Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
190/14.5TTGMR-A.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: DESPEDIMENTO
COMUNICAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: O art.º 387.º n.º 2 do CT prescreve um regime especial de conhecimento da decisão de despedimento promovido pela empregadora, o qual implica a receção efetiva e real da decisão de despedimento e não se basta com um conhecimento presumido ou fictício.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
Apelante: M…, SA (ré).
Apelado: O… (autora).
Tribunal Judicial da comarca de Braga, Guimarães, 3.ª Secção Trabalho, J1.

1. Por despacho proferido em 11 de dezembro de 2014, foi indeferida a invocação pela ré apelante da caducidade da ação.
2. Inconformada, veio a R. interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O tribunal a quo por despacho datado de 17.12.2014 (ref. Citius 136514317) indeferiu a caducidade arguida pela recorrente.
2. Entre a recorrente e a recorrida vigorou um contrato de trabalho por tempo indeterminado, desde 14/09/1992 até que em 23/12/2013 a recorrida foi despedida no seguimento de procedimento disciplinar intentado pela recorrente;
3. Este procedimento disciplinar veio a culminar na decisão de despedimento na data de 03.07.2008 (?existe manifesto lapso quanto à data ), na sequência de um processo disciplinar que lhe foi movido pela recorrente;
4. Não se conformando, com a referida decisão de despedimento, intentou no dia 24/02/2014 a presente ação judicial de impugnação de regularidade e licitude do despedimento.
5. A recorrente deduziu o articulado motivador do despedimento onde arguiu a caducidade da ação, alegando, no essencial, que entre a data em que a carta com a decisão de despedimento chegou a casa da recorrida no dia 23/12/2013, e aquela em que intentou a presente ação, em 24/02/2014, mediaram mais de 60 dias.
6. Respondeu a recorrida sustentando que a invocada caducidade não ocorreu, uma vez que só no dia 27/12/2013, teve conhecimento da decisão de despedimento, por só nessa data ter levantado a respetiva carta, o que ocorreu no tempo útil que dispunha para o efeito.
7. Sobre a caducidade arguida pela recorrente incidiu despacho da Mma Juiz “a quo” em 17.12.2014, indeferindo a arguição da mesma;
8. Dispõe o art.º 387.º n.º 2 do código do trabalho que o trabalhador tem 60 dias a contar da receção da comunicação do despedimento para se opor ao mesmo;
9. A presente ação judicial foi intentada no dia 24.02.2014;
10. O despedimento da recorrida foi comunicado à mesma no dia 23.12.2013 conforme documentos juntos com o requerimento de impugnação;
11. A carta com a decisão de despedimento foi expedida dia 20.12.2013, conforme registo RC285105720PT, junto adiante como n.º 1 ;
12. A referida carta chegou a casa da recorrida no dia 23.12.2013 às 11H e só não foi recebida por esta no referido dia por facto unicamente imputável à A., que não efetuou o levantamento da carta no referido dia, só o fazendo no dia 27.12, ou seja 4 dias depois;
13. A data que deve ser considerada como data do despedimento é dia 23.12.2013, data em que a recorrida, deveria ter recebido a decisão de despedimento e, que, por sua culpa exclusiva, não recebeu atempadamente;
14. Neste sentido veja-se Acórdão do STJ de 21.02.2006 (acessível em www.dgsi.pt, processo 05S3482): «a ré enviou cópia da decisão final do processo disciplinar, em 9 de outubro de 2000, para a residência do autor, através de carta registada com aviso de receção, a qual foi devolvida no dia 20 imediato, por o autor não ter atendido ao carteiro nem a ter entretanto reclamado nos CTT (n.º 24 da matéria de facto). Nessas circunstâncias, por força do disposto no artigo 224.º n.º 2, do Código Civil, deve entender-se que a declaração produziu os seus efeitos úteis, visto que o autor só não a recebeu nem tomou conhecimento do seu conteúdo por não ter diligenciado, em devido tempo, pela recolha da correspondência no posto de correio. (…) Como se impõe concluir, a decisão de despedimento tornou-se eficaz a partir do momento em que foi comunicada ao autor, devendo entender-se, tendo em conta que a comunicação foi remetida ao destinatário em 9 de outubro de 2000, que a relação laboral cessou no dia 13 de outubro seguinte, por ser esse o dia em que deverá considerar presumivelmente feita a notificação, nos termos do disposto no artigo 254.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável como princípio geral de direito (n.º 24 da matéria de facto).”
15. De acordo com o artigo 224.º do Código Civil. Conforme dispõe o seu n.º 1, "a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada"; porém, como logo acrescenta o n.º 2, "é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.";
16. A primeira parte do n.º 1 entende-se ser aplicável às declarações recetícias - como é o caso da rescisão unilateral do contrato de trabalho por parte do empregador -, pelo que a eficácia de uma tal declaração depende de ter chegado ao conhecimento do destinatário. No entanto, o n.º 2 salvaguarda a situação em que a declaração só não foi recebida pelo declaratário por culpa deste;
17. Como supra referido, a referida carta chegou a casa da recorrida no dia 23.12.2013 às 11H e só não foi recebida por esta no referido dia por facto unicamente imputável a esta, que não efetuou o levantamento da carta no referido dia, só o fazendo no dia 27.12, ou seja 4 dias depois;
18. A data que deve ser considerada como data do despedimento é dia 23.12.2013, data em que a recorrida deveria ter recebido a decisão de despedimento e, que, por sua culpa exclusiva, não recebeu atempadamente;
19. Por força do disposto no artigo 224.º n.º 2, do Código Civil, deve entender-se que a declaração produziu os seus efeitos úteis, visto que a recorrida só não a recebeu nem tomou conhecimento do seu conteúdo por não ter diligenciado, em devido tempo, pela recolha da correspondência no posto de correio;
20. No mesmo sentido propugna igualmente AC. RL de 24.11.1993: Col. Jur 1993, 5.º, 186.
21. A recorrida, deveria ter intentado a presente ação judicial até dia 21.02.2014.
22. Não o tendo feito caducou o seu direito.
23. Assim o douto despacho em crise violou por errada aplicação e interpretação, além do mais as normas constantes do art.º 387.º n.º 2 do Código do trabalho e 224.º do Codigo Civil.
24. Pelo que merece ser revogado e substituído por outro que absolva a recorrente do pedido e extinga a presente instância.

3. A R.. respondeu e concluiu que deve ser confirmado o despacho recorrido.
4. O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.
6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir neste recurso consiste em apurar se caducou o direito da A. propor a ação, em virtude de se considerar notificada em 23.12.1013 e não em 27.12.2013.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os já referidos em I) do relatório e que resultam dos autos, sem qualquer dúvida.
B) APRECIAÇÃO
Prescreve o art.º 387.º do CT que a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial (n.º 1), em requerimento com formulário próprio junto do tribunal competente no prazo de 60 dias, contados a partir da data da receção da comunicação do despedimento (n.º 2).
A apelante invocou no seu articulado a exceção da caducidade do direito da A. intentar a presente ação, em virtude de a ter interposto passados mais de 60 dias após o conhecimento da decisão de despedimento, que considera ter ocorrido em 23.12.2013, nos termos e com a interpretação que faz da lei.
A caducidade é uma exceção perentória, cuja verificação importa a absolvição total ou parcial do pedido e consiste na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (art.º 576.º n.º 3 do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º n.º 2 alínea a) do CPT.
Resulta dos autos que a R. enviou carta à A. com a decisão de despedimento expedida dia 20.12.2013, conforme registo RC285105720PT, a qual chegou a casa da trabalhadora no dia 23/12/2013, que não a recebeu nesse dia em virtude de não se encontrar em casa e que por isso a foi levantar ao posto dos correios em 27.12.2013.
Se lermos com atenção o n.º 2 do arte.º 387.º do CT, reparamos que aí se diz expressamente que os 60 dias contam a partir da data da receção da comunicação do despedimento. O emprego pelo legislador da expressão “receção da comunicação” não deixa dúvidas quanto à exigência de que a data só se conta a partir da receção efetiva, real, da comunicação de despedimento do trabalhador e não da receção fitícia, ou presumida da lei. A lei não se basta com um conhecimento qualquer, exige a receção da comunicação. Este regime é especial em relação ao plasmado no art.º 224.º do código civil (CC). O regime do CC está na parte geral do código e rege para todas as relações jurídicas. A norma jurídica do art.º 387.º n.º 2 do CT é especial e rege para a relação jurídica de trabalho subordinado, ou seja, para a relação consubstanciada num contrato de trabalho, como é o caso dos autos.
As pessoas não têm que estar sempre em casa à espera que chegue o correio para verem se têm algo a receber, em que seja necessário apor a sua assinatura. A sociedade está organizada de uma tal forma que durante as horas normais de trabalho, durante o dia - altura em que o serviço dos correios entrega a correspondência postal - no maior número de vezes as pessoas não estão em casa. Nesta hipótese, o funcionário dos serviços postais deixa uma comunicação na caixa do correio para que o destinatário do objeto não entregue se dirija ao posto dos correios, em data e hora que lhe são indicados, para o levantar.
Foi o que aconteceu no caso dos autos. A A. não estava em casa no dia 23.12.2013, pelo que o funcionário deixou a nota na sua caixa de correio para ir levantar o objeto ao posto dos correios que indicou.
Nessa sequência, a A. foi no dia 27.12.2013 aos correios, levantou a carta de despedimento enviada pela R. e nesta data recebeu efetivamente a comunicação do facto. Daqui decorre que a trabalhadora só tomou conhecimento efetivo e real da decisão de despedimento em 27.12.2013.
A A. intentou a presente ação em 24/02/2014, ou seja, no quinquagésimo nono dia posterior à receção da comunicação de despedimento.
Assim, a ação mostra-se introduzida em juízo dentro do prazo de 60 dias, subsequente à receção da decisão de despedimento produzida pela ré, pelo que não caducou o direito da trabalhadora em intentar a presente ação.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça indicado pela apelante refere-se a um caso em que o trabalhador não foi aos correios levantar o objeto e por isso este foi devolvido, pelo que não é uma situação igual à destes autos. E, em qualquer caso, foi prolatado em 2006, em data anterior à entrada em vigor do regime especial do art.º 387.º do CT atual.
Nesta conformidade, decidimos julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Sumário: o art.º 387.º n.º 2 do CT prescreve um regime especial de conhecimento da decisão de despedimento promovido pela empregadora, o qual implica a receção efetiva e real da decisão de despedimento e não se basta com um conhecimento presumido ou fictício.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a secção social desta Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique. (texto elaborado e revisto pelo relator).
Guimarães, 28 de maio de 2015.
Moisés Silva
Antero Veiga
Manuela Fialho