Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
79543/21.3YIPRT.G1
Relator: MARGARIDA PINTO GOMES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS ESSENCIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Não pode considerar-se facto instrumental, complementar ou concretizador, nos termos das al. a) e b) do nº 2 do artº 5º do Código de Processo Civil, a invocação, em sede de audiência de discussão e julgamento, da garantia dada pelo vendedor e do não decurso do prazo da mesma, com vista a justificar o não pagamento de serviços prestados por aquele.
II. Tais factos são essenciais, uma vez que da alegação e prova dos mesmos dependeria a procedência da excepção invocada pela ré na audiência de julgamento.
III. Ora, tais factos, como exceções que são, deveriam, face ao ónus da alegação, ter sido invocados na contestação, sem prejuízo de posteriormente virem a ser objeto de um aperfeiçoamento integrativo ou até da consideração oficiosa de determinados factos que exercendo uma função complementar ou concretizadora de outros que tenham sido alegados, resultem da instrução da causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

C... – Comércio de Automóveis, S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede em ..., instaurou injunção que seguiu os termos da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra P... Transporte de Passageiros Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede em ..., destinada a obter a condenação desta no pagamento da quantia de € 4 415,39, acrescida de juros de mora legais que ascendiam, à data, a € 867,96 e despesas de cobrança no valor de € 40,00, devida por realização de serviço de reparação de veículos.

A Ré deduziu oposição, concluindo pela sua absolvição, alegando, em resumo que a Autora procedeu à reparação do seu veículo e emitiu a fatura, mas que tal não é devida porque provém de uma deficiente/negligente ou não resolução do problema de que a viatura sofreu desde que foi adquirida.

Foi agendada a audiência de discussão e julgamento e a Autora notificada para tal, veio apresentar resposta, concluindo pela improcedência, alegando, em síntese, que a viatura foi sendo reparada não tendo relação com o serviço aqui peticionado.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a ação procedente e, em consequência, condenou a Ré P... Transporte de Passageiros Lda. a pagar à Autora C... – Comércio de Automóveis, S.A., a quantia de € 4 415,39 (três mil e trinta e cinco euros e dezassete cêntimos), acrescida de juros moratórios comerciais supletivos desde a data de vencimento das faturas até efetivo e integral pagamento, e da quantia de € 40 (quarenta Euros) relativa a indemnização legalmente prevista.

Inconformada com a mesma veio a Ré recorrer apresentando as seguintes conclusões:

a) Não pode manter-se a decisão recorrida no que respeita ao facto provado 1.º na parte que se transcreve: “… DESTINANDO-SE À ACTIVIDADE DA RÉ DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS”. Está errada a decisão de facto constante do facto provado 1, sendo nula a sentença recorrida porque decide sobre questão que não lhe foi colocada, ou seja, dá-se como provado no facto provado 1 que a R destinou a viatura ..-QT-.. ao transporte de passageiros. Não existe no texto da decisão recorrida, nomeadamente da fundamentação, menção a qualquer meio de prova que sustente a decisão do facto provado 1.º nesse particular facto / pormenor, nem tal decorre por acordo entre A e R, quer seja por afirmação expressa, quer seja por omissão de resposta ou de impugnação a essa alegação, que repete-se teria que ter sido feita pela A no requerimento inicial, alegação sujeita a prova igualmente feita pela A, o que não sucedeu.
b) Igualmente está errada a decisão de facto relativa ao facto provado 7.º, uma vez que inexiste prova que sustente esta decisão. Nas declarações de parte da gerente da recorrente, sujeita a juramento, esta gerente afirmou que desconhecia o valor da reparação até ter sido notificada de que a reparação estava concluída e que teria que pagar, isto porque, sempre a viatura havia feito as manutenções nas oficinas da A, havendo confiança e boa relação entre partes para que as manutenções e reparações fossem sempre feitas sem necessidade de contato prévio, independentemente dos valores a pagar e tanto assim era que a A até procurou junto da marca que representa e até conseguiu, uma comparticipação de 75% do valor da reparação, mas que depois acabou, estranhamente, diga-se, por não a refletir na conta / fatura que apresentou à recorrente. Se a M... aceitou assumir 75% do valor da reparação porque é que a A não fez refletir isso na fatura que apresentou à recorrente? Fica a explicação por dar, pois que é incongruente com o facto provado 7.º, mas também no facto provado 8.º.
c) Em 14.06.2018 o veículo entra na oficina da A com quebra de motor, inserido ainda no sistema de garantia, mas a 26.07.2018, aquando da desmontagem do motor e consequente necessidade de reparação já o referido veículo não se encontrava no sistema com garantia, decorrendo dos factos provados 3.º, 4.º e 5.º que independentemente do conhecimento e consentimento da recorrente para a desmontagem e reparação, já o motor da viatura havia sido desmontado e averiguada a causa da quebra do motor, que se identifica no facto provado 5.º como uma deficiente lubrificação do motor, mas que não tem sustentação de prova (nem documental, nem testemunhal), porque na fundamentação encontra-se escrito que “relativamente a origem da reparação, tal foi apontada como sendo da bomba de óleo ou outra causa indireta, que provocou desgaste nas capas de bielas (acrescento nosso - não vielas) e cambota (acrescento nosso - não cambotas) do motor…”; quanto à inexistência de certeza da origem da quebra do motor: foi de outra causa indireta?
Essa outra causa indireta decorre ou não da permanente luz do motor acesa que tantas vezes obrigou à paralisação da viatura nas oficinas da A e que esta nunca resolveu?
d) Consta da decisão de facto do facto provado 2.º que a viatura permanentemente entrou nas oficinas da A com a luz de motor acesa, sendo possível afirmar que o problema inicial do motor, decorrente da luz de motor acesa, manteve-se desde 10.10.2016 até à quebra do motor e que a A não o resolveu, sendo certo que a A não identificou um problema concreto externo ou autónomo ao motor da viatura que sustente a quebra do mesmo, decorrendo tal do próprio texto da decisão recorrida cuja fundamentação está em contradição com a decisão de facto constante do facto provado 5.º. Não pode a decisão recorrida dar como assente que a quebra de motor se deveu à bomba de óleo, externa ao motor e fundamentar esta decisão, referindo que a origem da reparação “foi apontada como sendo da bomba de óleo ou de outra causa indireta”. A decisão recorrida é nula porque não identifica, nem decide sobre questão que lhe foi colocada, sendo omissa nessa análise.
e) Está provado na al. d) do facto provado 2.º e nas restantes alíneas desse facto provado que a viatura sempre ostentou problemas de motor, entrando frequentemente nas oficinas da A com a luz do motor acesa até à sua quebra (de motor), não se identificando a origem concreta para a quebra do motor, que, como refere a decisão recorrida poderá ter sido a bomba de óleo ou outra causa indireta que provou desgaste nas capas de bielas e cambota do motor, não comum, diga-se para a quilometragem da viatura e na viatura e questão, atento o seu segmento alto. Se a decisão recorrida preconiza uma “outra causa indireta” para a origem da quebra do motor, não pode concluir que não há ligação entre a permanente luz de motor acesa, que os serviços da A nunca resolveram, e a quebra do motor.
f) A decisão recorrida erra quanto à decisão de direito, porque a considerar-se existir garantia de 2 anos, ela conta-se desde a data da entrega da viatura à R ou seja 04.07.2016 e não da data da matrícula (como consideram os mecânicos da A – cfr expressão da decisão recorrida inserta na pag. 9 de 10), o que significa que na data da quebra do motor e entrada na oficina da A, em 14.06.2018 – cfr facto provado 3.º, estava ainda em garantia, mas caso se considere que a garantia é a de 6 meses, igualmente assiste razão à recorrente, porque em 10.10.2016 (antes de 6 meses desde a data da entrega da viatura à recorrente, em 04.07.2016) a viatura deu entrada nas oficinas da A com a luz do motor acesa, defeito que foi perdurando, sem ser resolvido pela A, de forma reiterada, ate à quebra do motor por outra causa indireta, conforme decisão recorrida, o que equivale a dizer que a luz de motor acesa, por outra causa indireta esteve na base da quebra do motor, uma vez que foi o único e exclusivo defeito que a A não reparou nas muitas intervenções que fez à viatura desde 10.10.2016, cabendo-lhe à A a prova de que havia eliminado o defeito do veículo, o que não só não fez, como nem sequer alegou que não o poderia ter feito!
g) Está incorreta a interpretação, dos arts.º 913.º a 922.º conjugados com os art.ºs 798.º e seguintes, todos do CC, constante da decisão recorrida, porque a interpretação a conferir a essas normas é a de que vendida a coisa com defeito e denunciado o defeito junto do vendedor, cabe a este eliminá-lo, o que in casu a A não fez, não obstante a recorrente sempre ter assistido o veículo nas oficinas da A.. A A não eliminou o defeito, persistente, desde 10.10.2016, no motor da viatura propriedade da recorrente, não sendo esta responsável pelo pagamento da fatura reclamada pela A nestes autos, até porque a A não alegou no requerimento inicial de injunção que o problema / defeito decorria de deficiente lubrificação ou que não resultou de anteriores reparações, nem poderia resultar, diga-se, porque a quebra do motor vinha sendo anunciada desde 10.10.2016 através da persistente luz de motor acesa, de que a A sempre teve conhecimento, ocorrendo omissão de reparação por parte da A, pois consta da decisão recorrida que poderá ter havido uma outra causa indireta para esse surgimento (quebra do motor).
Pelo exposto deve proceder o presente recurso e ser a sentença recorrida substituída por decisão final que absolva a recorrente, por tanto ser de Direito e de Justiça.

Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim considerando o teor das conclusões apresentadas pela Recorrente e atrás supra transcritas, importa ao recurso aferir da se, face à prova produzida, a decisão de facto, a saber, quanto aos factos elencados sob as alíneas 1), 5) e 7) dos factos provados, deveria ser distinta, face à inexistência de fundamentação e se se verifica contradição entre os factos 2, al. d) e o facto 5).
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
 
Resultaram provados os seguintes factos:

1.º A Autora vendeu o veículo utilizado pela Autora como de serviço, da marca ..., modelo ... com matrícula ..-QT-.., de 12 de janeiro de 2016, que foi entregue à Ré a 04 de julho de 2016, destinando-se à atividade da Ré de transporte de passageiros.
2.º A viatura em questão realizou sempre as manutenções na oficina da Autora, e vários trabalhos de reparação:
a) Em 26-07-2016, com 17.676 km, o veículo entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., para fixação, ao abrigo da garantia, do isolamento acústico do interior do capot do motor, devido a uma queixa da Ré de que estaria solto, tendo sido entregue a 17 de agosto;
b) Em 29-08-2016, com 23.333 km, o veículo entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., para atualização do módulo de comando ao abrigo da garantia, até 08 de setembro;
c) Em 08-09-2016, com 25.645 km, foi aberta a WIP ..., para realização da ação de serviço determinada pelo fabricante (substituição da tubagem de alta pressão de combustível), tendo, ainda, sido substituídos, ao abrigo da garantia, os vidros das portas dianteiras devido a uma queixa de forte ruído do vento, sendo entregue a 04 de outubro;
d) Em 10-10-2016, com 32.419 km, o veículo entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., para codificação, ao abrigo da garantia, do módulo de comando do motor diesel devido à queixa da Ré de luz de gestão do motor acesa, tendo sido entregue a 26 de outubro;
e) Em 21-11-2016, com 39.868 km, o veículo entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., para substituição das pastilhas dos travões;
f) Em 07-01-2017, com 48.823 km, o veículo entrou na oficina da A. com uma queixa de dificuldade de engrenar a marcha atrás, tendo sido aberta a WIP ... e substituída, ao abrigo da garantia, a caixa de velocidades bem como um sensor NOx (antes do catalisador) por queixa de luz de gestão do motor acesa, tendo ainda sido verificada a embraiagem e módulo de comando, e depois entregue a 10 de fevereiro;
h) Em 16-02-2017, com 49.398 km, o veículo entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à substituição, ao abrigo da garantia, do revestimento do quadro do vidro da porta lateral traseira direita por queixa de o mesmo estar deformado; na mesma data, procedeu-se a uma atualização de software do módulo do motor;
i) Em 27-02-2017, com 51.047 km, o veículo entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à manutenção B e mudou-se o filtro de pó, tendo sido entregue a 2 de março;
j) Em 20-03-2017, com 54549 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A. para substituição do freio do eixo traseiro à direita, tendo sido aberta a WIP n.º ..., no âmbito da qual se realizaram os trabalhos ao abrigo da garantia;
k) Em 25-03-2017, com 55.236 km, o veículo entrou na oficina da A. com a luz do motor acesa, tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu, ao abrigo da garantia, à substituição da mangueira do ar de sobrealimentação após permutador que apresentava uma fissura, tendo sido entregue a 4 de abril;
l) Em 19-04-2017, com 57.995 km, o veículo entrou na oficina da A. com a luz do motor acesa e com uma queixa de mau funcionamento do motor do ventilador, tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à substituição do motor do ventilador, bem como um sensor NOx (após o catalisador) ao abrigo da garantia, tendo sido entregue a 08 de maio;
m) Em 02-05-2017, com 59.649 km, o veículo entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu, ao abrigo da garantia, à substituição do kit de embraiagem que estava quebrado, tendo sido entregue em 15 de maio;
n) Em 22-05-2017, com 63.179 km, o veículo entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à substituição das pastilhas dos travões e pneus;
o) Em 29-05-2017, com 64.428 km, o veículo entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à reparação do mesmo na sequência de um sinistro, tendo o valor dos trabalhos sido pago pela Seguradora O...;
p) Em 21-08-2017, com 76831 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à manutenção A;
q) Em 26-10-2017, com 87046 km, o veículo entrou na oficina da A, tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à realização de uma ação de serviço determinada pelo fabricante e que se consubstanciou na substituição do tubo de sobrealimentação esquerdo, bem como a trabalhos de substituição de pastilhas;
r) Em 03-02-2018, com 101.041 km, o veículo entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à manutenção B;
s) Em 14-03-2018, com 102.446 km, o veículo entrou na oficina da A. com a luz do motor acesa devido a uma avaria de um sensor NOx (antes do catalisador), tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à sua substituição ao abrigo da garantia;
t) Em 26-04-2018, com 108.487 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A. para substituição da polia anti-vibratória; nessa mesma data, foi realizada uma ação de serviço determinada pelo fabricante que consistiu na verificação da coluna de direção.
3.º Em 14-06-2018, com 112.370 km, o veículo entrou na oficina da A. com uma queixa de um forte ruído no motor, tendo sido aberta a WIP ..., tendo-se procedido à desmontagem do sistema de distribuição do motor, com o intuito de se verificar o alongamento sofrido pela corrente de distribuição, identificou-se que o ruído não seria apenas proveniente da distribuição.
4.º Por esse motivo, prosseguiu-se com os trabalhos de desmontagem do motor, com a remoção da tampa de válvulas, tendo sido possível identificar que os topos das hastes das válvulas e as chumaceiras das árvores de cames apresentavam danos, bem como a existência de desgaste nas capas de bielas e cambota.
5.º Identificou-se que a avaria estaria relacionada com uma deficiente lubrificação com origem na bomba de óleo do motor, e que a reparação consistiria na substituição do motor de combustão interna Diesel completo (bloco armado), bem como dos vedantes.
6.º Como estava em causa uma reparação avultada e a Ré havia realizado todas as manutenções preconizadas pela marca em oficinas autorizadas, a Autora apresentou um pedido de comparticipação comercial ao representante do fabricante, que aceitou suportar em 75% a reparação.
7.º Na sequência dessa decisão do fabricante, a Autora apresentou um orçamento à Ré, no valor de 4.415,39€, que a Ré aceitou e deu ordem de reparação.
8.º A Autora procedeu à reparação conforme descrito na fatura n.º ...46, datada de 09/08/2018, no valor de 4.415.39 €, oportunamente enviada à Ré e que deveria ser liquidada em 30 dias.

Não resultaram provados outros factos relevantes, excluindo considerações, conclusões jurídicas, designadamente que a reparação peticionada advém de uma não resolução do mesmo problema existente ou de uma incompleta manutenção operada pela A ao longo dos anos 2016, 2017 e 2018.
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IV. DO DIREITO:

Como resulta da questão atrás identificada, no recurso impugna-se a decisão da matéria de facto, sendo que nas suas alegações a recorrente impugnaram a decisão da matéria de facto, pretendendo que se julguem como não provados os factos vertidos nas alíneas 1), quanto ao segmento “destinando-se à atividade da Ré de transporte de passageiros”, 5) e 7) dos factos provados, por falta de fundamentação.
Alega a mesma que os meios probatórios produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento conduzem a decisão distinta da alcançada, uma vez que, nada ficou demonstrado quanto àqueles factos, o que acaba por ser visível na motivação do Tribunal a quo.

Vejamos, em termos gerais, os contornos em que a prova deve ser apreciada em 2ª instância.
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 662º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Assim, os recursos da decisão da matéria de facto podem visar objetivos distintos, a saber:
a)a alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, com base na reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil);
b)a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova, matéria de facto alegada pelas partes e que se mostre essencial para a boa resolução do litígio (art. al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil);
c)a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (também nos termos da al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil).
Ora, no caso sub judice, invoca a autora/recorrente, o erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, pretendendo a alteração da decisão da matéria de facto, a saber, devendo ser considerados como não provados, os factos vertidos sob as alíneas 1) quanto ao segmento “destinando-se à atividade da Ré de transporte de passageiros”, 5) e 7) dos factos provados, por falta de fundamentação e ainda a contradição entre os factos provados sob os nºs 2 e 5.
Conforme refere o D. Acordão desta Relação de Guimarães, de 7 de abril de 2016, in www.dgsi.pt, “Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Ora, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, não pode em tal operação esquecer a Relação os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Como refere o Dr Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed ,pág. 245, “(…) ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.”
Ou seja, a reapreciação da prova pela 2ª instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações da recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Em suma, a este tribunal da Relação caberá apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de primeira instância, face aos elementos de prova considerados, sem prejuízo de, como supra referido, com base neles, formar a sua própria convicção, sendo certo que, antes do mais deve analisar-se se a recorrente cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto.
E como requisitos de ordem formal, nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 640º do Código de Processo Civil, devemos entender se a mesma indica os pontos de facto concretos que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se a mesma especifica na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; se aprecia criticamente os meios de prova, se expressa na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Vejamos.
A este propósito a ré/recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, pretendendo que se altere parte da matéria de facto dando-se como não provados os factos vertidos nas alíneas 1), quanto ao segmento “destinando-se à atividade da Ré de transporte de passageiros”, 5) e 7) dos factos provados, por falta de fundamentação.

Em concreto são estes os factos que se pretende sejam dados como não provados:
1.º A Autora vendeu o veículo utilizado pela Autora como de serviço, da marca ..., modelo ... com matrícula ..-QT-.., de 12 de janeiro de 2016, que foi entregue à Ré a 04 de julho de 2016, destinando-se à atividade da Ré de transporte de passageiros.
5.º Identificou-se que a avaria estaria relacionada com uma deficiente lubrificação com origem na bomba de óleo do motor, e que a reparação consistiria na substituição do motor de combustão interna Diesel completo (bloco armado), bem como dos vedantes.
7.º Na sequência dessa decisão do fabricante, a Autora apresentou um orçamento à Ré, no valor de 4.415,39€, que a Ré aceitou e deu ordem de reparação.

Apreciemos pois os factos, tendo-se sempre em atenção que, conforme resulta dos nºs 3 e 4 do artº 607º do Código de Processo Civil, na sentença deve o juiz discriminar os factos que considere provados e os não provados.
Ora, em tal enunciação cabem os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as exceções e outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda e sendo necessária, far-se-á ainda a enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa (neste sentido os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 2ª edição, pág 744.
Do atrás referido, resulta que a sentença dá como provados/ou não provados factos específicos e concretos e não conclusões ou conceitos de direito.

Vejamos agora se, conforme pretendem a recorrente a prova produzida deveria conduzir a darem-se como não provados os factos por ela enunciados, a saber, os vertidos nas alíneas 1), quanto ao segmento “destinando-se à atividade da Ré de transporte de passageiros”, 5) e 7) dos factos provados, por falta de fundamentação.
A este propósito a sentença fundamentou tais factos não provados nos seguintes termos:
“Motivação:
Antes de mais, e atendendo à admissão em sede de articulados, resultaram provados os factos relativos à venda do veículo e às reparações/manutenções efetuadas, bem como a prestação do serviço e a emissão da respetiva fatura, não colocada em causa e de acordo com os elementos juntos.
Relativamente aos restantes factos, os mesmos resultaram provados atendendo à análise conjugada da prova. A convicção do Tribunal, que permitiu concluir pela prova dos factos que antecedem, tomou por base a ponderação crítica e confronto entre os meios de prova produzidos, as regras da experiência e o senso comum, tendo em conta as regras próprias da repartição do ónus da prova.
A propósito da duração da garantia, não tendo sido fixada outra garantia contratual, pelo Tribunal levantada a questão da qualidade do veículo, que sempre foi referido como sendo de serviço, mas que não se encontrava expresso na fatura de venda, tendo sido esclarecido com a junção dos restantes elementos de venda.
Trata-se, assim, de um veículo de serviço, que, de acordo com o depoimento de AA do serviço pós-venda da Autora, teria uma garantia 2 anos após a data de registo da matrícula (janeiro de 2016), o que vem referido nos registos do próprio sistema (doc. ... de 13/05/2022).
Mas a existência de uma garantia contratual de 2 anos, nesta caso, a Star Selection “usados de qualidade”, não consta na ficha de entrega/garantia (doc. ... de 13/05/2022) e é expressamente excluída para veículos afetos a rent-a-car e táxi, como o caso dos autos. Assim, ficamos com a garantia legal. 
Relativamente à reparação, foi ainda discutida a concordância da Ré com a reparação e o orçamento apresentado. A legal representante da Ré, BB, referiu em declarações de parte, que só a informaram do valor depois de reparado, e que nunca pensou que teria de pagar, por ser o mesmo problema de sempre; que foi chamada à oficina para informarem do problema.
O mecânico da Autora, CC, esclareceu que pediram autorização para quando tiveram que abrir o motor e depois para reparar, e que antes da reparação deram a informação do valor assumido pela marca e do que a Ré teria de pagar.
A testemunha AA, do serviço pós-venda refere que apontou a 26/07/2018 o consentimento da D.ª BB para a reparação, tendo sido procuradas soluções de comparticipação porque a viatura já não aparecia na garantia no sistema.
Além das testemunhas, resulta no normal acontecer que uma reparação desta magnitude, nomeadamente atendendo ao valor também assumido pela marca, teria de ser previamente informada ao cliente, sendo que este teria de a autorizar, com vista a obter a reparação.
Relativamente à origem da reparação, tal foi apontada como sendo da bomba de óleo ou outra causa indireta, que provocou desgaste nas capas de vielas e cambotas do motor, o que implicava que poderia já ter surgido há uns tempos.
No entanto, de acordo com as referências de assistência, o veículo foi à oficina com um forte ruído do motor, não havendo indicações que as anteriores reparações tivessem a mesma origem. É um facto que este veículo necessitou de várias assistências, não muito comuns num veículo desta categoria, mas a verdade é que não resultou a referida ligação, nomeadamente com a existência de luz indicativa de problemas no motor.
Os factos relevantes não provados, excluindo matéria de direito e conclusiva e outros factos instrumentais, resultaram de não se ter realizado qualquer prova sobre os mesmos.
 (…)”

Antes de mais se diga que foram os seguintes os factos alegados pela autora/recorrida:

1. A Requerente é uma sociedade comercial que, de forma regular, fim lucrativo e por conta própria, se dedica à compra e venda e reparação de veículos automóveis, sendo concessionária e oficina autorizada das marcas M..., ..., ... e ....
2. No âmbito dessa sua actividade comercial, no dia 14-06-2018, deu entrada na oficina da Requerente sita em ... o veículo automóvel da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-QT-.., pertencente à Requerida.
3. Na sequência da ordem que lhe foi transmitida pela Requerida, a Requerente levou a cabo o serviço de reparação da viatura com a matrícula ..-QT-.., realizando os trabalhos melhor discriminados na factura n.º ...46, de 09-08-2018.
4. A Requerida dispunha de um prazo de 30 dias para proceder ao pagamento das quantias em dívida pela prestação do serviço de reparação do veículo automóvel da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-QT-...
5. Sucede que, até à presente data, não obstante as diversas tentativas da Requerente, a Requerida não pagou à Requerente a quantia em dívida.
6. Assim, a Requerida deve à Requerente a quantia de 4.415.39 €, conforme factura n.º ...46.
7. À mencionada quantia acrescem juros moratórios à taxa legal aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais.
8. Importando os vencidos a quantia de 867,96 €, calculados da seguinte forma:
factura n.º ...46 no valor de 4 415,39 € + juros entre 10/09/2018 e 20/08/2021 (95,69 € (113 dias a 7,00%) + 153,27 € (181 dias a 7,00%) + 155,81 € (184 dias a 7,00%) + 154,12 € (182 dias a 7,00%) + 155,81 € (184 dias a 7,00%) + 153,27 € (181 dias a 7,00%))
9. Encontra-se, consequentemente, em dívida a quantia global de 5.283,35 €, acrescida de juros vincendos:
Capital Inicial: 4 415,39 €
Total de Juro: 867,96 €
Capital Acumulado: 5 283,35 €
10. À qual acresce a taxa de justiça despendida pela Requerente no presente procedimento de injunção, no valor de 102,00 €, perfazendo a quantia total de 5 385,35 €.
11. Para além destas quantias a Requerente tem direito a receber da Requerida um montante mínimo de 40,00 € (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio.
12. Na presente data, a quantia em dívida é de 5 425,35 €.
13. A Requerida, pese embora as diligências levadas a cabo pela Requerente, não procedeu à liquidação da quantia em dívida, nem na data do vencimento da factura, nem em momento posterior, motivo pelo qual se recorre ao presente procedimento de injunção.

Por seu lado, a ré/recorrente deduziu a seguinte oposição:
1.º
É verdade que o veículo ..-QT-.. foi propriedade da R (nesta data já não o é).
2.º
É verdade que o veículo ..-QT-.. foi sujeito a uma reparação ocorrida entre o dia 14.06.2018 e o dia 09.08.2018 e que a A emitiu a fatura n.º ...46.
3.º
No entanto a R não deve à A a quantia que esta reclama na aludida fatura.
4.º
A R adquiriu à A, em 12.01.2016, a viatura de matrícula ..-QT-.. no estado de nova.
5.º
A viatura em questão apresentou, desde que foi entregue à R, defeitos permanentes, tendo regressado à oficina da A por diversas vezes, como se discrimina segundo informação da própria A (sic / transcrição doc. ...):
04-07-2016 com 14.721 kms apresentando a luz do motor acesa com perda de potência (não resolvido, como infra se poderá observar).
17-08-2016 com 17.676 kms apresentando isolamento acústico do motor, solto / queda.
08-09-2016 com 23.333 kms para realização da chamada de marca de serviço n.º ... para substituição de tubagem de alta pressão de combustível.
(?) 08-09-2016 com 25.545 kms para substituição dos vidros das portas dianteiros por forte ruído de vento.
10-10-2016 com 32.419 kms para codificar o módulo de comando do motor diesel devido a luz de motor acesa (mesmo defeito do verificado a 04-07-2016 e que foi deficientemente reparado).
07-01-2017 com 48.823 kms para substituir a caixa de velocidades e para substituir sensor NOx antes do catalisador por luz de motor acesa (mesmo defeito verificado a 04.07.2016 e que foi deficientemente reparado).
16-02- 2017 com 49.398 kms para substituir o revestimento do quadro do vidro da porta lateral traseira direita por deformação.
(?) 28-04-2017 com 54.549 kms para substituir o suporte do freio do eixo traseiro à direita.
(?) 07-04-2017 com 55.236 kms para substituir a mangueira do ar de sobrealimentação após permutador em virtude de fissura, apresentando luz de motor acesa (mesmo defeito do verificado a 04-07-2016 e que foi deficientemente reparado).
(?) 19-04-2017 com 57.995 kms para substituir sensor NOx após o catalisador e substituir motor do ventilador por defeito elétrico do mesmo, originando luz de motor acesa (mesmo defeito do verificado a 04-07-2016 e que foi deficientemente reparado).
02-05-2017 com 59.649 kms para substitui kit de embraiagem por estar quebrado.
26-10-2017 com 87.046 kms para realização de chamada de serviço da marca ... para substituição do tubo de alimentação esquerdo.
14-03-2018 com 102.446 kms para substituição de sensor NOx antes do catalisador por defeito, apresentando luz de motor acesa) mesmo defeito do verificado a 04-07-2016 e que foi deficientemente reparado).
28-04-2018 com 108.487 kms para substituição de polie anti-vibradora e para realizar ação de serviço de chamada da marca ... para verificação e correção da coluna de direção.
6.º
Para além das intervenções em cima referidas, a viatura foi ainda intervencionada nas manutenções preconizadas pela marca, a saber:
06-10-2016 com 25.645 kms para manutenção tipo A
27-02-2017 com 51047 kms para manutenção tipo B
21-08-2017 com 76831 kms para manutenção tipo A
02-03-2018 com 101.041 kms para manutenção tipo B
7.º
Todas as intervenções mencionadas ocorreram nas oficinas da A e sob indicação da mesma, sendo que os pontos de interrogações antes das datas constituem dúvidas acerca da aludida informação fornecida pela A à R, requerendo-se que a A venha explicar os equívocos constantes do documento ... elaborado por si e entregue à R ou caso assim não se entenda que venha trazer aos autos histórico de reparações e intervenções na viatura ..-QT-...
8.º
Em 14-06-2018 a viatura ..-QT-.. entrou na oficina da A com 112.370 kms com forte queixa de ruído de motor e luz de motor acesa.
9.º
Foi desmontado o sistema de distribuição do motor e identificou-se alongamento da corrente de distribuição, mas para além disso ainda se conseguiu identificar, depois da desmontagem da tampa das válvulas que os topos das hastes das válvulas apresentavam danos, bem como as chumaceiras das árvores de cames e bem assim desgaste nas capas de bielas e cambota (explicação do sucedido transmitida pela A à gerência da R).
10.º
Os defeitos mencionados em 5.º e em 9.º desta oposição / contestação não se devem a uma má ou deficiente utilização da viatura.
11.º
Os defeitos mencionados em 5.º e em 9.º desta oposição / contestação provêm de uma deficiente / negligente ou não resolução dos mesmos, com origem na deficiente, incompleta e insuficiente manutenção operada pela A ao longo dos anos 2016, 2017 e 2018, alegada em 5.º desta peça processual.
12.º
Os defeitos mencionados em 5.º e em 9.º desta oposição / contestação agravaram-se progressivamente pela falta de resolução atempada da A conduzindo ao colapso total do motor, conforme alegado em 9.º desta peça processual.
13.º
A A foi a única responsável pelo colapso do motor do veículo ..-QT-.. tendo contribuído definitivamente para esse resultado final (colapso do componente motor do veículo em questão), motivo pelo propõe à R a chamada cortesia comercial de comparticipação no custo das peças para resolução da questão.
14.º
Acaso a A não sentisse que tem responsabilidade no colapso do motor do “QT”, nunca proporia à R a repartição do custo das peças para reparação do “QT”.
Respondeu a autora/recorrida nos seguintes termos:
1. É falso que, desde a data em que foi entregue à Ré, o veículo ..-QT-.. tenha apresentado “defeitos permanentes”, uma vez que, como resulta do doc. n.º ... junto com a oposição e oportunamente se demonstrará, os problemas evidenciados não apresentam qualquer relação entre si e foram prontamente resolvidos pela A..
2. É falso que em 04-07-2016, o veículo ..-QT-.. tenha entrado na oficina da A., como resulta do doc. n.º ... junto com a oposição pela própria Ré aos autos.
3. Em 26-07-2016, com 17676 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., para fixação, ao abrigo da garantia, do isolamento acústico do interior do capot do motor, devido a uma queixa da Ré de que estaria solto (cfr. o doc. n.º ... que se junta e se dá por integralmente reproduzido).
4. A intervenção foi realizada pela A. ao abrigo da garantia e nunca mais houve qualquer queixa da Ré.
5. Em 29-08-2016, com 23333 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., para actualização do módulo de comando ao abrigo da garantia (cfr. o doc. n.º ...).
6. Em 08-09-2016, com 25645 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., para realização da acção de serviço determinada pelo fabricante (substituição da tubagem de alta pressão de combustível), tendo, ainda, sido substituídos, ao abrigo da garantia, os vidros das portas dianteiras devido a uma queixa de forte ruído do vento (cfr. o doc. n.º ...).
7. Na mesma data e no âmbito da mesma WIP, foi ainda realizada a manutenção A preconizada pela marca (cfr. o doc. n.º ...).
8. Em 10-10-2016, com 32419 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., para codificação, ao abrigo da garantia, do módulo de comando do motor diesel devido à queixa da Ré de luz de gestão do motor acesa (cfr. o doc. n.º ...).
9. É falso que esta situação tenha ocorrido em 04-07-2016, uma vez que, como se referiu e resulta do documento junto aos autos pela Ré, nessa data não foi efectuada qualquer intervenção no veículo ..-QT-...
10. Em 21-11-2016, com 39868 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., para substituição das pastilhas dos travões (cfr. o doc. n.º ...).
11. Em 07-01-2017, com 48823 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A. com uma queixa de dificuldade de engrenar a marcha atrás, tendo sido aberta a WIP ... e substituída, ao abrigo da garantia, a caixa de velocidades bem como um sensor NOx (antes do catalisador) por queixa de luz de gestão do motor acesa (cfr. o doc. n.º ...).
12. Em 16-02-2017, com 49398 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à substituição, ao abrigo da garantia, do revestimento do quadro do vidro da porta lateral traseira direita por queixa de o mesmo estar deformado (cfr. o doc. n.º ...).
13. Nessa mesma data, procedeu-se a uma actualização de software do módulo do motor do veículo ..-QT-.. (cfr. o doc. n.º ...).
14. Em 27-02-2017, com 51047 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à manutenção B (cfr. o doc. n.º ...).
15. Em 20-03-2017, com 54549 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A. para substituição do freio do eixo traseiro à direita, tendo sido aberta a WIP n.º ..., no âmbito da qual se realizaram os trabalhos ao abrigo da garantia (cfr. o doc. n.º ...0).
16. Em 07-04-2017, com 55236 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A. com a luz do motor acesa, tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu, ao abrigo da garantia, à substituição da mangueira do ar de sobrealimentação após permutador que apresentava uma fissura (cfr. o doc. n.º ...1).
17. Esta reparação nada tem a ver com as reparações anteriores, pois, ao contrário do que a Ré para sustentar a sua peregrina tese e justificar o incumprimento em que persiste pretende fazer crer, a luz do motor não acende apenas por um motivo, mas pode fazê-lo por uma multiplicidade de situações sem qualquer relação entre si.
18. Em 19-04-2017, com 57995 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A. com a luz do motor acesa e com uma queixa de mau funcionamento do motor do ventilador, tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à substituição do motor do ventilador, bem como um sensor NOx (após o catalisador) ao abrigo da garantia (cfr. o doc. n.º ...2).
19. Note-se que o sensor NOx substituído não foi o mesmo que havia substituído em 07-01- 2017.
20. Sendo de salientar que os sensores NOx não são reparados, mas substituídos, motivo pelo qual carece de sentido imputar a necessidade de substituição de um sensor NOx a uma deficiente reparação.
21. Em 02-05-2017, com 59649 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu, ao abrigo da garantia, à substituição do kit de embraiagem que estava quebrado (cfr. o doc. n.º ...3).
22. Em 22-05-2017, com 63179 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à substituição das pastilhas dos travões (cfr. o doc. n.º ...4)
23. Em 29-05-2017, com 64428 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à reparação do mesmo na sequência de um sinistro, tendo o valor dos trabalhos sido pago pela Seguradora O... (cfr. o doc. n.º ...5).
24. Em 21-08-2017, com 76831 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à manutenção A (cfr. o doc. n.º ...6).
25. Em 26-10-2017, com 87046 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à realização de uma acção de serviço determinada pelo fabricante e que se consubstanciou na substituição do tubo de sobrealimentação esquerdo, bem como a trabalhos de substituição de pastilhas (cfr. os docs. n.º ...7 e ...8).
26. Em 03-02-2018, com 101041 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A., tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à manutenção B (cfr. o doc. n.º ...9).
27. Em 14-03-2018, com 102446 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A. com a luz do motor acesa devido a uma avaria de um sensor NOx (antes do catalisador), tendo sido aberta a WIP ..., no âmbito da qual se procedeu à sua substituição ao abrigo da garantia (cfr. o doc. n.º ...0).
28. Uma vez mais, carece de sentido imputar a avaria do sensor a uma deficiente reparação, pois, como se referiu, os sensores são substituídos e não reparados.
29. Em 26-04-2018, com 108487 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A. para substituição da polia anti-vibratória (cfr. o doc. n.º ...1).
30. Nessa mesma data, foi realizada uma acção de serviço determinada pelo fabricante que consistiu na verificação da coluna de direcção.
31. O conteúdo do doc. n.º ... junto pela Ré é claro e preciso, inexistindo quaisquer omissões e imprecisões, com excepção de algumas datas, em virtude de o funcionário que elaborou o documento ter considerado a data da factura e não a data da entrada efectiva da viatura na oficina, facto que em nada releva para os presentes autos.
32. Ao contrário do que a Ré pretende fazer crer, a A. explicou de forma cabal todas as intervenções que realizou no veículo ..-QT-...
33. Com efeito, a Ré, à semelhança do que acontece com a generalidade dos “clientes profissionais”, acompanhou todas as reparações de perto e solicitou explicações acerca dos trabalhos realizados pela oficina, informação essa que sempre lhe foi prestada sem qualquer omissão.
34. Em 14-06-2018, com 112370 km, o veículo ..-QT-.. entrou na oficina da A. com uma queixa de um forte ruído no motor, tendo sido aberta a WIP ....
35. Tendo-se procedido à desmontagem do sistema de distribuição do motor, com o intuito de se verificar o alongamento sofrido pela corrente de distribuição, identificou-se que o ruído não seria apenas proveniente da distribuição.
36. Por esse motivo, prosseguiu-se com os trabalhos de desmontagem do motor, com a remoção da tampa de válvulas, tendo sido possível identificar que os topos das hastes das válvulas e as chumaceiras das árvores de cames apresentavam danos, bem como a existência de desgaste nas capas de bielas e cambota.
37. Identificou-se que a avaria estaria relacionada com uma deficiente lubrificação com origem na bomba de óleo do motor, e que a reparação consistiria na substituição do motor de combustão interna Diesel completo (bloco armado), bem como dos vedantes.
38. Como estava em causa uma reparação avultada e a Ré havia realizado todas as manutenções preconizadas pela marca em oficinas autorizadas da rede M... (in casu, na da A.), a A. apresentou um pedido de comparticipação comercial ao representante do fabricante.
39. Tendo o fabricante aceitado suportar parcialmente (em 75%) a reparação.
40. Na sequência dessa decisão do fabricante, a A. apresentou um orçamento à Ré, no valor de 4.415,39 € (IVA Incluído).
41. A Ré aceitou a comparticipação comercial da marca, no valor de 75%, e deu ordem de reparação consciente que lhe seria exigível o pagamento de 4.415,39 € (IVA Incluído).
42. A A. jamais teria procedido à reparação do veículo ..-QT-.. se a Ré não tivesse aceitado expressamente o orçamento apresentado.
43. A A. procedeu à reparação do veículo ..-QT-.., substituindo o motor e os vedantes, conforme descrito na factura n.º ...46, no valor de 4.415.39 €, oportunamente enviada à Ré (cfr. o doc. n.º ...3).
44. Conforme resulta da mencionada factura, a Ré apenas tem de pagar 25% do valor da reparação, ficando os restantes 75% a cargo da marca (que não se confunde com a A.) - cfr. o doc. n.º ...4.
45. Beneficiando do facto de ser um cliente com crédito, a Ré levantou o veículo sem ter de pagar a reparação, uma vez que dispunha de 30 dias para o fazer.
46. Não obstante, até à presente data o pagamento não foi efectuado, tendo a Ré tentado justificar o seu incumprimento com alegadas reparações mal efectivadas pela A., que, como resulta evidente, não se verificaram.
47. É falso o alegado nos artigos 10.º a 14.º da oposição, designadamente que os problemas constantes dos artigos 5.º a 9.º da oposição se devam a uma deficiente reparação do veículo ..-QT-.. ou que a cortesia comercial obtida junto do fabricante (!) constitua a assunção da responsabilidade pela avaria do veículo.
48. Com efeito, como resulta do doc. n.º ... junto aos autos pela Ré e do presente requerimento, nenhuma das intervenções realizadas pela A. no veículo ..-QT-.. está minimamente relacionada com o problema que esteve na base da avaria ocorrida em 14-06-2018 e que originou a reparação que a Ré se recusa injustificadamente a pagar.
49. A forma atabalhoada como a Ré procura estabelecer uma ligação entre as reparações anteriores e a avaria ocorrida em 14-06-2018, sem qualquer concretização, é, por si só, elucidativa de que o seu intuito é o de confundir o Tribunal para se eximir da responsabilidade de pagar a quantia que deve à A..
50. Chegando ao ponto de afirmar que a marca aceitou pagar 75% do valor da reparação por a A. ter reparado deficientemente o veículo!
51. Esquecendo-se que o representante do fabricante e a A. são pessoas colectivas diferentes e que se a A. (mera concessionária e oficina autorizada) tivesse alguma responsabilidade pela avaria ocorrida em 14-06-2018 a marca jamais aceitaria suportar, ainda que parcialmente, o valor da reparação.
52. Do que vem de dizer-se resulta já ser falsa, razão pela qual especificadamente se impugna, a factualidade constante, entre outros, dos artigos 5.º, 7.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º da oposição.
53. Pelo exposto, inexiste qualquer razão que possa justificar o não pagamento da quantia devida pela reparação efectuada por ordem da Ré no veículo ..-QT-...
(…).

Da leitura dos articulados resulta sem mais que, não foi alegado, por qualquer das partes, o facto dado como provado sob parte do nº 1, a saber, o segmento “destinando-se à atividade da Ré de transporte de passageiros”.
E, não tendo o mesmo sido alegado, e resultando o mesmo inserido na matéria de facto dada como provada, apenas podemos entender resultar o mesmo da instrução da causa, nos termos do disposto no nº 2 do artº 5º do Código de Processo Civil.
E o mesmo se diga em relação aos prazos de garantia, que, como resulta, do corpo da sentença “Neste caso, os prazos já tinham sido ultrapassados, quer o legal, de um ano desde a entrega, quer eventualmente o de 2 anos desde a matrícula, assumidos pelos mecânicos da Autora”.
Ou seja, também da leitura dos articulados nada resulta alegado quanto à garantia acordada e decurso do seu prazo, nada resulta quanto a esta dos factos assentes – provados ou não provados – e, consequentemente, não existe qualquer motivação dos mesmos, mas lida a sentença, designadamente, o segmento atrás referido, resulta que foi o mesmo ali tido em conta para apreciação do decurso dos prazos, tendo-se, no que ao prazo de dois anos desde a matrícula diz respeito, o que terá sido assumido pelos mecânicos da Autora.
 Também aqui, não tendo tal facto sido alegado, e relevando o mesmo para a decisão, embora não constando da matéria de facto dada como provada, apenas podemos entender resultar o mesmo da instrução da causa, nos termos do disposto no nº 2 do artº 5º do Código de Processo Civil.
Vejamos.
De acordo com o princípio do dispositivo, incumbe ao autor/requerente alegar os factos que integram a causa de pedir e aos réus/requeridos aqueles em que se baseiam as excepções (forma de oposição), só podendo o julgador fundar a decisão nos factos alegados pelas partes.
Decorre, porém das als a) e b) do  nº 2, do artº 5º do Código de Processo Civil que: “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a)os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b)os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
(…)”.
Ou seja, da leitura do preceito atrás citado somos levados a concluir que se permite ao juiz a consideração, mesmo oficiosa, respectivamente, dos factos instrumentais, bem como dos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciarem.
São factos instrumentais, como refere o Dr Castro Mendes, in Direito Processual Civil, II, pág 208, os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos actos pertinentes, sendo que para o Dr Teixeira de Sousa, in Introdução ao Processo Civil, pág 52, tratam-se de factos que indiciam os factos essenciais.
Como refere o Acordão da Relação de
Guimarães, 20 de abril de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira, in www.dgsi.pt “(…) são factos secundários, não essenciais, mas que permitem aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais.
Conforme distingue muito claramente LOPES DO REGO (Comentário ao CPC, p. 201), "factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da acção e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material", enquanto que "factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu".
Já o poder inquisitório confere ao juiz tomar em consideração na decisão os factos que "sejam complemento ou concretização de outros que as partes oportunamente hajam alegado", visando suprir certas deficiências da alegação, e não a completa omissão de factos essenciais à procedência da pretensão formulada ou da excepção deduzida, conforme decidiu o STJ no Ac. 01.07.2004, proc. 03B3417, Cons. Noronha do Nascimento, dgsi.pt.
De qualquer modo, tem-se também entendido que o tribunal não está obrigado a indicar especificada e concretamente os factos instrumentais que o conduziram à fixação dos factos finais ou fundamentais (Ac. STJ, 17.06.1998, BMJ, 478, p. 101), se os mesmos não constarem da aludida selecção da matéria de facto.
Assim, conclui-se que é possível ao tribunal atender a tal factualidade instrumental e complementar, na medida em que há todo o interesse em que o juiz, para melhor compreensão dos factos principais e para uma decisão de mérito, valorize a verdade material, fazendo uso dos factos instrumentais para responder de forma explicativa ou restritiva à matéria controvertida.
Valorando esta prática, o STJ (Ac. 17.06.2003, proc. 03B1007, Cons. Pires da Rosa, dgsi.pt) decidiu que "a resposta explicativa ou restritiva a um facto incluído na base instrutória pode incluir factos instrumentais, factos que ajudem à descoberta da verdade, da essencialidade daqueles que constituem a causa de pedir, porquanto seja preciso explicar o que a simples expressão naturalística destes não possa fornecer" – neste sentido veja-se também o Acórdão do STJ, de 28.03.2006, proc. 06A407, Cons. João Camilo, in dgsi.pt).
Por esta via, ao juiz são facultados os meios tidos por necessários para produzir uma decisão de mérito que atinja, tanto quanto possível, o ideal da justiça material”.
Ora, como já atrás referimos, foi dado como provado sob parte do nº 1, a saber, o segmento “destinando-se à atividade da Ré de transporte de passageiros”.
E, em relação aos prazos de garantia, resulta, do corpo da sentença “Neste caso, os prazos já tinham sido ultrapassados, quer o legal, de um ano desde a entrega, quer eventualmente o de 2 anos desde a matrícula, assumidos pelos mecânicos da Autora”.
Ora, tais factos não foram alegados pelas partes, nos articulados apresentados, resultando sim, depois de ouvida a prova produzida em julgamento que ocorreu a 28 de março de 2022, da instrução do processo.
Mas será que tais factos podem considerar-se como instrumentais ou complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado, nos termos das als. a) e b) do nº 2 do artº 5º do Código de Processo Civil?
Salvo o devido respeito por contrária opinião, somos de entender que tais factos não configuram factos instrumentais, complementares ou concretizadores, nos termos já atrás referidos.
Os factos em causa são factos novos e que por si só configuram exceções peremptórias, servindo, nos termos da parte final do nº 2 do artº 571º do Código de Processo Civil, de causa extintiva do direito invocado pela autora.
Tais factos são essenciais, uma vez que da alegação e prova dos mesmos dependeria a procedência da excepção invocada pela ré na audiência de julgamento. Efetivamente, a estar em vigor a garantia de dois anos, contada desde a data da venda do veículo, não haveria lugar a qualquer pagamento por parte da ré.
Ora, tais factos, como exceções que são, deveriam, face ao ónus da alegação, no mínimo ter sido invocados na contestação, sem prejuízo de posteriormente virem a ser objeto de um aperfeiçoamento integrativo ou até da consideração oficiosa de determinados factos que exercendo uma função complementar ou concretizadora de outros que tenham sido alegados, resultem da instrução da causa (neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, na obra citada, a pág 30).
Concluindo, sendo factos essenciais e não tendo ali sido invocados pela ré em sede de contestação, nem tendo sido alegado o seu conhecimento posterior, não podem ter-se os mesmos em atenção para efeitos de decisão.
Assim, entende-se não atender aos mesmos.

Vejamos agora o que dizer quanto aos demais factos.
Vem a recorrente/ré impugnar os factos dados como provados sob os nºs
5.º Identificou-se que a avaria estaria relacionada com uma deficiente lubrificação com origem na bomba de óleo do motor, e que a reparação consistiria na substituição do motor de combustão interna Diesel completo (bloco armado), bem como dos vedantes.
e
7.º Na sequência dessa decisão do fabricante, a Autora apresentou um orçamento à Ré, no valor de 4.415,39€, que a Ré aceitou e deu ordem de reparação.
Porquanto entende não ter sido produzida prova em relação aos mesmos.
Diga-se que foram ouvidos todos os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, a saber, as declarações da legal representante da autora, BB e as testemunhas da ré CC, coordenador auto da autora e AA, engenheiro mecânico responsável pelo pós venda da autora.
Vejamos.
Incumbia à autora/recorrida demonstrar que os danos apresentados pelo veículo e que foram objeto da reparação não estavam relacionados com anteriores intervenções feitas por si no veículo.
Ora, em relação ao facto dado como provado sob o nº 5, responderam as duas testemunhas da autora tendo os mesmos referido que o veículo vendido à ré deu entrada por diversas vezes nas suas oficinas sendo sempre reparado com sucesso. No que à intervenção a que dizem respeito os autos, o mesmo entrou nas oficinas com um ruído anormal no motor e luz de gestão do motor acesa, descartando ambas as testemunhas qualquer relação com as anteriores avarias e intervenções. Referiu a primeira das testemunhas que foi aberto processo e iniciados trabalhos de diagnóstico, inicialmente desmontaram parcialmente o motor e posteriormente desmontaram o mesmo totalmente, sempre com autorização da autora, acabando por concluir pela necessidade de substituição do motor em resultado de falha de lubrificação causada por componente, não necessariamente da bomba, podendo ser o canal de lubrificação.
Referiu a testemunha que não foi possível determinar qual o componente que provocou aquela avaria.
Assim sendo entende-se que, face à prova produzida, passa o artº 5º dos factos provados a ter a seguinte redação:
5.ºIdentificou-se que a avaria estaria relacionada com uma deficiente lubrificação com origem em componente do motor, e que a reparação consistiria na substituição do motor de combustão interna Diesel completo (bloco armado), bem como dos vedantes.
 
Diga-se que em relação ao facto dado como provado sob o nº 7, incumbia à autora demonstrar ter dado conhecimento do valor da reparação da viatura à ré, sendo que, do depoimento da legal representante da autora resultou que quando foi informada da necessidade de substituição do motor, deu autorização mas em nenhuma altura lhe foi comunicado que teria de pagar a mesma e qual o valor.
Contrariamente, a testemunha CC, funcionário da autora a quem incumbe supervisionar as reparações, referiu ser conduta da ré, informar das reparações necessárias e aguardar pela autorização das mesmas bem como do valor das mesmas.
A testemunha, de forma clara e concisa referiu que, no caso concreto, informou a legal representante da necessidade de substituição do motor, bem como do facto de, por serem clientes com muitos veículos e que ali faziam as suas reparações “bons clientes”, apenas pagariam 25% do valor total, concretizando tal valor.
Referiu a testemunha que nunca iniciariam uma reparação sem a autorização do cliente e sem que o mesmo estivesse informado do valor a pagar.
A testemunha AA referiu que, através de conversas com a testemunha CC e em resultado da consulta do processo, tomou conhecimento da autorização dada pelo cliente para proceder à substituição do motor do veículo, bem como do facto de ao mesmo ter sido comunicado o valor a pagar.
Lograram estas duas testemunhas convencer o Tribunal atendendo à forma clara como depuseram e ainda à razão invocada para a necessidade da comunicação do valor a pagar – não iniciariam uma reparação sem ter a aceitação do cliente quanto à mesma e ao valor da mesma.
Nestes termos, nesta parte, improcede a impugnação.
*

V. da reapreciação de direito.

Cabe agora verificar se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, decidindo-se pela total procedência da ação.
Como resulta das alegações de recurso da apelante, é manifesto que a pretendida alteração da decisão, na parte da matéria de direito, diz respeito à garantia e prazo da mesma, sendo certo que, como atrás se decidiu, tal matéria não foi alegada e não podia ser admitida pelo Tribunal pois não se inclui nas als a) e b) do nº 2 do artº 5º do Código de Processo Civil, configurando factos essenciais, relativos a exceção não invocada em sede de contestação.
Não incumbindo ao Tribunal pronunciar-se sobre factos essenciais, não invocados, não cabe tecer quaisquer considerações quanto à bondade e acerto da decisão da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, temos que a apelação terá de improceder, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida.
*

VI - Decisão:

Considerando quanto vem exposto acordam os Juízes desta Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida

Custas pela recorrente/autora.
Guimarães, 11 de maio de 2023

Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: Maria da Conceição Bucho
Raquel Rego