Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6236/17.8T8GMR.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A prescrição assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas e visa, no essencial, tutelar o interesse do devedor.

II – À prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (art. 298º/1 do CC) e, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art. 304º/1 do CC), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de exceção perentória (art. 576º/3 do CPC).

III – A apelante funda o seu pedido, delimitando a sua causa de pedir, no seu sofrimento e alterações do quotidiano da sua vida pelo estado de saúde em que o acidente deixou o filho, desde este acidente até à consolidação das lesões e das limitações do filho para o futuro, após a consolidação, resultantes das sequelas advindas do acidente.

IV – Assim, o prazo prescricional tem o seu início de contagem no dia do acidente, data em que a apelante teve conhecimento do mesmo, ou seja, no dia 20 de Outubro de 2013.

V – O direito da autora prescreveu, pelo decurso do prazo prescricional de três anos previsto no nº 1 do art. 498º do CC, no dia 20 de Outubro de 2016, pelo que, tendo sido proposta a ação no dia 17 de Novembro de 2017 e citado o aqui apelado no dia 3 de Dezembro de 2017, já se havia verificado a prescrição.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

M. C. moveu ao “Fundo de Garantia Automóvel” e a P. J., a presente acção declarativa de condenação (1) sob a forma comum, pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de € 100.000,00, acrescida de juros moratórios, contados desde a citação.

Alega, para o efeito, que o montante peticionado corresponde aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos pela A., resultantes do estado de dependência em que o seu filho ficou, depois de sofrer acidente de viação que o incapacitou de se movimentar sozinho, dependendo totalmente da ajuda da A. para se alimentar, fazer a higiene diária e movimentar-se, causado por culpa exclusiva do R. P. J., que na ocasião, circulava em veículo sem seguro obrigatório de responsabilidade civil.

Citados, ambos os RR. contestaram:

----» o R. “F.G.A.”, a fls. 397 e ss.,

excepcionou:
- a prescrição do direito da A. por terem decorrido mais de três anos desde a data do acidente;
- versão distinta do acidente de viação, mantendo que o veículo tripulado pelo filho da A. tampouco dispunha, na ocasião, de seguro de responsabilidade civil automóvel, aplicando-se ao caso o disposto no artigo 14º, n.º 1, ex vi do 52º, n.º 1, ambos do DL n.º 291/2007 de 21 de Agosto;

impugnou:
- de direito, que os danos reclamados não são ressarcíveis à luz do n.º 2 do artigo 495º do Código Civil;
- de facto, os alegados danos sofridos pela A.
----» o R. P. J., a fls. 409 e ss.,

excepcionou:
- a prescrição do direito da A., por terem decorrido mais de três anos desde a data do acidente e versão distinta do acidente de viação, imputando a J. M. a culpa pela respectiva ocorrência;

impugnou:
- de facto e de direito a pretensão da A., mantendo que esta não tem qualquer dever de prestar assistência ao filho que peticionou em processo autónomo indemnização por danos próprios resultante da necessidade de contratação de terceira pessoa para lhe prestar assistência.

A A. respondeu (fls. 439 e ss.), invocando em seu benefício o prazo mais longo resultante de o acidente constituir, simultaneamente, facto ilícito criminal e que só tomou conhecimento da irreversibilidade das lesões do filho em 10-08-2016.

Elaborou-se o despacho saneador (fls. 444 e ss.), que relegou para ulterior momento processual o conhecimento da excepção da prescrição, identificou o objecto do litígio, enunciou os temas da prova, seguido de despacho de apreciação dos meios de prova requeridos pelas partes.

Designada data para o efeito, realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, como consta da respectiva acta.

No final, foi proferida decisão que julgou improcedente o pedido formulado pela A., do qual se absolveram os RR.
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Inconformada com essa sentença, apresentou a A. M. C. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

a) Na presente ação estamos perante um dano de cariz não patrimonial da mãe do sinistrado que viu o seu filho saudável em quem depositava as maiores esperanças num futuro promissor, ficar estropiado de forma irreversível, ficando reduzido a uma vida de qualidade muito limitada.
b) Ora, e quando é que nasce o dano reflexo da A. na sua esfera jurídica?
c) Ficou provado em 42 dos factos provados que a A. apenas tomou consciência da irreversibilidade das lesões do seu filho quando acompanhou o mesmo à junta médica para avaliação do seu estado de saúde em 10/08/2016.
d) Ora, o prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efetiva da totalidade dos danos, ou seja, a partir de 10.08.2016.
e) Para que haja direito de indemnização, é condição essencial que haja dano, pelo que o conhecimento do direito apenas se obtém e, como tal, a prescrição do mesmo apenas se inicia, após o conhecimento do dano (no presente caso, em 10.08.2016).
f) Quando se determina que tal prazo, se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se, apenas, que se conta a partir da data em que conhecendo, a verificação dos pressupostos, que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não da possibilidade legal, do ressarcimento (dano reflexo, com o conhecimento da irreversibilidade da situação clinica do seu filho).
g) De facto, em 10 de Agosto de 2016, foi atribuída ao filho da A. uma incapacidade permanente global de 71% (de carácter irreversível e definitivo).
h) Toda a indemnização tem como pressuposto a prática de um ato gerador de responsabilidade e a verificação de um dano do lesado e o facto só se torna danoso quando o dano efectivamente se produz. Donde decorre que, em relação aos danos não verificados à data em que ocorreu o facto ilícito o prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos (pois, o sinistro ocorreu em 2013 e em 2016 foi verificado um facto novo (isto é: em 2016 verificou-se o facto que fez despoletar o direito da aqui A.): irreversibilidade das lesões do seu filho).
i) É precisamente aqui que se verifica o dano reflexo da A., e nasce o seu direito de indemnização.
j) O início do prazo de prescrição reporta-se, não ao momento da lesão do direito do titular da indemnização, mas àquele em que o direito possa ser exercido, a coincidir com o momento do conhecimento do direito que lhe compete, isto é, do direito à indemnização.
k) Acresce que, tendo a situação sido considerada irreversível em 10/08/2016, deve tal situação ser considerada como um facto novo (porquanto se trata de um dano futuro), a partir do qual é conferido o direito à A. de exercer o seu direito.
l) E o conhecimento ou desconhecimento da extensão dos danos do filho da A., em momento inicial, apenas dizia respeito ao filho da mesma, já que o facto gerador do direito da A. corresponde tão-somente ao dia em que esta tem conhecimento da irreversibilidade dos danos do filho (em Agosto de 2916, a A. tomou conhecimento de teria de ficar/estar disponível para o seu filho para sempre, já que os danos daquele não serão reversíveis).
m) Nessa medida, não se encontra prescrito o direito da A..
n) Sem prescindir, dispõe o n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil que “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.
o) Pois que, o prazo alongado do n.º 3 do artigo 498.º do CC é aplicável a quem, nos termos do n.º 1 do artigo 503.º, tem mera responsabilidade pelo risco, cuja condução tenha integrado um ilícito criminal (STJ, 30-01-1985: BMJ, 343.º - 323, e RLJ, 123.º - 20, com anotação de Antunes Varela).
p) Para se aplicar o prazo alongado previsto no n.º 3 do artigo 498.º do CC, basta que o facto gerador da responsabilidade civil constitua ilícito criminal, sendo indiferente que o obrigado a reparar o dano seja ou não o agente do facto criminoso (RP, 11.1.1999: BMJ, 483.º - 276) e tal prazo de depende apenas da mera possibilidade de subsunção dos factos à previsão da norma penal (RE, 30.11.2006: CJ, 2006, 5.º - 252).
q) O alongamento do prazo de prescrição previsto no artº 498 nº 3 do C. Civil depende apenas de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, mais precisamente bastando que a factualidade geradora de responsabilidade civil e da respetiva obrigação de indemnizar preencha os elementos de um tipo legal de crime, relativamente ao qual a lei penal admite o seu apuramento judicial em prazo mais alargado que o previsto no número daquele inciso.
r) Ora, não restam dúvidas que o facto ilícito constituiu um crime de ofensa à integridade física simples à pessoa do filho da A., p. e p. pelo artigo 143.º do Código Penal.
s) E para o facto ilícito que constitua crime a lei estabelece um prazo prescricional de 5 anos - artº 118.o alínea c) do Código Penal.
t) A lei, no art.º 498.º n.º 3 do C.P.C., concede então à A. o direito de confiar no prazo de prescrição decorrente da possibilidade do prazo decorrente da lei criminal.
u) Pelo que, beneficia a A. do prazo de prescrição de 5 anos.
v) De todo o modo, o direito da A. não se encontra prescrito.
w) Pelo que, tendo em consideração os factos provados, declarando-se que o direito da A. não se encontra prescrito, deve a sentença proferida ser revogada e serem os Réus condenados solidariamente a pagar à A. a indemnização peticionada.
x) Desta fora, ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artigos 9.º, 498.º, n.º e 3, 503.º do CC, 143.º do CP, dos quais fez uma errada interpretação e / ou aplicação.

Termos em que, decidindo em conformidade,
Revogado a decisão proferida e proferindo outra que consagre a tese da A. farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a costumada
JUSTIÇA!
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Notificado das alegações de recurso interpostas pela A., apresentou o R. P. J. contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da sentença recorrida.
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Igualmente o R. Fundo de Garantia Automóvel respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
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O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende ver reapreciada e revogada a decisão que declarou prescrito o direito da A.
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3 – OS FACTOS

A) FACTOS PROVADOS:

1. No dia 20 de Outubro de 2013, pelas 10:00, em ..., no caminho municipal em terra batida que liga o lugar da ... ao lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Celorico de Basto, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes: a) O motociclo do Réu P. J., com a matrícula CI, por este conduzido no sentido ......; b) O motociclo de J. M., marca “Yamaha”, modelo YZ, quadro número *…*, motor n.º *…*, de cilindrada 125, sem matrícula, por este conduzido no sentido ... - ... (artigos 2º a 5º e 11º da p.i.);
2. No local do sinistro, a via configura uma curva com visibilidade reduzida em virtude da densidade e altura da vegetação/árvores que ladeiam a mesma (artigo 6º da p.i.);
3. A curva mencionada no facto provado anterior, descrevia-se para a esquerda, atento o sentido de marcha de J. M. (artigo 44º da contestação do FGA);
4. Na ocasião do sinistro era dia, o tempo estava chuvoso, o piso era em terra batida e encontrava-se molhado (artigos 7º da p.i.);
5. No local do sinistro, o caminho tem 2 metros de largura (artigo 8º da p.i.);
6. Ao chegar ao local do sinistro, em virtude da chuva, das árvores e arbustos que ladeavam o caminho e diminuíam a visibilidade, J. M. e o Réu P. J. não se aperceberam que circulavam em sentido contrário, em aproximação ao mesmo local (artigo 12º da p.i.);
7. No momento em que os veículos se cruzaram, embateram entre si; 8. Em consequência do embate, J. M. sofreu as seguintes lesões físicas: Traumatismo da face, com edema da órbita com traumatismo perfurante; Fractura cominativa complexa transfacial, em toda a zona dos olhos, nariz e boca (profundas e múltiplas fracturas na face); Hematoma na conjuntiva temporal; Hematomas e escoriações múltiplas na face (traumatismo maxilofacial); Ferida incisa no dorso do nariz; Ferida inciso-contusa a nível da região do mento; Hematomas nos olhos (com hematomas orbitários e conjuntival); Desvio parcial do olhar para a direita; Fractura interna do seio frontal; Contusão renal; Traumatismo e fractura do membro superior esquerdo; Dor no joelho direito; Ferida do antebraço esquerdo (com fractura exposta dos ossos) e escoriação do joelho direito; Lesão osteoarticular; Amnésia parcial; Dificuldade em articular palavras (artigo 21º da p.i.);
9. J. M. foi transportado pelo INEM do local do acidente para o serviço de urgência do Hospital de Braga (artigo 20º da contestação do Réu P. J.);
10. As feridas foram suturadas, sendo que no braço esquerdo foi-lhe colocada uma tala gessada (artigo 23º da contestação do Réu P. J.); 11. Depois de dar entrada no serviço de urgência, J. M. começou a ficar pouco colaborante e com um discurso lento, sendo admitido na unidade de cuidados intensivos (artigos 22º e 24º da p.i.);
12. No dia seguinte - 21 de Outubro de 2013 -, J. M. apresentava perda total da força no membro inferior esquerdo (força de grau 1 em 6) – com paresia – e os seus membros esquerdos foram anestesiados (artigos 25º e 26º da p.i.);
13. Foi detectada a J. M. hipodensidade extensa em território da ACMD, com colapso ventricular parcial associado (artigo 27º da p.i.); 14. Realizado TAC com contraste e ECG foi detectado, na madrugada de 22 de Outubro, aneurisma dissecante do segmento M1 da ACM direita, com várias repetições com o passar das horas (artigos 28º e 29º da p.i.);
15. O estado clínico de J. M. piorou, com deterioração clinica e neurológica e recomendação de vigilância apertada por risco de enfarte maligno com eventual necessidade de introdução de antiedematosos e craniectomia descompressiva (artigo 30º da p.i.);
16. No dia 22 de Outubro, devido ao seu estado clinico conservador (tratamento crânio encefálico complicado por AVC isquémico da ACM direita em contexto de dissecação pós-traumática do segmento C4 da ACI direita), o A. foi transferido para a unidade de cuidados intensivos neurocríticos do Hospital do S. João no Porto (artigo 31º da p.i.);
17. No Hospital de S. João, foram diagnosticadas as seguintes lesões resultantes do acidente: Fractura do radio e cubito de 1/3 médio (fractura exposta de grau I) esquerdos, operada a 24 de Outubro; Fractura múltipla dos ossos da face – redução aberta e osteossíntese de fracturas múltiplas da face (pedido de consulta externo em 27.01.2014); Fractura dissecação ACI direita, AVC isquémico (AVC pós-traumático): TC-CE: enfarte isquémico agudo fronto-parieto-insulotemporal e núcleo capsular à direita; Craniectomia descompressiva direita em 24.10.2013; Cranioplastia em 19.12.2013; Fractura/lesão do radial de gravidade moderada; Epilepsia secundária, medicada com levetiracetam; necessidade ventilação mecânica por flutuação do estado de consciência (artigos 32º e 33º da p.i.);
18. Durante o internamento no Hospital de S. João, J. M. foi submetido a vários tratamentos: fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala, enfermagem de reabilitação, nutrição e assistente social (artigo 34º da p.i.);
19. Foi também pedida colaboração por neuropsicologia (tendo o mesmo demonstrado, perante os exames efectuados, alterações nos domínios mnésico (verbal e visual), executivo, visuo construtivo e espacial, com baixa velocidade de processamento de informação (artigo 35º da p.i.);
20. Em 11 de Novembro foi transferido para a enfermaria de neurocríticos e no dia 14 de Novembro foi submetido a intervenção cirúrgica plástica (artigos 37º e 38º da p.i.);
21. J. M. passou a deslocar-se temporariamente em cadeira de rodas (artigo 39º da p.i.);
22. Em Dezembro de 2013, retirou tala gessada do braço esquerdo e foi orientado para tratamentos de medicina física e reabilitação (artigos 40º e 41º da p.i.);
23. Fez dietas, uma vez que não conseguia comer em virtude das lesões na face e boca (artigo 42º da p.i.);
24. Foram colocados e retirados parafusos na face de J. M. (artigo 43º da p.i.);
25. Realizou ressonâncias magnéticas, para programar cranioplastia (artigo 44º da p.i.);
26. Foi transferido, em 2 de Dezembro de 2013, para o serviço de medicina física e reabilitação de Valongo (artigos 45º da p.i.);
27. Teve alta para o domicílio, no dia 31 de Janeiro de 2014, tendo sido realizado ensino ao doente e à família (nomeadamente à aqui A.) sobre prevenção de risco de queda, bem como dos cuidados e terapêuticas de que J. M. passou a necessitar (artigos 46º e 47º da p.i.);
28. Foram programadas consultas plástica e maxilo-facial, de neurocirurgia, de ortopedia e de medicina física e de reabilitação, nas quais a Autora acompanhou e auxiliou J. M. (artigo 47º da p.i.);
29. Durante o internamento, J. M. foi sujeito a operações, a tratamentos e sessões de fisioterapia dolorosos (artigos 48º e 49º da p.i.);
30. J. M. será sujeito a sessões de fisioterapia por toda a sua vida (artigo 49º da p.i.);
31. Foi prescrita ao Autor medicação - levetiracetam (para os ataques de epilepsia), zolpidem, propanolol e paracetamol - que tomou e ainda toma, sendo a Autora quem se encarrega de dar às horas marcadas a medicação ao filho (artigos 50º, 51º e 88º da p.i.);
32. J. M. foi transferido para o domicílio, onde passou tempo movendo-se com a ajuda de familiares e em cadeira de rodas (artigo 52º da p.i.);
33. A Autora e o seu filho aprenderam a utilizar nova técnica de marcha e a movimentação em cadeira de rodas (artigo 56º da p.i.);
34. J. M. passou a ter dificuldade acrescida em desempenhar sozinho algumas tarefas da vida diária como vestir, despir, andar, comer, tomar banho e cuidar da higiene pessoal (artigos 53º, 61º, 66º e 79º da p.i.);
35. Em consequência das lesões sofridas no acidente a que se reportam os presentes autos, o Autor: A) Ficou a padecer das seguintes Sequelas Permanentes: Crânio: cicatriz linear no couro cabeludo com 22 centímetros de comprimento, desde a região frontal até à região parietal direita; cicatriz linear no couro cabeludo na região temporal posterior direita com 5 centímetros de comprimento; Face: cicatriz linear com 4 centímetros de comprimento pré-auricular, adjacente à inserção da orelha esquerda e também na orelha direita (local de extracção de enxertos); cicatriz linear retroauricular direita com 3 centímetros de comprimento; cicatriz linear em forma de Z no sulco nasolabial mediano com 1,5 centímetros; cicatriz irregular na região inferior do mento com 4x2 centímetros; abertura da mandibula 35 milímetros; assimetria da face com enolftalmia e afundamento discreto da região malar direita; ausência de assimetria nasal; Membro Superior Esquerdo: duas cicatrizes lineares na face interna e na face externa do antebraço com 18 e 19 centímetros, respectivamente; défice de força muscular global no membro superior – grau 2; hipoestesia do membro; Membro Inferior Esquerdo: cianose do pé na ponta dos dedos; edema do pé e tornozelo; ausência de mobilidade e de força muscular do pé; diminuição acentuada da força muscular da perna e joelho; não consegue fazer os movimentos de flexão e extensão do tornozelo e joelho; atrofia da coxa em 2 centímetros; défice de forma muscular global – grau 3; hipoestesia do membro (distal); B) Sofreu um período de Défice Funcional Temporário Total de 807 dias e de Défice Funcional Temporário Parcial de 123 dias, com consolidação médico-legal das lesões a 06.05.2016; C) Sofreu Quantum Doloris fixável no grau 6 de uma escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus; D) Ficou a padecer de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 47 pontos, impeditivo do exercício da actividade profissional habitual, embora compatível com outras profissões da sua preparação técnico-profissional; E) Dano Estético Permanente fixável no grau 5 de uma escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus; F) Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 4 de uma escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus;
36. As lesões do acidente afectaram a memória, a concentração, o equilíbrio, a força e o humor de J. M. (artigo 58º da p.i.);
37. J. M. tornou-se uma pessoa agitada, nervosa, revoltada, insegura, dependente de terceiros para a execução de algumas tarefas e com alterações de comportamento, o que não acontecia antes do acidente (artigos 57º e 58º da p.i.);
38. Nos dias que se seguiram às operações e tratamentos, J. M. teve dores e necessitou do apoio dos auxiliares do hospital ou da Autora que esteve sempre ao seu lado, para se deslocar para a casa de banho e cuidar da sua higiene (artigo 60º da p.i.);
39. J. M. ficou na dependência de canadianas para se locomover, médicas e medicamentosas (artigo 68º da p.i.);
40. À data do acidente, J. M. era completamente autónomo, trabalhava como trolha em França, na empresa Construção …, saía com os amigos, conduzia, possuía todas as funções psíquicas e motoras normais (artigo 75º da p.i.);
41. Desde que o seu filho regressou a casa, a Autora passou a estar disponível para o ajudar na sua movimentação dentro e fora da habitação, levando-o aos tratamentos ou auxiliando-o até à ambulância, ajudando nos cuidados diários de higiene e alimentação, administração de medicação e no apoio psicológico (artigos 77º e 78º da p.i.);
42. A Autora tomou consciência da irreversibilidade das lesões do filho quando o acompanhou à junta médica para avaliação do seu estado de saúde, em 10.08.2016 (artigo 87º da p.i.);
43. A Autora sofre por ver o estado do filho, sem lograr melhoras e nada podendo fazer para o melhorar (artigos 82º, 84º e 105º da p.i.);
44. Os cuidados diários do seu filho exigem esforço, uma vez que este é já uma pessoa adulta (artigo 85º da p.i.);
45. Desde o acidente, a A. dedicou parte da sua vida ao filho J. M., vivendo a sua infelicidade e as necessidades daquele (artigo 94º da p.i.);
46. Em virtude das sequelas resultantes do acidente para o filho da Autora, esta passou a ser menos alegre, menos bem-disposta, passou a ter menos tempo para conviver com família e amigos (artigo 96º da p.i.);
47. Em consequência do embate ocorreram danos em ambos os motociclos identificados no facto provado número 1 (artigos 16º da p.i. e 36º da contestação do Réu P. J.);
48. O veículo conduzido pelo Réu P. J. na ocasião do acidente não dispunha de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil, válido e em vigor (artigos 121º da p.i. e 47º do Réus “F.G.A.”);
49. O veículo conduzido pelo Réu P. J. na ocasião do acidente não dispunha de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil, válido e em vigor (artigos 121º da p.i. e 47º do Réus “F.G.A.”);
50. J. M. nasceu a -.-.1988, filho de J. M. e de M. C. (cfr. certidão de assento de nascimento junta a fls. 384 v.º dos autos);
51. A Autora nasceu a -.-.1966 (cfr. certidão de assento de nascimento junta a fls. 449 e ss. dos autos).
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B) FACTOS NÃO PROVADOS:

1. O filho da A. circulava no aludido motociclo, a cerca de 20 cm da berma do seu lado direito (artigos 4º e 15º da p.i.);
2. J. M. seguia a uma velocidade de cerca de 30 km/hora e o Réu P. J. seguia a uma velocidade superior a 60 km/hora (artigo 10º da p.i.); 3. O Réu P. J. surgiu repentinamente e em contramão no local do acidente, ocupando a parte mais à esquerda do referido caminho, em mais de 1 metro (artigos 13º e 14º da p.i.);
4. Quando se apercebeu da aproximação do Réu P. J., J. M. tentou desviar-se mas, dada a velocidade que animava o CI, não conseguiu evitar o embate (artigo 16º da p.i.);
5. O motociclo tripulado pelo Réu P. J. circulava pela metade direita do caminho térreo, junto à berma, atento o seu sentido de trânsito, com velocidade não superior a 30 Kms/hora e atento a tudo quanto se passava na via e na envolvente (artigos 23º a 25º da contestação do Réu P. J.);
6. J. M. conduzia o motociclo identificado no facto provado número 1 desatento àquilo que se passava na via à sua frente e a uma velocidade não inferior a 100 Kms/hora (artigos 27º e 29º da contestação do Réu P. J.);
7. Sem fazer uso na cabeça de capacete de protecção (artigo 28º da contestação do Réu P. J.);
8. Na altura do acidente o terreno encontrava-se enlameado (artigo 33º da contestação do Réu P. J.);
9. Quando efectuava a curva para a sua esquerda, o filho da Autora entrou em contramão, deixando resvalar o veículo que conduzia por forma a que invadisse a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha (artigos 34º e 35º da contestação do Réu P. J.);
10. O motociclo conduzido por J. M. embateu com a parte dianteira na parte da frente do motociclo conduzido pelo Réu P. J. (artigos 16º da p.i. e 36º da contestação do Réu P. J.);
11. J. M. necessita e necessitará sempre de auxílio da Autora para realizar as sessões de fisioterapia (artigo 49º da p.i.);
12. Em resultado das lesões sofridas no acidente, J. M. ficou a padecer das seguintes sequelas permanentes: Fortes dores em todo o corpo; Fortes dores na cervical; Dificuldade de movimentos; Locomoção em cadeira de rodas; Marcha com supervisão; Dificuldade na fala; Limitação total do desempenho da actividade sexual; Incapacidade permanente geral para os actos da vida em geral (artigo 55º da p.i.);
13. J. M. necessita da ajuda da Autora para realizar todas as suas necessidades básicas, como vestir, despir, comer, beber, tomar banho e cuidar da higiene pessoal (artigos 53º, 61º, 66º e 79º da p.i.);
14. Desde o acidente, J. M. foi incapaz de se movimentar sozinho (artigo 64º da p.i.);
15. J. M. ficou dependente de cadeira de rodas e de apoio de terceira pessoa (artigo 68º da p.i.);
16. J. M. mantém e manterá para o resto da vida incapacidade permanente geral total, iniciada com o sinistro (artigo 54º da p.i.);
17. A Autora tem de estar constantemente disponível para ouvir e aconselhar o filho (artigo 78º da p.i.);
18. A Autora terá que viver o resto da sua vida em auxílio ao filho, prescindindo de vida própria (artigo 84º da p.i.);
19. A Autora tem de arcar com todas as tarefas de auxílio ao seu filho (artigo 82º da p.i.);
20. A Autora vê-se impossibilitada de cuidar da sua imagem, dos cabelos e da indumentária (artigo 95º da p.i.);
21. Dias de aniversários, festas de anos, Natal e Páscoa, não passam de dias iguais para a Autora (artigo 97º da p.i.);
22. Desde o acidente que as férias passaram a ser uma ilusão (artigo 98º da p.i.);
23. A Autora abdicou da própria vida social, familiar e do trabalho para que ao seu filho acidentado não falte o essencial (artigo 99º da p.i.);
24. A vida pessoal da Autora com o seu marido está comprometida por lhe faltar disposição e tempo para ser esposa e companheira (artigo 101º da p.i.);
25. Para cuidar do seu filho, a A. deixou o seu trabalho (artigo 105º da p.i.).
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C) - Motivação:

I. Os factos provados números 1, 2, 4 a 7, 35 e 47 a 50, estão assentes por acordo das partes (resultante das posições expressas nos articulados ou em acta da primeira sessão de julgamento) e também por via dos documentos juntos a que fazem expressa referência.
II. No que respeita à dinâmica do acidente, para além da matéria que as partes aceitaram por acordo e do desenho da curva atento o sentido de marcha do motociclo conduzido pelo filho da Autora (facto provado número 3 - incontroverso a partir da participação de acidente de viação elaborada pela GNR, junta a fls. 28 e ss., e da generalidade dos testemunhos que revelaram conhecimento do local), nada mais se apurou, na medida em que nenhuma das testemunhas presenciou o acidente ou sequer a marcha de cada um dos intervenientes antes da respectiva ocorrência (factos não provados números 1 a 10). O estado em que ficaram os motociclos depois do embate também não permitiu deslindar outros pormenores sobre como ocorreu a colisão. Não foi confirmado pelas testemunhas que na altura do acidente fosse muito intensa a chuva e o caminho estivesse enlameado.
III. As lesões sofridas por J. M. no acidente em apreço, a assistência médica que lhes foi prestada e, bem assim, as consequências que das mesmas resultaram depois da sua consolidação médico-legal (factos provados números 8 a 34 e 36 a 39, e não provados números 12, 14, 15 e 16) resultaram do teor da documentação clínica proveniente do “Hospital de Braga” junta de fls. 32 a 36, proveniente do Hospital de São João junta de fls. 37 a 111, 113 a 372, relatório médico da clínica “Fisio..” junto a fls. 372 v.º dos autos, atestado de doença e certificados de incapacidade temporária para o trabalho juntos de fls. 373 a 375, 388 v.º e 389 dos autos, da cópia do relatório da perícia médico-legal a que o Autor foi submetido no âmbito da acção comum que com o n.º 3128/15.9T8GMR correu termos no J4 deste Juízo Central Cível, junta de fls. 426 a 434 dos autos.
Face ao teor relatório da perícia para a avaliação do dano corporal à pessoa de J. M., resulta claro que os factos não provados números 12 e 14 a 16 não reflectem a real situação daquele.
IV. O facto provado número 40 resultou do contrato de trabalho e recibos de pagamento juntos a fls. 376 a 383 dos autos, tendo todas as testemunhas ouvidas confirmado que o J. M. era um jovem saudável e no gozo pleno das suas faculdades físicas e psíquicas antes do acidente.

Os factos provados números 41 a 46 afiguram-se ao tribunal plausíveis, no confronto da real situação clínica vivida por J. M. durante o período de convalescença e depois da estabilização do seu dano físico e psicológico (evidenciada nos elementos clínicos e no relatório da perícia descritos no ponto anterior) com a descrição dada pelas testemunhas ouvidas em julgamento (J. M., marido da Autora, C. M., filha da Autora, C. A., funcionário dos bombeiros durante 7 anos, até Outubro de 2017, C. C., operária fabril) e pela própria Autora em declarações de parte.

Já no que respeita à demais factualidade alegada pela Autora, transposta para os factos não provados números 11, 13 e 17 a 25, resultou exagerada e desenquadrada das limitações efectivamente padecidas pelo Autor, descritas no relatório da perícia para avaliação do dano corporal a que foi submetido, do qual decorre que, embora com dificuldades de locomoção, necessitando de canadiana para se deslocar, e dificuldade acrescida em desempenhar sozinho tarefas da vida diária (vestir, despir, comer, tomar banho e cuidar da higiene pessoal), consegue movimentar-se e realizar as demais tarefas autonomamente, estando afastada a situação de dependência do auxílio de terceira pessoa.

Neste enquadramento clínico objectivo, constata-se que boa parte da disponibilidade, descrita nos testemunhos e nas declarações de parte, revelada pela Autora para continuar a apoiar o J. M. depois da consolidação médico-legal das suas lesões, apesar de compreensível numa mãe que vê o filho fortemente prejudicado na flor da idade, resulta de uma opção pessoal, mas não é necessária do ponto de vista médico.

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como já supra referido, pretende a apelante A. ver reapreciada e revogada a decisão que declarou prescrito o seu direito.

A invocação da prescrição de direitos constitui uma excepção peremptória, cuja procedência importa a absolvição total ou parcial do pedido – conforme a situação em apreço –, visto que o seu beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (cfr. o disposto nos arts. 576º/1 e 3 do CPC e 304º/1 do CC). Logo, a prescrição assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas e visa, no essencial, tutelar o interesse do devedor.

Por outro lado, como decorre do disposto nos arts. 303º do CC e 579º do CPC, a prescrição não é de conhecimento oficioso, sendo necessário, para que o tribunal dela conheça, a sua invocação pela parte que dela beneficia.

À prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (art. 298º/1 do CC) e, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art. 304º/1 do CC), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de excepção peremptória (art. 576º/3 do CPC).

Ora, in casu, verifica-se que tal excepção peremptória foi suscitada nos respectivos articulados de contestação por parte dos RR. e a ela respondeu a A., tendo-se o tribunal a quo pronunciado na sentença nos seguintes termos:

«Da prescrição do direito da Autora
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Sustentam os Réus que o direito da Autora se mostra prescrito por terem decorrido mais de três anos entre a data do acidente e a propositura da presente acção.

Sendo circunstância extintiva da pretensão da Autora a prescrição impede o efeito jurídico do direito invocado e importa a absolvição do pedido, constituindo excepção peremptória (cfr. artºs. 304º, do CC e 576º, nºs. 1 e 3, do CPC).

Nos termos do disposto no número 1 do artigo 498º do Código Civil, no caso de responsabilidade civil extracontratual, …o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.

O prazo da prescrição começa a contar a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete e interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (cfr. artigo 323º do Código Civil) ou pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, sendo que o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam (cfr. artigo 325º do CC).

A indemnização reclamada pela Autora resulta de danos sofridos pelo filho em acidente de viação ocorrido no dia 20.10.2013.

Os Réus foram citados para contestar os termos da presente acção em Novembro de Dezembro de 2017, ou seja, quando haviam já decorrido mais de quatro anos contados da ocorrência do dano.

A factualidade apurada em julgamento não permite formular juízo de censurabilidade – culpa, na forma negligente ou dolosa - sobre qualquer dos condutores dos dois veículos envolvidos no acidente.

Por isso, não preenche os pressupostos da prática de ilícito de natureza criminal por parte do Réu P. J., nomeadamente do crime de ofensa à integridade física por negligência.

Deste modo, não tem aplicação ao caso em apreço, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil e das normas do Código Penal, prazo de prescrição mais longo.

Afastada que está a possibilidade de a Autora beneficiar de prazo de prescrição superior aos 3 anos previstos pelo n.º 1 do artigo 498º do Código Civil, resta analisar a sua alegação de que só tomou conhecimento da irreversibilidade das lesões do filho em 10.08.2016.
Em primeiro lugar, impõe-se ter presente que nos termos o supra citado n.º 1 do artigo 498º do Código Civil, o prazo da prescrição começa a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete – que no caso coincide com o dia do acidente -, ainda que desconhecendo a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos.

Isto significa que o desconhecimento da extensão total do dano, não suspende o início de contagem do prazo da prescrição, nem o exercício imediato do direito indemnizatório pelo lesado que goza da prerrogativa de liquidar os danos em execução de sentença quando a sua situação clínica não esteja ainda estabilizada.

Assim também quanto ao direito indemnizatório da Autora, que emerge do seu sofrimento pelo estado em que o acidente deixou o filho, abrangendo todo o período de tratamento e assistência deste, antes e depois da estabilização das sequelas resultantes, não existindo obstáculo ao exercício do seu direito nos três anos contados desde 20.10.2013.

Razões suficientes para concluir que o direito da Autora se mostra efectivamente prescrito, pelo decurso de prazo superior a 3 anos contados desde o acidente até à data da propositura da presente acção.».

Entendendo a apelante que, estando em causa um dano reflexo da A., só tendo tomado consciência da irreversibilidade das lesões do seu filho quando acompanhou o mesmo à junta médica para avaliação do seu estado de saúde em 10/08/2016 (…), o prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efetiva da totalidade dos danos, ou seja, a partir de 10.08.2016, isto é, em 2016 verificou-se o facto que fez despoletar o direito da aqui A.: irreversibilidade das lesões do seu filho. Esgrime ainda com a questão de que beneficia do prazo de prescrição de 5 anos, em face do disposto no nº 3 do art. 498º do CC, segundo o qual, “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.”, defendendo que o facto ilícito constituiu um crime de ofensa à integridade física simples à pessoa do filho da A., p. e p. pelo artigo 143.º do Código Penal, estabelecendo a lei para o facto ilícito que constitua crime, um prazo prescricional de 5 anos [cfr. art. 118º/1, c) do CP].

Entendimento com o qual discordam os RR. recorridos.

Quid iuris?

Como melhor resulta das conclusões das alegações do recurso, a apelação assenta em dois aspectos: A) o prazo prescricional é, in casu, de 5 anos [conclusões n) a x)]; B) estando em causa um dano reflexo da A., o prazo prescricional só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efetiva da totalidade dos danos, ou seja, a partir de 10.08.2016 [conclusões a) a m)].

Vejamos as duas questões separadamente.

A) defende a recorrente nas conclusões por ela formuladas sob as letras “n” a “x”, que beneficia do prazo de prescrição de 5 anos, em face do disposto no nº 3 do art. 498º do CC, segundo o qual, “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”, defendendo que o facto ilícito constituiu um crime de ofensa à integridade física simples à pessoa do filho da A., p. e p. pelo artigo 143.º do Código Penal, estabelecendo a lei para o facto ilícito que constitua crime, um prazo prescricional de 5 anos [cfr. art. 118º/1, c) do CP].

Ora, não tendo a recorrente impugnado o julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal recorrido, como bem menciona o recorrido FGA, não é possível aquela formular nenhum juízo de censurabilidade – culpa, na forma negligente ou dolosa – sobre qualquer dos dois condutores dos veículos intervenientes no acidente de viação em apreço nos presentes autos. Sendo que do elenco factual que foi considerado provado pelo tribunal recorrido, não resultou demonstrado a prática de qualquer ilícito de natureza criminal por parte de nenhum dos condutores, pelo que, estaremos perante um caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco, como bem concluiu a sentença a quo.

Assim, resultando do teor do art. 498º/1 e 3 do CC que para o exercício da acção de indemnização por responsabilidade civil extracontratual existem dois prazos, sendo um de três anos, com natureza geral, e o outro mais longo (no caso, pretensamente de cinco anos), verificamos, porém, que a aplicação deste último está dependente de o facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar constituir ou integrar crime, para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, isto é, superior a três anos.

Resulta, por isso e desde logo, que o prazo mais longo não é susceptível de ser aplicado nas situações em que a obrigação de indemnizar resulta de mera responsabilidade objectiva ou pelo risco, porquanto a existência de uma situação destas implica, desde logo, que se tenha por afastada a existência de qualquer conduta culposa ou negligente (e imputável ao lesante), pressuposto ou elemento este necessário à configuração, ainda que abstracta, de uma conduta como crime.

Assim, tendo a decisão proferida pelo tribunal recorrido concluído que, no caso concreto, a obrigação de indemnizar resulta de mera responsabilidade objectiva ou pelo risco, porquanto dos factos provados não resulta demonstrado qualquer conduta culposa por parte do condutor do motociclo de matrícula CI, tanto bastaria para afastar a aplicabilidade do nº 3 do artigo 498º do CC e, consequentemente, se considerar verificada a existência de prescrição, como efectivamente se verificou.

Não devemos ainda olvidar, como bem refere o recorrido FGA, que o prazo de três anos é um prazo extenso e proporcional à natureza da situação de facto aqui em apreço. E que o fundamento da prescrição radica na atitude do credor que, não obstante dispor de um prazo longo para exercer o seu direito, optou por não o exercer. Deve, por isso, o credor sofrer as consequências dessa sua opção.

Logo, não tendo a Autora/Recorrente provado, como lhe competia face à regra do ónus da prova (cfr. art. 342º do CC), os factos susceptíveis de integrar um facto ilícito que constituísse crime, praticado pelo condutor do motociclo de matrícula CI, improcedem as conclusões por aquela formuladas sob as letras “n” a “x”.

B) defende igualmente a recorrente, que apenas teve conhecimento do seu direito no dia 10-08-2016 (2) – conclusões por ela formuladas sob as letras “a” a “m” –, pelo que, estando em causa um dano reflexo da A., o prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva da totalidade dos danos, ou seja, a partir daquele dia 10-08-2016.

Secundando a opinião do tribunal a quo, entendemos, todavia, não ser este entendimento aquele que o legislador nacional acolheu.

Com efeito, “Afastada que está a possibilidade de a Autora beneficiar de prazo de prescrição superior aos 3 anos previstos pelo n.º 1 do artigo 498º do Código Civil, resta analisar a sua alegação de que só tomou conhecimento da irreversibilidade das lesões do filho em 10.08.2016.

Em primeiro lugar, impõe-se ter presente que nos termos o supra citado n.º 1 do artigo 498º do Código Civil, o prazo da prescrição começa a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete - que no caso coincide com o dia do acidente -, ainda que desconhecendo a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos.

Isto significa que o desconhecimento da extensão total do dano, não suspende o início de contagem do prazo da prescrição, nem o exercício imediato do direito indemnizatório pelo lesado que goza da prerrogativa de liquidar os danos em execução de sentença quando a sua situação clínica não esteja ainda estabilizada.

Assim também quanto ao direito indemnizatório da Autora, que emerge do seu sofrimento pelo estado em que o acidente deixou o filho, abrangendo todo o período de tratamento e assistência deste, antes e depois da estabilização das sequelas resultantes, não existindo obstáculo ao exercício do seu direito nos três anos contados desde 20.10.2013.

Razões suficientes para concluir que o direito da Autora se mostra efectivamente prescrito, pelo decurso de prazo superior a 3 anos contados desde o acidente até à data da propositura da presente acção.”.

O início do prazo é “factor estruturante do próprio instituto da prescrição, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objectivo e o subjectivo” (3).

O primeiro “é tradicional, dá primazia à segurança e o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o respectivo credor, sendo compatível com prazos longos” (4). O segundo privilegia, porém, a justiça, iniciando-se o prazo apenas “quando o credor tiver conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito e joga com prazos curtos” (5).

Nesta matéria, o art. 306º/1 do CC, adoptou o sistema objectivo (6), que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição quando o direito puder ser exercido.

Tal expressão constante dessa disposição (art. 306º/1 do CC) deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular o poder actuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação (7), o que, no caso das obrigações sem prazo, também chamadas de obrigações puras, ocorre a todo tempo (art. 777º/1 do CC).

Uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respectiva contagem prossegue a menos que ocorra qualquer suspensão ou interrupção (arts. 318º e ss. do CC), não relevando sequer a sua transmissão (art. 308º/1 e 2 do CC).

Revertendo ao caso sub judice, temos que o pedido da A. não está sujeito a qualquer condição suspensiva ou termo inicial. Assim, o prazo prescricional tem o seu início de contagem no dia do acidente, data em que a apelante teve conhecimento do mesmo, ou seja, no dia 20 de Outubro de 2013.

Logo, o direito da autora prescreveu, pelo decurso do prazo prescricional de três anos previsto no nº 1 do art. 498º do CC, no dia 20 de Outubro de 2016, pelo que, tendo sido proposta a acção no dia 17 de Novembro de 2017 e citado o aqui apelado no dia 3 de Dezembro de 2017, já se havia verificado a prescrição.

Improcede, assim, o recurso.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – A prescrição assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas e visa, no essencial, tutelar o interesse do devedor.
II – À prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (art. 298º/1 do CC) e, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art. 304º/1 do CC), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de excepção peremptória (art. 576º/3 do CPC).
III – A apelante funda o seu pedido, delimitando a sua causa de pedir, no seu sofrimento e alterações do quotidiano da sua vida pelo estado de saúde em que o acidente deixou o filho, desde este acidente até à consolidação das lesões e das limitações do filho para o futuro, após a consolidação, resultantes das sequelas advindas do acidente.
IV – Assim, o prazo prescricional tem o seu início de contagem no dia do acidente, data em que a apelante teve conhecimento do mesmo, ou seja, no dia 20 de Outubro de 2013.
V – O direito da autora prescreveu, pelo decurso do prazo prescricional de três anos previsto no nº 1 do art. 498º do CC, no dia 20 de Outubro de 2016, pelo que, tendo sido proposta a acção no dia 17 de Novembro de 2017 e citado o aqui apelado no dia 3 de Dezembro de 2017, já se havia verificado a prescrição.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 30-05-2019

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Guimarães - JC Civel - Juiz 5
2. O facto que fez despoletar o direito da aqui A.: irreversibilidade das lesões do seu filho.
3. Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, 2015, pág. 202.
4. Ibidem.
5. Ibidem.
6. Ibidem, págs. 202/203.
7. Cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª edição, pág. 83.