Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2699/17.0T8VCT-J-G1
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: APREENSÃO NO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
MEAÇÃO NOS BENS COMUNS DO CASAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1- A apreensão no processo de insolvência, processo de execução universal, para satisfação do interesse dos credores, abrange todos os bens do insolvente suscetíveis de penhora (ainda que penhorados, arrestados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos noutro processo) – al. g), do nº1, do art. 36º e nº1 e 2, do art. 46º, do CIRE.

2- Sendo o património do insolvente composto pelos seus bens próprios e pela meação nos bens comuns do casal, a referida apreensão para a massa insolvente engloba, também, os bens comuns do casal, pois que tais bens são penhoráveis, nos termos do nº1, do 740º, do CPC (tendo, contudo, de ser citado o cônjuge do insolvente, para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, nos termos do nº2, do referido artigo, aplicável, ex vi nº1, do art. 17º, do CIRE).

3- São apreendidos os bens comuns do casal, face à inexistência de bens suficientes próprios do insolvente, para, após, serem partilhados entre o cônjuge insolvente e o cônjuge terceiro, caso sejam adjudicados ao insolvente, prosseguir a liquidação dos mesmos ou, caso sejam adjudicados ao cônjuge do insolvente, serem apreendidos, na insolvência, os bens que couberem ao insolvente.

4- Tal solução, que não deixa desprotegido o outro cônjuge - que pode ver separados os seus bens -, é a que melhor acautela os interesses dos credores, por permitir, desde logo, mais fácil alienação.

5- Afastado se mostra o, profundamente injusto, anterior regime, que, fazendo prevalecer o interesse da família sobre os dos credores, ao impor a penhora da meação e a moratória, fazia com que o credor, que não conseguisse o pagamento por força dos bens próprios do devedor, tivesse de esperar, por tempo indefinido, o pagamento, por muito avultado que fosse o património comum dos cônjuges.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I. RELATÓRIO

O insolvente, (…) não se conformando com o despacho proferido a 24/01/2019, com o seguinte teor:

Conforme resulta do auto de apreensão junto ao presente apenso, o Sr. Administrador de Insolvência procedeu à apreensão da meação do insolvente em cada um dos concretos bens imóveis apreendidos, e isto porque o insolvente é casado. Porém, estando em causa bens comuns do casal, a meação do insolvente não incide sobre bens concretos e determinados mas, antes, sobre a totalidade do património comum do casal.

Por essa razão, a jurisprudência tem entendido que é inadmissível a penhora ou apreensão de "um direito à meação" em cada um dos bens que constitui o património comum do casal, uma vez que nenhum dos cônjuges possui uma quota-parte sobre bens em concreto, sendo titulares de um único direito sobre o património autónomo, que não suporta divisão, nem mesmo ideal (neste sentido, a título meramente exemplificativo, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11/03/2014, in www.dgsi.pt).

Assim, entende-se que não encontra fundamento legal a apreensão da meação de concretos bens imóveis, em função do casamento do insolvente, dado que cada um dos cônjuges não é titular de metade de cada um dos bens, mas da meação da totalidade dos mesmos, quando tais bens, obviamente, não se tratam de bens próprios ou excluídos da comunhão (neste sentido Acórdão da Relação de Guimarães, de 20/03/2018, proferido no âmbito do processo 4147/16.3T8VCT-A.G1).

Em face do exposto, determino a correcção do auto de apreensão, procedendo-se à apreensão da totalidade de cada um dos bens imóveis, seguindo-se a citação do cônjuge do insolvente para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida (aplicando-se subsidiariamente o disposto no art.º 740º do CPC).
Notifique também os credores e o insolvente”.

dele vem interpor recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que mantenha o auto de apreensão inicial, apreensão essa que deve versar apenas sobre o direito à meação de que o insolvente é titular nos referidos bens. Formula, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES:

“1ª- Agiu correctamente e com cabimento legal, o Sr. Administrador Judicial ao apreender inicialmente apenas o direito à meação em cada um dos bens que constitui o património comum do casal.
- Deverá manter-se nos autos a apreensão de apenas esse direito à meação nesses bens, de que o insolvente é titular.
- É legalmente admissível a apreensão de um direito à meação em cada um dos bens que constitui esse património comum.
- Por isso deverá ser mantido o auto de apreensão inicial desse direito à meação pertencente ao insolvente.
5ª- Não devendo por isso ser corrigido o auto de apreensão. Nem sendo necessário o pedido de separação de bens do cônjuge do devedor.
- Ao decidir em contrário, determinando a correcção desse auto de apreensão inicial, aplicando a estes autos de forma subsidiária o disposto no artigo 740º do CPC, a Meritíssima Juíza a quo, com total respeito, violou esta norma legal por erro de interpretação e aplicação”.
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Não foram apresentadas contra alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

- Se cabia efetuar a apreensão da meação do insolvente nos bens comuns do casal ou se o Tribunal a quo bem andou ao ordenar a apreensão da totalidade de cada um dos bens imóveis que constituem bens comuns do casal e a citação do cônjuge do insolvente para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida (aplicando subsidiariamente o disposto no art.º 740º do CPC).
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II.A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da apreensão da totalidade de cada um dos bens imóveis, seguindo-se a citação do cônjuge do insolvente para requerer a separação de bens (com aplicação subsidiaria do disposto no art.º 740º do CPC)

O processo de insolvência é um processo de execução universal, que tem por finalidade a satisfação dos credores, baseado, designadamente, na liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores conforme estabelece o nº1, do artigo 1º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, abreviadamente CIRE, regendo-se tal processo pelas disposições do referido diploma e, subsidariamente, em tudo o que não contrarie as disposições do referido Código, pelo Código de Processo Civil (nº1, do art. 17º, daquele diploma).

Para tanto, na sentença que declara a insolvência, o juiz, nos termos do art. 36º, nº1, al. g), do CIRE,decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvênciade todos os bens do devedorainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos”.
A apreensão dos bens é, pois, um dos principais efeitos da declaração de insolvência.
A apreensão abrange “todos os bens susceptíveis de penhora, ainda que os mesmos tenham sido penhorados, arrestados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos noutro processo. Apenas serão excluídos da apreensão os bens insusceptíveis de penhora …” (1).
“A lei é categórica e muito precisa quanto à extensão da operação de apreensão. (…) A norma não deixa, de facto, dúvidas quanto ao alcance geral da apreensão – à universalidade da apreensão -, ficando absolutamente claro que ela abrange todos os bens integrantes do património do devedor, que lhe pertençam já à data da declaração de insolvência ou venham a pertencer-lhe na pendência do respetivo processo” (2), sendo únicas exceções as consagradas no 149º, nº1, do CIRE, os casos de bens insuscetíveis de penhora nos termos gerais – arts 736º e seg, do CPC – e os que resultam da lei da insolvência, relativos aos meios de subsistência que o devedor angarie pelo seu trabalho e ao subsídio de alimentos (art. 84º, nº1).

Da conjugação do nº1 e 2, do artigo 46º, do CIRE, resulta que, em rigor, a massa não abrange a totalidade dos bens do devedor suscetíveis de avaliação pecuniária mas tão só os que forem penhoráveis e não excluídos por disposição especial em contrário, acrescidos dos que, não sendo embora penhoráveis, sejam voluntariamente oferecidos pelo devedor, conquanto a impenhorabilidade não seja absoluta (3).

No processo de insolvência está em causa a apreensão de todo o património penhorável de um dos cônjuges, sendo que este é composto pelos seus bens próprios e pela sua meação nos bens comuns do casal.

Ora, a apreensão abrange, para além dos bens próprios do insolvente, também os bens comuns do casal, por penhoráveis.

Vejamos em que termos.

O património comum dos cônjuges constitui uma massa patrimonial que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela. Os bens comuns dos cônjuges constituem objeto não duma relação de compropriedade, mas duma “propriedade coletiva” ou de “mão comum” (4). Distingue-se da compropriedade porque o direito dos contitulares não incide sobre cada um dos elementos mas sobre todo o património, como um todo unitário, em que cada cônjuge é titular de um único direito sobre o mesmo.

Na verdade, ao “património coletivo” ou “comunhão de mão comum”, a lei, tendo em vista a especial afetação dessa massa patrimonial, concede um certo grau de autonomia, embora limitada e incompleta, mas que pertence a todos os titulares em bloco, sendo estes titulares de um único direito sobre essa massa patrimonial, que não se confunde com a compropriedade, uma vez que o direito de cada não incide diretamente sobre cada um dos elementos que integram esse património coletivo, mas sobre ele, concebido como um todo unitário (5).

E, na verdade, os bens comuns do casal são penhoráveis, desde que seja pedida a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens (6).

Com efeito, consagra o art. 740º, do CPC, sob a epígrafe “Penhora de bens comuns em execução movida contra um dos cônjuges”:

“1. Quando em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns”.

Assim, abrangendo a apreensão todos os bens suscetíveis de penhora e sendo os bens comuns, como vimos, penhoráveis, nos termos do referido preceito, bem foi determinada a sua apreensão, ordenada, que foi, a citação do cônjuge do insolvente para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida (aplicando subsidiariamente o disposto no art.º 740º do CPC), o que o mesmo se apresentou a fazer (cfr. 1ª parte do despacho proferido em 27/3/2019, despacho esse em que também foi admitido o recurso).

Foram, pois, apreendidos bens comuns do casal, face à inexistência de bens suficientes próprios do insolvente e foram-no para, depois, serem partilhados entre o cônjuge insolvente e o cônjuge terceiro, não insolvente.

E “realizada a partilha, de duas uma, conforme a segunda parte, nº2, do art. 740º:

a. Os bens penhorados foram adjudicados ao executado, prosseguindo a execução na direção da sua venda; ou
b. Os bens penhorados foram adjudicados ao cônjuge do executado podendo o exequente indicar outros bens que lhe tenham cabido (7)”.

No caso, uma vez que seja realizada a partilha, conforme nº2, do art. 740º, subsidiariamente aplicável, por força do nº1, do art. 17º, do CIRE, ou os bens apreendidos são adjudicados ao insolvente, prosseguindo a liquidação dos mesmos, ou são adjudicados ao cônjuge do insolvente, sendo apreendidos na insolvência os bens que couberem ao insolvente.

Não foi, pois, face ao regime legal vigente, correta a apreensão da meação do insolvente em cada um dos concretos bens imóveis apreendidos, uma vez que, estando em causa bens comuns do casal, a meação do insolvente não incide sobre bens concretos e determinados mas, antes, sobre a totalidade do património comum do casal.

Bem considerou o Tribunal a quo não ser admissível a penhora ou apreensão de "um direito à meação" em cada um dos bens que constitui o património comum do casal, uma vez que nenhum dos cônjuges possui uma quota-parte sobre bens em concreto, sendo titulares de um único direito sobre o património autónomo, que não suporta divisão, nem mesmo ideal.

E bem se decidiu inexistir fundamento legal para a apreensão da meação de concretos bens imóveis, em função do casamento do insolvente, dado que cada um dos cônjuges não é titular de metade de cada um dos bens, mas da meação da totalidade dos mesmos, quando tais bens, não se tratam de bens próprios ou excluídos da comunhão, bem tendo sido ordenada apreensão da totalidade de cada um dos bens imóveis e a citação do cônjuge do insolvente.

No processo de insolvência intentado contra um dos cônjuges (ou ex-cônjuge) não pode, face ao atual regime, que veio regular a questão de modo mais justo, ser apreendido o direito à meação dos prédios, devendo os imóveis ser apreendidos, na totalidade, para a massa insolvente, e, de seguida, por a dívida ser da responsabilidade exclusiva do cônjuge insolvente, ser ordenada a citação do cônjuge/ex-cônjuge do insolvente para requerer a separação de bens nos termos do nº1, do art.º 740.º, do CPC, sem prejuízo de tal separação ser ordenada oficiosamente nos termos do art. 141.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do CIRE, para requerer a separação de bens (8).

Conforme Doutrina e Jurisprudência “A insolvência de um dos cônjuges casado num dos regimes de comunhão (ou, sendo divorciado, não tenha havido lugar à partilha dos bens comuns do casal), envolverá a apreensão de todos os bens do insolvente, neles se incluindo não só os bens próprios do cônjuge/insolvente, mas também os bens comuns do casal”, sendo que a apreensão dos bens comuns “é a solução que melhor acautela os interesses dos credores, por permitir a invocação da garantia real resultante da hipoteca que incida sobre imóvel comum e por ser de mais fácil alienação” e, como vimos, “apreendidos bens comuns para a massa, a liquidação não poderá prosseguir contra tais bens, sem que se proceda à citação do cônjuge do insolvente, seja para requerer a separação de meações, seja exercer nos autos os mesmos direitos que a lei processual concede ao insolvente relativamente a tais bens” (9) (10).

Aí bem se analisa a questão dos bens a penhorar no caso de declaração de insolvência de um só dos cônjuges e se refere “Uma rápida passagem pela jurisprudência dos nossos tribunais leva-nos a concluir ser prática corrente, nos processos de insolvência instaurados contra um dos cônjuges, proceder-se à apreensão do “direito à meação no património comum do casal”, situações essas que acabam por analisadas em via de recurso despoletado, a maior parte das vezes, pelo credor hipotecário com garantia real sobre os concretos imóveis que fazem parte de tal património comum.

Contudo, em nosso entender, não é essa a solução para que aponta o atual regime substantivo de responsabilidade por dívidas dos cônjuges quando conjugado com o regime processual executivo e insolvencial.

Na ação executiva, a penhora da “meação nos bens comuns do casal” deixou de fazer qualquer sentido a partir do momento em que a reforma introduzida pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, aboliu a moratória legal, eliminando o nº3 do artigo 1696º do CC, e, alterando o artigo 825º do CPC (atual 740º), deixou de se referir à penhora da meação dos bens comuns, passando a prever a penhora dos próprios bens comuns, seguida da citação do cônjuge para, querendo, requerer a separação de meações (atual artigo 741º).

Atualmente, todas as dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges podem levar à penhora (subsidiária) dos bens comuns, sem esperar pela dissolução, anulação ou declaração de nulidade do casamento ou pela separação judicial de pessoas e bem ou só de bens.

Já em caso de penhora da “meação nos bens comuns” a execução sempre teria de ficar suspensa até que se dissolvesse o matrimónio ou fosse decretada judicialmente a separação de bens comuns (11).

A meação nos bens comuns, enquanto o casamento não for dissolvido, não é um bem disponível, pelo que, caso viesse a ser penhorado ou apreendido o “direito à meação nos bens comuns”, tal apreensão encontrar-se-ia destituída de qualquer interesse prático: não sendo possível promover a sua venda judicial ou adjudicação na ação executiva (12) (ou na insolvência), o processo teria de ficar a aguardar pela dissolução do casamento para que os credores pudessem vir a satisfazer-se pelos bens comuns (13).

Sendo discutível se constituirá ou não um direito penhorável (14), o certo é que, tal penhora não se encontra prevista no atual Código de Processo Civil, não se coadunando com o regime aí previsto para a efetivação da responsabilidade por dívidas próprias de um dos cônjuges: penhora de concretos bens comuns, seguida de citação do cônjuge para requerer a separação de bens do casal (nº1 do artigo 740º).

E se é essa a solução prevista no Código de Processo Civil – penhora dos bens individuais que fazem parte do património comum do casal –, quer para o caso de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, quer para as dívidas da exclusiva responsabilidade de um deles (no primeiro caso, a título principal e, no segundo caso, a título subsidiário) (15), por maioria de razão se imporá a sua adoção no processo de insolvência.

O nº1 do artigo 46º do CIRE – segundo o qual a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (16) –, terá de ser interpretado no sentido de que a esta massa pertencerão aqueles bens que, por determinação substantiva, possam ser chamados a responder pelas suas dívidas (artigo 601º do CC).

Sendo o insolvente casado num dos regimes de comunhão, ou, sendo divorciado, não tenha havido lugar à partilha, a par dos seus bens próprios existe uma massa de bens comuns afeta ao cumprimento de determinadas obrigações.

E se no processo foi declarada unicamente a declaração de um dos cônjuges, tratando-se de um processo concursal, a declaração de insolvência chamará ao processo todos os seus credores – não só detentores de garantia real, mas também os credores comuns, e não só por créditos da exclusiva responsabilidade do insolvente, mas igualmente por créditos de responsabilidade comum do casal.
A massa ativa deverá, assim, incluir os bens comuns, uma vez que estes responderão sempre pelos créditos reclamados: na sua totalidade tratando-se de dívidas comuns, ou até ao valor da sua meação, no caso de dívidas da responsabilidade pessoal do insolvente (17) (…) A insolvência de um dos cônjuges casado num dos regimes de comunhão (ou, sendo divorciado, não tenha sido ainda efetuada a partilha dos bens comuns do casal (18)) envolverá, assim, a apreensão de todos os bens do insolvente, neles se incluindo não só os bens próprios do cônjuge/insolvente, mas também os próprios bens comuns do casal (19)”.

Aí bem se considera que a “solução que melhor se compagina com o regime substantivo e processual por dívidas dos cônjuges é a penhora e apreensão dos próprios bens comuns e não do “direito à meação nos bens comuns”.

E sendo “apreendidos bens comuns do casal, a liquidação não poderá prosseguir contra os mesmos sem que ao respetivo cônjuge seja dada oportunidade de intervir na ação, devendo proceder-se à sua citação para exercer os seus direitos relativamente a tais bens:

- seja peticionando o seu direito à separação de meações, a exercer nos termos dos artigos 141º, 144º e 146º;
- seja para exercer os mesmos direitos que a lei processual confere ao insolvente relativamente a tais bens, quer na reclamação e verificação de créditos (20), quer na liquidação dos mesmos, quer na fase de pagamentos”.

Se o artigo 740º permite a penhora de bens comuns em execução movida apenas contra um dos cônjuges, também se permite a apreensão dos bens comuns em processo de insolvência, execução universal, em que é insolvente apenas um dos cônjuges, impondo no entanto, a citação do outro cônjuge para no prazo de 20 dias requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida.

Destarte, dúvidas não restam face ao atual regime, afastado que se encontra o anterior que, “fazendo prevalecer o interesse da família sobre o do credor, era profundamente injusto”, sendo que “o credor que, sujeito ao regime-regra, não conseguisse o pagamento por força dos bens próprios do devedor tinha de esperar por tempo indefinido o pagamento, por muito avultado que fosse o património comum dos cônjuges” (21), bem andou o Tribunal a quo ao determinar a apreensão da totalidade de cada um dos bens imóveis, bens comuns do casal, bens esses suscetíveis de penhora nos termos do nº1, do art. 740º, do CPC, e, por isso, de apreensão na insolvência - v. al. g), do nº1, do art. 36º e nº1 e 2, do art. 46º, do CIRE.

Assim, vista a lei e a interpretação e aplicação que dela vem sendo feita, não pode deixar de considerar improcedentes as conclusões da apelação, não ocorrendo violação dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Guimarães, 6 de junho de 2019
(Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores)

Eugénia Marinho da Cunha
José Flores
Sandra Melo


1. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 8ª Edição, Almedina, pág 170
2. Catarina Serra, Lições de direito da Insolvência, 2018, Almedina, pág 257
3. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, Quid Juris, pág. 292
4. V. Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, 1986, página 478 e Antunes Varela, Direito da Família, 1987, pág. 394 e seguintes
5. Ac. RG de 30/5/2018, processo nº 2027/16.1T8CHV.G1
6. Cfr. Ac. da RE de 12/7/2016, processo 2199/15.2T8SLV-B.EI.dgsi.net, citado in Abílio Neto, pág 1270
7. Rui Pinto, A ação executiva, 2018, AAFDL Editora, pág 534
8. Ac. da RG de 28/1/2016, processo 524/14.2T8VRL-B.G1 (Anabela Tenreiro), in dgsi.net
9. Ac. da Rel de Coimbra de 9/5/2017, processo 965/16.0T8LRA-D.C1, (Maria João Areias), in dgsi.net
10. Cfr., ainda, Ac. da RG de 10/7/2018, processo 93/16.9T8MNC.G1 (Raquel Tavares), in dgsi.net onde bem se analisa a sucessão de regimes, referindo-se: “Antes da revisão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12/12, o artigo 825º n.º 1 do Código de Processo Civil estabelecia que na execução movida apenas contra um dos cônjuges, a execução dos bens comuns ficava suspensa, depois de penhorado o direito à meação do devedor, até ser exigível o cumprimento, nos termos da lei substantiva. O direito à meação do devedor/executado pelas dívidas da responsabilidade exclusiva deste último só era exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou simples separação judicial de bens (o artigo 1696º n.º 1 do Código Civil previa então que pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondiam os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns, mas neste caso o cumprimento só era exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens). O Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12/12, veio alterar a redacção do artigo 825º n.º 1, tendo eliminado a moratória no caso de dívida da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, e facultado a penhora de bens comuns do casal, independentemente da comunicabilidade da dívida, desde que o exequente, ao nomeá-los à penhora, pedisse a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens, impondo-se, no caso de penhora nos bens comuns do casal, a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida. O n.º 1 do artigo 825º passou a ter a seguinte redacção: “Na execução movida contra um só dos cônjuges podem ser penhorados bens comuns do casal contanto que o exequente ao nomeá-los à penhora peça a citação do cônjuge do executado para requerer a separação”. Em conformidade com a eliminação da moratória, foi também alterada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12/12 a redacção do artigo 1696º n.º 1 do Código Civil: “Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns”. Assim, nas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, o legislador deixou de exigir, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 329-A/95, a moratória, permitindo a penhora de bens comuns do casal, mas determinando a citação do cônjuge do executado, o que se mantém actualmente. Podemos por isso concluir que, quer a dívida seja da responsabilidade de apenas um dos cônjuges quer seja da responsabilidade de ambos, a lei permite actualmente a penhora de bens comuns, devendo apenas no primeiro caso, e tal como o preceitua o referido artigo 740º n.º 1, proceder-se à citação do cônjuge para requerer a separação de bens ou juntar certidão da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns”.
11. Sem que exista qualquer meio para forçar o cônjuge a requerer a separação de meações, porquanto o expediente do artigo 740º do CPC só se encontra previsto como forma de reação do cônjuge face à penhora de bens comuns e de estes correrem o risco de virem a ser utilizados para satisfazer dívidas da responsabilidade exclusiva do outro.
12. Remédio Marques, “Curso de Processo Executivo Comum, à Face do Código Revisto”, Almedina 2000, pp. 201 e 202, nota 555.
13. Como era reconhecido pela doutrina, a penhora do direito à meação nos bens comuns produzia efeitos muito modestos e reduzidos: o credor só adquiria, por essa penhora, o direito de preferência em relação aos credores próprios do marido que não tivessem a seu favor qualquer privilégio ou preferência anterior sobre os bens comuns, e só podia tornar-se efetiva sobre os bens comuns que ainda existissem à data da dissolução do casamento ou da separação de bens - José Alberto dos Reis, “Processo de Execução”, I Vol., p. 287, e Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 74, p. 213 e 214. Segundo Anselmo de Castro, tal penhora pouco ou nada valeria e o seu único efeito seria o de dar preferência ao exequente sobre o produto dos bens que não chegassem a ser alienados, em relação ao credor simples, com penhora em segundo lugar - “Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, 1977, p. 113. Também Remédio Marques salienta que, podendo penhorar-se imediatamente (mas subsidiariamente) bens comuns do casal, concretos e determinados, nenhum interesse tem para o exequente a penhora do direito à meação, posto que o seu único efeito será o de dar preferência ao exequente sobre o produto dos bens comuns que, em caso de dissolução do casamento (separação judicial de pessoas e bens ou separação judicial de bens, na hipótese de um outro credor promover, subsequentemente a penhora de bens comuns), venham a caber ao executado, relativamente a credores com penhoras subsequentes sobre os concretos bens que, pela partilha, sejam adjudicados ao cônjuge executado” – “Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto”, Almedina, 2000, p. 215, nota 592.
14. Cfr., Quanto à questão de saber se o “direito à meação” anteriormente previsto no artigo 825º, do CPC, constitui um verdadeiro direito de quota, que, embora não feito para circular, existe já no património de cada um dos cônjuges e que exprime a medida da divisão e que virá a realizar-se no momento da partilha, se pronunciam Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de (…), págs. 509 e 510.
15. Assim sendo, e como é referido por Remédio Marques, o disposto no artigo 826º nº1 do CPC (artigo 743º, nº1 do NCPC) relativo à “penhora em caso de comunhão ou compropriedade” – que prevê que na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso –, já não abarca ou, pelo menos, mostra-se desprovido de interesse prático, a penhora do direito à meação do executado nos bens comuns do casal, atenta a alteração efetuada, na reforma processual de 1995/1996, nos artigos 1696, nº1, do CC, e 825º, do CPC - “Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto”, Almedina, 2000, p. 215, nota 592.
16. Com o esclarecimento de que não atinge a totalidade dos bens do devedor suscetível de avaliação pecuniária, mas, tão só, e em regra, os bens e rendimentos que forem penhoráveis. Quanto aos bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta (nº2 do artigo 46º).
17. Implicando a declaração de insolvência o reconhecimento da insuficiência do ativo para satisfação do passivo existente, a meação dos bens comuns responderá aqui ao mesmo tempo (ou conjuntamente) com os seus bens próprios, sem necessidade de liquidação prévia destes.
18. Embora a dissolução, a declaração de nulidade ou anulação do casamento ou a separação de pessoas e bens impliquem o fim das relações patrimoniais entre os cônjuges, a comunhão no património comum mantém-se até à partilha – cfr., entre outros, Cristina Manuela Araújo Dias, “Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, Problemas, Críticas e Sugestões”, FDUC – Centro de Direito da Família, Coimbra Editora, p. 886 e 922-923.
19. No sentido de que o que é objeto de apreensão são os bens comuns do casal e não a meação do insolvente nos bens comuns, cfr., José Lebre de Freitas, “Apreensão, separação, restituição em venda”, pág. 237. Em sentido contrário, Luís Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência”, Almedina, pág. 91 e 92, e Jorge Duarte Pinheiro, “Efeitos Pessoais da Declaração de Insolvência”, Estudos em Memória do Prof. Dr. José Dias Marques, Almedina, pág. 219.
20. Podendo, inclusivamente, impugnar os créditos reclamados, quer no que respeita à sua existência ou montante, uma vez que tem interesse em que os bens comuns não sejam afetados pela insolvência.
21. José Lebre de Freitas, A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, Gestlegal, nota de rodapé, pág. 256