como se refere na fundamentação da douta sentença se não se pode formular um juízo de culpa relativamente aos condutores dos veículos EA , QR e ND, no que concordamos, também não se pode daí extrair que a responsabilidade pelo risco recai exclusivamente no veiculo ND .
7ª- De facto, não era de todo expectável para o condutor do ND encontrar aquele cenário:
56. À saída do Túnel deparou-se com 4 veículos despistados.
57. A faixa esquerda encontrava-se ocupada com os veículos QR e EA e a faixa direita encontrava-se ocupada com o OJ.
8ª- Por isso a responsabilidade não pode ser apenas e só assacada ao condutor do ND, sendo a responsabilidade pelo risco aplicável para todos os intervenientes no acidente em cadeia, como, aliás, tem sido seguido pela jurisprudência.
9ª- Como refere a própria Mº Juiz do Tribunal a quo :
“Não obstante, em matéria de colisão de veículos, como é o caso dos autos, importa distinguir diversas situações, no que se refere à responsabilidade pelos danos emergentes
da colisão:….
e) Não havendo culpa de nenhum dos condutores, importa distinguir:
i) Se apenas um dos veículos causou danos ao outro (por exemplo um estava parado quando foi embatido), apenas esse condutor responde pelo risco;
ii) Se ambos os veículos concorreram para o acidente, somam-se os danos resultantes do acidente para os dois veículos e reparte-se a responsabilidade total na proporção em que cada um tenha contribuído para o acidente (levando em conta o peso, velocidade, características).
A mesma solução deve ser adotada para os danos sofridos pelos condutores, interpretando extensivamente a norma do artigo 506º, nº 1 do Código Civil.
Regressando ao caso concreto, vimos já que não é possível afirmar a culpa de qualquer um dos condutores..”
10ª- E, assim, de facto é, pelo que parece-nos liquido que todos os veículos concorreram para a eclosão dos sucessivos embates, pois que não fora os embates anteriores e a obstrução da via pelos três veículos, que o ND circularia normalmente e não teria também embatido .
11ª- Assim, , sendo os veículos envolvidos todos da mesma categoria de ligeiros de passageiros , sendo obviamente todos do mesmo peso , tamanho e características semelhantes, parece-se que a responsabilidade deve ser repartida proporcionalmente pelos veículos intervenientes HU, ND, QR, OJ e EA – vide ponto 1 dos factos provados , ou seja 20% para cada um dos intervenientes e deste modo os danos serem de igual modo imputados na mesma proporção .
12ª- E tendo todos os cinco veiculos concorrido para o acidente, devem somar-se os danos resultantes do acidente pelos veículos envolvidos e reparte-se a responsabilidade na proporção em que cada um tenha contribuído para o acidente, levando em conta, peso , velocidade e características, ou seja, in casu , 20% dos danos a suportar por cada um .
13ª- Caso assim se não entenda , o que não se espera e por mera cautela de patrocínio se admite, sempre quanto aos danos sofridos pelo EA a douta sentença fez uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos provados quanto ao valor arbitrado e a suportar pela Ré .
14ª- A douta sentença condenou a Ré a pagar à autora a quantia de 7.000,00 € pela perda do veiculo, desconsiderando os danos que o mesmo já tinha e resultantes do 1º embate , no valor de € 5.180,23, sem qualquer intervenção do veiculo ND, e que não podem ser imputados à Ré recorrente; .
15ª- Desde logo só por lapso pode a Mª Juiz na douta fundamentação declarar que “Refira-se que não tem lugar à redução da indemnização na medida dos danos já provocados pelo anterior embate, na medida em que não só não se apurou outro valor que não o de € 9.000,00”, pois que ficou provado que tinha danos no valor de 5.180,23 € e por isso teria que efetuar a respetiva redução .
Mais,
16ª- A própria douta sentença reconhece que “ Por conseguinte, somos a concluir que os danos provenientes deste segundo embate foram causados apenas pelo ND” – vidé pg 23 da douta sentença e que “ a quantia 5.180,23 € dizem respeito aos na frente do veiculo “ – pg 24 , mal se compreende que tenha de ser a Ré a suportar todos os danos sofridos pelo EA, havendo até, salvo o devido respeito, uma contradição .
17ª- Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida nesta parte quer pretender imputar à Ré uma indemnização por danos do 1º embate que são da exclusiva responsabilidade da Autora .
18ª- Salvo melhor opinião parece-nos liquido que face ao principio geral da responsabilidade civil previsto no art. 483º do Código Civil e do principio da indemnização pelos danos causados por coisas previsto no art. 493º do CC, só “responde pelos danos que a coisa ou animal causarem…” , e não pelos danos que não causaram e que são pré-existentes .
19ª- Acresce que na “obrigação de indemnização” e de acordo com o principio geral previsto no art. 562º do Código Civil dispõe : Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação “ .
20ª- Decorre, assim, destes preceitos legais que a douta sentença fez uma errada interpretação e aplicação daquelas disposições ao caso concreto e factos provados.
21ª- Na verdade, sendo o valor aproximado de mercado do veiculo da Autora de 9.000,00 € - vide ponto 61 dos factos provados, e recebeu da “W Unipessoal,La” pelos salvados do veiculo a quantia de 2.000,00 € – vide art. 69º da douta p.i., e cuja dedução reclama do art. 70º da douta p.i., , e tendo danos na frente antes do embate do ND no valor de 5.180,23€ - vide ponto 59 dos factos provados, apenas tem a Ré de pagar à autora pelo veiculo a quantia de 1.819,77 € de acordo com a teoria da diferença, correspondente ao valor do veiculo de 9.000,00 €, menos o valor dos salvados de 2.000,00 € e menos os danos na frente no valor de 5.180,23 €, ou seja 1.819,77 € .
22ª- Assim, salvo o devido respeito a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art 506º, 483º, 493º e 562º do CC aos factos provados”.
Pugna a Ré X - Companhia de Seguros SA pela integral procedência do recurso e, em consequência, pela revogação da sentença recorrida.
A Ré Y Insurance plc, Sucursal em Portugal veio apresentar contra-alegações e interpor recurso subordinado apresentando as seguintes conclusões:
“1. É o presente recurso subordinado, apresentado contra a parte da douta sentença recorrida, na qual foi considerada a responsabilidade civil extracontratual pelo risco de circulação de veículo seguro na 1ª Ré X.
2. Como resulta diretamente dos pontos nºs 12, 13 e 14 da sentença, conclui-se que o veículo matrícula “ND” circulava em violação direta dos comandos do Cód. da Estrada, tendo o seu condutor agido com culpa.
3. Pelo que tal melhor entendimento, deverá ser considerada a responsabilidade da 1ª Ré como consequência da responsabilidade culposa do condutor do veículo “ND”.
4. Relativamente à 2ª Ré Y deverá sempre manter-se a sua integral absolvição do pedido por virtude da observância de todos os preceitos legais por parte do condutor do veículo seu segurado.
5. A sentença recorrida relativamente à 1ª Ré, violou os artºs. 483º, 487º e 503º do Cód. Civil e artºs 24º, 25º e 27º do Cód. da Estrada”.
Pugna a Ré Y Insurance plc, Sucursal em Portugal pela revogação parcial da sentença recorrida.

A Autora veio também interpor recurso subordinado, presentando as seguintes conclusões:
“1. Entende a Autora, aqui Recorrente, que a douta Sentença recorrida, considerada tanto na sua vertente da decisão da matéria de facto, como na subsunção do direito à factualidade dada como assente, merece apenas dois pequenos reparos.
2. A Recorrente entende que as quantias fixadas a título de dano pela privação do veículo e de danos não patrimoniais, pecam por escasso.
3. Com o seu articulado inicial, a Recorrente peticionou a título de dano pela privação do veículo uma indemnização correspondente ao valor diário de €25,00, valor que não é, de todo, desajustado, antes correspondendo ao valor mínimo praticado.
4. Assim, entende a Recorrente que o valor de tal indemnização deverá ser fixado em tal valor de €25,00, e deverá ser contabilizada até ao momento em que a Recorrente adquiriu nova viatura, ou seja até Maio de 2020, perfazendo um total de 375 dias e a correspondente quantia de €9.375,00.
5. No que respeita ao valor fixado a título de danos não patrimoniais, salvo melhor opinião, foram dados como provados factos que demonstram e justificam que à Autora, aqui Recorrente, deveria ter sido fixado um valor substancialmente superior a título de danos não patrimoniais.
6. Foram momentos de verdadeiro pânico e terror os que foram vivenciados pela Recorrente aquando do sinistro, que ainda hoje está seriamente traumatizada com os momentos então vivenciados.
7. Foi dado como provado que a Recorrente temeu pela sua própria vida, e que foi necessário retirar as crianças pela zona da janela da viatura sinistrada.
8. Atendendo à gravidade dos danos sofridos a tal título, entende a Autora, aqui Recorrente, que o valor da indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, não deveria ter sido fixado em valor inferior a €5.000,00.
9. Noutra vertente, salvo melhor opinião, a Recorrente X deveria ter sido condenada tendo por base a culpa efetiva na condução do veículo seguro.
10. Tal circunstância decorre claramente da factualidade dada como provada nos pontos 12, 13, 14, de onde resulta que o condutor da viatura ND circulava em excesso de velocidade e com extrema imprudência,
11. O condutor da viatura ND circulava na mesma a velocidade superior a 150 km/h.
12. Como ficou demonstrado, depois de ter embatido violentamente no veículo da Autora/Recorrente, a viatura ND apenas se imobilizou a cerca de 150 metros à frente,
13. O veículo ND, por circular em excesso de velocidade, entrou em despiste e foi embater em cheio e com muita violência na parte lateral direita do veículo da Autora e no veículo QR.
14. Inexistiriam danos físicos e morais da índole dos que, com aquele embate, passaram a existir.
15. Assim, entende a Autora Recorrente que deve ser considerado que a condução do veículo “ND” foi culposa por violação direta do artigo 487º do Código Civil e dos artigos 24º a 27º do Código da Estrada.
16. Nestes termos, e apenas relativamente a estes pontos, deve ser revogada a doutíssima Sentença recorrida, condenando a Ré/Recorrente X no pagamento de indemnização à Autora Recorrente em valor não inferior a €22.125,00.
17. Salvo melhor opinião, ao decidir como decidiu, a douta Sentença recorrida fez uma incorreta aplicação dos artigos 483º, 487º, 496.º e 503º do Código Civil e dos artigos 24º, 25º e 27º do Código da Estrada.
Pugna a Autora pela revogação da sentença recorrida nos termos por si expostos.
Tendo sido determinada a audição das partes sobre a questão da admissibilidade do recurso subordinado interposto pela Ré Y, apenas a Ré X – Companhia de Seguros, SA, veio pronunciar-se no sentido de concordar com a não admissibilidade do recurso subordinado interposto pela Ré Y, SA, em virtude de não reunir os respetivos pressupostos.
Foi proferido despacho julgando inadmissível o recurso subordinado interposto pela Ré Y por se não poder afirmar que a mesma tenha ficado vencida, pelo que se decidiu não conhecer do seu objeto.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

A) Do recurso interposto pela Ré X - Companhia de Seguros SA
1 - Saber se deve ser alterada a repartição do risco relativo aos veículos intervenientes no acidente;
2 - Saber, subsidiariamente, se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância pelos danos sofridos no veículo EA;

B) Do recurso subordinado interposto pela Autora
C)
1 - Saber se a responsabilidade pelo acidente deve ser imputada exclusivamente, a título de culpa, ao condutor do veículo automóvel ND;
2 - Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano da privação do uso e de danos não patrimoniais.
***
II. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
1. No dia - de abril de 2019, pelas 10:31 horas, na Auto Estrada A4, km 79,200, freguesia de ..., concelho e distrito de Vila Real, no sentido Porto-Vila Real, ocorreram despistes e colisões em que foram intervenientes os seguintes veículos:
- Veículo ligeiro de passageiros, com matrícula HU (doravante designado por HU), conduzido por F. M. e pertença de E. M., segurado na “K Seguros, S. A.” através da apólice nº ............51;
- Veículo ligeiro de passageiros, de marca Mercedes, com matrícula ND (doravante designado por ND), conduzido por J. M. e segurado pela 1ª Ré sob a apólice n.º ............84;
- Veículo ligeiro de passageiros, de marca Citroen, com matrícula QR (doravante designado por QR), conduzido por M. I. e segurado na 2ª Ré, sob a apólice nº .....15;
- Veículo ligeiro de passageiros, de marca BMW, com matrícula OJ (doravante designado por OJ), conduzido por S. P. e segurado pela “Seguradoras ..., S.A.”, através da apólice nº ........86; e
- Veículo ligeiro de passageiros, de marca Mini, com matrícula EA (doravante designado por EA), conduzido pela autora e registado a seu favor pela apresentação 4308 de 14/01/2013, segurado pela Seguradoras ..., S.A., sob a apólice nº ......32.
2. No local onde o acidente se verificou, a via pública apresenta dois sentidos de trânsito, cada uma com duas vias de trânsito, com separação física das faixas de rodagem por separadores centrais, vulgo denominada de “autoestrada”.
3. A faixa de rodagem onde todas as suprarreferidas viaturas circulavam, na direção Porto-Vila Real, sendo a via em asfalto, constituída por duas vias de trânsito no mesmo sentido – faixa da direita e faixa da esquerda.
4. Os embates ocorreram logo após o túnel conhecido como “Túnel do Marão”.
5. Nos momentos que antecederam o acidente, o veículo EA circulava na via de trânsito da direita, circulando imediatamente atrás do veículo OJ.
6. Circulava a velocidade não superior a 80 km/h.
7. A autora transportava três crianças consigo.
8. Imediatamente depois de sair do túnel, a autora foi surpreendida com a existência de duas viaturas imobilizadas na via de trânsito, designadamente com:
– a viatura QR, que se encontrava acidentada junto dos railes do lado esquerdo (separador central), a ocupar esta via a cerca de 100 metros do final do túnel, sem ocupantes no seu interior;
- a viatura HU, que se encontrava acidentada junto aos railes de proteção do lado direito da via de rodagem, a ocupar esta via, a cerca de 200 metros do final do túnel, sem ocupantes no seu interior.
9. Para evitar um embate a autora começou de imediato a travar, acabando por embater com a parte frontal esquerda na porta traseira da lateral direita do veículo QR, que ali estava imobilizado.
10. Este embate provocou estragos nas viaturas que QR e EA, não tendo provocado ferimentos nos ocupantes que nelas circulavam.
11. O condutor da viatura OJ, que circulava à frente da autora, também confrontado com aquelas duas viaturas imobilizadas, efetuou uma travagem brusca (“a fundo”).
12. Posteriormente, quando a viatura da autora se encontrava imobilizada e embatida contra a viatura QR, junto ao raile da faixa da esquerda, surge vindo do Túnel o veículo ND que entrou em despiste e foi embater na parte lateral direita do veículo EA.
13. O EA e o QR imobilizaram-se junto aos railes do lado direito, cerca de 100 metros do final do túnel.
14. Já a viatura ND apenas se imobilizou junto aos railes de proteção do lado direito da via de rodagem, perto da viatura HU, a cerca de 150 metros de distância do local onde embateu na viatura da autora.
15. Depois dos embates, a autora permaneceu no local cerca de 2 horas.
16. À entrada do Túnel, do lado do Porto, o piso encontra-se em bom estado de conservação.
17. À saída do Túnel do Marão, do lado de Vila Real, o piso encontrava-se húmido, com neve, o que dificultou a imobilização atempada das viaturas.
18. A autora conhece o percurso da via onde se deu o acidente, por nela passar com periodicidade mensal.
19. A autora conduzia a sua viatura a uma velocidade aproximada de 80 km/h, não obstante o limite máximo de velocidade permitido no local para veículos ligeiros de passageiros sem reboque ser superior.
20. A autora não tinha ingerido bebidas alcoólicas.
21. A autora circulava com três crianças no seu carro de idades compreendidas entre os 14 e os 15 anos de idade.
22. Foi necessário retirar as crianças pela zona da janela da viatura EA.
23. Em virtude do embate com a viatura ND, a viatura EA acionou o sistema dos airbag lateral e frontal direito.
24. A viatura EA sofreu estragos irreversíveis em toda sua extensão, frente, traseira, lateral direita e lateral esquerda.
25. O agravamento dos estragos ocorreu devido a embate do ND.
26. O veículo EA era da marca Mini, Modelo Cooper D, a gasóleo, e à data tinha 178.000 km percorridos e estava conservado pelo menos a nível de carroçaria.
27. Em consequência do acidente, o EA não apresentava condições de circular e a sua reparação ascendia a € 15.772,12.
28. O EA foi entregue para abate à sociedade “W, Unipessoal, Lda.”.
29. A autora usava o veículo diariamente para se fazer deslocar da sua habitação para o trabalho, e vice-versa.
30. A autora residia na freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão.
31. O local de trabalho da autora ficava localizado a cerca de 15/20 km de distância da residência que a autora tinha na altura e manteve até fins de 2019, início de 2020.
32. A autora não adquiriu outra viatura até maio de 2020, não tendo sido disponibilizado veículo por nenhuma das rés.
33. Até essa altura, a autora recorreu e boleia e transportes públicos.
34. No momento em que ocorreu o embate, ficaram destruídos os seguintes pertences da autora: telemóvel iPhone 8, nº de série ……, no valor em novo de €666,00 – cfr. documento nº 16 junto com a petição inicial; relógio de marca One; óculos de sol de marca Ray-Ban; Tablet de marca Asus; Disco externo.
35. A autora sofreu traumatismos devido aos embates.
36. A autora não foi assistida logo no local.
37. No dia -/04/2019, sentindo ainda dores decorrentes do embate, a autora teve necessidade de ser assistida no Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, Unidade de Vila Nova de Famalicão, dando origem ao episódio de urgência nº .......
38. Aquando da entrada neste serviço hospitalar, a autora apresentava: - traumatismo do joelho e mão direita; - cervicalgia posterior e dorsalgia; - Hematoma na perna direita – cfr. documentos nº 21 e 22.
39. Partiu um dente no embate e foi no dia seguinte à Clínica Dentaria dos ... sita em Av. … Braga, restaurar o dente.
40. O restauro partiu, sendo por isso recomendada a colocação de um pivô. 41. A autora foi submetida a Raio–X cervical e torácico.
42. Teve alta hospitalar no mesmo dia 11/04/2019.
43. Aquando do embate, a autora tinha 29 anos era ativa.
44. A autora vivenciou momentos de desespero, angústia e dor e temeu pela sua vida.
45. Sofreu dores devido aos ferimentos, que se fixam num grau 3/7.
46. Ficou com o joelho direito e com a mão direita pisados.
47. A autora continuou a sentir dores no corpo e que perduraram pelo menos 20 dias.
48. Ainda hoje é invadida pela imagem do acidente.
49. Tendo nos meses que se seguiram ao acidente muita dificuldade em voltar a andar de carro, e de voltar a conduzir.
50. Após o embate, com o constante surgimento de viaturas oriundas do Túnel, foi necessário retirar as crianças que a autora transportava pela janela das portas dianteiras, uma vez que as portas não abriam.
51. A autora sentiu pânico e temeu pela sua vida.
52. A autora fazia caminhadas e corridas ao ar livre.
53. Por acordo titulado pela Apólice ............84 a ré “X” assumiu a responsabilidade perante terceiros emergente da circulação do veículo de matrícula ND.
54. Por acordo titulado pela Apólice .....15 a ré “Y” assumiu a responsabilidade perante terceiros emergente da circulação do veículo de matrícula QR.
55. O veículo ND circulava no sentido Amarante/Porto.
56. À saída do Túnel deparou-se com 4 veículos despistados.
57. A faixa esquerda encontrava-se ocupada com os veículos QR e EA e a faixa direita encontrava-se ocupada com o OJ.
58. A reparação dos estragos do EA, sem desmontagem, ascendia a € 15.772,12 podendo agravar em mais 20% após a desmontagem.
59. Deste valor a quantia de € 5.180,23 diz respeito aos estragos na frente do veículo.
60. A reparação do EA era tecnicamente desaconselhável.
61. O valor aproximado de mercado de um veículo como o EA era de € 9.000,00.
62. A condutora do QR circulava a cerca de 70 Km/hora.
63. À saída do Túnel deparou-se com o piso escorregadio por virtude de se encontrar a nevar.
64. Tendo perdido o controlo do veículo e embatido no rail de proteção do seu lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha Porto/Vila Real.
65. Tendo, de seguida, sido embatido por mais dois veículos que a precediam, tendo sido em consequência projetada para o outro lado da via.
66. Por carta de 18/04/2019, a ré “X” comunicou à autora, embora sem assumir a responsabilidade pelo acidente, que se impunha a regularização do sinistro como perda total e indicando a proposta para aquisição do salvado por € 1.723,00.
67. Por carta de 24/05/2019, a ré “X” comunicou à autora que declinava a responsabilidade pelos danos emergentes deste sinistro.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

1. O local do embate configura uma reta.
2. O EA circulava a uma distância do OJ não inferior a 200 metros.
3. O OJ conseguiu imobilizar a viatura na faixa da esquerda da via de trânsito em que ambos circulavam, junto à linha descontínua central ali existente.
4. O veículo ND também no veículo QR, projetando-os contra o veículo OJ, onde foram embater.
5. Em virtude deste embate provocado pelo veículo ND, os veículos EA e QR embateram entre si e, com a projeção do embate, chocaram com o veículo OJ.
6. À entrada do túnel não chovia e o piso estava seco.
7. No interior do túnel, inexistia qualquer aviso ou alerta para a existência de neve no exterior, à saída, bem como de qualquer acidente.
8. O condutor da viatura ND circulava na mesma a velocidade superior a 150 km/h. 9. Era expectável que o EA viesse a atingir, no mínimo, os 300.000 km.
10. Tinha um valor de mercado nunca inferior a €13.000,00.
11. A falta de transporte obriga-a a ter de se levantar cerca de uma hora mais cedo, para conseguir apanhar o autocarro para o trabalho e passou a chegar cerca de 1 hora mais tarde a casa do trabalho.
12. É com enorme tristeza e desolação que encara as marcas que agora possui no seu corpo, até porque a mesma sempre foi muito ciosa com a sua aparência.
13. Razão pela qual alterou até a sua indumentária, optando por vestuário que encubra e esconda a zona estigmatizada pelas marcas.
14. A autora sofreu dores devido aos tratamentos e recuperação.
15. Durante o período de recuperação, a autora perdeu parcialmente a sua autonomia, tendo ficado dependente da ajuda de terceiros para a realização das mais rudimentares tarefas, tais como, levantar-se da cama, vestir-se ou calçar-se.
16. Tendo sido muitas as noites em que não conseguiu descansar devido ao sofrimento provocado pelo corpo dorido e pisado.
17. Ainda hoje a autora teme pela sua saúde e bem-estar.
18. A autora abandonou as caminhadas e corridas em virtude das dores que sente no joelho direito sempre que tenta realiza-las.
19. À data do embate não possuía disponibilidade financeira que lhe permitisse adquirir outro veículo.
20. O veículo ND circulava a cerca de 60 a 70 Km/hora.
21. Os veículos com que se deparou encontravam-se a cerca de 40 a 50 metros.
22. O EA encontrava-se completamente atravessado no meio das duas faixas de rodagem.
23. O condutor do ND reduziu a velocidade e travou lentamente tentando passar na faixa esquerda entre o rail central e o EA.
24. O EA descaiu e o ND embateu com a sua frente do lado direito na frente do lado esquerdo do EA que deslizava para a faixa esquerda.
25. Após o embate do EA no ND, este veículo devido ao piso escorregadio entrou em deslize e foi embater no separador da berma do lado direito.
26. Os veículos QR e EA não faziam uso de qualquer sinalização de perigo. 27. O valor do salvado do EA era de € 1.723,00.
28. Foi entregue pela autora pelo valor de €2.000,00.
29. Os bens identificados em 33 tinham o valor de € 140,00 o relógio; € 600,00 o tablet; € 150,00 os óculos de sol e € 50 o disco.
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3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

3.3.1. Enquadramento preliminar

Importa agora apreciar se deve manter-se a decisão jurídica da causa, analisando os fundamentos constantes do recurso interposto pela Ré X - Companhia de Seguros, SA e do recurso subordinado interposto pela Autora.
Vejamos.
A Autora J. D. intentou a presente ação destinada a efetivar a responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra a Ré X - Companhia de Seguros, S.A. e a Ré Y - Companhia de Seguros S.A., com sede na Rua ..., n.º .., Lisboa, pedindo a condenação solidária das Rés a pagarem à Autora a quantia global de €29.856,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da ocorrência do acidente até efetivo e integral pagamento.
Pelo tribunal a quo foi decidido, com base na responsabilidade pelo risco, julgar a ação parcialmente procedente e condenar a Ré X Companhia de Seguros, SA a pagar à Autora a quantia de a quantia de €8.650,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação da Ré até efetivo pagamento e a quantia de €1.500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a presente data até efetivo pagamento, absolvendo a Ré Y Companhia de Seguros, SA de todos os pedidos formulados pela Autora.
Analisados os recursos e os respetivos fundamentos constata-se em primeiro lugar que no recurso subordinado a Autora questiona a responsabilidade na produção do acidente e pugna pela imputação do mesmo exclusivamente e a título de culpa ao condutor do veículo ND, e a Ré X - Companhia de Seguros, SA, aceitando a responsabilidade pelo risco, sustenta que deve ser alterada a repartição do risco relativo aos veículos intervenientes no acidente.
E em ambos os recursos questionam as Recorrentes os montantes indemnizatórios fixados pelo tribunal a quo: a Ré, apenas subsidiariamente, pretende seja alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância pelos danos sofridos no veículo EA e a Autora sustenta que deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano da privação do uso e de danos não patrimoniais.

Assim, por razões de coerência, lógica e economia processual, as questões de um e outro recurso serão apreciadas conjuntamente e pela ordem seguinte:
- Em primeiro lugar, as questões relativas à imputação da responsabilidade na produção do acidente e à repartição do risco relativo aos veículos intervenientes no acidente.
- Em segundo lugar, as questões respeitantes à determinação dos montantes indemnizatórios:
a) Quanto ao dano da privação do uso.
b) Quanto aos danos não patrimoniais da Autora.
c) Quanto ao montante indemnizatório devido pelos danos sofridos no veículo EA, a conhecer apenas subsidiariamente.
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3.3.2 Quanto à imputação da responsabilidade pela ocorrência do acidente
Na sentença recorrida foi decidido não ser possível formular um juízo de culpa relativamente à atuação dos condutores dos veículos envolvidos EA, QR e ND e que, sendo cumulativos os requisitos previstos no artigo 483º do Código Civil (de ora em diante designado apenas por CC), faltando um deles não há lugar à responsabilidade civil por factos ilícitos pelo que estaremos no domínio da responsabilidade pelo risco e das regras que regem a colisão de veículos.
A Autora vem questionar que assim seja, sustentando que o acidente deve ser exclusivamente imputado a título de culpa ao condutor do veículo ND, seguro na Ré X Companhia de Seguros, SA.
Começamos por referir que em face das alegações que a Autora apresenta se poderá suscitar a dúvida se pretenderia impugnar a matéria de facto pois que refere no corpo das mesmas e na 1ª conclusão que a sentença recorrida “considerada tanto na sua vertente da decisão da matéria de facto, como na subsunção do direito”, merece dois reparos.
Não entendemos, contudo, que seja essa a pretensão da Autora, e que, quando se refere à vertente da decisão da matéria de facto, se pretende reportar ao que no seu entender constituirá uma errada subsunção dos factos ao direito, pois na verdade nenhuma indicação consta, desde logo, quanto a qualquer matéria de facto impugnada.
De todo o modo dir-se-á, que se fosse essa a sua intenção não cumpriu a Autora manifestamente os ónus previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, pelo que sempre seria de rejeitar, nessa parte, o recurso.
Entendemos, contudo, não ter sido impugnada pela Recorrente a matéria de facto fixada em 1ª Instância e que o recurso se restringe, tal como o recurso interposto pela Ré X - Companhia de Seguros, SA, apenas à matéria de direito.

Uma vez assente que os recursos versam apenas sobre matéria de direito, e no que aqui releva, imposta considerar a seguinte factualidade:

- No dia - de abril de 2019, pelas 10:31 horas, na Auto Estrada A4, km 79,200, freguesia de ..., concelho e distrito de Vila Real, no sentido Porto-Vila Real, ocorreram despistes e colisões em que foram intervenientes os seguintes veículos:
- Veículo ligeiro de passageiros, com matrícula HU (doravante designado por HU), conduzido por F. M. e pertença de E. M., segurado na “K Seguros, S. A.” através da apólice nº ............51;
- Veículo ligeiro de passageiros, de marca Mercedes, com matrícula ND (doravante designado por ND), conduzido por J. M. e segurado pela 1ª Ré sob a apólice n.º ............84;
- Veículo ligeiro de passageiros, de marca Citroen, com matrícula QR (doravante designado por QR), conduzido por M. I. e segurado na 2ª Ré, sob a apólice nº .....15;
- Veículo ligeiro de passageiros, de marca BMW, com matrícula OJ (doravante designado por OJ), conduzido por S. P. e segurado pela “Seguradoras ..., S.A.”, através da apólice nº ........86; e
- Veículo ligeiro de passageiros, de marca Mini, com matrícula EA (doravante designado por EA), conduzido pela autora e registado a seu favor pela apresentação 4308 de 14/01/2013, segurado pela Seguradoras ..., S.A., sob a apólice nº ......32.
- No local onde o acidente se verificou, a via pública apresenta dois sentidos de trânsito, cada uma com duas vias de trânsito, com separação física das faixas de rodagem por separadores centrais, vulgo denominada de “autoestrada”.
- A faixa de rodagem onde todas as suprarreferidas viaturas circulavam, na direção Porto-Vila Real, sendo a via em asfalto, constituída por duas vias de trânsito no mesmo sentido – faixa da direita e faixa da esquerda.
- Os embates ocorreram logo após o túnel conhecido como “Túnel do Marão”.
- Nos momentos que antecederam o acidente, o veículo EA circulava na via de trânsito da direita, circulando imediatamente atrás do veículo OJ.
- Circulava a velocidade não superior a 80 km/h.
- Imediatamente depois de sair do túnel, a Autora foi surpreendida com a existência de duas viaturas imobilizadas na via de trânsito, designadamente com:
- a viatura QR, que se encontrava acidentada junto dos railes do lado esquerdo (separador central), a ocupar esta via a cerca de 100 metros do final do túnel, sem ocupantes no seu interior;
- a viatura HU, que se encontrava acidentada junto aos railes de proteção do lado direito da via de rodagem, a ocupar esta via, a cerca de 200 metros do final do túnel, sem ocupantes no seu interior.
- Para evitar um embate a Autora começou de imediato a travar, acabando por embater com a parte frontal esquerda na porta traseira da lateral direita do veículo QR, que ali estava imobilizado.
- O condutor da viatura OJ, que circulava à frente da autora, também confrontado com aquelas duas viaturas imobilizadas, efetuou uma travagem brusca (“a fundo”).
- Posteriormente, quando a viatura da Autora se encontrava imobilizada e embatida contra a viatura QR, junto ao raile da faixa da esquerda, surge vindo do Túnel o veículo ND que entrou em despiste e foi embater na parte lateral direita do veículo EA.
- O EA e o QR imobilizaram-se junto aos railes do lado direito, cerca de 100 metros do final do túnel.
- Já a viatura ND apenas se imobilizou junto aos railes de proteção do lado direito da via de rodagem, perto da viatura HU, a cerca de 150 metros de distância do local onde embateu na viatura da Autora.
- À entrada do Túnel, do lado do Porto, o piso encontra-se em bom estado de conservação.
- À saída do Túnel do Marão, do lado de Vila Real, o piso encontrava-se húmido, com neve, o que dificultou a imobilização atempada das viaturas.
- A Autora conduzia a sua viatura a uma velocidade aproximada de 80 km/h, não obstante o limite máximo de velocidade permitido no local para veículos ligeiros de passageiros sem reboque ser superior.
- O veículo ND circulava no sentido Amarante/Porto.
- À saída do Túnel deparou-se com 4 veículos despistados.
- A faixa esquerda encontrava-se ocupada com os veículos QR e EA e a faixa direita encontrava-se ocupada com o OJ.
- A condutora do QR circulava a cerca de 70 Km/hora.
- À saída do Túnel deparou-se com o piso escorregadio por virtude de se encontrar a nevar.
- Tendo perdido o controlo do veículo e embatido no rail de proteção do seu lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha Porto/Vila Real.
- Tendo, de seguida, sido embatido por mais dois veículos que a precediam, tendo sido em consequência projetada para o outro lado da via.

Sustenta a Autora que o condutor do veículo ND circulava a velocidade superior a 150 Km/hora, seguindo em excesso de velocidade, decorrendo da matéria provada nos pontos 12), 13) e 14) que seguia em excesso de velocidade e com extrema imprudência, de onde decorre a culpa efetiva do seu condutor na produção do acidente.
Importa referir que, não obstante o alegado pela Autora, resulta expressamente como não provado (ponto 8 da matéria de facto não provada) que o ND circulasse com velocidade superior a 150 Km/hora, pelo que tal facto não pode ser considerado.
E quanto aos pontos 12), 13) e 14) dos factos provados, a matéria em causa não permite concluir que o ND circulava em excesso de velocidade e com extrema imprudência, mas apenas que efetivamente entrou em despiste; mas, tal como se salienta na sentença recorrida, resulta provado que o piso estava escorregadio devido à neve e ao gelo o que dificultou a imobilização dos veículos (v. ponto 17 dos factos provados), inexistindo factos que permitam atribuir tal despiste e a localização do veículo a excesso de velocidade e a imprudência do seu condutor, como pretende a Autora. Veja-se, aliás, que também a Autora que circulava a velocidade não superior a 80 km/hora não conseguiu imobilizar o veículo e embateu no QR, e que a condutora deste, circulando a cerca de 70 km/hora, deparando-se com piso escorregadio, por se encontrar a nevar, perdeu o controlo do veículo e embateu no rail de proteção (pontos 62, 63 e 64).

Entendemos, por isso, ser de concluir como foi decidido pelo tribunal a quo que
“não se apurou a existência de uma atuação ilícita e culposa por parte da condutora do QR. Nesta conformidade, improcede o pedido de indemnização contra a seguradora em que se encontrava segurado o QR, com fundamento em culpa efetiva da respetiva condutora. (…). Assim, pese embora a distância que ambos os veículos (EA e ND) tiveram para avistar os veículos acidentados (primeiro o EA avistar o QR e depois o ND avistar o EA, o QR e o OJ), devidos às condições atmosféricas adversas, consideramos que não se pode formular um juízo de culpa relativamente à atuação dos respetivos condutores em causa nestes autos (EA, QR e ND)”, assim se afastando a culpa efetiva e exclusiva do condutor do veículo ND na produção do acidente e, consequentemente, a responsabilidade civil por factos ilícitos, improcedendo nesta parte a pretensão da Autora.
Contudo, mesmo quando não seja feita prova da culpa do demandado, tal não obsta a que o tribunal possa averiguar, se o pedido procede no âmbito da responsabilidade pelo risco, desde que dos autos não resulte que o autor só pretende a reparação se houver culpa do réu.
In casu, o tribunal a quo indagou da verificação dos requisitos da responsabilidade pelo risco e concluiu que apenas o veículo ND deveria responder pelos danos.
É contra este entendimento que se insurge a Ré X - Companhia de Seguros, SA que, aceitando não se poder formular um juízo de culpa relativamente a nenhum dos condutores dos veículos EA, QR e ND, sustenta que não se pode concluir que o risco recai exclusivamente sobre o veículo ND, sendo a responsabilidade pelo risco aplicável a todos os intervenientes.

Vejamos se lhe assiste razão.
A lei distingue no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, entre a responsabilidade civil por factos ilícitos e a responsabilidade pelo risco, sendo aquela, baseada na culpa, a regra, e assumindo a responsabilidade pelo risco, inequivocamente, natureza excecional (v. entre muitos outros o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2019, Processo n.º 5385/15.6T8LRS.L1.S1, Relator Conselheiro Oliveira Abreu, disponível em www.dgsi.pt, à semelhança dos demais citados sem outra menção de origem).
Assim, em matéria de responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados por veículos automóveis, a ocorrência de uma colisão entre dois veículos automóveis pode enquadrar-se num de três tipos de situações geradoras de responsabilidade civil:
- responsabilidade a título de culpa efetiva de algum ou de ambos os condutores dos veículos intervenientes na colisão (cfr. artigo 483º n.º 1 do CC);
- responsabilidade a título de culpa presumida do condutor de veículo por conta de outrem (cfr. n.º 3 do artigo 503º do CC);
- responsabilidade pelo risco inerente à própria condução dos veículos, nas situações em que se não consegue provar a culpa efetiva de algum dos condutores dos veículos intervenientes e, não se verificando a presunção de culpa consagrada no n.º 3 do artigo 503º, também não se pode afirmar que o acidente foi provocado por culpa do lesado, ou por facto de terceiro, ou por causa de força maior estranha ao funcionamento dos veículos (cfr. artigos 503º n.º 1, 505º e 506º n.º 1, todos do CC).
Como se afirma no citado acórdão de 17/10/2019 a “[N]ota dominante da responsabilidade pelo risco, temo-la no facto de a lei prescindir daquele elemento subjetivo, da culpa. O fundamento da responsabilidade não reside agora no propósito de um ato culposo, mas sim no controle de um risco, ou talvez, com maior rigor, no controle de potenciais danos, aliado ao princípio da justiça distributiva, segundo a qual quem tiver o lucro ou em todo o caso, o benefício de uma certa coisa, deve suportar os correspondentes encargos - ubi commodum ibi incommodum.”
A responsabilidade pelo risco está prevista no artigo 503º n.º 1 do CC que dispõe que “[A]quele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.”

Nesta disposição o legislador estabelece os pressupostos da obrigação de indemnizar por danos decorrentes dos riscos próprios do veículo, no âmbito dos acidentes de viação civil:
a) a direção efetiva;
b) a utilização do veículo no seu próprio interesse; e
c) a verificação dos riscos próprios do veículo.
Estão em causa pressupostos de verificação cumulativa, bastando a falta de qualquer um para que seja de afastar a responsabilidade l objetiva.
Relativamente ao primeiro dos referidos pressupostos deve entender-se por direção efetiva o poder real (ou de facto) ou o poder de controlo sobre o veículo, no momento da verificação do acidente, poder do qual resulta o especial dever de controlar o seu funcionamento, de modo a garantir a sua circulação nas melhores condições de segurança; a este propósito considera Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina, 6ª Edição, p. 625 e 626) que “a direção efetiva do veículo é p poder real (de facto) sobre o veículo, mas não equivale à ideia grosseira de ter o violante nas mãos”, pelo que, em regra, tem a direção efetiva do veículo o proprietário do mesmo, mas pode tê-la o usufrutuário, o locatário, o comodatário, o adquirente com reserva de propriedade, o motorista, ou até a pessoa que use o veículo abusivamente ou o tenha furtado).
Para que haja responsabilidade objetiva é ainda necessário que a pessoa que tem o referido controlo do veículo o utilize no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário.
Com este requisito visou o legislador afastar a responsabilidade objetiva, daqueles que, tal como o comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas às ordens e em proveito de outrem, o comitente (v. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, ob. cit., p. 626).
Uma vez identificada a pessoa que detém a direção efetiva e utiliza o veículo no seu interesse, a mesma responde pelos danos causados pelo veículo; contudo cumpre salientar que apenas responde pelos danos que sejam provenientes dos riscos próprios do veículo.
Os riscos próprios do veículo podem ser divididos em subcategorias, designadamente os riscos ligados ao veículo, os riscos ligados ao meio de circulação e os riscos ligados ao próprio condutor (v. Celestino Rafael, “Pressupostos da obrigação de indemnização por acidentes causados por veículos de circulação terrestre – Estudo sobre o artigo 503.º do Código Civil, p. 72 e 73, a consultar em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16340/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Ana%20Lisa%20Magalh%C3%A3es.pdf).
De entre os riscos ligados ao veículo podemos referir, de entre vários outros, os resultantes de acidentes provocados pelo veículo em circulação (é o caso do atropelamento de pessoas, da colisão com outro veículo, destruição) mas também, os causados por veículo estacionado, como o choque, a colisão provocada por veículo fora de mão ou parado em lugar impróprio, ou o veículo parado na sua mão, mas sem a devida sinalização, ou com a porta indevidamente aberta.
Quanto aos riscos ligados ao meio de circulação podemos salientar, entre outros, a circulação em superfície de água, ou de gelo ou neve, ou a existência de óleo na estrada.
A este propósito refere Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, ob. cit., p. 635) que dentro da fórmula legal cabem tanto os danos provenientes dos acidentes provocados pelo veículo em circulação, como os causados pelo veículo estacionado, sendo que quanto ao veículo em circulação tanto faz que circule em via pública como em qualquer recinto provado.
Como escreve Dario M. Almeida (Manual de Acidentes de Viação, 9ª Edição, Almedina, 1980, p. 314 a 317, apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2019, Processo n.º 586/15.5T8BGC.G1.S1, Relator Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins) “[N]o risco, compreende-se tudo o que se relacione com a máquina enquanto engrenagem de complicado comportamento, com os seus vícios de construção, com os excessos ou desequilíbrios da carga do veículo, com o seu maior ou menor peso ou sobrelotação, com a sua maior ou menor capacidade de andamento, com o maior ou menor desgaste das suas peças, ou seja, com a sua conservação, com a escassez de iluminação, com as vibrações inerentes ao andamento de certos camiões gigantes, suscetíveis de abalar os edifícios ou quebrar os vidros das janelas. É o pneu que pode rebentar, o motor que pode explodir, a manga de eixo ou a barra da direção que podem partir, a abertura imprevista de uma porta em andamento, a falta súbita de travões ou a sua desafinação, a pedra ou gravilha ocasionalmente projetadas pela roda do veículo…
Dentro dos pressupostos da responsabilidade civil, o dano indemnizável será aquele que estiver em conexão causal com o risco. Para traduzir esta ideia, a lei refere-se aos “danos provenientes dos riscos próprios do veículo”. O dano liga-se por um nexo causal ao facto material em que se configura o risco, não sendo, todavia, necessário um contacto material entre o veículo e o sinistrado”.
Dentro dos riscos próprio do veículo cabem ainda os já referidos ligados ao condutor, tais como o incidente cardiovascular, a congestão, ou qualquer doença súbita de quem conduz.
Assim, fora do âmbito dos danos abrangidos pela responsabilidade civil objetiva ficam os que não têm conexão com os riscos próprios do veículo, os que são estranhos aos meios de circulação e os que, tendo sido provocados pelo veículo, poderiam tê-lo sido por qualquer outra coisa móvel (v. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, ob. cit., p. 637).

No caso concreto, conforme decorre da matéria de facto provada a Autora logrou efetivamente demonstrar os factos em que assenta a responsabilidade aquiliana ou extracontratual: o facto (o acidente), os danos e o nexo de causalidade entre o facto e os danos; não resultando dos autos factos que permitam concluir pela culpa efetiva ou presumida dos condutores dos veículos intervenientes, o caso deve reconduzir-se efetivamente à responsabilidade pelo risco respeitante à colisão de veículos.
De facto, não se verificando a culpa efetiva de algum dos condutores dos veículos intervenientes, não resultando estar nenhum deles onerado com a presunção de culpa do n.º 3 do artigo 503º do CC, não estando também comprovada a culpa do lesado ou facto de terceiro, e nem que resultou de força maior estranha ao funcionamento dos veículos (cfr. artigo 505.º do CC), o presente caso de colisão de veículos deverá ficar sujeito à disciplina do artigo 506º do CC, tal como decidido em 1ª Instância.
Prevê o n.º 1 deste preceito que “Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar”.
E o n.º 2 estabelece que, em caso de dúvida, se considera igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.
Tendo por base os considerandos já enunciados importa agora determinar se um ou mais dos veículos intervenientes no embate contribuíram para os danos.
Começamos desde já por referir que não podemos concordar com a posição do tribunal a quo quando considera que apenas o veículo ND responde pelos danos causados, por entendermos que cada um dos três veículos envolvidos nos embates sucessivos em discussão nos presentes autos (o EA, da Autora, o QR e o ND) contribuíram com os riscos próprios para os danos causados no veículo da Autora.
A tal não obsta, em nosso entender e salvo melhor opinião, o facto de no primeiro embate, entre o EA e o QR, este se encontrar imobilizado, e no segundo embate, entre o ND e o EA, este se encontrar também imobilizado.
É que, em ambas as situações, os veículos não se encontravam imobilizados no sentido de se encontrarem parados ou estacionados em local a esse fim destinado, mas por se encontrarem acidentados; isto é, o QR encontrava-se acidentado junto aos railes do lado esquerdo (separador central) a ocupar esta via a cerca de 100 metros do final do túnel, sem ocupantes no seu interior, e o EA, conduzido pela Autora, acabou por embater com a parte frontal esquerda na porta traseira da lateral direita do veículo QR, o que provocou danos em ambas as viaturas.
Conforme já referimos a responsabilidade objetiva cobre os danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação (cfr. artigo 503º do CC).
É certo que o veículo QR se encontrava imobilizado no momento em que o EA lhe embateu, mas encontrava-se imobilizado na sequência da sua condutora ter perdido o controlo do mesmo, por o piso se encontrar escorregadio em virtude de se encontrar a nevar, e de ter embatido no rail de proteção, e junto ao separador central.
Estendemos dessa forma que, apesar do QR se encontrar imobilizado quando é embatido pelo EA, ainda nos encontramos dentro dos riscos próprios do veículo que o instituto da responsabilidade civil pelo risco tutela, não sendo de concluir que os danos foram causados apenas pelo EA conforme consta da sentença recorrida.
Contudo, não podemos deixar de salientar que o tribunal a quo ao afirmar que os danos no primeiro embate foram causados apenas pelo EA, não se mostra congruente com a conclusão de que apenas o ND responderá pelos danos causados.
Por outro lado, relativamente ao embate do ND no EA, resulta demonstrado que efetivamente o veículo EA se encontrava nesse momento imobilizado e embatido contra o QR e, por isso, junto ao raile do lado esquerdo; assim, também aqui nos encontramos dentro dos riscos próprios do veículo que o instituto da responsabilidade civil pelo risco tutela.
Da mesma forma, é também inequívoca a contribuição do ND para os danos causados, o que aliás a Ré/Recorrente não questiona pois que apenas põe em causa que todos os veículos envolvidos concorreram para a eclosão dos dois embates.
Importa aqui referir que também não merece integralmente a nossa concordância a posição da Recorrente ao pretender que a responsabilidade seja repartida pelos veículos HU, OJ, QR, EA e ND, e em idêntica proporção (20% para cada um), por serem todos da mesma categoria.
Considerando as circunstâncias concretas apuradas e os dois embates ocorridos, de forma sucessiva, primeiro entre o veículo EA e o veículo QR, e a seguir entre o veículo ND e o veículo EA, entendemos que a responsabilidade deve apenas ser repartida entre estes três veículos, na proporção em que o risco de cada um tiver contribuído para os danos.
Ora, considerando ainda que o primeiro embate provocou danos nos veículos QR e EA, tendo o EA embatido com a parte frontal esquerda na porta traseira da lateral direita do QR; que de seguida o ND entrou em despiste e foi embater na parte lateral direita do EA e que este e o QR se imobilizaram junto aos railes do lado direito; que o EA sofreu estragos irreversíveis em toda a sua extensão, frente, traseira lateral direita e lateral esquerda e que o agravamento dos estragos ocorreu devido ao embate do ND; bem como, que a reparação do EA, sem desmontagem ascendia a €15.772,12 (podendo agravar em 20% após desmontagem) respeitando €5.180,23 aos estragos na frente, entendemos que não há que recorrer, no caso concreto, ao preceituado no n.º 2 do artigo 506º, antes sendo possível estabelecer a contribuição de cada um dos veículos para os danos, devendo a mesma ser distinta não obstante serem todos os veículos da mesma categoria de ligeiro de passageiros.
Assim, atendendo a todas as circunstâncias concretas já referidas, e estando em causa três veículos automóveis ligeiros de passageiros, entendemos que a proporção na repartição do risco próprio de cada um dos veículos na produção dos danos, deve ser fixada em 30% para o QR, 30% para o EA e 40% para o ND.
Nesta conformidade, procede apenas parcialmente, e nesta parte, o recurso da Ré X – Companhia de Seguros SA.
*
3.3.3 Quanto aos montantes indemnizatórios

a) Do dano da privação do uso
O recurso subordinado da Autora, tal como por esta delimitado, questiona o quantum indemnizatório relativamente ao dano da privação do uso, que entende dever ser fixado em €25,00 diários e contabilizado desde a data do acidente (06 de abril e 2019) e até ao momento em que a Autora adquiriu nova viatura em maio de 2020.
O Tribunal a quo fixou a título de indemnização pela privação do uso do veículo, a quantia diária de €20,00 (vinte euros) desde a data do acidente até ao momento em que a Ré comunicou a sua posição de recusa em regularizar o sinistro, ou seja 24/05/2019, num total de 45 dias (45x€20,00=€900,00).
Vejamos.
O dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo suscetível de indemnização, quando o proprietário do veículo danificado se viu privado de um bem que faz parte do seu património.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem-se firmado, maioritariamente segundo julgamos, no sentido de considerar tal dano como dano autónomo indemnizável, bastando-se com a prova genérica que o lesado utilizava a viatura para os fins de lazer/trabalho e, consequentemente, por via daquela privação deixou de poder fazê-lo (v. entre muitos outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa, de 05/07/2018, Relator Conselheiro Abrantes Geraldes) o qual, não podendo ser averiguado o valor exato do dano deverá ser determinado com base na equidade (artigo 566º n.º 3 do Código Civil).
Há, contudo, quem venha defendendo na jurisprudência posição ainda mais favorável para o lesado atribuindo à privação do uso uma indemnização autónoma, independentemente de ser feita prova de que o veículo é efetivamente usado de forma habitual (v. Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, vol. I, Indemnização do Dano da Privação do Uso).

No caso em apreço, e atento o quadro factual que se encontra provado, não se coloca sequer tal discussão quanto à ressarcibilidade deste dano.
De facto, e quanto à ressarcibilidade do dano da privação do uso em casos como o dos autos, em que o veículo é usado habitualmente pelo lesado (resulta do ponto 29 dos factos provados que o veículo EA era utilizado pela Autora diariamente para se fazer deslocar da sua habitação para o trabalho e vice-versa)) vem a mesma sendo admitida sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do veículo foi causa de despesas acrescidas, sendo certo que no caso concreto vem ainda demonstrado que a Autora teve de recorrer a boleia e transportes públicos (ponto 33 dos factos provados).
Assim, quando esteja em causa a privação do uso de um veículo danificado num acidente de viação, no caso concreto estando em causa a sua perda total, bastará apenas que resulte dos autos que o seu proprietário o usava habitualmente na sua atividade, sem ter de fazer provar concreta de efetivos prejuízos.
In casu, não vem questionado o direito da Autora a receber uma indemnização decorrente da privação do uso, mas apenas o quantum indemnizatório, sendo que para efeito da sua determinação terá de recorrer-se à equidade uma vez que não é possível determinar o valor exato dos danos, tal como dispõe o artigo 566º n.º 3 do Código Civil.
O tribunal a quo considerou que “Neste caso, a autora reclama uma indemnização no valor diário de € 25,00 correspondente ao valor de aluguer de um veículo.
Todavia, a autora não alegou/provou que alugou um veículo, nem alegou quaisquer despesas em transportes.
Apurou-se que a autora não adquiriu outra viatura até maio de 2020, não tendo sido disponibilizado veículo por nenhuma das rés. E que, até essa altura, a autora recorreu e boleia e transportes públicos.
Provou-se, ainda, que por carta de 18/04/2019, a ré comunicou à autora que considerava o veículo em situação de perda total e, por carta de 24/05/2019, comunicou à autora que declinava a responsabilidade pelo sinistro.
De outro passo, ficou por provar que a autora não tinha condições económicas para adquirir outro veículo.
Assim, consideramos que a ré apenas deverá responder até à data em que comunicou à autora a sua posição de recusa em regularizar o sinistro, não sendo, pois, imputável à ré que a autora não tenha adquirido outro veículo até maio de 2020.
Quanto ao valor diário, consideramos que o mesmo não deve ser equiparado ao valor de aluguer, pois, a autora não alegou que alugou qualquer veículo.
De facto, sendo certo que a privação do uso, por si só, é um dano indemnizável, tal não significa que o mesmo deva ser fixado no valor de aluguer de um veículo igual.
Tal valor, na ausência da prova concreta do valor dos danos, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no artigo 566º, nº 3 do Código Civil.
Pelo exposto, afigura-se adequado fixar a indemnização em € 20,00, considerando até os valores médios atribuídos pela jurisprudência nestes casos (vd. por exemplo, Ac. d Tribunal da Relação de Guimarães de 09/04/2019, processo nº 673/17.5T8PTL.G1, disponível em www.dgsi.pt)”.
Discorda a Autora do montante arbitrado pelo Tribunal a quo a este título, entendendo que o valor diário deve ser fixado em €25,00 conforme por si peticionado na petição inicial.
Conforme decorre dos factos provados o acidente ocorreu em 06/04/2019 e a Autora não adquiriu outra viatura até maio de 2020, não lhe tendo sido disponibilizado veículo por nenhuma das Rés.
Provou-se, ainda, que por carta de 18/04/2019, a Ré X comunicou à Autora que considerava o veículo em situação de perda total e, por carta de 24/05/2019, comunicou à Autora que declinava a responsabilidade pelo sinistro.
Relativamente ao valor diário da indemnização correspondente ao dano pela privação do uso do veículo o tribunal a quo fundamenta, e bem, o valor atribuído tendo por base as regras de equidade.
In casu, afigura-se-nos correto o critério seguido pelo tribunal a quo bem como equilibrado o valor encontrado, tendo em conta o que decorre da factualidade provada, mas também atendendo aos padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes; de facto estando em causa a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, a mesma deverá enquadrar-se dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
A título meramente exemplificativo, consideraremos também aqui o acórdão desta Relação de 09/04/2019 (Relator Desembargador Paulo Reis) citado pelo tribunal a quo, que julgou mostrar-se conforme à equidade fixar a indemnização devida no montante de €20,00 por dia, tal como fixado na 1.ª instância, relativamente à privação do uso de um veículo ligeiro de passageiros marca Peugeot, modelo 5008 1.6 HDI Business Line, que o autor utilizava o veículo para as suas deslocações para o trabalho; neste acórdão são ainda citados os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 28/04/2009 (Relator Conselheiro Mário Cruz) onde foi considerado que durante 2 meses e 4 dias, o autor e o seu agregado familiar esteve privado de viatura própria nas deslocações pessoais diárias e de fins-de-semana, tendo necessitado de se socorrer de transportes públicos ou de usar um veículo cedido gratuitamente por um familiar, sofrendo, para além de incómodos, uma situação de desconforto ou desgosto, e que o custo do aluguer de um veículo com as características do sinistrado ascenderia a quantia não inferior a €25,00/dia e de 16/06/2009 (Relator Conselheiro Silva Salazar) em que se provou que o veículo do autor, devido a acidente ocorrido em 08/02/2005, ficou impossibilitado de circular, sendo que o autor o utilizava nas suas deslocações diárias, e que o aluguer diário de um veículo de idêntica classe custa cerca de €24,00 por dia, considerando-se como suficiente para compensar a privação do uso de veículo automóvel uma quantia média diária de €15,00.
Não podemos também deixar de referir a existência de jurisprudência fixando valor diário de montante inferior; assim, no acórdão desta Relação de 26/10/2017 (Relator Desembargador José Cravo) foi julgado exagerado o montante indemnizatório fixado na sentença de €10,00/dia e pecar por defeito o montante proposto pela apelante de €5,00/dia, antes se revelando equilibrado fixar em €7,50/dia o valor pela privação do uso do veículo, até ao pagamento da quantia fixada a título de indemnização pela perda total do veículo e até ao montante máximo de €7.299,90.
No acórdão desta Relação de 11/07/2017 (Relatora Desembargadora Maria dos Anjos S. Melo Nogueira) foi considerado que “o montante diário que têm vindo a ser fixado em casos como o dos autos, mencionando-se a título de exemplo o Ac. do STJ de 09.03.2010 e o desta Relação de 27/10/16, disponíveis em www.dgsi.pt ronda os €10,00 euros diários”.
No acórdão desta Relação de 21/09/2017 (Relatora Desembargadora Helena Melo, todos os acórdãos disponíveis em www.dsgi.pt) afirma-se que “o valor diário de 10,00 euros dia foi tido por adequado no Ac. deste Tribunal da Relação de 27.10.2016 – proc. 224/14, onde são citados no mesmo sentido, designadamente, o Ac. da Rel. do Porto de 07.09.2010 e o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012 e no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.15 – Proc. 1222/07 no qual foi considerada também a quantia de €10,00 por dia. E muito recentemente, também no Ac. desta Relação de 04.04.2017, proferido no proc. 474/13, se considerou este valor como adequado. Também nós, entendemos como equilibrado o valor de 10,00, em consonância com o entendido nas referidas decisões jurisprudenciais, montante que se mostra fixado de acordo coma equidade, tendo em atenção as concretas circunstâncias deste caso, pelo que reduzimos o valor da indemnização pela privação do uso, para a quantia de 10,00/euros dia, pelo que é devida uma indemnização no montante de 10.090,00, desde a data do sinistro até à data da propositura da ação”.
E no acórdão desta Relação de 25/06/2020 (Relator Desembargador Alcides Rodrigues) foi considerado “adequado, proporcionado e justo o montante indemnizatório encontrado na decisão recorrida, correspondente a um valor diário de €10,00, para indemnizar o dano consistente em não se poder utilizar o veículo, valor esse que fica aquém do valor locativo diário de uma viatura idêntica à da danificada. A este propósito, e recorrendo ao método comparativo ao nível dos critérios utilizados na determinação da indemnização pela privação do uso de veículo, e a título meramente exemplificativo, esse valor diário (de € 10,00) corresponde ao que foi atribuído no Ac. do STJ de 09/03/2010 (relator Alves Velho) e nos Acs. da RG de 26/10/2017 (relatora Anabela Tenreiro), de 4/04/2017 (relatora Alexandra Rolim Mendes), de 27/10/16 (relatora Lina Castro Baptista), no Ac. da RL de 7/05/15 (relator António Martins), no Ac. da RC de 06/03/2012 (relator Alberto Ruço) e nos Acs. da RP de 7/09/2010 (relator João Ramos Lopes) e de 28/05/2020 (relator Filipe Caroço), todos disponíveis em www.dgsi.pt”.
De todo o modo, no acórdão desta Relação de 17/12/2020 (Relatora Desembargadora Maria Cristina Cerdeira), subscrito pelas aqui Relatora e 1ª Adjunta na qualidade de Adjuntas, foi considerado “justo, proporcional e adequado, no caso “sub judice”, à luz das regras da boa prudência, de uma criteriosa ponderação das realidades da vida e do bom senso prático, fixar o montante diário em €20,00 a título de indemnização pela privação do uso do veículo do Autor”, também um veículo ligeiro de passageiros.
E foi esse também o valor fixado no acórdão de 26/11/2020 (Processo n.º 1804/17.0T8BRG.G1 ) relatado pela aqui Relatora e subscrito pela aqui 1ª Adjunta.
Assim, considerando a atribuição da indemnização pela privação do uso calculada mediante a ponderação da reconstituição que existiria se não se tivesse verificado o evento, nos termos do artigo 562º do Código Civil e com recurso à equidade, nos termos do artigo 566º n.º 3, afigura-se-nos equilibrado e enquadrado dentro dos padrões definidos pela jurisprudência o valor de €20,00 por cada dia de privação do uso fixado em 1ª Instância.
Acresce dizer que o cálculo da indemnização deve ser feito com base na equidade, não sendo de equipará-lo, sem mais, ao custo de aluguer duma viatura de idênticas características, uma vez que a renda própria dum contrato de locação não traduz apenas o valor do bem, mas também o custo de fatores empresariais para o colocar no mercado (v. Maria Conceição Trigo, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2015, p. 63).
Entendemos, contudo, que no caso concreto, a indemnização devida pela privação do uso deve ser atribuída à Autora desde a data em que ocorreu o acidente (06/04/2019) até ao momento em que a Autora adquiriu outra viatura, em maio de 2020, tal como pretende a Autora, e não apenas até à comunicação pela Ré da não assunção de responsabilidade, pois só dessa forma se mostra integralmente reparado o dano.
Assim, a indemnização devida pelo dano da privação do uso deverá ser fixada tendo por base a data em que ocorreu o acidente e o momento em que a Autora adquiriu um novo veículo em maio de 2020, pelo que, por se entender conforme à equidade e enquadrar-se nos valores jurisprudenciais aplicados em casos similares, afigura-se-nos adequado fixar a indemnização pelo dano da privação do uso do veículo em €7.680,00, correspondente a um período de 384 dias (considerando os meses de maio de 2019 a abril de 2020, uma vez que não consta o dia de maio de 2020 em que o veículo foi adquirido, e 24 dias de abril de 2019) em vez dos €900,00 arbitrados pelo tribunal a quo.
Ora, considerando que a proporção de responsabilidade das Rés X - Companhia de Seguros SA e Y - Companhia de Seguros SA é, respetivamente de 50% e 30%, e da Autora de 30% a indemnização devida à Autora pela privação do uso do veículo, ascenderá apenas ao valor de €5.376,00, correspondente a 70% do valor total daquele dano.
Procede, por isso, parcialmente+9e, e nesta parte, o recurso da Autora.
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b) Dos danos não patrimoniais
Sustenta ainda a Autora que a quantia de €1.500,00 arbitrada para compensar os danos não patrimoniais é diminuta e defende que o valor da indemnização não deve ser fixado em montante inferior a €5.000,00.
No que toca aos danos não patrimoniais o montante da indemnização será fixado também equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (artigo 496º n.º 3 do Código Civil).
Estabelece-se, pois, um critério de mera equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente a gravidade e a extensão da lesão.
Assim, o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Relativamente a estes danos, o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano (Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, p. 20).

Quanto à questão da fixação de indemnização por danos não patrimoniais, relevam no caso concreto e no essencial, os seguintes factos provados:
- a Autora sofreu traumatismos devido aos embates;
- não foi assistida logo no local;
- no dia 11/04/2019, sentindo ainda dores decorrentes do embate, a autora teve necessidade de ser assistida no Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, Unidade de Vila Nova de Famalicão, dando origem ao episódio de urgência nº ......;
- aquando da entrada neste serviço hospitalar, a autora apresentava: - traumatismo do joelho e mão direita; - cervicalgia posterior e dorsalgia; - Hematoma na perna direita;
- partiu um dente no embate e foi no dia seguinte à Clínica Dentaria dos ... sita em Av. … Braga, restaurar o dente;
- o restauro partiu, sendo por isso recomendada a colocação de um pivô;
- a Autora foi submetida a Raio–X cervical e torácico e teve alta hospitalar no mesmo dia -/04/2019;
- a Autora vivenciou momentos de desespero, angústia e dor e temeu pela sua vida;
- sofreu dores devido aos ferimentos, que se fixam num grau 3/7;
- ficou com o joelho direito e com a mão direita pisados e continuou a sentir dores no corpo e que perduraram pelo menos 20 dias;
- ainda hoje é invadida pela imagem do acidente, tendo nos meses que se seguiram ao acidente muita dificuldade em voltar a andar de carro, e de voltar a conduzir;
- a Autora sentiu pânico e temeu pela sua vida.

Tal como foi reconhecido na sentença recorrida não temos dúvidas em afirmar que se trata de danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.
Tendo em conta esta factualidade, considerando não só as lesões sofridas e os tratamentos a que a Autora foi sujeita, mas também as circunstâncias concretas do acidente dos autos, que determinaram que a Autora sentisse pânico e temesse pela vida (veja-se que o veículo que a Autora conduzia embateu no veículo QR que estava imobilizado junto ao separador central e quando estava assim imobilizado e embatido contra a viatura QR, surgiu o veículo ND que entrou em despiste e foi embater no EA), considerando ainda que a Autora transportava três crianças com ela que, após o embate, com o constante surgimento de viaturas oriundas do Túnel, foi necessário retirar pela janela das portas dianteiras, uma vez que as portas não abriam, tudo determinando que a Autora vivenciasse momentos de desespero, angústia e dor e temesse pela vida, tendo nos meses que se seguiram ao acidente muita dificuldade em voltar a andar de carro, e de voltar a conduzir e sendo ainda hoje é invadida pela imagem do acidente, julgamos que o montante compensatório do dano não patrimonial deverá ser efetivamente fixado em montante superior ao que foi atribuído pelo tribunal a quo.
Assim, julgamos adequado, justo e equitativo, bem como enquadrado nos valores jurisprudenciais aplicados em casos simulares, fixar em €2.500,00 o montante compensatório a atribuir a título de danos não patrimoniais.
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c) Quanto ao montante indemnizatório devido pelos danos sofridos no veículo EA
A Ré X - Companhia de Seguros SA veio ainda alegar que a sentença recorrida desconsiderou os danos que o veículo EA já tinha resultantes do primeiro embate a que a Ré é alheia.
A pretensão da Ré foi formulada apenas subsidiária e para a hipótese de se manter o entendimento da 1ª Instância de que apenas o ND era responsável pelos danos.
Como já decidimos supra a proporção na repartição do risco próprio de cada um dos veículos na produção dos danos, deve ser fixada em 30% para o QR, 30% para o EA e 40% para o ND.
Entendemos, por isso, ter ficado prejudicado o conhecimento desta questão.
Assim, não está agora em causa alterar o montante de €7.000,00 fixado em 1ª Instância pela perda total, o qual se mostra correto uma vez que o valor de mercado do EA era de €9.000,00 (ponto 61 dos factos provados), tendo sido deduzido ao mesmo o valor de €2.000,00 que a Autora recebeu pelo salvado, conforme por esta indicado no artigo 70 da petição inicial.
Do que se trata é de estabelecer o montante devido à Autora em conformidade com a responsabilidade das Rés X - Companhia de Seguros SA e Y - Companhia de Seguros SA, e da Autora.
Em face do exposto, tem a Autora direito a receber a título de indemnização devida pela perda total do veículo EA a quantia de €4.900,00, correspondente a 70% do valor total daquele dano.
Relativamente à responsabilidade das Rés pelo pagamento da indemnização devida à Autora, conforme consta da sentença recorrida, em face da existência de contrato válido de seguro de responsabilidade civil automóvel relativamente ao ND é a Ré/Recorrente X - Companhia de Seguros SA responsável pelo pagamento (o que, aliás a mesma não questiona no presente recurso), da mesma forma que o é, em face da existência de contrato de seguro válido relativamente ao QR (v. ponto 1 dos factos provados) e na proporção na repartição do risco fixada, a Ré Y - Companhia de Seguros SA.
Cumpre, contudo, referir que a responsabilidade das Rés é solidária.
Conforme decorre do artigo 507º n.º 1 do CC “[S]e e a responsabilidade pelo risco recair sobre várias pessoas, todas respondem solidariamente pelos danos, mesmo que haja culpa de alguma ou algumas”.
Estabelece ainda o artigo 512º do CC que a obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles (n.º 1) e que a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles; igual diversidade se pode verificar quanto à obrigação do devedor relativamente a cada um dos credores solidários (n.º 2).
A este propósito escreve Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, ob. cit. p. 723 e 734 ensina-nos que “[E]m matéria de responsabilidade civil, quer por factos ilícitos quer pelo risco (arts. 497.º e 507.º, 1 e 2), é solidária a obrigação dos vários responsáveis. Se forem, por conseguinte, dois ou mais autores da agressão (...) qualquer deles responde pelo cumprimento integral da indemnização atribuída ao terceiro lesado”, e que “[A] solidariedade pressupõe, além da pluralidade de sujeitos de um ou de ambos os lados da relação obrigacional, o direito de exigir toda a prestação de qualquer dos devedores (solidariedade passiva)”.
Em face do exposto, e na parcial procedência do recurso da Ré X -Companhia de Seguros e do recurso da Autora, procede-se à alteração da sentença recorrida, fixando a proporção na repartição do risco próprio de cada um dos veículos na produção dos danos em 30% para o QR, 30% para o EA e 40% para o ND, e consequentemente, condenando as Rés solidariamente a pagarem à Autora os seguintes valores indemnizatórios:
- €4.900,00 pela perda do veículo EA;
- €5.376,00 pelo dano da privação do uso;
- €525,00 pela perda dos restantes bens móveis;
- €1.750,00 pelos danos não patrimoniais.
A estes valores acrescem os juros de mora à taxa legal nos termos decididos em 1ª Instância (desde a citação quanto aos danos patrimoniais e desde a data da sentença relativamente aos danos não patrimoniais).
As custas de cada um dos recursos e da ação são da responsabilidade dos respetivos Recorrentes na proporção do seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º nº. 7 do Código do Processo Civil):

I - Quem tiver a direção efetiva de veículo e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação (cfr. artigo 503º do Código Civil).
II - Não se verificando a culpa efetiva de algum dos condutores dos veículos intervenientes, não resultando estar nenhum deles onerado com a presunção de culpa do n.º 3 do artigo 503º do Código Civil, não estando também comprovado que o acidente ocorreu por facto do lesado ou de terceiro, e nem que resultou de força maior estranha ao funcionamento dos veículos (artigo 505.º do Código Civil), a colisão de veículos deverá ficar sujeita à disciplina do artigo 506º do Código Civil.
III) - A privação do uso de um veículo, ainda que desacompanhada de um prejuízo patrimonial concreto, constitui um dano ressarcível, pelo que o facto de o veículo ser usado pelo lesado no seu quotidiano não pode deixar de determinar a atribuição de uma indemnização no período em que perdurou a privação do uso, in casu, até à aquisição de um novo veículo pelo lesado.
IV) - A determinação do valor dessa indemnização, que não implica um qualquer prejuízo patrimonial concreto, deve ser fixada com recurso a critérios de equidade, nos termos do artigo 566º n.º 3 do Código Civil.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedentes o recurso da Ré X - Companhia de Seguros SA e o recurso subordinado da Autora J. D. e, consequentemente, alterando a sentença recorrida, decidem:

1. Fixar a proporção na repartição do risco próprio de cada um dos veículos na produção dos danos em 30% para o QR, 30% para o EA e 40% para o ND;
2. Condenar as Rés X - Companhia de Seguros SA e Y – Companhia de Seguros SA solidariamente a pagar à Autora J. D. a quantia de €4.900,00 (quatro mil e novecentos euros) pela perda do veículo EA, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação e até efetivo pagamento;
3. Condenar as Rés X - Companhia de Seguros SA e Y - Companhia de Seguros SA solidariamente a pagar à Autora J. D. a quantia de €5.376,00 (cinco mil trezentos e setenta e seis euros) pelo dano da privação do uso, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação e até efetivo pagamento;
4. Condenar as Rés X - Companhia de Seguros SA e Y – Companhia de Seguros SA solidariamente a pagar à Autora J. D. a quantia de €525,00 (quinhentos e vinte e cinco euros) pela perda dos restantes bens móveis, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação e até efetivo pagamento;
5. Condenar as Rés X - Companhia de Seguros SA e Y - Companhia de Seguros SA solidariamente a pagar à Autora J. D. a quantia de €1.750,00 (mil e setecentos e cinquenta euros) pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal contados desde a data da sentença e até efetivo pagamento;
6. Manter, no mais, a sentença recorrida;
7. As custas de cada um dos recursos e da ação são da responsabilidade dos respetivos Recorrentes na proporção do seu decaimento.
Guimarães, 07 de abril de 2022
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária


Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)