Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ELSA PAIXÃO | ||
Descritores: | COACÇÃO FORMA TENTADA ELEMENTOS DO ILÍCITO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/20/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I) Para a prática do crime de coação sob a forma tentada, basta que a conduta do arguido, quer por meio de violência, quer através de ameaça com um mal importante, seja objetivamente capaz de obrigar outrem a praticar um ato, a omiti-lo, ou, ou a suportar uma determinada atividade (artº 22, nºs 1 e 2, al. b) do Código Penal). II) É o que sucede, no caso dos autos, pois se provou que o arguido, por várias vezes, disse à ofendida "se me acusa às finanças passo-lhe com um carro por cima"; "fica avisada ou você está quieta ou se me acusar passo-lhe com um carro por cima", querendo o arguido provocar medo à sua destinatária, com a intenção de a determinar a não alertar as autoridades competentes. | ||
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Decisão Texto Integral: | Instância Local de Guimarães – Secção Criminal (J3) – da Comarca de Braga Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO Na Instância Local de Guimarães – Secção Criminal (J3) – da Comarca de Braga, no processo comum singular nº 219/14.7GDGMR, foi submetido a julgamento o arguido J. C., tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo: Pelo exposto: Julga-se a acusação pública procedente e, consequentemente, decide-se: a) Condenar o arguido J. C., pela prática de crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 154º, nº 1 e 2, 155º, nº 1, alínea a), 72º, 73º, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, que se substitui por 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros). b) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC - artigos 513º e 514º, do CPP e artigo 8º nº 5 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais. Julga-se parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização e, consequentemente, decide-se: c) Condenar o demandado J. C. pagamento à demandante J. C., da quantia de € 400,00 (quatrocentos euros), a título de danos não patrimoniais a que acrescerão juros de mora à taxa legal de 4%, calculados desde a data desta sentença, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o demandado do demais peticionado. d) Sem custas – artigo 4º, nº 1, alínea n), do RCP. Notifique e registe. Após trânsito, remeta boletim à DSIC. Proceda ao depósito – artigo 372º nº 5 do Código Penal. *** Inconformado com a sentença, o arguido veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1º - Não se conforma o arguido com a decisão da sentença recorrida do J3 – Secção Criminal da Instância Local de Guimarães, de o condenar pela prática de um crime de coacção agravada, na forma tentada, p.e p. pelos artigos 154º, nº 1 e 2, 155º, nº 1, alínea a), 72º, 73º, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de 6(seis) meses de prisão, que se substitui por 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €.6,00 (seis euros), nas custas do processo, no pagamento a demandante da quantia de € 400,00 (quatrocentos euros), a título de danos não patrimoniais sofridos. 2º - Nos presentes autos e com o devido respeito por diferente opinião, entende o recorrente que não foi produzida prova bastante e suficiente para o Tribunal de 1ª instância ter dado como provados os factos assentes nos pontos nºs 2), 3), 4), 5) e 6) DO PONTO A), DO CAPÍTULO II. – OS FACTOS PROVADOS, da sentença ora recorrida. 3º - Pelo contrário, entende o recorrente que as provas produzidas impõem uma decisão diversa da recorrida. 4º - Efetivamente, a prova produzida em sede de audiência de julgamento deveria conduzir não à condenação do arguido, mas antes pelo contrário, à sua absolvição. 5º - Como se sabe e resulta expressamente da lei, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (artigo 127.º do C.P.P.), o que foi claramente referido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo. 6º -“A regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com a apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo”. 7º - Como se constata pelo teor das declarações da ofendida, a mesma referiu que mal viu o arguido na entrada do portão da fábrica, dentro do seu terreno que o mesmo proferiu as alegadas expressões (ou seja dentro do portão do recinto da fábrica ). Que naquele momento não teve medo do arguido e não levou a sério as ameaças, que falou com ele para lhe explicar que não avisou as finanças. Sendo certo que aquando da participação criminal feita pela Ofendida, a mesma terá dito coisa diferente tendo-se extraído certidão desse facto para apurar-se se houve algum ilícito penal cometido pela ofendida. Cfr. Ata a fls. dos autos no dia 01 de Março de 2016. 8º- A Testemunha Alberta, sobrinha da ofendida, confirmou que abriu a porta ao arguido, que chamou a ofendida mas que as ditas expressões foram proferidos quando o arguido já se encontrava fora do recinto da fábrica, que houve uma grande discussão muito alta entre ambos, que os deixou sozinhos e que a Ofendida até desafiou o arguido a “passar-lhe com um carro por cima” e que houve insultos de parte a parte de uma zanga normal. 9º- A testemunha Carlos, referiu que não viu o arguido e não o conhece, ouviu uma discussão dentro do recinto da Fábrica e que não se lembrava do que falavam. 10º- Há divergência e discrepância das testemunhas sobre o local onde houve discussão (é dentro ou fora do recinto da fábrica?) e há divergência sobre quando começa a discussão ou quando são proferidas as ditas e alegadas expressões (o arguido está à porta da fábrica dentro do recinto ou está na rua?). 11º- Do que afirmou a ofendida, extrai-se que houve discussão de parte a parte entre ela e o arguido, que a ofendida não sentiu medo do mesmo. Sendo certo que referiu que o arguido proferiu as aludidas expressões mal o mesmo a avistou na entrada da Fábrica (dentro do recinto) e que a testemunha M. A. referiu que tais expressões foram proferidas tão e somente quando o mesmo já tinha recuado e estava já na rua e do outro lado do portão da entrada da fábrica. 12º- Discrepância essa que não confere credibilidade aos seus depoimentos. 13º-Pelo que face ao supra alegado, dúvidas não restam que o depoimento da ofendida sobre os factos atinentes ao comportamento do arguido não foi escorreito e objetivo conforme se convenceu o Mtº Juiz “a quo”. 14º- Na verdade, a ofendida não afirmou convictamente ter sofrido medo em consequência do alegado comportamento do arguido. E ainda afirmou que falou com ele e lhe explicou que não sabia de nada quanto às Finanças. 15º- A testemunha M. A. ainda referiu que os deixou sozinhos, que ficaram a discutir os dois em alto e bom som e que ouviu insultos de parte a parte! 16º -Quem anda a discutir e retorquir não mostra qualquer tipo de medo. Ora, no caso em análise as expressões que terão sido ditas não são nem foram, como vimos, claramente suscetíveis de ser levadas a sério pela ofendida. As expressões da arguido não constituíram inequivocamente a revelação da produção futura de um mal suscetível de afetar a liberdade de determinação ou a paz individual e objetivamente idónea da ofendida conforme se convenceu o Mtº Juíz “a quo”. 17º- Ora questiona-se se as declarações prestadas em audiência de julgamento por parte das testemunhas de acusação não se tratam nesta parte de um depoimento indirecto ou de meras convicções pessoais? 18º-Com efeito, a demandante afinal, parece ter simulado os factos e assim o seu depoimento revelou-se inexato, mas mesmo assim permitiu ao Tribunal “a quo” fazer suposições, associações, deduções , pressuposições e convicções pessoais – ora que também não pode servir como meio de prova. 19º- Assim e salvo o devido respeito por melhor opinião, o Recorrente entende que, não obstante a prova produzida em Julgamento e o alcance e a validade da mesma: apenas se pode concluir que: o Tribunal a “quo”, não procedeu a uma apreciação criteriosa da prova, mas antes deu como assente a factualidade que aqui se impugna mediante um rebuscado raciocínio, inequivocamente sustentado numa presunção de culpa. 20º- Ora entende o Recorrente que a decisão de que ora se recorre padece, pois de um erro notório na apreciação da prova, pelo que estamos na presença de um vicio da decisão recorrida nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do C.P.P.. 21º- In casu, o Tribunal recorrido em vez de considerar como provados os factos que, constantes nos pontos nºs 2), 3), 4), 5) e 6), DO PONTO A), DO CAPÍTULO II. – OS FACTOS PROVADOS, deveria, antes, tê-los julgado como não provados, dado que não se logrou provar de forma segura e suficiente todos os elementos do tipo de crime aqui em apreço. 22º- Ora, ao não fazê-lo o Tribunal recorrido violou o principio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa. 23º-Porque com o devido respeito por diferente opinião e mesmo que não se entenda como o que supra se alega – sempre se refere que o Tribunal a quo fundou erradamente a sua convicção, não tendo observado a presunção de inocência que está na origem do principio “in dubio pro reo”, violando o n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da Republica Portuguesa. 24º-Por isso, seja o crime em questão ou outros quaisquer, à acusação, cumpre sempre provar o que se alega, de modo que se pode dizer, que em processo penal não existe ónus de prova, no sentido de que, resultando dúvida sobre os factos, ela resolve-se, em sede de puro facto, sempre a favor do arguido – in dubio pro reo. E nunca contra ele. 25º-Ora o recorrente afirma assim que da análise dos depoimentos prestados em audiência de julgamento (e nos quais assentou a convicção do tribunal) não se vislumbra que se possa afirmar com segurança e certeza que arguido foi autor da prática do crime de coação agravada na sua forma tentada. Assim, a prova que resultou da Audiência de Julgamento é muito reduzida e é controversa. 26º-Mas subsidiariamente, e mantendo-se a matéria fixada na primeira instância, os factos dados como provados não integram a prática de um crime de coação na sua forma tentada. 27º- O comportamento do arguido ou melhor as expressões proferidas pelo arguido não foram o necessário para coagir a ofendida a qualquer ação ou omissão contra sua vontade. Desta forma, sendo a coação um crime de resultado, a não realização do comportamento exigido pelo coator por parte da ofendida, emboca em não consumação do crime. 28º- Não se concorda com a subsunção dos factos à tentativa de coação. 29º- Nos termos do artigo 22º do Código Penal, para existir tentativa da prática de um crime, têm que ser praticados atos de execução. 30º- Ora, dos factos apurados em julgamento nenhum se enquadra nas definições de atos de execução. Quando muito, no caso dos autos, verificaram-se atos preparatórios, o que não legitimam a punição como tentativa. 31º- A ofendida não teve medo do arguido no momento em que o mesmo profere as alegadas expressões e nunca se sentiu constrangida a praticar qualquer ato. Como se verificou em sede de audiência, não se deu sequer o constrangimento supostamente pretendido pelo arguido por que tal na verdade era impossível; pois e conforme refere o Mtº. Juiz “a quo” na douta sentença recorrida: “a ofendida não compreende o teor das ameaças do arguido uma vez que nunca denunciou o arguido por quaisquer irregularidades fiscais nem tinha intenção de o fazer, tanto mais que desconhece se elas existem”. 32º- Pois, não existiu uma tentativa de coação agravada dado que a inexistência do objeto essencial da ameaça de um mal importante é manifesto. O alegado crime era impossível objetivamente. 33º- O Código Penal diz expressamente no seu art. 23.º, n.º 3 que a tentativa impossível não é punível, quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente (por ex.: a arma descarregada) ou a inexistência do objeto essencial (ex.: cofre vazio) à consumação do crime. 34º- Pois, interessa saber se no caso dos autos a inexistência do objeto, é evidente ou aparente para a generalidade das pessoas. De certa forma há aqui um raciocínio próximo da ideia de adequação, entrando em conta com a consideração das pessoas em geral. 35º- Pois, as expressões alegadamente proferidas pelo arguido, foram proferidos no fogo de uma discussão entre arguido e ofendida com insultos de parte a parte, sendo que o arguido não usou de violência física ou moral e não tinha intenção de coagir a ofendida, ameaçando com a prática de um crime contra a sua pessoa, ou a inflição de qualquer mal importante, tendo-a, apenas, advertido ou avisado, certo, com um tom teatral de que a mesma não o devia participar às finanças. Esta advertência foi feita dentro de um contexto de discussão de parte a parte. 36º- É do conhecimento do homem comum, que a Autoridade Tributária dispõe de um sistema informático com cruzamento de dados automático que permite detetar de forma diligente e rápida quaisquer irregularidades fiscais cometidas pelo contribuinte, a saber, a falta de entrega atempada do IVA, o não pagamento de IRC ou IRS, etc… sem que seja por isso necessário a apresentação de qualquer queixa por parte de terceiro. 37º- Pois, como qualquer pessoa sabe, o sistema informático implementado na Autoridade Fiscal está constituído de tal forma que automaticamente avisa a Fazenda da existência de quaisquer irregularidades fiscais cometidas pelo contribuinte. 38º-Pois, esse fato era do conhecimento do arguido e é sem dúvida do conhecimento de qualquer pessoa média. Daí que ninguém levou e nem levaria a sério as expressões proferidas pelo arguido. 39º- Por força disso, era manifesto para uma pessoa comum de que nunca houve vontade por parte do arguido em co-agir quem quer que seja porque a máquina fiscal não precisa de queixa de terceiros para atuar. Na verdade tais expressões caíram em “saco roto” quer para quem estava lá presente quer para a Ofendida que não apresentou medo perante as expressões do arguido. 40º Pelo não ficou demonstrado qualquer tipo de dolo por parte do arguido na forma como se expressou. Ele não estava de todo convencido que era intenção da ofendida denunciar as suas alegadas irregularidades fiscais. O dolo na tentativa terá de assumir a forma direta (intenção criminosa direta), excluindo-se, portanto, o dolo eventual. 41º- Ora, no caso em apreço inexiste dolo, tão pouco, dolo direto, porquanto o Arguido não praticou qualquer ato que preencha qualquer tipo legal de crime e não ficou provado que t enha pretendido praticá-lo. 42º- A interpretação feita na douta sentença recorrida, viola, assim, o disposto no artigo 14°, n° 3 e artigo 154°, n° 1, ambos do Código Penal. 43º- Desta forma, a existir tentativa, a mesma reveste carácter de tentativa impossível, dado que é manifesta a inexistência do objeto para concretizar a ameaça. 44º- Pelo que no caso em apreço não poderá haver punição de tentativa impossível, porque a impossibilidade foi evidente, aparente e manifesta para a generalidade das pessoas conforme supra se explanou. Cfr. art. 23.º, n.º 3 do Código Penal “. 45º- Pelo que face a prova dada como provada, deverá concluir-se pela inexistência da tentativa da prática pelo aqui recorrente do crime em apreço ou quanto muito pela não punibilidade da tentativa impossível, absolvendo o aqui Recorrente. 46º- Ora neste sentido e com o devido respeito, o Tribunal andou mal, pois nos autos não foi produzida prova suficiente para se concluir que o Recorrente foi o autor de ação delituosa. 47º- Com efeito, deve ter-se em linha de conta que o arguido não tem antecedentes criminais; que se encontra perfeitamente integrado familiar e socialmente; que aufere um rendimento mensal de 500,00€ e por isso beneficie de proteção jurídica junta a fls. dos Autos. 48º-A decisão recorrida não aplicou assim corretamente os critérios legais adequados, previstos nos artigos 70º, 71º, 40º, nº 1, 47º, nº 2 do CP. 49º- Por tudo o supra exposto, a douta decisão recorrida violou, entre outras, as disposições legais emanadas dos artigos 127.º, 129.º, 118.º, n.º 3, 374.º, n.º 2 e 410, nº 2, todos do C.P.P., artigos 14º, nº 3, 22º, 23º, 70º, 71º, 73º, 40º, nº 1, 47º, nº 2 e 154, nº 1 e 2 e 155º, nº1 alínea a) do CP e ainda o artigo 32.º, n.º 2 da C.R.P.. POR TUDO O SUPRA EXPOSTO, DEVEM, V. AS EX.CIAS, CONCEDER PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, FAZENDO COMO SEMPRE A MELHOR JUSTIÇA, PELO QUE SE REQUER A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA E, A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE ABSOLVA O ARGUIDO NOS TERMOS PRESSUPOSTOS NAS CONCLUSÕES QUE ANTECEDEM, OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, NOS MESMOS TERMOS APLIQUE AO ARGUIDO UMA PENA DE MULTA MAIS REDUZIDA, POR TAL SE APRESENTAR COMO INTEIRAMENTE JUSTO!!! *** O recurso foi admitido (cfr. despacho de fls. 197). *** Em resposta ao recurso o Ministério Público defendeu que “a sentença recorrida, não é passível de censura, pelo que, ressalvando sempre o devido respeito que nos merece a opinião contrária, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, desta forma, mantida a douta sentença nos seus precisos termos”. *** Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que “o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente o decidido”. *** Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta. *** Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência. *** II – FUNDAMENTAÇÃO Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas no recurso interposto da decisão final proferida pelo tribunal singular. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida. Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida (transcrição): II. OS FACTOS: A. FACTOS PROVADOS: Com relevância para a boa decisão da causa encontram-se provados os seguintes factos: 1) O arguido geria uma empresa que, à data da prática dos factos que abaixo se descrevem mantinha relações comerciais com a sociedade gerida pelo filho de J. C.. 2) Por razões não concretamente apuradas, o arguido, no dia 15 de Setembro de 2014, cercas das 08h00, dirigiu-se às instalações da sociedade “S…, Lda.”, sita na Rua do …, pediu para falar com a J. C. e assim que esta assomou à porta, em tom sério e irado, o arguido disse-lhe por várias vezes “se me acusa às finanças passo-lhe com um carro por cima”; “fica avisada ou você está quieta ou se me acusar passo-lhe com um carro por cima”. 3) Perante a insistência e a agressividade manifestadas pelo arguido, J. C. passou a recear que, no seguimento do afirmado e na concretização de tais propósitos, a agredissem corporalmente a qualquer momento e em qualquer local onde a encontrassem, causando-lhe dores, lesões e ferimentos passíveis de pôr em perigo a sua integridade física ou até a sua vida. 4) Ao assim proceder, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, querendo provocar medo à sua destinatária, com a intenção de a determinar a não alertar as autoridades competentes. 5) As expressões dirigidas pelo arguido, vindas de descrever, são idóneas a provocar medo e inquietação em qualquer pessoa e a determiná-la na sua liberdade de acção. 6) O arguido actuou de forma livre, voluntaria e consciente, bem sabendo proibida e punida por lei a sua conduta. Mais se apurou: 7) Nunca foi intenção de J. C. alertar as autoridades competentes para quaisquer irregularidades fiscais, quer em momento anterior aos factos, quer em momento posterior. Do pedido de indemnização civil (para além dos factos provados relativos à acusação): 8) Na sequência da conduta do arguido, Joaquina temeu pela sua vida. Da situação pessoal do arguido: 9) O arguido é trabalhador por conta de outrem, numa oficina de mecânica, auferindo o vencimento mensal de € 500,00. 10) Vive separado de facto da sua mulher, embora vivendo na mesma casa, e paga a quantia mensal de € 300,00, correspondente a metade da prestação bancária, na sequência de empréstimo contraído para aquisição da habitação comum. 11) O arguido concluiu o 5º ano de escolaridade. 12) Não tem antecedentes criminais. B. FACTOS NÃO PROVADOS: Da acusação: a) O referido em B) ocorreu porque J. C., que tomou conhecimento de que o arguido não estava a proceder à entrega do IVA respeitante à facturação dos serviços prestados à sociedade gerida pelo seu filho, pretendia fazer cessar as relações comerciais entre as duas empresas referidas em 1). b) O arguido, com a sua conduta, conseguiu determinar J. C. a não alertar as autoridades competentes para a irregularidade fiscal por si detectada. Do pedido de indemnização civil: c) J. C., durante meses, teve medo de sair sozinha de casa. d) Não conseguia concentrar-se no trabalho, nem estar sozinha em casa ou na fábrica. e) Teve mesmo de ser medicada. III. MOTIVAÇÃO: O Tribunal formou a sua convicção apreciando de forma crítica o conjunto da prova produzida em audiência, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador. O arguido, embora tenha aceitado as circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, negou ter proferido as expressões que lhe são imputadas. Mais referiu que apenas se deslocou à empresa gerida pelo filho de J. C. para comunicar que a partir daquele momento deixava de trabalhar para aquela empresa, uma vez que a confecção que explorava já não suportava os custos. J. C., confirmando as circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, descreveu, de modo que se nos afigurou escorreito e objectivo, toda a conduta do arguido, designadamente as expressões que lhe foram dirigidas, bem como os sentimentos de receio que, quer no momento, quer posteriormente passou a vivenciar, tudo nos precisos termos dados como provados. Mais esclareceu que não compreende o teor das ameaças do arguido uma vez que nunca denunciou o arguido por quaisquer irregularidades fiscais nem tinha intenção de o fazer, tanto mais que desconhece se elas existem. M. M., funcionária da empresa onde ocorreram os factos e sobrinha da ofendida, num registo que se nos afigurou sincero e objectivo, logo credível, referiu que nas referidas circunstâncias ouvia-se perfeitamente no exterior a discussão entre o arguido e J. C., durante a qual aquele fazia repetidamente alusão a um assunto relacionado com queixas às finanças e que passaria com o carro por cima daquela. Descreveu ainda o arguido como estando exaltado durante a discussão. Aludiu ainda a testemunha aos sentimentos de receio e medo que a tia vivenciou no momento e posteriormente. F. P. nada sabia de concreto e relevante. C. M., construtor civil, num registo que se nos afigurou igualmente sincero e objectivo, relatou que se encontrava no local nas referidas circunstâncias, a pedido da ofendida, para ver umas obras que ia efectuar. Que ao chegar ao local, deu conta de uma discussão entre a ofendida e outro individuo, sendo que ambos revelavam estar exaltados. S. M., filho da ofendida, pese embora não ter assistido aos factos, o seu depoimento foi relevante para determinar o tipo de relação que o arguido tinha com a empresa gerida por aquele. Referiu-se também aos sentimentos de receio e medo que a sua mãe passou a ter após os factos. M. F. e S. B., esposa e nora do arguido, respectivamente, não assistiram aos factos. Contudo, vieram ao tribunal dizer que foram contactadas pela testemunha F. P., a qual as informou que tinha sido pressionada pela ofendida para prestar depoimento contra o arguido. Ora, para além de tais declarações não terem soado credíveis, o certo é que, conforme já se referiu o depoimento de F. P. foi completamente inútil para o esclarecimento dos factos. M. M., colega do arguido, referiu que passou a pé junto à ofendida e arguido quando se apercebeu que aquela insultava incessantemente este último, limitando-se este a ouvir serenamente. Ora, esta testemunha não soou minimamente credível e dizemos mesmo que temos sérias dúvidas de que tenha estado se quer no local. Com efeito, o arguido foi peremptório ao afirmar que não se encontravam no local mais ninguém a não ser o próprio e a ofendida. Pois se é assim, mal se compreende a afirmação da testemunha M. M. de que terá mesmo abordado o arguido, na ocasião, para lhe dizer que se precisasse de alguma coisa estaria disponível. Em suma, considerando os depoimentos da ofendida e da testemunha M. F. que se nos afiguraram credíveis, convenceu-se o tribunal da ocorrência dos factos nos precisos termos dados como provados, sendo de salientar que a discussão que, inegavelmente ocorreu, confere maior credibilidade e verosimilhança aos referidos depoimentos. As circunstâncias que rodearam a conduta do arguido, designadamente o modo como se exprimiu e a repetição das expressões, de conteúdo manifestamente ameaçador, fazem-nos concluir pela adequação da sua conduta a constranger a ofendida, designadamente na sua liberdade de actuação, para além de lhe causar medo, designadamente pela sua vida, pois que a morte é, frequentemente, o desenlace de atropelamentos de pessoas por veículos. No que concerne ao elemento subjectivo da conduta, ponderou-se o iter criminis do arguido, ou seja, a acção objectiva apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência da qual se extrai a sua intenção, designadamente a intenção de causar medo e inquietação com as ameaças proferidas, com o fim pretendido de cercear a plena liberdade da ofendida, designadamente a de, querendo, denunciar às finanças irregularidades que conhecesse, e a consciência da ilicitude e censurabilidade da sua conduta, sendo certo que não foi produzida qualquer prova susceptível de contrariar tal entendimento. A factualidade não provada resultou da insuficiência da prova produzida para a formulação de um juízo positivo sobre a sua verificação. Com efeito, se se aceita, sem qualquer dificuldade, que a ofendida tenha sido sentido medo e receio pela sua vida, face à conduta do arguido, o que está conforme às regras da normalidade, a verdade é que a intensidade e efeitos desse medo e receio não ficaram demonstrados através de depoimentos suficientemente seguros, pelo menos nesta parte. Quanto às razões que levaram o arguido a actuar do modo descrito, não logrou o tribunal conhecê-las, uma vez que o arguido negou os factos e a ofendida alegou desconhecê-las. O arguido esclareceu a sua situação pessoal nos precisos termos dados como provados. A ausência de antecedentes criminais resulta do CRC junto aos autos. *** Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada e Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95)]. Assim, face às conclusões apresentadas pelo recorrente, importa decidir as seguintes questões: - Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto provada/erro de julgamento; vício decisório (artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal); violação do princípio in dubio pro reo; - Subsunção dos factos ao direito; E sem esquecer que uma das grandes limitações do tribunal de recurso, quando é chamado a pronunciar-se sobre uma impugnação de decisão relativa a matéria de facto, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração, efetuada na primeira instância, da prova testemunhal, decorre da falta do contacto direto com essa prova, da ausência de oralidade e, particularmente, de imediação. No nosso sistema processual vigora o princípio da livre apreciação da prova, em conformidade com o qual o juiz tem total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos (cfr. artigo 127º do Código de Processo Penal). Também não se pode esquecer que o julgador pode recorrer a presunções naturais ou hominis no processo de formação da sua convicção, uma vez que se trata de um meio de prova admitido na lei (cf. art. 125º do Código de Processo Penal). O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância. Atente-se, aliás, que o legislador, consciente das limitações que o recurso da matéria de facto necessariamente tem envolver, teve o cuidado de dizer que as provas a atender pelo Tribunal ad quem são aquelas que “impõem” e não as que “permitiriam” decisão diversa (cfr. artigo 412º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal) – neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 17.02.2005, relatado por Simas Santos, acessível em www.dgsi.pt. O nosso poder de cognição está confinado aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados, com as especificações estatuídas no artigo 412º n.º 3 e 4 do Código Processo Penal. Por outro lado, não existe qualquer obstáculo processual a que, no confronto entre as declarações do arguido J. C. e os depoimentos da ofendida J. C. e testemunha M. A., o tribunal atribua maior credibilidade aos últimos em detrimento das primeiras, na medida em que todos se encontram sujeitos à livre apreciação do julgador. Sabemos que as provas (todas) se encontram sujeitas à livre apreciação do julgador e não podem ser apreciadas uma a uma, isoladamente, de forma segmentada, devendo ser analisadas e valoradas concatenadamente, conjugando-as e estabelecendo correlações internas entre elas, confrontando-as de forma a que, ainda que de sinal contrário, daí resulte uma decisão linear, fazendo inferências ou deduções de factos conhecidos desde que tal se justifique, e tendo sempre presentes as regras da lógica e as máximas da experiência. Efetivamente impõe-se que o tribunal proceda a uma análise conjugada dos meios de prova, tendo presentes as regras da experiência comum e da normalidade. Além disso, conforme já referimos, ao tribunal é permitido socorrer-se de presunções naturais para a formação da convicção sobre a factualidade provada, devendo a sua convicção apoiar-se em raciocínio lógico, objetivo e motivado, sem atropelo daquelas normas da vivência comum e resulte perfeitamente explicado na decisão. No caso sub judice a motivação de facto revela uma avaliação objetiva, racional e ajuizada do conjunto da prova produzida. Mostra-se estruturada a partir da análise das declarações do arguido J. C. e dos depoimentos da ofendida J. C. e da testemunha M. A., conjugados entre si, com recurso a presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência. Por conseguinte, o tribunal ponderou as provas, segundo critérios de objetividade e à luz das regras da experiência comum e da normalidade, no pleno uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal, em absoluto respeito dos dispositivos legais aplicáveis, revelando-se que tal convicção expressa na sentença, adquirida na base da imediação e da oralidade, não é irracional, escapando, por isso, a qualquer censura. E o tribunal a quo considerou os depoimentos da ofendida e da testemunha M. F. “credíveis”, convencendo-se “da ocorrência dos factos nos precisos termos dados como provados, sendo de salientar que a discussão que, inegavelmente ocorreu, confere maior credibilidade e verosimilhança aos referidos depoimentos”. Por outro lado, o tribunal a quo considerou que os depoimentos das testemunhas M. F. e S. B., esposa e nora do arguido, da testemunha M. M., colega do arguido não soaram minimamente credíveis, sendo que “o depoimento de F. P. foi completamente inútil para o esclarecimento dos factos”. E nesse relatado contexto o tribunal entendeu que a testemunha “J. C., confirmando as circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, descreveu, de modo que se nos afigurou escorreito e objectivo, toda a conduta do arguido, designadamente as expressões que lhe foram dirigidas, bem como os sentimentos de receio que, quer no momento, quer posteriormente passou a vivenciar, tudo nos precisos termos dados como provados”. De facto, já o dissemos, lendo as transcrições da prova gravada, nomeadamente os concretos segmentos que são convocados pelo recorrente, não se vislumbra que, de essencial, algo resulte que permita infirmar aquela que foi a convicção formada pelo julgador em 1ª instância. A conjugação de todos os elementos probatórios permitem inferências suficientemente seguras no sentido da matéria de facto dada como provada, sendo que não vislumbramos qualquer contra-argumento suficientemente seguro que justificasse solução diferente daquela a que chegou o Tribunal. Conforme já referimos, os factos indiciários não assumem relevo quando considerados por si sós, mas apenas se conjugados entre si e com as regras da normalidade do acontecer e, no caso em apreço, depois de proceder à análise do conjunto da prova produzida, entendemos, tal como o tribunal a quo, que existem elementos manifestos e credíveis que permitam associar o arguido recorrente à prática do crime de coação, na forma tentada, pelo qual vem condenado. Se não vejamos. O arguido J. C. negou ter proferido as expressões em causa. Ao invés, a ofendida J. C., confirmando as circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, relatando toda a conduta do arguido, designadamente as expressões que lhe foram dirigidas, bem como os sentimentos de receio que, quer no momento, quer posteriormente passou a vivenciar, tudo nos precisos termos dados como provados. Com efeito, a mesma confirmou as expressões em causa, reiterando-as e esclarecendo que ficou muito perturbada da cabeça, muito esquecida, andou um tempo muito mal, adiantando que evidentemente teve medo e receio de passar pelo arguido. É certo que, no meio da inquirição, referiu que naquele momento não teve medo, pois não sabia o que se estava a passar e estava a tentar resolver a situação, mas depois apercebeu-se e ficou transtornadíssima, levando a sério as ameaças. Por sua vez, a testemunha M. A., sobrinha da ofendida, que se encontrava a trabalhar no local dos factos referiu que nas circunstâncias em causa era perfeitamente audível no exterior a discussão entre o arguido e a ofendida J. C., confirmando que aquele fazia repetidamente alusão a um assunto relacionado com queixas às finanças e que passaria com o carro por cima desta. Descreveu ainda os sentimentos de receio e medo que a tia vivenciou no momento e posteriormente. A testemunha C. M., construtor civil, referiu que se encontrava no local nas referidas circunstâncias, a pedido da ofendida, para ver umas obras que ia efetuar, confirmando a existência de uma discussão entre a ofendida e outro individuo. Não escamoteamos a existência de algumas discrepâncias entre os depoimentos das referidas testemunhas de acusação, as quais são fruto do decurso do tempo, da normal seleção da memória e compreensível tensão a que se sentem sujeitas as pessoas ouvidas em audiência de julgamento, e respeitam apenas a pormenores das relatadas situações, que em nada bolem com a essencialidade dos factos em causa, constantes da acusação, os quais foram descritos e relatados de forma consistente e verosímil, conforme o acima exposto. Acresce que os depoimentos das demais testemunhas ouvidas não lograram descredibilizar os depoimentos da ofendida e das referidas testemunhas M. A. e C. M.. Importa ainda atentar que não assiste razão ao recorrente quando alega que concorreu para a formação da convicção do Tribunal a quo um depoimento indireto, aludindo aos depoimentos das testemunhas de acusação. Com efeito, depoimento indireto conforme dispõe o art.° 129°, n° 1 do Código de Processo Penal é o que consiste na descrição do que “se ouviu dizer a pessoas determinadas”, naturalmente diferentes dos protagonistas dos factos. Ora, terem as testemunhas, mormente a testemunha M. A. narrado o que ouviu dizer ao arguido, ora recorrente, no local dos factos e por ocasião dos mesmos, não é, obviamente, um depoimento indireto. Neste contexto, face a todo o exposto, não se vislumbrando nenhum motivo para que a ofendida J. C. inventado o relatado, o seu depoimento conjugado com o depoimento da testemunha M. A., permitem-nos concluir no sentido acolhido pelo tribunal a quo e vertido na matéria de facto dada como provada. Quanto ao elemento subjetivo do tipo, não é necessário, para o seu apuramento, a existência de confissão do arguido, pois como processo psíquico, pertence ao foro interno do agente, sendo insuscetível de apreensão direta, tendo de ser inferido dos factos materiais que, provados e apreciados com a livre convicção do julgador e conjugados com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência.
Ora, no caso em apreço, considerando o descrito comportamento do arguido, partindo da constatação dos factos objetivos, apreciado com a livre convicção do julgador e conjugada com as regras da experiência comum, face a todo o exposto, não podemos deixar de considerar que o recorrente “agiu deliberada, livre e conscientemente, querendo provocar medo à sua destinatária, com a intenção de a determinar a não alertar as autoridades competentes”, sendo que “As expressões dirigidas pelo arguido, vindas de descrever, são idóneas a provocar medo e inquietação em qualquer pessoa e a determiná-la na sua liberdade de ação”, tendo o arguido atuado “de forma livre, voluntaria e consciente, bem sabendo proibida e punida por lei a sua conduta”. Assim, podemos, pois, dizer que no caso dos autos, a convicção do tribunal se mostra apoiada no conjunto da prova produzida e apreciada em audiência de julgamento, e a leitura que dela foi feita pelo tribunal a quo é plausível e ajustada às regras da experiência, face ao disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, ao contrário do que defende o recorrente, sendo que tal convicção se mostra alicerçada num procedimento lógico e coerente de valoração e onde não se alcança qualquer manifestação de arbítrio na apreciação da prova. Decorre, pois, de todo o exposto, que não demonstra o recorrente que a decisão recorrida tenha incorrido em ilógico ou arbitrário juízo na valoração da prova, ou se tenha afastado das regras da normalidade do acontecer, ou da experiência comum, não existindo razões para afastar o raciocínio lógico do tribunal a quo, tampouco o recorrente indicou prova que imponha decisão diversa da tomada na decisão em crise, não podendo senão concluir-se que a argumentação e prova indicada pelo recorrente não impõem decisão diversa, nos termos da al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, apenas sendo exemplificativas de outra interpretação da prova, não havendo, pois, qualquer razão para alterar a matéria de facto provada decidida pelo Tribunal a quo. Vejamos. Estabelece o artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: Por último, tal como acontece com os vícios da sentença a que alude o n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, a eventual violação do princípio em causa deve resultar, claramente, do texto da decisão recorrida, ou seja, quando se puder constatar que o tribunal decidiu contra o arguido, apesar de tal decisão não ter suporte probatório bastante, o que há de decorrer, inequivocamente, da motivação da convicção do tribunal explanada naquele texto (Neste sentido, o acórdão do STJ de 29.05.2008, relator Conselheiro Rodrigues da Costa, disponível em www.dgsi.pt/jstj). Ora, no caso em apreço, a prova foi apreciada segundo as regras do artigo 127º do Código de Processo Penal, com respeito pelos limites ali impostos à livre convicção, não só de motivação objetiva segundo as regras da vida e da experiência, e sem que se vislumbre que na apreciação da prova o tribunal tenha incorrido em qualquer erro lógico, grosseiro ou ostensivo. Na ponderação do quantitativo ajustado ao caso concreto não entram unicamente em linha de conta os rendimentos mensais, apurados ou declarados, mas também todos os outros rendimentos, bens e encargos que definem uma situação económica e que permitem avaliar a repercussão que nela vai ter a pena encontrada, de forma a poder concluir-se se a mesma é, efetivamente, e como deve ser, adequada para sancionar a concreta gravidade do facto. Logo, “o juiz graduará o quantitativo diário da multa em atenção às determinações legais, atendendo a que a finalidade da lei é eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver” – cfr. Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 10ª ed., pág. 226. Como se pode ler no Acórdão do STJ, proferido em 03.06.2004, no processo 04P1266, disponível em www.dgsi.pt “A pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar ao arguido, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável”. Ou conforme se salientou no douto Ac. do STJ de 02.10.1997 (Col. de Jur., Ano V, tomo 3, págs. 183-184) “como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade”. Também o Prof. Taipa de Carvalho entende que “a multa enquanto sanção penal, não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado a multa deixar de a ‘sentir na pele’ (As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995, in Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, ed. do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol II, pág. 24) e já antes o Prof. Figueiredo Dias, salientara que “é indispensável (…), que a aplicação concreta da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que não se tem coragem de proferir” (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 119, §123). Revertendo para o caso em apreço, resulta da factualidade apurada que o arguido é trabalhador por conta de outrem, numa oficina de mecânica, auferindo o vencimento mensal de € 500,00. Vive separado de facto da sua mulher, embora vivendo na mesma casa, e paga a quantia mensal de € 300,00, correspondente a metade da prestação bancária, na sequência de empréstimo contraído para aquisição da habitação comum. Assim, considerando todo o exposto e atenta tal factualidade, tendo em conta que o mínimo por cada dia de multa corresponde a 5€, quantia que deve ser aplicada em situações limite, designadamente àqueles que nem sequer ganham o suficiente para fazer face às necessidades mais elementares, sob pena de se desvirtuar a essência da pena de multa e se criarem injustiças relativas entre os condenados, considerando que foi fixada a quantia de 6,00€ (seis euros) por cada dia de multa, quantia que se aproxima do mínimo legal (e deveras distante do máximo), tudo ponderado, afigura-se-nos que tal quantia se mostra perfeitamente adequada, atenta a referida situação económica do arguido/recorrente. Não merece, pois, censura a sentença recorrida, proferida sem violar qualquer norma legal ou princípio constitucional, mormente os invocados pelo recorrente. |