Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
893/17.2T8GMR-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INEXISTÊNCIA DA DÍVIDA
INSOLVÊNCIA
REVOGAÇÃO POR ACORDO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
INEXISTÊNCIA DE DIREITO A INDEMNIZAÇÃO PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO
PREENCHIMENTO DA LIVRANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Tendo a locatária/insolvente, o locador e o administrador de insolvência celebrado contrato de “Revogação por acordo de contrato de locação financeira”, em que apenas se estabelece a obrigação e forma de restituição do bem locado e cancelamento dos registos correspondentes, sem qualquer referência, no texto, a indemnização pela cessação do vínculo contratual, a mesma não é devida.

2 – A indemnização por perdas e danos, prevista contratualmente, é devida em caso de resolução por incumprimento, levada a cabo pelo locador.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

J. F. e M. A. vieram deduzir oposição na execução que lhes é movida por Banco …, SA., excecionando a inexistência da dívida (por desconhecerem os critérios utilizados para o preenchimento das livranças, invocando, ainda, por mera cautela, a prescrição e caducidade dos títulos e de eventuais obrigações subjacentes, assim como a ilegitimidade da exequente), a inexigibilidade da dívida (nulidade por falta de invocação da relação material subjacente e nulidade dos títulos por indeterminabilidade do objeto e preenchimento abusivo) e a extinção da obrigação (por ter sido outorgado, entre a exequente e o administrador da insolvência da sociedade X, Lda., acordo de revogação dos contratos de leasing subjacentes á emissão das livranças, com entrega à exequente dos imóveis objeto dos contratos de leasing).

A exequente contestou e juntou os contratos e demais elementos subjacentes às livranças, explicando os valores de preenchimento das mesmas e sustentando que os acordos de revogação não afetam o seu direito ao recebimento das rendas vencidas e não pagas e à indemnização pelo incumprimento.

Após audiência prévia foi proferido despacho saneador-sentença que julgou os embargos parcialmente procedentes, determinando a redução da quantia exequenda a € 8.584,31, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 24/11/2014 e respetivo imposto de selo.

O exequente/embargado interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

1. O Tribunal a quo apreciou o mérito da causa no despacho saneador, sem atender a factos essenciais com relevância decisiva no desfecho da causa.
1.1. Tendo em conta que o objecto do litígio era apurar se as Iivranças dadas à execução tinham, ou não, sido preenchidas de forma abusiva, nomeadamente se se tinham verificado os pressupostos da indemnização pelo incumprimento de cada um dos contratos, era obrigação do Tribunal a quo dar como provados todos os factos com relevância na análise desta questão (art. 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
1.2. A declaração de insolvência da sociedade subscritora das livranças e com quem tinham sido celebrados os contratos caucionados pelas mesmas, isto é, os contratos de locação financeira, tem inequívoca relevância na apreciação daquela questão, porque, a partir do momento em que ocorreu a declaração de insolvência, suspenderam-se os referidos contratos (art. 102.° n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), ficando o embargado, enquanto locador, impedido de os resolver por incumprimento contratual.
1.3. A única alternativa que restava ao embargado, enquanto locador, era aguardar pelo decisão que o Administrador da Insolvência da sociedade "X" iria tomar quanto ao cumprimento ou não cumprimento dos contratos de locação financeira.
1.4. No caso concreto, o Administrador da Insolvência optou pelo não cumprimento dos contratos, comunicando essa opção ao embargado em data anterior a 24 de Setembro de 2012.
1.5. A declaração de insolvência da "X" foi alegada no art. 15.° do requerimento executivo e no art. 22.° da contestação aos embargos, encontrando-se devidamente comprovada através de anúncio de declaração de insolvência - cfr. documento n.º 3 junto com o requerimento executivo.
1.6. O exercício da opção de não cumprimento dos contratos de locação financeira foi alegado no art. 23.° da contestação aos embargos e encontra-se provado pelos acordos juntos como documentos n.ºs 3 e 4 com a contestação aos embargos, que, por terem sido assinados pelo Administrador da Insolvência da X e, por ter sido reconhecida a sua assinatura, atestam que, a 24 de Setembro de 2012, este declarou ter já optado pelo não cumprimento dos contratos.
1.7. Aliás, nos n.ºs 7 e 8 da matéria de facto provada é dito que "a exequente, a sociedade "X - Materiais de Construção, Lda." e o administrador da insolvência desta sociedade apuseram as suas assinaturas" nos acordos juntos como documentos n.ºs 3 e 4 com a contestação aos embargos, mas, ainda assim, o Tribunal a quo não atendeu ao conteúdo específico destes acordos.
1.8. A omissão destes factos na matéria de facto provada e a omissão da sua apreciação jurídica vicia de nulidade a sentença (art. 615.° n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil), que terá de ser sanada, antes de mais, com o aditamento dos seguintes factos à matéria de facto provada:

13. A sociedade locatária “X” foi declarada insolvente a 2 de agosto de 2011, no âmbito do processo n.º 374/11.8TBPVL, que correu termos no Tribunal Judicial de Póvoa de Lanhoso – Secção Única, tendo sido nomeado Administrador da Insolvência o Sr. Dr. F. D..
14. Após a declaração de insolvência e antes de 24 de setembro de 2012, o Administrador da Insolvência da sociedade locatária “X” optou pelo não cumprimento dos contratos de locação financeira referidos nos antecedentes n.ºs 5 e 6.
1.9. Aditados estes factos, não poderão deixar de ser apreciados do ponto de vista jurídico, tentando perceber se o embargado estava autorizado a exigir dos embargantes, enquanto avalistas da "X", a indemnização pelo incumprimento dos contratos de locação financeira que se encontra prevista no art. 11.º n.º 5 das condições gerais dos contratos - cfr. documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a contestação aos embargos.
1.10. A resposta terá de ser positiva, porque a declaração de insolvência da sociedade "X" e a decisão de não cumprimento dos contratos de locação financeira, adoptada pelo Administrador da Insolvência, terão de ser vistos como um incumprimento definitivo e culposo imputável à sociedade locatária "X", que autoriza o embargado, enquanto locador, a exigir dos avalistas o pagamento da indemnização devida pelo incumprimento dos contratos (art. 11.º n.º 5 dos contratos juntos como documentos n.ºs 1 e 2 com a contestação aos embargos).
1.11. A quantia de € 51.717,54 (cinquenta e um mil, setecentos e dezassete euros e cinquenta e quatro cêntimos), exigida pelo embargado/recorrente dos embargantes/recorridos, constitui uma cláusula penal (art. 810.° n.º 1 do Código Civil), pois trata-se de uma indemnização pelo não cumprimento dos dois contratos de locação financeira.
1.12. O embargado, enquanto locador, estava impossibilitado de resolver os contratos de locação financeira por força do art. 102.° n.º 1 do CIRE, não servindo este facto como fundamento para recusar a exigência do cumprimento da cláusula penal, sob pena de ficar sem tutela jurídica o seu interesse creditório.
1.13. O embargado/recorrente considera que a prova documental constante dos autos é suficiente para dar como provados os factos referidos no antecedente n.º 1.8 - que teriam sempre de ser apreciados juridicamente, no sentido já defendido -, mas, caso assim não se entendesse, estaria vedado o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, devendo prosseguir o processo para a fase de julgamento (art. 595.° n.º 1, aI. b) do Código de Processo Civil).
1.14. Nesta hipótese, que colocamos a título subsidiário, verificar-se-ia a nulidade, que se invoca também a título subsidiário, prevista no art. 615.° n.º 1, al. d), 2.a parte do CPC.
1.15. Em conclusão, o Tribunal a quo violou os arts. 375.° n.º 1, 376.° n.º 1 e 2 e 810.° n.º 1 do Código Civil, os arts. 607.° n.ºs 3, 4 e 5 e 608.° n.º 2 do Código de Processo Civil e o art. 102.° n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
1.16. A correcção do vício de que padece a sentença recorrida obriga a acrescentar à matéria de facto provada os factos elencados no antecedente n.º 1.8 destas conclusões, que, por si só, são suficientes para julgar improcedente a excepção de preenchimento abusivo das livranças dadas à execução, por ser devido o pagamento, por parte dos embargantes/recorridos, ao embargado/recorrente, da quantia de € 51.717,54 (cinquenta e um mil, setecentos e dezassete euros e cinquenta e quatro cêntimos) - acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal -, constante das livranças e correspondente a uma indemnização pelo não cumprimento dos dois contratos de locação financeira.

Termos em que se requer a V. Exas. que seja revogada a decisão objeto de recurso, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedentes os embargos de executado.

Os embargantes contra alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

O recurso foi admitido, como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo, tendo o Sr. Juiz proferido despacho onde entende não ocorrer a nulidade invocada.

Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver traduz-se em saber se, no caso concreto, em que a locatária é declarada insolvente e o administrador da insolvência opta pelo não cumprimento dos contratos de locação, o exequente/locador, que celebrou com as demais partes, acordo de revogação desses contratos, pode peticionar a indemnização pelo incumprimento contratual, preenchendo as livranças pelo valor respetivo e exigindo tal valor dos avalistas.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

“Para apreciação do mérito dos presentes embargos, importa ter presente os seguintes factos assentes por acordo e resultantes dos documentos com força probatória plena juntos aos autos:

1. Na execução a que os presentes autos estão apensos foi apresentada à execução a livrança com o original que se encontra a fls. 16 dos autos executivos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo inscrito, em algarismos e por extenso, a importância de € 46.127,23, donde consta: no local da data de emissão, 2006-01-31; no local da data de vencimento, 2014-11-24, no local do subscritor, “X – Materiais Const., Lda.”, com assinaturas sobre carimbo; os dizeres: “Leasing …(...)No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao Banco …”; e, no verso, a seguir à expressão “Bom para aval”, as assinaturas dos embargantes desenhando os seus nomes.
2. Na execução a que os presentes autos estão apensos foi apresentada à execução a livrança com o original que se encontra a fls. 18 dos autos executivos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo inscrito, em algarismos e por extenso, a importância de € 14.174,62, donde consta: no local da data de emissão, 2007-06-28; no local da data de vencimento, 2014-11-24, no local do subscritor, “X – Materiais Const., Lda.”, com assinatura sobre carimbo; os dizeres: “Leasing (...)No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao Banco …”; e, no verso, a seguir à expressão “Bom para aval”, as assinaturas dos embargantes desenhando os seus nomes.
3. Os executados apuseram as suas assinaturas na convenção de preenchimento de livrança junta a fls. 4 a 5 dos autos executivos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, referente à livrança aludida em 1., constando da mesma (convenção), além do mais, que: “A referida livrança destina-se a titular os créditos...emergentes, nomeadamente, das obrigações pecuniárias, presentes ou futuras, resultantes de incumprimento, temporário ou definitivo, da resolução, da caducidade e da ineficácia do Contrato...”.
4. Os executados apuseram as suas assinaturas na convenção de preenchimento de livrança junta a fls. 6 dos autos executivos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, referente à livrança aludida em 2., constando da mesma (convenção), além do mais, que: “A referida livrança destina-se a titular os créditos...emergentes, nomeadamente, das obrigações pecuniárias, presentes ou futuras, resultantes de incumprimento, temporário ou definitivo, da resolução, da caducidade e da ineficácia do Contrato...”.
5. A exequente e a sociedade “X – Materiais de Construção, Lda.”, apuseram as suas assinaturas no acordo escrito intitulado “Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º …”, o qual se mostra junto a fls. 32 a 34 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, do qual consta, além do mais, a cláusula 11ª, com o seguinte teor:
“Art. 11º (Incumprimento contratual e caducidade)
1. Para além dos demais casos de resolução...este poderá ser resolvido em caso de incumprimento...
(...)
3. A resolução far-se-á por simples declaração escrita do Locador dirigida ao Locatário.
(...)
5. A resolução do contrato...confere ao Locador...o direito de receber do Locatário, a título de indemnização por perdas e danos, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, sempre sem prejuízo, porém, do direito à reparação integral do maior dano”.
6. A exequente e a sociedade “X – Materiais de Construção, Lda.”, apuseram as suas assinaturas no acordo escrito intitulado “Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º …”, o qual se mostra junto a fls. 36 a 39 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, do qual consta, além do mais, a cláusula 11ª, com o seguinte teor:
“Art. 11º (Incumprimento contratual e caducidade)
1.Para além dos demais casos de resolução...este poderá ser resolvido em caso de incumprimento...
(...)
3.A resolução far-se-á por simples declaração escrita do Locador dirigida ao Locatário.
(...)
5. A resolução do contrato...confere ao Locador...o direito de receber do Locatário, a título de indemnização por perdas e danos, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, sempre sem prejuízo, porém, do direito à reparação integral do maior dano”.
7. A exequente, a sociedade “X – Materiais de Construção, Lda.” e o administrador da insolvência desta sociedade apuseram as suas assinaturas no acordo escrito intitulado “Revogação, por acordo, de contrato de locação financeira”, datado de 24.09.2012, o qual se mostra junto a fls. 42 a 43 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8. A exequente, a sociedade “X – Materiais de Construção, Lda.” e o administrador da insolvência desta sociedade apuseram as suas assinaturas no acordo escrito intitulado “Revogação, por acordo, de contrato de locação financeira”, datado de 24.09.2012, o qual se mostra junto a fls. 47 a 48 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
9. A exequente deduziu a execução apensa em 06.02.2017,
10. Vindo os embargantes a ser citados por carta com AR assinado em março de 2017 – fls. 21 e 22 dos autos executivos.
11. A livrança referida em 1. foi preenchida com os seguintes valores:

a. € 5.665,21, relativo a rendas vencidas e não pagas à data da revogação do contrato;
b. € 40.091,83, relativo a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, a título de indemnização;
c. € 370,19, a título de comissões.
12. A livrança referida em 2. foi preenchida com os seguintes valores:

a. € 2.241,63, relativo a rendas vencidas e não pagas à data da revogação do contrato;
b. € 11.625,71, relativo a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, a título de indemnização;
c. € 307,28, a título de comissões.

Entende o apelante que a sentença é nula por omissão de pronúncia em virtude de o tribunal ter emitido decisão de mérito sobre a causa sem apreciar todos os factos relevantes para a tomada de decisão, sendo estes factos relevantes a declaração de insolvência da sociedade devedora/locatária e a opção do administrador da insolvência pelo não cumprimento dos dois contratos de locação financeira que esta sociedade insolvente tinha celebrado com o embargado. Impugna, também, a decisão de facto, considerando que estes dois factos deveriam fazer parte do acervo de factos provados ou, subsidiariamente, caso se considere que a prova documental existente nos autos, é insuficiente para a sua prova, então, deveria fazer-se prosseguir o processo para a fase de julgamento, estando vedado o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador.

Salvo o devido respeito, entendemos que o apelante não tem razão.

Conforme esclarecedoramente salienta o Sr. Juiz, no despacho em que se pronunciou sobre a referida nulidade, o tribunal pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes, considerando que a matéria controvertida era irrelevante para a decisão da causa, uma vez que “o que se entendeu relevar foi a causa de extinção do contrato, ou seja, o acordo de revogação (com a qualificação jurídica que se expôs no despacho saneador-sentença) e não o motivo para a outorga desse acordo (porventura a falta de interesse do administrador da insolvência em manter o cumprimento do contrato) ”.

Ou seja, o exequente discorda da interpretação jurídica do tribunal, mas tal não se confunde com a nulidade por omissão de pronúncia.

Também não se vê a necessidade de aditar aqueles factos à matéria de facto provada.

Desde logo, os factos plenamente provados por documento e/ou admitidos por acordo/confissão, podem ser sempre considerados.

E é o caso dos autos.

A declaração de insolvência da sociedade “X”, datada de 2/08/2011, consta de documento junto com o requerimento executivo e foi aceite por embargantes e embargado. A opção do administrador da insolvência pelo não cumprimento dos dois contratos foi alegada pelo embargado e consta expressamente do texto dos acordos de revogação de contrato – Considerando, alínea c) – acordos estes e respetivos textos aceites por todos. – fls. 42 a 51 dos autos – e que constam dos pontos 7 e 8 dos factos provados.

São factos provados documentalmente ou aceites pelas partes, que podem ser considerados na decisão jurídica, não se vendo qualquer necessidade de os acrescentar à matéria de facto, tanto mais que, como veremos, eles não assumem qualquer relevância para a causa.

Improcedem, assim, as questões relativas à nulidade da sentença e à impugnação da decisão de facto.

E o apelante também não tem razão quanto à interpretação jurídica dos factos.

É certo que a devedora/locatária foi declarada insolvente e com tal declaração, a locadora ficou impossibilitada de proceder à resolução do contrato por incumprimento, uma vez que, nos termos do disposto no artigo 102.º, n.º 1 do CIRE, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.

Já vimos que, no caso dos autos, o administrador declarou recusar o cumprimento.

Deste ponto de vista, poderá dizer-se, com o apelante, que não há qualquer acordo quanto à forma como o contrato pode/deve ou não ser executado.

É o administrador da insolvência, e só ele, que decide se o contrato deve continuar a ser executado ou se deixa de ser cumprido e a recusa do cumprimento por parte do administrador tem os efeitos constantes do artigo 102.º, n.º 3 do CIRE.

Contudo, no caso dos autos, as partes não se ficaram por aqui e entenderam subscrever contratos de revogação, por acordo, dos contratos de locação financeira celebrados e que estavam subjacentes à emissão das livranças.

Estes acordos de revogação são claros quanto aos seus efeitos, aí se dispondo que as partes “declaram e aceitam pôr termo ao Contrato de locação financeira imobiliária com o n.º (…), considerando-o revogado e sem nenhum efeito a partir da presente data, pelo que o locatário restitui ao locador o bem em causa”.

As restantes cláusulas deste acordo de revogação, dizem respeito à forma de entrega do bem e ao cancelamento dos registos.

Nada ficou previsto quanto a indemnizações.

Como muito bem se salienta na decisão sob recurso “a revogação de um contrato bilateral (…) configura uma forma consensual de extinção das obrigações, a qual consiste em desfazer o vínculo contratual por mútuo acordo das partes, seguindo o princípio previsto no artigo 406.º, n.º 2 do CC (…) estando os efeitos da revogação subordinados à vontade que as partes manifestam na revogação, cabendo interpretar as suas declarações nos termos do artigo 236.º do CC”.

Independentemente do que não está em discussão no presente recurso quanto à legitimidade do preenchimento das livranças pelos valores que se encontravam em dívida à data da revogação contratual, parece não haver dúvidas que, com estes acordos de revogação as partes quiseram destruir o vínculo contratual para o futuro – veja-se o texto: “revogado e sem nenhum efeito a partir da presente data” -, sem qualquer referência a possíveis indemnizações pela cessação do vínculo contratual.

Ora, não tendo havido resolução contratual por parte do locador, nos termos que fariam accionar a cláusula 11.ª do contrato de locação, com o direito à indemnização por perdas e danos (20% da soma das prestações vincendas com o valor residual) – e já vimos que tal não poderia acontecer no caso presente, face à declaração de insolvência da locatária – então, uma vez que as partes decidiram elaborar contratos de revogação do vínculo contratual por acordo, teria de ficar consignado nos mesmos a obrigação do pagamento da indemnização pela cessação do vínculo contratual, o que não aconteceu.

Não releva vir, agora, o apelante dizer que os acordos de revogação foram celebrados única e exclusivamente com o objetivo de regular a entrega dos bens imóveis locados e cancelar os registos correspondentes.

Os acordos de revogação, com a consequente destruição do vínculo contratual, teriam de estabelecer as consequências dessa destruição, uma vez que foram assumidos de comum acordo por todas as partes. O que ficou exarado, cumpriu-se, mas não é exigível mais do que isso mesmo.

Aliás, o direito à separação da coisa, decorre do disposto no artigo 102.º, n.º 3 do CIRE, aí estando consignadas as demais consequências da opção do administrador pela recusa do cumprimento. No caso dos autos, as partes quiseram celebrar, paralelamente, acordos de revogação dos contratos, pelo que os efeitos da cessação contratual, teriam obrigatoriamente que constar do texto que traduziu a sua vontade.

Daí que improceda a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
***
Guimarães, 2 de maio de 2019

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes