Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANA CRISTINA DUARTE | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO TÍTULO EXECUTIVO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO CONTA CORRENTE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 04/24/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | Constitui título executivo um contrato de crédito em conta corrente, assinado pelo devedor, com indicação do montante mutuado e da forma de pagamento, complementado por extracto de conta corrente, que demonstre a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário e pagamentos parcelares efectuados. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Por apenso à execução comum que lhe move «F…Llp», veio o executado D… apresentar oposição à execução, sustentando a inexistência de título executivo, a falsidade da assinatura que lhe é imputada, a inoponibilidade da cessão de crédito ao executado e, sem prescindir, alegando nada dever à exequente. Contestou a exequente para reafirmar a existência de título executivo, assinado pelo executado, importando o reconhecimento de uma obrigação, obrigação que, aliás, o executado cumpriu durante um certo lapso de tempo, tendo posteriormente entrado em incumprimento. Mais sustenta que a notificação do devedor da cessão de créditos pode ser feita através da citação para a acção proposta pelo credor-cessionário contra o devedor. O tribunal entendeu estarem reunidos todos os elementos para conhecer imediatamente do mérito da causa, o que fez, tendo julgado a oposição totalmente procedente, declarando extinta a execução. Considerou que o documento junto pela exequente não constitui título executivo, pelo que, não dispondo a exequente de título executivo, teria de lançar mão, previamente, de acção declarativa. Discordando da decisão, dela interpôs recurso a exequente tendo, a final, nas alegações, oferecido as seguintes Conclusões: A. O devedor/executado emitiu uma declaração nas Condições Particulares segundo a qual levanta a quantia de 2.000,00 €. B. Este facto resulta do texto do contrato dado como título executivo, bem como da prática corrente na vida diária que se refere a este tipo de contratos. C. Esta é a conclusão que é imposta, aliás, pelo disposto no artigo 236.º n.º 1 do CC. D. A consideração de que a assinatura do contrato em causa não contemplou a imediata entrega da quantia mutuada constitui uma errónea interpretação dos factos que dão origem à presente acção. E. Existe uma identificação entre a obrigação exequenda e a obrigação documentada no título. F. Estão assim preenchidas no título executivo constante da presente acção as condições exigidas pelo artigo 46.º n.º 1 alínea c) do CPC para conferir exequibilidade aos documentos particulares. G. Em consequência, o Tribunal recorrido efectuou uma errada interpretação do Direito por si invocado, violando o disposto no artigo 46.º n.º 1 alínea c) do CPC na sua actual redacção. Termina pedindo a revogação da sentença e a prossecução da execução os seus termos, até final. O recorrido contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida. O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo sido recebido nos mesmos termos neste Tribunal. Foram colhidos os vistos legais. A única questão a resolver traduz-se em saber se o documento junto pela exequente com o seu requerimento executivo constitui título executivo. II. FUNDAMENTAÇÃO Na sentença recorrida não foram fixados os factos provados. Aí se escreveu, com interesse para a questão em discussão: “Nos termos do disposto no art. 45º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”. Os diversos tipos de títulos executivos estão elencados no art. 46º do Código de Processo Civil que na alínea c) do seu n.º 1 atribuiu força executiva aos ”documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”, alínea que a exequente diz ser aplicável a este caso. Salvo sempre o devido respeito pela exequente, entendo que o documento junto não se enquadra na alínea citada. Tal documento é uma proposta de contrato de crédito (veja-se que no documento junto a fls. 6 dos autos principais se diz expressamente que "esta proposta () pode converter-se em contrato nos termos seguintes"). Das cláusulas do contrato não se pode extrair que a quantia mutuada tenha sido efectivamente entregue. Não esqueçamos que o mútuo é um contrato real quoad constitutionem, pelo que apenas se pode ter por concluído com a demonstração da entrega da coisa mutuada, o que não resulta do documento dado à execução. Por outro lado, não se consegue extrair, sem mais, do extracto de conta corrente entretanto junto pela exequente aos autos que as quantias tenham sido entregues, não sendo perceptível de tal documento que quantias foram entregues ao executado. A obrigação exequenda tem de resultar certa, líquida e exigível do título, sendo que no caso da citada alínea c) do art. 46º, n.º 1 do Código de Processo Civil apenas pode estar a sua quantificação dependente de um “simples cálculo aritmético”. Ora, no presente caso isso não sucede, não havendo um simples cálculo aritmético que possa ser feito com base nos documentos juntos pela exequente. Neste mesmo sentido vejam-se os Acórdãos da Relação de Lisboa de 01/07/2010 e da Relação de Coimbra de 10/05/2011 (disponíveis em www.dgsi.pt, com o n.º de processo, respectivamente: 4986/09.1TCLRS.L1-6 e 2713/08.0TJCBR.C1). Mais se diga que ainda que se considerasse que o documento junto aos autos constituiria título executivo quanto às prestações não pagas, nunca o seria quanto às demais quantias peticionadas pela exequente, nomeadamente as relacionadas com penalizações pelo alegado incumprimento. Veja-se neste sentido o acórdão da Relação do Porto de 28/04/2009, disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de processo: 1013/08.0TBLSD.P1. Assim, não dispondo a exequente de título executivo, tem de previamente lançar mão da acção declarativa na qual o obtenha. Termos em que se conclui que, por falta de título executivo, deve a execução ser declarada extinta”. Uma vez que a sentença não fixou os factos com base nos quais decidiu, importa, agora, fixar os factos assentes, que se reportam ao documento oferecido pela exequente como título executivo. No documento de fls. 5, apelidado de “Direct Cash”, vem aposto o nome e os dados de identificação do executado como 1.º titular, estando assinalada a opção € 2.000,00 em prestações de € 80,00, em 36 meses, sob a epígrafe “Quanto quer? Quanto paga? Você decide!”. No mesmo documento está preenchida a autorização de débito em conta, com os dados bancários do executado, constando deste documento duas assinaturas – uma no corpo do documento e outra na autorização do débito bancário – que reproduzem o nome do executado. No documento de fls. 6, apelidado de “Contrato de Crédito em Conta Corrente”, assinado pela Cofidis, em 04/06/2003, diz-se que o contrato tem por objecto a concessão de crédito em conta corrente, sendo a proposta válida até 31/12/2003. Aí se acrescenta, na cláusula 1.1 que “a adesão ao contrato é feita enviando à Cofidis o exemplar que lhe é destinado, devidamente preenchido e assinado pelo mutuário…” e na cláusula 2.1 que “a Cofidis autoriza o mutuário a utilizar o crédito concedido através da conta corrente Direct Cash, até ao limite máximo autorizado…” Estes documentos, estão acompanhados de cópias do Bilhete de Identidade, do Cartão de Contribuinte, da Informação de IBAN relativa à conta bancária e de recibo de remunerações do executado – fls. 36 a 40 do apenso de oposição – tendo a exequente, na sua contestação, feito juntar um extracto de conta corrente, de 04/07/2003 a 30/06/2006, que se inicia pelo movimento positivo de € 2000,00. Notificada a junção destes documentos ao executado, veio este “impugnar os mesmos, nomeadamente quanto ao seu alcance e teor probatório”. Vejamos, então, o que dizer sobre a existência ou não de título executivo, sabido como é que as conclusões da alegação do recorrente balizam o objecto do recurso. Um dos pressupostos específicos da acção executiva, porventura o mais importante, é que o dever de prestar conste de um título, o título executivo. Sem este pressuposto, formal pela sua natureza, inexiste o grau de certeza que o sistema tem como necessário para o recurso à acção executiva, ou seja, à realização coactiva de uma determinada prestação. Tal título há-de oferecer a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar. Como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1999, pág. 87, “o título executivo constitui pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de acção e o seu objecto (artigo 45.º n.º 1), assim como a legitimidade activa e passiva para a acção (art. 55-1)”. Nenhuma acção executiva deve ter seguimento sem que o tribunal de execução interprete o título que lhe serve de fundamento e, sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objecto da obrigação titulada, o título não é exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma acção declarativa de condenação ou de simples apreciação – cfr. Lebre de Freitas in “A acção executiva depois da reforma da reforma”, 5.ª edição, pág. 35, nota 2. De entre as diversas espécies de título executivo há que considerar aqui a que o art.º 46º indica sob a respectiva al. c) do nº 1: «Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto» É exactamente esta espécie de título executivo que está aqui em causa. O documento dado à execução formaliza um contrato de crédito em conta corrente e encontra-se assinado pelo devedor. Diz-se na sentença sob recurso que, das cláusulas do contrato não se pode extrair que a quantia mutuada tenha sido efectivamente entregue e como a obrigação exequenda tem de resultar certa, líquida e exigível do título, apenas podendo estar a sua quantificação dependente de simples cálculo aritmético, haverá que concluir pela inexistência de título executivo. Sendo certo o raciocínio jurídico desenvolvido, não pode concordar-se com a conclusão extraída, em face dos elementos concretos dos autos. Com efeito, a exequente juntou aos autos um extracto da conta corrente celebrada com o executado, de onde se infere, claramente, que a quantia que o executado solicitou que lhe fosse mutuada - € 2000,00 -, lhe foi efectivamente entregue na data de 4 de Julho de 2003, seguindo-se diversos pagamentos da prestação mensal convencionada, vários débitos não pagos por falta de provisão na conta que suportava o débito em conta autorizado e alguns pagamentos excepcionais em ATM, até que deixou de pagar e se verifica a transição do contrato para contencioso. Da análise de tais elementos, conjugados com o contrato assinado pelo devedor, resulta que foi constituída/reconhecida uma obrigação pecuniária, cujo montante está determinado ou é determinável por simples cálculo aritmético, de acordo com as cláusulas constantes do contrato. No caso dos autos, o documento particular que formalizou o contrato de crédito em conta corrente, está acompanhado de elementos que demonstram a concretização das operações subsequentes de disponibilização e utilização do capital a que se reporta e dos pagamentos efectuados, resultando do próprio documento junto com o requerimento executivo, os prazos e a forma como o capital mutuado deveria ser reembolsado (36 prestações de € 80,00 cada). Ainda que tais elementos só tenham sido juntos com a contestação à oposição (na sequência da defesa apresentada pelo executado), a verdade é que os mesmos constam dos autos e, no momento em que a decisão sobre a existência de título executivo foi proferida, já lá estavam, não podendo ser ignorados. Não releva, para o caso, o facto de tais documentos complementares terem sido formalmente impugnados, uma vez que tal impugnação só será de considerar em sede de instrução do processo e este só chegará a essa fase se puder prosseguir os seus termos. Diga-se, finalmente, que, como refere Lopes do Rego, in «Comentários ao Código de Processo Civil» Vol. I. 2.ª Edição, Almedina, 2004, a pág. 83, no caso de exigibilidade da obrigação prevista no artigo 804.º do CPC – por exemplo, por a obrigação estar dependente de uma prestação por parte do credor -, se pode fazer a sua prova complementar, defendendo este autor que, em tais condições, possa valer como título executivo o contrato de concessão de crédito, determinando-se, por essa prova, a real concessão do crédito ainda não pago. Há, portanto, que concluir pela existência de título executivo. Do que fica dito resulta, assim, a procedência das conclusões do recurso, com a necessária revogação da decisão recorrida, que será substituída por outra que ordene a prossecução da execução/oposição, para conhecimento das demais questões aí suscitadas. Sumário: Constitui título executivo um contrato de crédito em conta corrente, assinado pelo devedor, com indicação do montante mutuado e da forma de pagamento, complementado por extracto de conta corrente, que demonstre a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário e pagamentos parcelares efectuados. III. DECISÃO Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, que se substitui por outra que ordena a prossecução da oposição/execução, a fim de serem conhecidas as demais questões suscitadas. Custas pelo apelado. *** Guimarães, 24 de Abril de 2012 Ana Cristina Duarte Fernando F. Freitas Purificação Carvalho |