Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1150/21.5T8CHV.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
LITISPENDÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Em matéria de competência internacional para decidir acções de divórcio, existe no âmbito do direito comunitário o Regulamento nº 2201/2003, de 27.11.2003, que prevalece sobre as normas de competência constantes do CPC.
2. A alegação de que a excepção de incompetência absoluta não foi arguida tempestivamente, pois deveria ter sido invocada em sede de contestação improcede automaticamente, pois a violação das regras da competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
3. É em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição, que cabe determinar a competência do tribunal.
4. Verificando-se várias conexões com várias ordens jurídicas, não existe uma qualquer ordenação ou hierarquia entre elas, de onde decorre que o autor pode escolher qualquer uma dessas ordens jurídicas para nela instaurar a acção (forum shopping).
5. Verificando-se uma situação de litispendência entre dois tribunais de países comunitários, aquele em que o processo foi instaurado em segundo lugar deve suspender oficiosamente a instância até ser estabelecida a competência do tribunal português.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

B. J. instaurou contra C. L. a presente acção de divórcio sem consentimento.
Para o efeito alegou que contraíram casamento a 27/06/2003.
Em -/08/2005 nasceu E. M., filha do casal, que reside em Paris com a mãe.
Em consequência de uma discussão entre o casal este passou, desde 06/07/2020, a viver de forma separada, sendo que o autor saiu da casa de morada de familiar a 14/07/2020, nunca mais tendo qualquer contacto com a ré.
Requer que seja dissolvido por divórcio o casamento entre as partes.

Designada a data para a realização da tentativa de conciliação veio a ré invocar a incompetência internacional deste tribunal para o conhecimento da presente acção.
Para o efeito alegou que desde que abandonou o lar conjugal sito em .. Rue ..., ..., França, o réu foi residir para … Rue ..., França, ali se mantendo.
O autor e a ré quando casaram residiam em França e ali continuaram a residir.
O Autor tem 40 anos, vive em França, e ali exerce a profissão de porteiro numa escola.
A ré deu já entrada ao processo de divórcio contra o seu marido, aqui autor, e que, como se mencionou, reside em França, encontrando-se já audiência judicial agendada para o dia 07-12-2021 às 10:35 h.
Assim, nos termos do artigo 72.º do Código de Processo Civil, o Tribunal desta comarca é territorialmente incompetente para apreciar o processo de divórcio dos cônjuges e questões conexas, nomeadamente, no que respeita às responsabilidades parentais sobre a filha menor que também reside em França.

O autor pronunciou-se, invocando, desde logo a extemporaneidade do articulado, uma vez que a referida excepção deveria ser invocada em sede de contestação.
Mais invoca que os cônjuges têm nacionalidade comum – o autor tem nacionalidade portuguesa e a ré tem nacionalidade portuguesa –, o que equivale a dizer que se verifica o critério da nacionalidade de ambos os cônjuges, tal como o refere o n.º 2, do artigo 3º, do Regulamento (CE) 2201/2003.
Deste modo, tem o este tribunal competência internacional para conhecer da presente lide.

O Tribunal acabou por se declarar incompetente para conhecer da presente lide, nos termos do art. 19º,3 do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, e absolveu a ré da instância.

Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1- No seguimento do supra explanado, deveria ter sido julgada procedente a acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge e em momento algum fundamentar-se a incompetência internacional do Tribunal a quo, julgando-se incompetente o Tribunal a quo e absolvendo a R., condenando-se o A. em custas.
2- Deviam ser apreciadas as provas indicadas pelo recorrente, o Tribunal a quo deveria concluir de acordo com a prova documental apresentada, e concluir pela competência internacional do Tribunal a quo respeitando o disposto nas al. a) e b) do artigo 3.º do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, prosseguindo com os autos até final, mantendo em primeiro lugar a diligência designada para o dia 26 de Novembro de 2021.
3- Por o Tribunal a quo ter decidido desta forma, ou seja, não dando como provado e julgando-se incompetente para julgar a presente acção e improcedente os pedidos formulados contra a R., absolvendo-os dos pedidos formulados pelo A., não possibilitando o divorcio das partes, simplesmente o Tribunal a quo errou.

4- Fundamentação do recorrente:
A) Exige-se o cumprimento do legalmente previsto nestes casos;
B) A conclusão de que os factos alegados pela A. na sua P.I. foram no essencial alegados, que fundamentam a acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge e vão de acordo com o pedido formulado, o Tribunal a quo considerando-os provados, dando consequentemente provimento aos pedidos formulados pela A. e julgando a P.I. procedente na sua totalidade;
5- Se a Meritíssima Juiz tivesse levado em conta todos os factos e nós entendemos que seriam provados com a prova testemunhal provados, poderia sim, ser defendido os interesses da A., que assim não foram.
6- Agindo da forma descrita o Meritíssimo Juiz violou o preceituado nos artigos 59.º, 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, 278.º, n.º 1, al. a), 279.º, 577.º, al. a) e 578.º, todos do CPC, e a) e b) do artigo 3.º e n.º 1 do artigo 19.º do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, o artigo 62.º da Constituição Portuguesa, artigo 2.º do TUE, os primeiros por erro de aplicação e os últimos por omissão, caso tivesse julgada procedente o requerido pelo ora recorrente.

A recorrida contra-alegou, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- O recorrente pretende que o seu processo de divórcio corra num Tribunal com o qual não tem qualquer ligação, a não ser a nacionalidade portuguesa, com o intuito de prejudicar a ré/recorrida e ainda o Estado Português, tendo prestado falsas declarações relativamente à situação económica do seu agregado familiar.
2- A Sentença recorrida declarou o Tribunal português internacionalmente incompetente para conhecer o processo de divórcio em causa, quer porque já se encontra a decorrer um processo de divórcio em França com as mesmas partes, país onde os cônjuges têm a sua residência habitual e, principalmente, quer porque, nesse mesmo processo, o tribunal francês aceitou já a sua competência para o conhecer.
3- Embora tenham sido juntos aos autos, pela ré/recorrida, documentos escritos em língua francesa, a Meritíssima Juíza a quo, aceitou-os, analisou-os e valorou-os, porque naturalmente entendeu que não careciam de tradução, e também o autor não a requereu (artigo 134.º do C.P.C.).
4- Independentemente da discussão da oportunidade de um requerimento apresentado pela ré, no qual esta pedia expressamente que o tribunal se declarasse territorialmente incompetente, e tacitamente dava tudo a entender acerca da incompetência internacional do tribunal, não deixa a sentença recorrida de ser perfeitamente legítima por ter sido decidido que o tribunal em causa é internacionalmente incompetente, já que, estamos no âmbito da incompetência absoluta, que pode e deve ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
5- É de vital importância que exista a máxima proximidade entre o Estado-Membro (no caso França) da residência habitual dos cônjuges e o tribunal internacionalmente (e também territorialmente) competente para julgar o seu processo de divórcio, sempre levando em consideração que os cônjuges casaram civilmente em França dia -/06/2003, já ali residiam antes e continuam até hoje a residir, são pais de uma menor que nasceu também em França dia -/08/2005, tendo ali residido toda a sua vida, e onde sempre estudou, todos os factos que
podem ser discutidos no processo de divórcio ocorreram em França, e as deslocações quer das partes, quer da filha e das testemunhas, devem ocorrer próximo do local da residência e não afastando-as do processo, procurando que o mesmo seja julgado num Tribunal português.
6- Sendo o recorrente e a recorrida pais de uma filha menor, e sendo certo que o processo de divórcio implicará discutir a matéria relativa à responsabilidade parental, deve atender-se também ao disposto no artigo 8.º do Regulamento Europeu (Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro e posteriores alterações), relativo à matéria da responsabilidade parental, já que dele resulta ser o Tribunal francês o internacionalmente competente para analisar e decidir sobre tal matéria.
7- O recorrente pretende que o seu processo de divórcio corra em Portugal para tentar evitar que a sua mulher e a filha possam ser ouvidas, pois sabe que não se podem deslocar a Portugal fora do período de férias, do mesmo modo tentando ainda manter distantes as testemunhas, que vivem em França, país onde todos os factos atinentes ao divórcio ocorreram.
8- O recorrente pretende ainda que o seu divórcio corra em Portugal para obter vantagem patrimonial indevida, tendo prestado falsas declarações junto da Segurança Social, ocultando bens imóveis e rendimentos salariais (cfr. Docs. 1, 2 e 3) conforme atrás aludido, pelo que, a sua conduta é passível de procedimento criminal, devendo ser comunicada ao Ministério Público para encetar as respectivas averiguações.
9- Encontra-se já a decorrer o processo de divórcio dos aqui intervenientes no “Tribunal Judiciaire de Paris, JAF section .. cab …, Parvis do tribunal de Paris, …, com o n.º RG ../38759 - n.º Portalls ….” que se declarou competente para o conhecer.
10- O autor/recorrente reside habitualmente em França, em .. Rue ..., ali trabalhando e auferindo o seu salário e pagando os impostos devidos, sendo a sua entidade patronal a Câmara Municipal de ... (..., França), que lhe fornece também o alojamento para ele residir.
11- O único vínculo que as partes têm com Portugal é a sua nacionalidade e alguns familiares, utilizando o país, há mais de dezoito anos, para passarem cerca de um mês de férias por ano.
12- Em França, as partes casaram civilmente, mantêm a sua residência habitual há mais de dezoito anos, têm uma filha ali nascida há dezasseis anos, todos os factos atinentes ao divórcio e vida familiar se passaram naquele país e, além do mais, o Tribunal francês já se julgou internacionalmente competente para julgar o processo de divórcio, e está a julgá-lo. Pelo referido, e tendo em atenção a litispendência, e como muito claramente decide a sentença recorrida, deve ser julgado internacionalmente incompetente o Tribunal português para conhecer esse mesmo divórcio.
13- E, ainda que o Tribunal português viesse a ser considerado internacionalmente competente para conhecer este processo de divórcio, sempre a ré/recorrida invocaria (como, aliás, já o fez) a incompetência territorial do Tribunal de Chaves, nos termos do disposto no artigo 72.º do C.P.C., pela razões que atrás apontou (falta de residência e domicílio do autor na área deste Tribunal); pelo que,
14- Tendo em atenção, pelo menos, o princípio da economia processual, fará todo o sentido que o processo de divórcio em causa prossiga os seus trâmites em França, país da residência habitual das partes e da sua filha menor.
15- Em suma, e ainda que o Tribunal português, porque se verifica o critério da nacionalidade das partes, pudesse ser considerado internacionalmente competente, há que levar em atenção o facto do Tribunal do local da residência habitual dos cônjuges já se ter julgado competente para conhecer o processo de divórcio que ali decorre e, ponderada ainda toda a restante matéria a que atrás se aludiu, será de todo razoável que se mantenha a decisão da sentença recorrida.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se o Tribunal Português é internacionalmente competente para julgar o presente litígio, e as consequências a extrair de uma situação de litispendência com acção idêntica pendente em tribunal francês.

III
O teor integral da decisão recorrida é o seguinte:
“B. J. instaurou contra C. L. a presente acção de divórcio sem consentimento.
Para o efeito alegou que contraíram casamento a -/06/2003.
Em -/08/2005 nasceu E. M., filha do casal, que reside em Paris com a mãe.
Em consequência de uma discussão entre o casal este passou, desde 06/07/2020, a viver de forma separada, sendo que o autor saiu da casa de morada de familiar a 14/07/2020, nunca mais tendo qualquer contacto com a ré.
Requer que seja dissolvido por divórcio o casamento entre as partes.

Designada a data para a realização da tentativa de conciliação veio a ré invocar a incompetência internacional deste tribunal para o conhecimento da presente acção.
Para o efeito alegou que, desde qua abandonou o lar conjugal sito em .. Rue ..., ..., França, o réu foi residir para .. Rue ..., França, ali se mantendo.
O autor e a ré quando casaram residiam em França e ali continuaram a residir.
O Autor tem 40 anos, como se disse vive em França, e ali exerce a profissão de porteiro numa escola.
A ré deu já entrada ao processo de divórcio contra o seu marido, aqui autor, e que, como se mencionou, reside em França, encontrando-se já audiência judicial agendada para o dia 07-12-2021 às 10:35 h.
Assim, nos termos do artigo 72.º do Código de Processo Civil, o Tribunal desta comarca é territorialmente incompetente para apreciar o processo de divórcio dos cônjuges e questões conexas, nomeadamente, no que respeita às responsabilidades parentais sobre a filha menor que também reside em França.
O autor pronunciou-se, invocando, desde logo a extemporaneidade do articulado, uma vez que a referida excepção deveria ser invocada em sede de contestação.
Mais invoca que os cônjuges têm nacionalidade comum – o autor tem nacionalidade portuguesa e a ré tem nacionalidade portuguesa –, o que equivale a dizer que se verifica o critério da nacionalidade de ambos os cônjuges, tal como o refere o n.º 2, do artigo 3º, do Regulamento (CE) 2201/2003.
Deste modo, tem este tribunal competência internacional para conhecer da presente lide.

Apreciando.

São as seguintes as questões suscitadas:
-extemporaneidade do requerimento apresentado pela ré;
-incompetência internacional dos tribunais portugueses;
-“litispendência” com a acção instaurada em França.

No que se refere ao momento em que a questão é suscitada pela ré, está-se perante a arguição de incompetência internacional dos tribunais portugueses.
Em causa está uma situação de incompetência absoluta tal como decorre do art. 96º, al. b), do Cód. Proc. Civil.
Quanto ao momento de arguição o art. 97º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil determina que a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, excepto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição do tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
Deste modo, em qualquer momento do processo pode ser suscitada a questão, além de poder ser de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado de sentença sobre o mérito da causa, pelo que, não pode deixar de se considerar tempestivo o requerimento apresentado pela ré.

No que concerne à competência internacional dos tribunais portugueses o art. 62º, do Cód. Proc. Civil estabelece que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecida na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
«A competência internacional pressupõe que o litígio, tal como o autor o configura na acção, apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.
Caindo determinada situação no âmbito de aplicação v.g. de um concreto regulamento comunitário, e porque as regras internacionais integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado, quando o Tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, deve aplicar as regras uniformes do Regulamento» - Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 15/12/2016, proferido no Proc.1330/16.5T8FAR.G1 e disponível em www.dgsi.pt.
O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 de 27 de Novembro reporta-se às decisões em matéria matrimonial a responsabilidade parental.

O art. 1º, do referido regulamento dispõe que:
1. O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:
a) Ao divórcio, à separação e à anulação do casamento;
(…)

A matéria dos presentes autos – divórcio e eventual regulação do exercício das responsabilidades parentais – está abrangida pelos termos deste regulamento.

No que se refere à competência o art. 3º determina que:
1. São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento os tribunais do Estado – Membro:
a) Em cujo território se situe:
-a residência habitual dos cônjuges, ou
-a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que deles ainda aí resida; ou
-a residência habitual do requerido, ou
-em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, no ano imediatamente anterior à data do pedido,
ou,
-a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado-Membro em questão quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu “domicilio”.
b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda do “domicílio” comum.
2. (…)
A situação em apreço, apresenta diversos elementos de conexão (local do casamento, nacionalidade do autor e da ré, local de residência de ambos as partes…) que se relacionam quer com o ordenamento jurídico português quer com o ordenamento jurídico francês.
Deste modo, este litígio cai no âmbito de aplicação do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, relativo à competência, ao reconhecimento, e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental.

Tem sido pacífico que do art. 3º, nº 1, do referido Regulamento decorrem três critérios gerais fundamentais que definem a competência internacional de um Estado – Membro para conhecer de uma acção de divórcio:
-o da residência habitual (que se subdivide em quatro outros critérios, todos eles, no entanto ligados ao conceito de residência habitual);
-o da nacionalidade de ambos os cônjuges; e
-o do domicilio comum, apenas aplicável ao Reino Unido e à Irlanda.

Nos presentes autos têm ambos os cônjuges residência em França e não em Portugal, pelo que não pode funcionar o critério da residência habitual em Portugal.
No entanto, ambos os cônjuges têm nacionalidade portuguesa, o que equivale a dizer que se verifica o critério da Nacionalidade de ambos os cônjuges, tal como o refere o nº 2, do artº 3º, do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, o qual releva no âmbito da situação em apreço.
Deste modo, é o tribunal português competente internacionalmente para conhecer da presente acção.
Sucede no entanto que, a ré, instaurou acção com vista a dissolução do casamento por divórcio em França, encontrando-se agendada uma diligência para o dia 7 de dezembro pelas 10h15m.

O art. 19º do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro consagra que:

1. Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
2. Quando são instauradas em tribunais de Estados-Membros diferentes acções relativas à responsabilidade parental em relação à uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
3. Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declarar-se incompetente a favor daquele.
Neste caso, o processo instaurado no segundo tribunal pode ser submetida pelo requerente à apreciação do tribunal em que a acção foi instaurada em primeiro lugar.
A ré instaurou no tribunal francês uma acção de divórcio contra o aqui autor com prioridade temporal sobre a presente.
Logo, nos termos do n.º 1 do referido artigo 19º, a presente acção deveria ser suspensa.
Porém, o tribunal francês já aceitou a sua competência para conhecer da acção ali instaurada pela aqui ré, e ali autora.
Deste modo, nos termos do art. 19º, n.º 3 do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro declaro este tribunal incompetente para conhecer da presente lide, absolvendo a ré da instância.
Custas pelo autor.
Notifique”.

IV
Conhecendo do recurso.

Dispõe o art. 59º CPC que “sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do art. 94º”.
Resulta daqui a regra primeira a ter em conta quando se averigua a competência internacional dos tribunais portugueses: ela depende, em primeira linha, do que resultar de convenções internacionais (vg Conv. de Lugano) ou dos regulamentos europeus sobre a matéria, e depois, da integração de algum dos segmentos normativos dos artigos 62º e 63º, sem embargo da que possa emergir de pacto atributivo de jurisdição, nos termos do art. 94º (CPC anotado, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa).
Assim, não vale a pena ir perder tempo com a análise dos artigos 62º e 63º CPC, pois no âmbito do direito comunitário existe um Regulamento Europeu aplicável nesta matéria, o Regulamento nº 2201/2003, de 27.11.2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, em vigor desde 1.8.2004. Articula-se com ele o Regulamento nº 1259/2010, de 20.12.2010, que cria uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial.

A ter presente ainda que segundo o artigo 8.º da Constituição da Republica Portuguesa:

«1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.
4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.»

Ninguém duvida pois do primado do direito internacional convencional ao qual o Estado Português se encontre vinculado sobre o direito nacional, o que significa que caindo determinada situação no âmbito de aplicação de um determinado Regulamento Comunitário, deverão ser convocadas as normas deste em detrimento das normas de direito interno que regulam a competência internacional (cfr. Dário Moura Vicente, in Direito Internacional Privado, vol. I, página 249 (citado no Acórdão da Relação de Lisboa de 20/09/2011, processo n.º 546/09.5TMLSB.L1-1, Relator António Santos, in www.dgsi.pt).
Daqui decorre directamente, que, como se refere no Acórdão TRG de 4 de Outubro de 2018 (Elisabete Coelho de Moura Alves), “quando o tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, devendo antes aplicar as regras uniformes do Regulamento (cfr. Mota Campos, in Revista de Documentação e Direito Comparado, nº 22, 1986, pág. 144, citado no Ac. do STJ de 4/3/2010, in www.dgsi.; Ac. R. L. de 20.09.2011 in www.dgsi.pt)”.
Finalmente, se dúvidas houvesse, o art. 72º do próprio Regulamento dispõe “o presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável nos Estados-Membros, em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia”.
Configura ele, pois, o direito aplicável.
Diga-se ainda, rapidamente, que a violação das regras da competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal (art. 96º,a CPC), e que a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (art. 97º). Assim, cai pela base qualquer afirmação de que a excepção de incompetência absoluta não foi arguida tempestivamente, pois deveria ter sido invocada em sede de contestação.

O Capítulo II de tal Regulamento trata da Competência. E a Secção 1 trata das questões de Divórcio, separação e anulação do casamento.

O art. 3º, que abre essa secção, dispõe:
1. São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado-Membro:
a) Em cujo território se situe:
-a residência habitual dos cônjuges, ou
-a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou
-a residência habitual do requerido, ou
-em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou
-a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, no ano imediatamente anterior à data do pedido, ou
-a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado-Membro em questão quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu «domicílio»;
b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, do «domicílio» comum.
2. Para efeitos do presente regulamento, o termo «domicílio» é entendido na acepção que lhe é dada pelos sistemas jurídicos do Reino Unido e da Irlanda.

O art. 6º, sob a epígrafe “Carácter exclusivo das competências definidas nos artigos 3º, 4º e 5º”, dispõe que
Qualquer dos cônjuges que:
a) Tenha a sua residência habitual no território de um Estado-Membro; ou
b) Seja nacional de um Estado-Membro ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, tenha o seu «domicílio» no território de um destes dois Estados-Membros, só por força dos artigos 3º, 4º e 5º pode ser demandado nos tribunais de outro Estado-Membro.

É pacífico que é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição, que cabe determinar a competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer (cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 91).

Tal como surge alegado na petição inicial pelo autor, este tem residência em Portugal, a ré e a filha do casal residem em França, e autor e ré têm nacionalidade portuguesa.
A situação tem assim conexão com a ordem jurídica francesa e a ordem jurídica portuguesa.
Como se escreve no acórdão do TRE de 15.12.2016 (Mata Ribeiro), “do art. 3º, nº 1 decorrem três critérios gerais fundamentais que definem a competência internacional de um Estado-Membro para de uma acção de Divórcio poder conhecer, sendo um o da residência habitual (que por sua vez se subdivide em 4 outros critérios, todos eles outrossim interligados ao conceito de residência habitual) , o outro o da Nacionalidade de ambos os cônjuges, e, finalmente, o terceiro, o do domicilio comum (mas neste caso aplicável apenas ao Reino Unido e Irlanda).
No caso destes autos, tem competência para conhecer da acção de divórcio o tribunal francês, por via do nº 1, alínea a) -a residência habitual do requerido-, e o tribunal português, por força do nº 1, alínea b), por ser o tribunal da nacionalidade de ambos os cônjuges.
E resulta da norma citada que verificando-se várias conexões com várias ordens jurídicas, não existe uma qualquer ordenação ou hierarquia entre elas, de onde decorre que o autor pode escolher uma dessas ordens jurídicas para nela instaurar a acção.
O mesmo se decidiu no acórdão do TRE de 15.12.2016 (Mata Ribeiro), supracitado, e ainda no acórdão do TRG de 17 de Dezembro de 2018 (Sandra Melo), entre muitos outros.
Neste último acórdão, refere-se até que essa opção legislativa de construir o artigo 3º com critérios de conexão alternativos (e não hierarquizados), podendo ser escolhidos livremente pelos interessados, sem qualquer regra de precedência, foi objecto de crítica no “Livro Verde sobre a lei aplicável e a competência em matéria de divórcio, publicado em https://www.csm.org.pt/ ficheiros/pareceres /2005/ parecer 05_ 02.pdf, afirmando que incentivará o “forum shopping”).
Em suma, considerando que, quer a Autora, quer o Réu são de nacionalidade portuguesa, é indiscutível a competência internacional dos tribunais portugueses, seguindo o critério da nacionalidade.
Assim, de acordo com o art. 3º,1,b do Regulamento nº 2201/2003, de 27.11.2003, o tribunal português tem competência internacional para julgar esta acção.
Diga-se que a decisão recorrida também chegou, a meio do percurso, a esta conclusão, a de o tribunal português ser competente internacionalmente para conhecer da presente acção.
Porém, não ficou por aí: acrescentou que in casu a ré instaurou acção com vista a dissolução do casamento por divórcio em França, encontrando-se agendada uma diligência para o dia 7 de Dezembro pelas 10h15m.
E, aplicando o art. 19º do mesmo Regulamento, que dispõe no seu nº 1 que “quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar”, considerou que “a ré instaurou no tribunal francês uma acção de divórcio contra o aqui autor com prioridade temporal sobre a presente”, logo, nos termos do nº 1 do referido artigo 19º, a presente acção deveria ser suspensa. Porém, acrescenta a decisão recorrida, o tribunal francês já aceitou a sua competência para conhecer da acção ali instaurada pela aqui ré, e ali autora.
E foi por isso que declarou o tribunal incompetente para conhecer da presente lide, absolvendo a ré da instância, nos termos do art. 19º,3 do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro.

Quid iuris?

Em primeiro lugar, a regra do CPC aplicável é o art. 580º,3, segundo o qual é irrelevante a excepção de litispendência com base na pendência de causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais.

No caso destes autos, porém, já sabemos que existe o Regulamento 2201/2003, que contempla uma solução para as situações de litispendência no art. 19º, que, sob a epígrafe “Litispendência e acções dependentes”, dispõe o seguinte:

1. Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
2. (…)
3. Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declara-se incompetente a favor daquele. Neste caso, o processo instaurado no segundo tribunal pode ser submetido pelo requerente à apreciação do tribunal em que a acção foi instaurada em primeiro lugar.

E o Regulamento contém ainda uma ajuda ao intérprete, para determinar qual o tribunal no qual o processo foi instaurado em primeiro lugar. Dispõe o art. 16º o seguinte:
1. Considera-se que o processo foi instaurado:
a) Na data de apresentação ao tribunal do acto introdutório da instância, ou acto equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido; ou
b) Se o acto tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o acto seja apresentado a tribunal”.

Ora, quanto a este outro processo de divórcio pendente em tribunal francês, o que sabemos?
Sabemos que a ré apresentou articulado no qual alega o seguinte: “acresce que a ré deu já entrada ao processo de divórcio (cfr. Doc. 6) contra o seu marido, aqui autor, e que, como se mencionou, reside em França, encontrando-se já audiência judicial agendada para o dia 07-12-2021 às 10:35 h (cfr. Doc. 7).
Na resposta, o autor alegou: “mais devemos esclarecer, que é propósito da R. a dissolução do casamento, uma vez que intentou junto dos Tribunais franceses a competente acção divórcio, somente a mesma deu entrada posteriormente à presente acção e por isso a mesma deve ser relegada para segundo plano (doc. 1)”.
Dos documentos juntos pela ré, em língua francesa, embora não traduzidos, parece resultar que a acção foi intentada no tribunal francês em 17.11.2021, enquanto a acção perante tribunal português foi instaurada em 7.8.2021.
Resultaria da aplicação do art. 19º,1 supracitado que o tribunal francês, por ser aquele em que o processo foi instaurado em segundo lugar, deveria suspender oficiosamente a instância até ser estabelecida a competência do tribunal português.
Mas isso implicaria que o juiz francês soubesse da pendência da outra causa perante tribunal português. O que só poderia suceder se tal fosse levado ao seu conhecimento, apontando a lógica para que fosse o ora autor/recorrente a fazê-lo. Ora, por estranho que possa parecer, o autor não afirma tê-lo feito, e nada nos autos nos permite concluir que o terá feito.
Na decisão recorrida pode ler-se: “a ré instaurou no tribunal francês uma acção de divórcio contra o aqui autor com prioridade temporal sobre a presente. Logo, nos termos do n.º 1 do referido artigo 19º, a presente acção deveria ser suspensa. Porém, o tribunal francês já aceitou a sua competência para conhecer da acção ali instaurada pela aqui ré, e ali autora”.
Não compreendemos esta afirmação.
Primeiro, não compreendemos a referência à prioridade temporal da acção no tribunal francês, pois o que resulta dos autos é justamente o oposto: a acção primeiro intentada foi que o autor intentou em tribunal português.
E segundo, não sabemos como é que o tribunal recorrido pode afirmar que o tribunal francês já aceitou a sua competência, para conhecer da acção ali instaurada. No mínimo, seria necessário ter o documento que a ré juntou devidamente traduzido para língua portuguesa. O que não sucede.
Nos termos do art. 19º, 1 supracitado, a regra é a de o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, e não o inverso, como emerge da decisão recorrida.
Tal decisão, como tal, não se pode manter.
Deverá o autor, (réu no processo pendente em tribunal francês) ir junto desse tribunal invocar a pendência deste processo em tribunal português, a fim de desencadear a aplicação do disposto no art. 19º,1,3 do Regulamento.

Sumário:

1. Em matéria de competência internacional para decidir acções de divórcio, existe no âmbito do direito comunitário o Regulamento nº 2201/2003, de 27.11.2003, que prevalece sobre as normas de competência constantes do CPC.
2. A alegação de que a excepção de incompetência absoluta não foi arguida tempestivamente, pois deveria ter sido invocada em sede de contestação improcede automaticamente, pois a violação das regras da competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
3. É em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição, que cabe determinar a competência do tribunal.
4. Verificando-se várias conexões com várias ordens jurídicas, não existe uma qualquer ordenação ou hierarquia entre elas, de onde decorre que o autor pode escolher qualquer uma dessas ordens jurídicas para nela instaurar a acção (forum shopping).
5. Verificando-se uma situação de litispendência entre dois tribunais de países comunitários, aquele em que o processo foi instaurado em segundo lugar deve suspender oficiosamente a instância até ser estabelecida a competência do tribunal português.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso procedente, e em consequência revoga o despacho recorrido e declara o tribunal português internacionalmente competente para conhecer da presente lide.
Custas pela recorrida (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 24/3/2022

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)