Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
195/14.6TBCMN.G2
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
NEXO DE CAUSALIDADE
ALEGAÇÃO DE FACTOS CONCRETOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

1. Nada tendo a parte alegado, de específico e concreto, quanto à litigância de má- fé, designadamente quanto aos danos sofridos em consequência dela, embora pedisse indemnização em certa quantia (além dos honorários e despesas de mandatário expressamente segundo o regime de custas de parte), e não se especificando, na sentença (já transitada em julgado) que condenou, com fundamento naquele instituto – “nos termos e para os efeitos peticionados” – apenas em multa (além das custas e expressamente nas de parte também conforme requerido), não é possível, na admitida e decidida liquidação posterior da indemnização considerada como contida na condenação, estabelecer, entre o facto ilícito e culposo (litigância de má-fé) e o eventual dano, qualquer nexo de causalidade, como seria necessário.

2. Por isso, apenas no quadro das custas de parte e na condição e medida em que tenha sido ou deva considerar-se observado o regime respectivo, tal como este decorre do CPC e do RCP, tais despesas e honorários poderão ser considerados.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Ao contestar uma acção que, em 30-04-2014, no Tribunal de Caminha, lhe instaurou a autora “(…) – Imobiliária e Gestão, Ld.ª” pedindo a declaração de invalidade, com fundamento em diversos factos e vícios alegados, de deliberações societárias tomadas em assembleia geral de 31-03-2014, a ré “(…) – Sociedade de Animação Turística, Ld.ª” alegou que aquela litigava de má-fé e pediu – em itens separados – a sua condenação, por um lado, em multa e indemnização, esta “em montante nunca inferior a 5.000€”, e, por outro, no pagamento dos honorários e das despesas efectuadas pela mandatária da ré, então computadas em 2.000€, “nos termos do artº 533º, nº 2, alínea d)” [1].

Como fundamentos de tal pedido alegou – tão só e em termos vagos – que a autora invoca tese temerária, altera conscientemente a verdade dos factos por si conhecidos e vividos, omite outros relevantes para a boa decisão da causa e deduz pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, carecendo a acção de fundamento fáctico, moral e jurídico. [2]

Nada, portanto, especificamente, a ré alegou, nessa contestação, em termos fácticos, sobre os pressupostos da LMF (litigância de má fé), designadamente quanto aos danos ou prejuízos porventura sofridos em consequência dela.

Na audiência prévia, fixou-se em 8.000€ o valor da causa.

Não se mencionou, então, no objecto desta, a questão da LMF (litigância de má fé), nem se seleccionou qualquer tema de prova específico da mesma.

Na sentença proferida em, 17-06-2017, sobre a, aí identificada como questão a resolver, LMF, além da alusão (e citação) ao regime legal e aos pressupostos teóricos inerentes, consta, sobre a espécie, e no fim da respectiva fundamentação - apenas:

“Ora, no caso concreto, concluímos que a autora violou os limites daquilo a que Luso Soares chama de «litigiosidade séria».
A sua conduta excedeu as regras normais da litigância e do exercício do seu direito de defesa pois litigou de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca da verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo, sendo ainda de concluir que o fez de forma consciente e voluntária, já que veio a tribunal alegar factos cujo desconhecimento não poderia ignorar.
Logo, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia de forma alguma ignorar, tendo, ademais, alterado a verdade dos factos alegados.”

E, no seu dispositivo final, depois de julgada totalmente improcedente a acção e absolvida a ré dos pedidos, por falta de prova dos factos integrantes dos fundamentos dos alegados vícios das deliberações, decidiu-se:

“Condeno ainda a autora «(..) Imobiliária e Gestão S.A.» como litigante de má-fé, nos termos e para os efeitos peticionados, no pagamento da multa que fixo em € 5 000,00 (cinco mil euros).” [3]

Acrescentou-se:

“Custas a cargo da autora, por ter dado causa às mesmas, conforme artigo 527º., nº. 2 do Código de Processo Civil fixando-se a taxa de justiça em 6 Uc´s, incluindo as custas de parte nos termos peticionados na alínea d) do artigo 533º. do CPC.” [4]

No rol da factualidade julgada relevante e provada nessa sentença – que aqui e agora apenas se dá por reproduzida mas no final se transcreverá – nenhum facto consta como assente especificamente relativo ao comportamento processual da autora nem às consequências prejudiciais para a ré em resultado de ter sido chamada a defender-se nesta lide e que devam ser alcançadas e compensadas por indemnização. [5]

A autora apelou da sentença para esta Relação mas, por Acórdão de 22-02-2018, foi decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso com fundamento na deficiência e complexidade das conclusões apresentadas, após convite ao seu aperfeiçoamento, igual desfecho tendo tido o recurso interposto a seguir para o Tribunal Constitucional, conforme Decisão Singular de 12-06-2018, neste proferida.

Em 03-07-2018, a ré, invocando a condenação da autora, já transitada, nas custas do processo e como litigante de má-fé, apresentou nos autos, espontaneamente, um requerimento, alegando a taxa de justiça que pagou, o direito a ser compensada com fundamento no artº 26º, nº 3, alínea c), RCP (306,00€+1.938,00€), descrevendo os trabalhos desenvolvidos pela sua mandatária no processo e em razão dele e os honorários correspondentes devidos (3.690,00€) bem como as despesas de deslocações e com expediente feitas pela mesma (210,00€), em face do que – concluiu:

“…reclama da Autora, a título de custas de parte e de indemnização pela sua condenação como litigante de má-fé a quantia total de € 6.144,00 (seis mil, cento e quarenta e quatro euros), assim discriminada:

a) Custas de parte: € 2.244,00
b) Honorários da mandatária: € 3.690,00
c) Despesas realizadas pela mandatária: € 210,00.”

E repetiu (alterando o que pediu na contestação, ora a título de LMF ora a título de custas de parte):

“TERMOS EM QUE deve a indemnização arbitrada à Ré em face da condenação da Autora como litigante de má-fé ser fixada no montante total de €6.144,00 (seis mil, cento e quarenta e quatro euros), com as legais consequências.”

Em resposta apresentada em 11-10-2018, a autora, relativamente ao que apelida de “nota de custas de parte” (considerando como tal o dito requerimento in totum e nele abrangidas todas as parcelas), impugnou o nele alegado e excepcionou a sua extemporaneidade; e, quanto à LMF, salientou que, literalmente, apenas consta, na respectiva decisão, a condenação em multa no montante de 5.000€.
Por isso, “Não tem a Ré, pelo que foi decidido, direito a qualquer pedido de indemnização que lhe permita nesta fase processual vir pedir o que pede”, além de que “Não se verifica qualquer nexo de causalidade entre as despesas elencadas (que se impugnam para os legais efeitos) pela Ré nas alíneas b) e c) do pedido (ponto 21 do requerimento da Ré) e o que foi decidido na sentença” e que, portanto, “As alegadas despesas – [honorários de 3.690,00€ e despesas de 210,00€)] –, que não foram documentadas pela Ré, não se enquadram na condenação da Autora, não podendo tal pedido ser agora atendido por na condenação não constar.

Acrescentou que, noutro processo similar, a decisão proferida nele pela mesma Magistrada Judicial foi revogada, tal não tendo sucedido neste porque dos recursos respectivos não foi conhecido o objecto, devendo ter-se em conta o princípio da estabilidade e da coerência de julgados.

Ainda quanto às custas de parte, aludindo ao respectivo regime, alegou que “o montante reclamado pela Ré a título de honorários do mandatário não pode ser considerado face ao teor da sentença, e ao que resulta conjugadamente do disposto nos artigos 527º e 533º do CPC e 25º e 26º do RCP” e que “Os honorários do mandatário da Ré excede manifestamente a regra fixada na alínea c) do nº 3 do artigo 26º do RCP, devendo ser reduzida a esse montante e a título de custas de parte”, “O que se mostrar em excesso não pode ser atendido, por não caber nem no que foi decidido nem no critério da lei em matéria de custas de parte”, que “As despesas do mandatário relativas a deslocações e a expediente externo não se encontram discriminadas nem foram documentadas”, “Pelo que, não devem ser atendidas”.

Por fim, referiu que “O requerimento da Ré não é o meio próprio para apreciar e decidir quanto ao pedido de indemnização”, que ele “não obedece a uma nota discriminativa e justificativa das custas de parte, conforme o disposto no nº 1 do artigo 25º do RCP”, que “Os honorários do mandatário apresentados pela parte não foram discriminados, apenas contabilizados à razão de um valor por cada hora de serviço prestado num total de 60 horas”, que “O valor de €50,00 por hora é um valor que se manifesta acima do uso da comarca de Caminha, e não está sustentado por parecer ou laudo”, por isso “também não devem ser atendidos os pedidos da Ré” e “Consequentemente, a título de custas de parte apenas podem ser consideradas as quantias referidas no nº 2 do artigo 25º e nos nº 1, 3, 4 e 5 do artigo 26º do RCP”, rematando que “deve o pedido de indemnização formulado pela Ré ser indeferido, com as legais consequências”.

A ré replicou, em 23-10-2018, reiterando que “pelo seu requerimento de 03-07-2018, procedeu à liquidação dos danos que a litigância de má-fé da A. lhe causou” nos termos do artº 543º, nº 3, CPC, salientando que a autora “confunde deliberadamente a liquidação dos danos por litigância de má-fé (vd. artigo 543º, nº 1, do CPC) com a nota discriminativa e justificativa de custas de parte (vd. artigo 25º do RCP)” e que “não estamos situados no âmbito da reclamação de custas de parte, mas, sim, no âmbito da reclamação de danos causados por litigância de má-fé, caso em que é concretamente aplicável o disposto no artigo 543º do CPC.”

Acrescentou, ainda, que “também não assiste razão à A. quando – mais uma vez, deliberadamente – confunde os honorários do mandatário referidos no artigo 543º, nº 1, do CPC com os honorários do mandatário referidos no artigo 533º, nº 2, alínea d), do mesmo diploma”, que “Uma coisa são as despesas com os honorários do mandatário determinadas pela litigância de má-fé, caso em que rege o citado artigo 543º, nºs 1, 3 e 4, do CPC “ e “ Outra, bem diferente, são os honorários do mandatário que a parte vencedora tem direito a reclamar em sede de custas de parte, que, nesse caso, são determinados nos termos do disposto nos artigos 533º, nº 2, alínea d), do CPC e 26º, nº 3, alínea c), do RCP” e que “Também por essa razão – isto é, por estarmos perante uma liquidação de danos em sede de litigância de má-fé e não uma reclamação de custas de parte –, a Ré não tinha que apresentar a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, aludida no artigo 25º, nº 1, do RCP.”

De qualquer modo, mais referiu que “Mesmo que não tivesse direito à indemnização peticionada – o que se admite por mera cautela e dever de patrocínio –, a Ré, em face da condenação da A. nas custas do processo, tem sempre direito a reclamar desta o montante de € 2.244,00 a título de custas de parte, nos termos dos artigos 25º e 26º do RCP”, que “O requerimento da Ré de 3.07.2018, procedendo à identificação discriminada do montante das custas de parte suportadas pela Ré na ação, configura uma verdadeira nota discriminativa e justificativa de custas de parte, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 25º, nºs 1 e 2, do CPC.” E que “para além disso, esse requerimento foi apresentado no prazo a que alude o citado artigo 25º, nº 1, do RCP, sendo, assim, tempestivo”, que “Os montantes reclamados a título de custas de parte, para além de não terem sido impugnados, são objetivos e estão perfeitamente documentados nos autos”, que “Os montantes reclamados a título de honorários do mandatário estão conformes com os usos da comarca (o valor/hora cobrado está, aliás, situado abaixo do comummente praticado na comarca de Caminha) e são adequados ao volume e complexidade do processo, em face da multiplicidade das questões jurídicas nele suscitadas e que o foram perante três instâncias distintas (1ª instância, Tribunal da Relação e Tribunal Constitucional)”, que ”As despesas com deslocações são confirmadas pelo teor das atas de audiência prévia e das três sessões de julgamento juntas aos autos – que confirmam a presença do subscritor nessas diligências –, sendo a distância entre o escritório do advogado (Viana do Castelo) e a vila de Caminha um facto objetivo e perfeitamente demonstrável.”

E concluiu: “TERMOS EM QUE deve indeferir-se o requerido, condenando-se a A. no pagamento da indemnização peticionada pela Ré em face da sua condenação como litigante de má-fé, nos termos do disposto nos artigos 542º, nº 1, e 543º do CPC, ou, em via subsidiária, no pagamento das custas de parte reclamadas, em face da condenação da A. nas custas do processo.” [6]

A autora ainda treplicou, por requerimento de 05-11-2018, salientando o que se decidiu no tal outro processo análogo e juntando novamente a sentença e acórdão neste proferidos.

Por sua vez, a ré não deixou de quadruplicar, por requerimento de 13-11-2018, enfatizando que, após a sentença, se esgotou o poder jurisdicional e que o decidido naquele outro processo não serve de prova neste.

Perante tudo isto, em 28-11-2018, foi proferido despacho – que é o ora alvo do presente recurso –, do seguinte teor:

“Na sentença proferida nestes autos foi a autora condenada como litigante de má fé, “nos termos e para os efeitos peticionados” no pagamento de uma multa que de € 5.000,00.
Ainda antes de ser notificada para o efeito, a ré veio requerer que se fixasse o valor da indemnização que lhe era devida em € 6.144,00.
Em momento algum se alega que o requerimento configura uma nota justificativa de custas de parte.
Em 12/10/2018, a autora pronunciou-se, alegando que a nota de custas de parte é intempestiva (sic).
Mais alega que a sentença proferida não condenou a autora no pagamento de qualquer indemnização por via da litigância de má fé, daí que a ré não pode requerer a fixação de indemnização.
Alega ainda que numa situação idêntica, o Tribunal da Relação revogou a condenação da aqui autora como litigante de má fé.
A ré apresentou novo requerimento em 23/10/2018 onde alega que o requerimento que apresentou se prendia apenas com a fixação da indemnização e que não configurava uma nota justificativa de custas de parte.
Mais alega que a sentença é clara quanto a essa condenação.
Alega ainda que, caso se entenda que não há lugar à fixação de qualquer indemnização, aquele requerimento sempre seria uma nota de custas de parte.
A autora respondeu em 06/11/2018.
A ré voltou a responder em 13/11/2018.
*
Ponto prévio

A ré veio requerer que se fixasse o valor da indemnização que lhe era devida em € 6.144,00. Em momento algum nesse requerimento se alega que o requerimento configura uma nota justificativa de custas de parte.

Daí que não se entenda toda a discussão relativa à extemporaneidade da nota de custas de parte, pois nenhuma existe no processo.

Por outro lado, não pode a ré alegar que o requerimento diz respeito à fixação de uma indemnização por litigância de má fé e, ao mesmo tempo, alegar que caso se entenda que esta não é devida o requerimento passa a configurar uma nota justificativa de custas de parte.

É uma argumentação que não pode colher.

Dito isto, o que está em causa é apenas a questão da indemnização por litigância de má fé, que é aquilo que se irá conhecer neste despacho.
*
Do conteúdo da sentença proferida

Da sentença proferida nestes autos verifica-se que a autora foi condenada como litigante de má-fé, nos termos e para os efeitos peticionados, no pagamento da multa que fixo em € 5 000,00 (cinco mil euros).

Da Contestação resulta que foi peticionada a condenação da autora em multa e indemnização por via da litigância de má fé.

Embora o teor literal da sentença possa dar azo a interpretações distintas, a verdade é que a mesma acaba por condenar a autora, ainda que por remissão para a contestação, no pagamento de uma indemnização por via da má fé.

Daí que, deve ser fixado o seu quantitativo.

Por outro lado, cabe referir que a condenação da autora já transitou em julgado, pelo que, não pode proceder o argumento de que numa situação idêntica aquela condenação foi revogada em instância superior.
*
Da indemnização

Nos termos do artigo 543º, n.º 1 do NCPC, a indemnização pode consistir: “a) no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; b) no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má fé”.

Caberá ao juiz fixar uma quantia certa, optando pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé.

A alínea a) prevê uma indemnização simples, que abarca apenas as despesas diretamente relacionadas com a conduta maliciosa do litigante. A indemnização limita-se aos danos diretamente emergentes do procedimento doloso ou gravemente negligente. Por sua vez, a indemnização prevista na alínea b) constitui uma modalidade de indemnização agravada em que a responsabilidade se traduz na fórmula “lucros cessantes e danos emergentes”, quer os danos sejam consequência direta da má fé processual, quer sejam consequência indireta (neste sentido, ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p. 277).

A opção entre uma e outra forma de indemnizar prende-se com a maior ou menor gravidade da conduta, não relevando a capacidade económico-financeira do condenado ou valor da ação.

Como se refere no Ac. TRL 31.5.07, in www.dgsi.pt, a relação de causalidade subjacente à atribuição da indemnização, terá como medida os danos que não existiriam se não tivesse existido a litigância dolosa.

Vertendo ao caso dos autos, conforme decorre da decisão proferida, “a conduta [da autora] excedeu as regras normais da litigância e do exercício do seu direito de defesa pois litigou de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca da verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo, sendo ainda de concluir que o fez de forma consciente e voluntária, já que veio a tribunal alegar factos cujo desconhecimento não poderia ignorar. Logo, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia de forma alguma ignorar, tendo, ademais, alterado a verdade dos factos alegados”.

Assim, a sua atuação como litigante de má fé se reporta à apresentação da petição inicial que deu origem aos presentes autos. É à luz desta conduta que devemos alcançar o montante indemnizatório justo e proporcional.

Ora, ficou demonstrado que a autora agiu dolosamente, i.e., estando perfeitamente ciente da falta de fundamento daquilo que peticionava e querendo deduzir tal pretensão, pelo que a sua litigância pode ser considerada dolosa.

Entendemos, assim, que deve ser arbitrada a indemnização prevista na alínea b) do art. 543º, n.º 1 do NCPC.

Esta indemnização consiste no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.

Contudo, esta indemnização não está indexada aos valores que podem ser peticionados a título de custas de parte. Ou seja, a ré apenas pode peticionar quantias efetivamente despendidas.
Daí que, apesar de ter peticionado o pagamento de € 2.244,001, resulta dos autos que a ré apenas liquidou em taxas de justiça o montante de € 306,00. Tem por isso direito a receber essa quantia de € 306,00.
1 Na medida em que remete para os créditos que pode peticionar no âmbito das custas de parte que, como dissemos, têm um regime distinto do que aqui se analisa.
A ré peticiona ainda a título de honorários da mandatária: € 3.690,00; e a título de despesas realizadas pela mandatária: € 210,00.

Sendo que, nesta parte, a quantia deve ser fixada com base no prudente arbítrio do Tribunal.

Com efeito, há que atender ao valor da causa, à sua complexidade, ao teor das questões discutidas e ao resultado obtido, sendo também de relevar que tendo a Ré obtido total vencimento na ação, poderá peticionar as designadas custas de parte em sede executiva. Entendo fixar o conteúdo desta parcela indemnizatória em € 2.500.00
Assim, entendo fixar o valor da indemnização em € 2.806,00 (€ 306,00 + 2.500,00).

Sem custas, uma vez que a decisão de liquidação da indemnização que acabou de se proferir não se refere a um qualquer incidente tributável, tratando-se de mero “despacho complementar” da sentença que condenou em litigância de má fé. ”

A autora, inconformada, apelou a esta Relação, alegando e concluindo:

1ª - Na origem da instauração do presente processo está o direito da Recorrente, enquanto sócia da Ré, de impugnar as deliberações sociais da sociedade que, no seu entender, não deveriam ter sido aprovadas pelos fundamentos que carreou para os autos na petição inicial e nos diversos requerimentos autónomos que apresentou durante a lide.
2ª - Na condenação da Recorrente em litigância de má-fé o tribunal recorrido não teve em conta a dupla função da Autora de presidente da Mesa da Assembleia-geral, que nessas funções teve de admitir à discussão a proposta de alteração da ordem de trabalhos apresentada pelos restantes sócios, e a função de representante da Autora, com direito a voto, que no âmbito da discussão votou contra a alteração da ordem de trabalhos. Também não levou em conta o direito da Autora de presidir à mesa da assembleia-geral da Ré.
3ª - A Relação não tomou conhecimento do recurso sobre a condenação da Autora em litigância de má-fé. A Relação, porém, no processo nº 619/10.1TBCMN-G1 que foi objeto de recurso e prolação de acórdão, revogou totalmente a condenação da Autora em litigância de má-fé em processo da mesma natureza (impugnação de deliberações sociais da Ré relativas ao ano de 2010, tendo ambos os processos sido decididos na primeira instância pela mesma Sra. Juíza), e decidiu que a fundamentação é deficiente por mor de não conter a factualidade concreta que levou o tribunal a afirmar haver uma atuação/litigância de má-fé por parte da Autora, e não vislumbrou razões válidas para se concluir que a atuação da autora cai na alçada da previsão do disposto no artigo 542º do CPC, não podendo lançar-se mão do instituto da litigância de má-fé quando existe uma «defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe» (cf. ac. STJ de 11.09.2012).”
4ª - O tribunal recorrido fixou o conteúdo da parcela indemnizatória no montante de € 2.500,00, mas ficou além do que poderia ter produzido, tendo em conta que o prudente arbítrio aconselha a sopesar diversos fatores como o valor da causa, a sua complexidade, o teor das questões discutidas, entre outras circunstâncias.
5ª - O valor da causa foi fixado no montante de € 8.000,00, a causa não é de natureza complexa, as questões suscitadas na lide pelas partes são normais e recorrentes nas causas em que se apreciam a invalidade de deliberações sociais, a Autora não litigou de forma temerária mas defendeu convictamente a sua perspetiva jurídica dos factos que, apesar disso, não foi acolhida na decisão de primeira instância.
6ª - A douta decisão recorrida não teve em conta as atenuantes e a inexistência de qualquer prejuízo para a Ré da conduta do representante da Autora na assembleia-geral impugnada enquanto presidente da mesa.
7ª - Na fixação de uma indemnização é elemento essencial a existência de nexo de causalidade entre a condenação e a indemnização. Não parece existir nexo de causalidade adequada entre o fundamento invocado pelo tribunal recorrido e as despesas e honorários que a Ré apresenta a título de indemnização, porquanto os factos alegados como fundamento para a instauração da impugnação das deliberações sociais não serviram de fundamento da decisão de litigância de má-fé. Com efeito, não se verifica causalidade ou conexão entre o ato que serviu de fundamento para a decisão do tribunal em condenar a parte em litigância de má-fé e as despesas/honorários/taxa de justiça que a Ré apresenta a título de indemnização.
8ª - O montante arbitrado (€ 2.500,00) pelo tribunal recorrido mostra-se exagerado face a um prudente arbítrio, acima dos justos limites do que é razoável, sempre tendo em conta qual a conduta dolosa ou negligente que tenha dado origem à litigância de má-fé. Por isso, o valor indemnizatório desta parcela não deveria ter ido além do montante de € 1.000,00 ou muito próximo dele, não se justificando a atribuição de indemnização de valor superior.
9ª - Os honorários e as despesas/taxas de justiça que a Ré apresenta no pedido de indemnização nada têm a ver com o facto que deu origem à condenação em litigância de má-fé da Autora. A fixação da indemnização não pode estar indexada às despesas/taxas de justiça indicadas pela Ré.
10ª - O nº 2 do artigo 543º do CPC segundo o qual “o juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé fixando-a sempre em quantia certa” acolhe o regime legal e o conceito de indemnização para os efeitos da sua fixação. Pelo que, para esse efeito, tem de verificar-se nexo de causalidade adequada entre o facto (que serviu de fundamento à litigância de má-fé) e as despesas/honorários/taxa de justiça que tal facto tiver ocasionado à Ré. Porém, quando a Ré deduziu o pedido de indemnização não invocou tal facto.
11ª - Tendo a Ré vencido a causa sempre tem o direito às custas de parte que, nos termos do disposto nos artigos 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais, já inclui o montante honorários segundo os critérios estabelecidos naquelas normas.
12ª - A decisão recorrida violou o disposto no artigo 543º nº 1, 2 e 3 do CPC e os artigos 25º e 26º do RCP.

Termos em que, e nos mais doutamente supridos, deve o recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências.

A ré respondeu, concluindo:

I – A douta decisão impugnanda não é de valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido, pelo que o recurso não é admissível e, por isso, deve ser rejeitado – cf. artigos 629º, nº 1, do CPC e 44º, nº 1, da Lei nº 2/2013, de 26.08.
II – A douta sentença proferida nos autos transitou definitivamente em julgado, pelo que a recorrente não pode pretender discutir neste recurso a sua condenação como litigante de má-fé.
III – A conduta processual da recorrente – quer pela prolixidade que imprimiu nos articulados e requerimentos que apresentou em juízo, quer pela quantidade e complexidade das questões, de facto e de direito, que neles suscitou –, acabou por exigir, quer do próprio Julgador quer da parte contrária, um trabalho e um labor argumentativo acima da média.
IV – Essa sua conduta está manifestamente eivada de má-fé processual na sua forma mais grave, na medida em que, como se decidiu, a conduta da recorrente excedeu as regras normais da litigância e do exercício do seu direito de defesa pois litigou de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal (…) como também ao seu antagonista no processo, o que fez de forma consciente e voluntária, já que veio a tribunal alegar factos cujo desconhecimento não poderia ignorar, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não podia de forma alguma ignorar, tendo, ademais, alterado a verdade dos factos alegados (vd. douta sentença proferida nos autos).
V – Está verificado, no caso concreto, o indispensável nexo de causalidade entre a litigância de má-fé e os danos causados.
VI – A conduta da recorrente, objetivamente tipificada como de litigância de má-fé, é causal de danos não só para a sua antagonista no processo (a recorrida), como para a própria Justiça (corporizada no Estado).
VII – Os danos decorrentes para o Estado da litigância de má-fé da recorrente foram fixados através da aplicação de exemplar multa processual, do montante de € 5.000,00, o que a recorrente não impugnou ou contestou.
VIII – Os danos para a recorrida foram fixados em metade do montante arbitrado ao Estado (€ 2.500,00), o que está conforme com o valor da causa, a sua complexidade, o teor das questões discutidas e o resultado final obtido (total improcedência da ação).
IX – O douto despacho recorrido não merece censura ou reparo e, como tal, deve ser mantido.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, requere-se se dignem:

a) Não admitir o recurso em face da sua inadmissibilidade, nos termos do disposto no artigo 629º, nº 1, do CPC.

Ou, para o caso de assim se não entender:

b) Julgar o recurso totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se, por conseguinte, o douto despacho recorrido, com as legais consequências.

Assim decidindo, farão V. Exas. a habitual JUSTIÇA!”

Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, considerando, por um lado, que, no despacho recorrido, se considerou não configurar o pedido deduzido (6.144,00€) “uma nota justificativa de custas de parte” e ser esta estranha à “discussão” e, portanto, que “o que está em causa é apenas a questão da indemnização por litigância de má fé” e que só isso “se irá conhecer” nele – o que afasta do tema do recurso a matéria da conclusão 11ª (direito ou não a custas de parte) por ali não apreciada nem decidida;

e considerando, por outro, quanto às conclusões 1ª a 3ª e 5ª (esta, em parte), que aqui não está em causa a impugnação da sentença de 17-06-2017 quanto ao mérito da decisão de julgar e condenar a autora como litigante de má-fé – e que em nada quanto a ela releva a circunstância de do respectivo recurso não ter sido tomado conhecimento (a não ser para se concluir que ela transitou em julgado e, por isso, se tornou obrigatória, nos termos dos artºs 619º e 621º, CPC) –, mas apenas a decisão proferida em 28-11-2018 como complemento dela e a pretexto da fixação do montante da indemnização nesta considerada contida e cominada naquela – para o que também em nada releva o processo 619/10.1TBCMN.G1 nem os respectivos pressupostos da revogação da condenação nele decidida, nem mesmo como caso análogo, uma vez que a deste transitou em julgado – importa, apreciar e decidir:

Questão prévia:

a) Inadmissibilidade do recurso, em razão do valor do decaimento não ser superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância.

Questões recursivas:

b) Se, entre o facto ilícito (litigância de má-fé) e as despesas, honorários e taxas de justiça (cujo reembolso foi considerado devido por via da indemnização) não há – nem factualmente foi invocado pela ré – nexo de causalidade adequado ou “conexão” e estas “nada têm a ver” com aquele (conclusões 7ª, 9ª e 10ª).
c) Se, na fixação, por “prudente arbítrio”, do valor de 2.500,00€, a título de honorários, não foram sopesados os factores “valor da causa”, “sua complexidade”, “teor das questões discutidas”, “as atenuantes”, “inexistência de qualquer prejuízo”, “entre outras circunstâncias” (conclusões 4ª, 5ª, em parte, e 6ª).
d) Se, em função do referido critério legal (“prudente arbítrio”), o valor de 2.500,00€ é exagerado e não razoável em face da conduta litigiosa da autora considerada como de má-fé e não deveria ter ido além do montante de 1.000,00€ (conclusão 8ª).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Releva a factualidade narrada no relato antecedente, emergente dos autos.

IV. APRECIAÇÃO

1. Questão prévia

A decisão recorrida condenou a autora a pagar ao réu a quantia de 306,00€ respeitante à taxa de justiça que este desembolsou no processo considerando-a parte do conteúdo da indemnização devida, nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 543º, do CPC, com fundamento na litigância de má fé – além dos 2.500,00€ fixados a título de honorários e no mesmo pressuposto.

O total da quantia em que a recorrente foi condenada ascende, pois, a 2.806,00€, sendo superior a metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância (5.000,00€, de acordo com o artº 44º, nº 1, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto).

Estando-se no âmbito da decisão de liquidação nos termos do nº 3, do artº 543º, do CPC, e não já no da condenação propriamente dita por litigância de má-fé, caso em que, nos termos do nº 3, do artº 542º, inquestionavelmente, é sempre admitido recurso, em um grau, independentemente do valor da causa e da sucumbência, e mesmo que, por isso, se considerasse ser inaplicável esta norma àquela situação mas antes o regime geral, nomeadamente o nº 1, do artº 629º, a verdade é que, ao contrário do que alegou a ré, a autora, no recurso, não se limitou a discordar apenas da condenação relativa aos honorários (2.500,00€) e que não é apenas esta a medida da utilidade económica que visa alcançar por meio do recurso.

Com efeito, ela impugna também a inclusão da taxa de justiça (306.00€), como despesa, na indemnização, com fundamento em que, tal como defende quanto aos honorários, não há nexo de causalidade entre ela e o facto ilícito (litigância de má-fé) fundamentador da condenação, conforme acima já se salientou ao delinear as questões a resolver (cf. conclusões 7ª, 9ª e 10ª).

Discute, portanto, e manifesta-se inconformada também com a solução dada pelo tribunal recorrido à questão jurídica de saber se a taxa de justiça deveria ser contemplada – como se percebe que admite – no regime das custas de parte ou contida nas “despesas” a reembolsar, como julgou aquele.

Daí que o valor da sucumbência (2.806,00€) seja superior ao da metade da alçada do tribunal recorrido (2.500,00€), não derivando daí qualquer limitação ao direito ao recurso, mesmo que a situação não se considerasse abrangida pelo regime do nº 3, do artº 543º, designadamente no conceito de “sucumbência” aí expresso.

Improcede, pois, a questão prévia.

2. Nexo de causalidade

Do exaustivo relato que fizemos constam as circunstâncias, os fundamentos e os termos – notoriamente parcos e vagos – em que assenta e foi proferida a condenação da sociedade autora, como litigante de má-fé.

Apesar disso, tendo tal decisão transitado em julgado, por mais periclitantes que ela teime em considerá-los, não tem qualquer cabimento, agora e aqui, discuti-la quanto ao juízo de censura nela contido nem sobre a sua conduta processual.

Sem embargo, importa relembrar o quadro que regula o instituto.

Nos termos do nº 1, do artº 542º, tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. [7]

Tal condenação pressupõe, objectivamente, a prova de actos contrários aos deveres de boa-fé e de cooperação previstos no artº 8º e do tipo dos elencados em qualquer das diversas alíneas do nº 2, daquele artigo – ilicitude. [8]

Pressupõe também, subjectivamente, como se refere no proémio daquele mesmo número, que eles possam e devam ser imputados e censurados ao litigante que os pratica, a título de dolo ou de negligência grave – culpa.

Pressupõe, ainda, que, para dar lugar, além da condenação em multa [9], à indemnização, mormente quando considerada – como neste caso sucedeu – a de tipo agravado, prevista na alínea b), do nº 1, do artº 543º, além das “despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos”, a alegação e demonstração “dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da ma fé” – dano.

Ora, podendo o juiz optar pela indemnização que “julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé”, deve fixá-la “sempre em quantia certa” e “Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários pela parte ” – artº 543º, nºs 2 e 3.

No dispositivo da sentença alusivo a esta questão, em vista do pedido formulado, a autora, como se viu, foi literalmente condenada “nos termos e para os efeitos peticionados, no pagamento da multa …”.

Ao condenar numa qualquer obrigação, deve a sentença, em geral, primando pela certeza e clareza, concretizá-la quanto à sua natureza (v.g., indemnização), à modalidade da respectiva prestação (v.g., pecuniária) e ao objecto (alternativa, genérica), tanto mais que, para servir de título executivo, ela dever estar aí definida e quantificada só podendo complementar-se a sua exequibilidade com diligências posteriores para a tornar certa (se for alternativa ou condicional), exigível (se ainda não vencida) e líquida (se genérica). [10]

Decorre, em especial, do regime da LMF – embora da expressa decisão de condenação em indemnização (concomitante com a de multa) deva constar explicitamente, quanto ao dano, o respectivo conteúdo (honorários, despesas e prejuízos) e ela deva também sempre ser fixada em quantia certa, por princípio, logo na própria sentença –, que tal liquidação do quantum indemnizatório pode, excepcionalmente, ocorrer depois, em despacho complementar. [11]

Sucedeu que, no presente caso, tendo-se pedido, na contestação, com fundamento na LMF, a condenação “em multa e indemnização”, esta “nunca inferior a 5.000€” e os honorários e despesas a título de custas de parte, o dispositivo a tal respeito constante da sentença condenou no pagamento de multa de 5.000€ e nada mais explicitou nem especificou, quanto à condenação por litigância de má-fé, a não ser que a tal procedia “nos termos e para os efeitos peticionados” – expressamente referindo, isso sim, que a condenação nas custas abrangia as de parte “nos termos peticionados na alínea d) do artigo 533º. do CPC”, ou seja, os honorários de mandatário e despesas mas sem nada se distinguir ou salvaguardar em relação às que porventura poderiam e deveriam ser e teriam sido consideradas e integradas no conteúdo da indemnização prevista nas alíneas a) ou b), do nº 1, do artº 543º.

Além de, portanto, não constar aí a expressa condenação em indemnização, mormente a liquidar em momento posterior por falta de elementos bastantes para então ser fixado o seu quantum, e das dúvidas que o cotejo de tal segmento com os termos do pedido – no qual nenhum prejuízo se alegou a justificar a quantia certa pretendida de 5.000€ e os honorários e despesas foram incluídos no das custas –, a verdade é que tal decisão assim transitou em julgado, irrelevando agora qualquer invalidade ou erro porventura nela contidos. [12]

Mesmo assim, a autora, na sua resposta à liquidação deduzida pela ré, alegou a inexistência de condenação em indemnização, envolvendo-se depois as duas partes numa indisciplinada, consentida e confusa troca de articulados sobre essa e outras questões. [13]

O tribunal a quo, manifestamente, no despacho recorrido ora em apreço, provocado pelo requerimento da ré subsequente ao trânsito em julgado da sentença, partiu do pressuposto que a decisão condenatória com fundamento na litigância de má-fé continha no respectivo dispositivo também a obrigação de indemnização – começando por referir que “o que está em causa é apenas a questão da indemnização por litigância de má fé” – e sustentando, a seguir, esse entendimento e, portanto, que o problema a resolver era o da fixação do quantum, na seguinte asserção:

“Embora o teor literal da sentença possa dar azo a interpretações distintas, a verdade é que a mesma acaba por condenar a autora, ainda que por remissão para a contestação, no pagamento de uma indemnização por via da má fé.

Daí que, deve ser fixado o seu quantitativo.”

Nestes termos, fixou, assim, acriticamente, por via interpretativa e remissiva, um dos admitidos sentidos possíveis e controversos, adoptando o da contestação, a cuja forma de expressão já nos referimos.

Ora, apesar de a autora condenada ter esgrimido insistentemente com a tese de que da condenação proferida não fazia parte a indemnização – tese esta daquela maneira recusada pelo tribunal a quo –, a verdade é que a deixou cair e abandonou, uma vez que nem nas conclusões nem tão-pouco nas alegações a suscitou, como se viu, por isso tendo de se considerar que com ela se conformou.

Destas vicissitudes se retira que, tal como a anterior decisão de julgar a autora como litigante de má-fé, também a constante do referido despacho posterior e ora em apreço julgando naquela incluída a condenação no pagamento, a tal propósito, de indemnização, se nos impõe, por força do caso julgado e de harmonia com o disposto nos artºs 628º, 619º e 621º, CPC, nada havendo a discutir – antes a respeitar – quanto a tal entendimento. [14]

Neste contexto, apreciemos então a questão, essa sim colocada no recurso com clareza, da falta de nexo de causalidade entre os danos quantificados e o facto.

Embora a lei refira que, tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e indemnização, faculte ao juiz optar pela que julgue mais adequada (reembolso das despesas, incluindo honorários, apenas, ou, também, a satisfação dos restantes prejuízos sofridos) e facilite a fixação da mesma em quantia certa (com prudente arbítrio, razoabilidade e maleabilidade), é claro que conexiona imprescindivelmente aquele reembolso das despesas às que “a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária” e os “restantes prejuízos” aos sofridos “como consequência directa ou indirecta da má fé”.

Tal como na responsabilidade civil se exige, como pressuposto indispensável, o nexo de causalidade entre os danos e o acto ilícito e culposo, também na X se exige entre a conduta litigante de má-fé (ilícita) e dolosa ou gravemente negligente (culposa) e as despesas, honorários e outros prejuízos, adequada e idêntica relação de causa-efeito.

Fora isso, apenas por via e nos termos do regime das custas podem ser ressarcidas as referidas despesas e honorários provocados por uma demanda promovida e desenvolvida, ainda que porventura sem razão, mas dentro dos parâmetros da normalidade tal como decorrentes do exercício lícito do direito de acção e de defesa, constitucional e legalmente consagrados.

Refere-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 31-05-2007 [15], que: “A indemnização devida na sequência da condenação por litigância de má fé tem de ligar-se por um nexo de causalidade adequada aos danos que não existiriam se não tivesse existido a litigância dolosa.”

Com efeito, qualquer demanda provoca para as partes sempre, com razão ou sem ela, necessariamente danos de vária ordem, mas “Apenas os danos que possam ser reconduzidos ao comportamento processual malicioso ou temerário serão dignos de ressarcimento, pelo que o nexo causal assumirá um papel determinante na selecção dos danos que, em concreto, serão passíveis de constituir obrigação de indemnizar.” [16]

Daí a importância da distinção precisa entre os que resultam causalmente da conduta ilícita e culposa ao longo do processo ou, ainda mais relevantemente, de uma fase ou incidente dele, e os que seriam normalmente implicados pelo exercício lícito e conforme aos parâmetros da boa-fé e da cooperação, estes apenas atendíveis no âmbito e limites definidos pelo regime das custas de parte – artºs 529º e 533º.

A relação exigível entre o dano e o comportamento processual do litigante, para poder ser considerada causal, deve enquadrar-se, como em geral sucede na responsabilidade civil e nos termos dos artºs 483º e 563º, do C. Civil, nos parâmetros definidos pela chamada teoria da causalidade adequada.

“Desta feita, para que o litigante de má-fé seja considerado responsável pelo dano causado à contraparte não bastará que o seu comportamento tenha sido condição sem a qual o dano se não teria verificado, sendo ainda necessário que, em abstracto, seja aquele comportamento idóneo a produzir tal tipo de dano. De facto, parece-nos que neste contexto se não verifica qualquer peculiaridade face à responsabilidade civil que justifique a adopção de um critério distinto, desde logo porque, com excepção dos danos processuais típicos, o tipo de danos a ressarcir pela responsabilidade processual apresenta natureza idêntica aos ressarcidos em sede de responsabilidade civil, cobrindo tanto danos patrimoniais como não patrimoniais.” [17]

Como se refere no Acórdão do STJ, de 18-12-2013 [18], entre nós predomina o entendimento, de que o nosso ordenamento consagra a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, segundo a qual, “prescindindo-se da noção de previsibilidade, de imediação ou exclusividade, um facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais.”

Posto isto, vejamos, então, se o dano que no despacho recorrido foi considerado sofrido pela ré e quantificado e, por isso indemnizável a título de litigância de má- fé no pressuposto e na medida em que causado pela conduta censurável da autora – 306,00€ de taxa de justiça que pagou pelo impulso processual e 2.500,00€ arbitrados como razoáveis a títulos de honorários do mandatário que a patrocinou nos autos [19] – é efectivamente recondutível àquela.

A conclusão dependerá da resposta a estas perguntas:

Em abstracto, tais gastos sempre seriam resultado da normal e lícita demanda e da defesa a pretexto dela empreendida, ou, para além disso, são-no apenas da sua conduta maliciosa, sendo possível afirmar-se que não teriam ocorrido se não fosse esta?

Eles prendem-se com os que normalmente estariam implicados nas exigências e vicissitudes da litigância contida nos limites da boa-fé, não se devendo nem podendo isolar e desligar, certa e seguramente, da mesma, ou conexionam-se distinta, exclusiva, firme e indubitavelmente, com o que naquela extravasou os referidos limites e se situou já no domínio da ilicitude processual e da correspondente reprovação (culpa)?

A recorrente defende que, entre tais despesas (taxa) e honorários (de advogado) não existe tal nexo “porquanto os factos alegados como fundamento para a instauração das deliberações sociais não serviram de fundamento da decisão de litigância de má-fé”, pois, “não se verifica causalidade ou conexão entre o acto que serviu de fundamento para a decisão do tribunal em condenar a parte em litigância de má fé e as despesas/honorários/taxa de justiça que a ré apresenta a título de indemnização” e que estes “nada têm a ver” com aquele.

A recorrida, enfatizando que a conduta daquela “está manifestamente eivada de má-fé processual” e que, “como ali se decidiu, assumiu a sua forma mais grave (a título de dolo)”, sustenta – em termos notoriamente abstractos e sem o menor esforço de referência às circunstâncias factuais concretas verificadas no processo – que “não restam dúvidas de que se verifica no caso o indispensável nexo de causalidade entre a litigância de má fé e os danos causados”.

Posto isto, precisaríamos, agora, para tal avaliação fazer, verificar a sua sustentabilidade e, assim, responder àquelas perguntas, de dispor, na decisão que julgou a autora litigante de má-fé e com tal fundamento a condenou na multa e – nos termos já expostos – se interpretou ter condenado também em indemnização, dos factos que consubstanciam o seu comportamento contrário aos ditames da boa fé e cooperação impostos no artº 8º, preencheram a previsão típica traçada nas diversas alíneas do nº 2, do artº 542º (ilicitude) e, bem assim, o tipo-de-culpa aí definido.

Só com esses factos presentes de um lado (ilícito) e as despesas e prejuízos sofridos (dano) do outro, estaríamos em condições de ajuizar e decidir, à luz do exigido pressuposto e do entendimento expendido sobre o mesmo, se se verifica, no caso, o necessário nexo de causalidade.

Ora, no relato já se salientou como na fundamentação (fáctica e jurídica) da sentença minguaram os termos – designadamente quanto aos factos fundamentadores do juízo de condenação expendido.

Nela considerou-se que a conduta da autora integra, objectiva e subjectivamente, os pressupostos da LMF, mas nenhum facto específico e concreto aí se mencionou ilustrando a presumida subsunção jurídica feita.

Recordemos que, para o efeito, apenas se disse, vaga e conclusivamente, mediante recurso a afirmações a roçar mera reprodução de expressões teóricas ou tabelares mas desprovidas de qualquer conteúdo operativo concreto:

“Ora, no caso concreto, concluímos que a autora violou os limites daquilo a que Luso Soares chama de "litigiosidade séria".

A sua conduta excedeu as regras normais da litigância e do exercício do seu direito de defesa pois litigou de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca da verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo, sendo ainda de concluir que o fez de forma consciente e voluntária, já que veio a tribunal alegar factos cujo desconhecimento não poderia ignorar.

Logo, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia de forma alguma ignorar, tendo, ademais, alterado a verdade dos factos alegados.”

Inexiste, portanto, uma fundamentação enraizada no caso, demonstrativa e esclarecedora da conduta processual (detalhada) da autora para o efeito, em ordem a mostrar de que modo ela ultrapassou os limites da licitude e se não conteve nos desculpáveis.

Não se discriminaram, por exemplo, que factos alterou ou alegou falsa e conscientemente nem que pretensão formulou de cuja falta de fundamento tivesse a priori consciência.

Em vão os procurámos na factualidade em geral na sentença julgada provada (tal como na motivação da convicção).

Recordemo-los agora in totum:

1). A autora “(…) – Imobiliária e Gestão, S.A.” encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto – 1ª Secção, sob o número único de matrícula (..).
2). A Ré “(…) – Sociedade de Animação Turísticas, Ld.ª.” está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (..) sob o número único de matrícula e de identificação fiscal (…), conforme teor do documento nº. doc. 1 junto aos autos e que aqui se dá por reproduzido.
3). São sócios da Ré “(..) – Sociedade de Animação Turísticas, Ld.ª.”: a sociedade autora: “(..) – Imobiliária e Gestão, S. A.” titular de três quotas, duas das quais, no valor nominal de € 5 710,00 e outra no valor nominal de € 11 753,00; António (…), titular de uma quota do valor nominal, de € 12.642,00; António (..) e Pita (…), titular de uma quota com o valor nominal de € 10.345,00; “(…) – Consultores, Lda.”, titular de uma quota do valor nominal de € 3.840,00.
4). A Ré tem o capital social integralmente realizado em dinheiro, no montante de € 50 000,00.
5). Na Conservatória do Registo Comercial de (..) encontram-se inscritos, na qualidade de gerentes da sociedade Ré: Henriqueta (…), em representação da autora “(…) – Imobiliária e Gestão, Ld.ª.”, António (…), em representação da sócia “(..) – Consultores, Ld.ª.”, António (…) e Manuel (…).
6). Henriqueta (…) é administradora única da “(…), S.A.”.
7). Adérito (…) é Revisor Oficial de Contas (ROC) da sociedade autora “(..), S.A.” e, para além de outras actividades, presta ainda serviços como profissional liberal, na área da contabilidade, actividade exercida através de um gabinete de que é proprietário.
8). Henriqueta (..) partilhou casa com Adérito (…), com quem também trabalha no gabinete de contabilidade de que, este último, é proprietário.
9). A contabilidade da sociedade ré ficou sob a responsabilidade de Adérito (…) entre o ano de 2007 até ao ano de 2008 e decorrido esse período, a sociedade ré decidiu prescindir dos serviços de contabilidade prestados pelo gabinete de contabilidade do Dr. Adérito (…).
10). Tendo decidido, novamente, entregar a elaboração da sua contabilidade à sociedade “(..)- Organização, Contabilidade e Finanças, Ld.ª.”, com sede à Av. (…) , em Viana do Castelo.
11). A decisão referida em 10)., não mereceu a aceitação e a concordância de Adérito (…).
12). Na sequência da cessação do contrato de prestação de serviços de contabilidade, a sociedade ré “(…) -Sociedade de Animação Turística, Ld.ª.” solicitou a Henriqueta (…) e a Adérito (…) a entrega dos documentos pertencentes à sociedade ré que estes mantinham na sua posse, nomeadamente o livro de actas.
13). E porque os documentos indicados em 12). não foram restituídos, foi instaurado o processo nº. 916/11.9TBVCT (1º. Juízo Cível), acção especial para entrega de documentos, processo que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, sob o nº. 916/11.9TBVCT (1º. Juízo Cível), em que a autora é a sociedade “(…) – Sociedade de Animação Turística, Ld.ª.” e réus Adérito (…) e Henriqueta (…), em que, por sentença proferida e transitada em julgado em 17.09.2012, foi parcialmente julgada procedente a presente acção e, por consequência, decidiu condenar o réu Adérito (..) a entregar à autora os livros selados, pastas, livros de actas e todos os elementos e documentos contabilísticos à mesma pertencentes, no prazo de 10 dias a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença, tendo sido absolvida a ré Henriqueta (…) dos pedidos contra si formulados e ainda o réu Adérito (…) do pedido de pagamento da quantia de € 500,00, a título de sanção pecuniária compulsória e nos demais termos que aqui se dão por reproduzidos, conforme resulta do teor do documento nº. 1 e da certidão da decisão com nota de trânsito de fls. 194 a 208 que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
14). Os documentos da sociedade ré referidos em 12). e 13) continuam na posse do Adérito (…), enquanto ROC da sociedade autora que os guarda na qualidade de presidente da mesa da assembleia-geral extraordinária de 24 de Novembro de 2010, não tendo ainda sido entregues à sociedade ré.
15). A sócia “(…), S.A.” foi sempre representada nas Assembleias-gerais e nas reuniões informais habitualmente realizadas pelos sócios-gerentes, por Adérito (…) que assumia todas as decisões.
16). A assembleia-geral de 31.03.2014 foi convocada pelos gerentes da ré António (…) e António (…) que assinaram a respectiva convocatória remetida por correio registado, em 12.03.2014, conforme resulta do teor dos documentos nºs. 2 e 3 juntos a fls. 38 verso e 39 dos autos e cujo teor dos mesmos se dão por integralmente por reproduzidos.
17). Da convocatória constava que a assembleia-geral se realizaria, no dia 31.03.2014, pelas 21horas, nos escritórios da sócia “(…) Consultores, Ld.ª.” à Rua D. (…), em Caminha, com a ordem de trabalhos nela constante – ponto um: deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2013; ponto dois: deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2013 e ponto três: proceder a apreciação geral da gerência da sociedade no exercício de 2013; ponto quatro: deliberar sobre a necessidade de realização de obras de manutenção no edifício e aprovar a verba a disponibilizar para a realização das mesmas que foi enviada a todos os sócios da ré, nomeadamente, à autora “(…), S.A.”, conforme documentos nºs. 2 e 3 juntos aos autos e que aqui se dão integralmente por reproduzidos.
18). Da convocatória constava ainda que não se encontrando presente ou representado quórum suficiente para deliberar, a assembleia reuniria em segunda convocação, com a mesma ordem de trabalhos, no mesmo dia (31.03.2014), às 21h30.
19). A assembleia-geral ordinária reuniu, em segunda convocação às 21h30m, conforme previsto na convocatória, com a presença dos sócios da ré António (…) e António (…), este por si e, na qualidade de representante legal, da sócia “(…) Consultores, Ld.ª.”, estando ainda presente Manuel (…), conforme resulta da acta avulsa junta aos de fls. 39 verso a fls. 42 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
20). Consta da acta avulsa que a Ré se reuniu em assembleia-geral anual pelas 21h30, na Rua D. (…) Caminha, no dia 31.03.2014, com a seguinte ordem de trabalhos: 1- deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2013; 2- deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício de 2013; 3 – Proceder à apreciação geral da gerência da sociedade no exercício de 2013; 4 – Deliberar sobre a necessidade de realização de obras de manutenção no edifício e aprovar a verba a disponibilizar para a realização das mesmas.
21). A assembleia-geral ordinária funcionou no local indicado em 20)., devido ao facto da sede da ré, o estabelecimento Discoteca “(…)” ter nessa data a sua exploração cedida à “(…) - Unipessoal, Ld.ª.” sociedade comercial por quotas com sede na Rua (…) na freguesia de …, concelho de Caminha, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Caminha sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva (…) pela renda mensal de € 500,00 (quinhentos euros), conforme contrato celebrado em 9 de Julho de 2013, pelo prazo de 6 meses, renovável, por iguais períodos, conforme cópia se mostra junta a fls. 58 a 61, incluindo verso a e cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais (conforme resposta conjunta ao alegado, em parte, nos pontos 17 e 18 da petição inicial).
22). A sócia “(…), S.A.”, não esteve representada na assembleia-geral anual realizada, em 31.03.2014 (conforme alegado em 16 da petição inicial).
23). Cumpridas as formalidades legais deu-se início à Assembleia-Geral Anual presidida pelo sócio presente e com maior participação no capital social, António (…), na sua sequência, foi lavrada acta avulsa onde se consignou e deliberou a aprovação, por unanimidade dos sócios presentes de todos os pontos da ordem de trabalhos indicada na convocatória, nomeadamente, do relatório de gestão e as contas do exercício de 2013; da proposta de aplicação de resultados desse exercício de 2013 e a execução de obras no imóvel onde está instalada a discoteca (…), conforme documento nº. 4 que se junta e que se dá por integralmente por reproduzido.
24). A acta avulsa não foi transcrita para o livro de actas da sociedade, em virtude deste e dos demais documentos contabilísticos dos exercícios económicos com termo em 31 de Dezembro de 2007, se encontrarem na posse de Adérito (…), na qualidade de legal representante da autora “(…), S.A”.
25). A autora por carta registada com aviso de recepção remetida para o endereço nela constante, requereu ao sócio-gerente da Ré António (…), uma cópia da acta daquela assembleia-geral, conforme cópia junta aos autos como documento nº. 3 para todos os efeitos legais e que aqui se dão por reproduzidos (conforme alegado no ponto 23 da petição inicial).
26). A acta após ter sido lavrada e assinada foi enviada à autora.
27). A gerente Henriqueta (…) apresentou o seu pedido de renúncia de funções por carta datada de 25.02.2011, que remeteu sob registo postal a António (…), na qualidade de sócio-gerente da sociedade ré, sem que tivesse promovido à inscrição no registo dessa renúncia, conforme documento nº.1 junto aos autos e que aqui se dá por integralmente por reproduzido (alegado no nº. 58 da petição inicial).

Mais resultaram provados com relevo para os presentes autos:

28). A Autora instaurou no tribunal judicial de Caminha outras duas acções de declaração de nulidade e de anulação das deliberações que correm os seus termos sob os processos nº. 619/10.1TBCMN e 239/13.9TBCMN, nas quais, pediu sumariamente, a declaração de nulidade ou de anulação das deliberações que aprovaram as contas dos anos de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, nos termos e pelos fundamentos que melhor constam daqueles processos e que aqui se dão por reproduzidos.
29). As prestações de contas anuais da sociedade ré foram sempre aprovadas, nomeadamente, nos anos 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013.
30). A partir do exercício de 2008, os sócios António (…) juntamente com o Manuel (…) assumiram a gerência da sociedade ré.
31). Durante a existência da sociedade ré foram sempre promovidas reuniões informais de sócios e gerentes.
32). A Henriqueta (…) exerceu as funções de gerente até à data da renúncia remetida por carta em 25.02.2011, sem que, contudo, tivesse assinado ou rubricados os relatórios de gestão, balanços, anexos ao balanço e à demonstração individual dos resultados dos exercícios de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, conforme resulta do teor de fls. 119 verso a 155 dos autos que aqui se dão por reproduzidos.
33). Os relatórios de gestão e de prestação de contas da ré entre os anos de 2008 a 2012, não deliberaram e ou propuseram a distribuição dos lucros, conforme resulta do teor dos documentos juntos a fls. 119 a 155 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
34). No documento de prestação de contas no ano de 2013 constam declarados outros rendimentos e ganhos obtidos pela sociedade ré, no montante de € 7 412,82, conforme resulta da nota 10 do teor do documento junto a fls. 150 designado por demonstração individual dos resultados por naturezas de Dezembro de 2013.
35). A ré teve que pagar uma coima no valor de € 250,00 aplicada pela Administração Tributária (AT), no processo de contra-ordenação fiscal nº. 2275201316004492, por falta de pagamento do IUC da única viatura da ré, conforme resulta do teor do documento nº. 7 junto aos autos e que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
36). A gerente Henriqueta (…) participou, por si ou representada, na formação das decisões necessárias e indispensáveis à prática dos mais elementares e diversos actos de gestão da sociedade ré, autorizando compras e despesas correntes e de investimento para a sociedade e os respectivos pagamentos.
37). Os gerentes António (…) e António(…), aprovaram uma deliberação da assembleia-geral extraordinária realizada em 24 de Novembro de 2010, onde deliberaram distribuir a todos os sócios os suprimentos, com excepção da autora “(…), S.A.”, enquanto, o representante legal desta sócia não procedesse à entrega dos livro de actas e demais documentos contabilísticos.
38). Por contrato celebrado em 30.04.2009, a ré deu de concessão a discoteca (…) à sociedade “(…)e – Restauração e Animação, Ldª.” pelo prazo de um ano, com início em 01.05.2009 e termo em 01.05.2010 pelo preço total anual de € 24 000,00, mais IVA, a pagarem doze prestações do montante de € 2 000,00, por mês, conforme documento nº. 5 junto aos autos e que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
39). Por contrato de 15.07.2010, a ré deu de concessão a mesma discoteca à sociedade “(…) – Exploração de Discotecas, Ld.ª. “pelo prazo de um mês e meio, com início em 15.07.2010 e termo em 31.08.2010, pelo preço de € 5 000,00, mais IVA, conforme documento nº. 6 que se junta e se dá aqui por integralmente por reproduzido.
40). Por contrato de 15.12.2010, a ré deu de concessão a discoteca à sociedade referida em 39), com início em 15.12.2010 e termo em 15.12.2011, renovado por mais um ano pelo preço total anual de € 20 000,00 mais IVA, correspondente a uma prestação mensal de € 1 666,67, conforme documento nº. 7 junto aos autos e que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
41). Por contrato de 15.12.2012, a ré deu de concessão a discoteca (…) à sociedade “(…), Ldª.” pelo prazo de seis meses, com início em 15.12.2012 e termo em 15.06.2013 pelo preço total semestral de € 3 600,00, mais IVA, correspondente a uma prestação mensal de € 600,00, conforme documento nº. 8 junto aos autos e que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
42). O contrato referido em 20) foi renovado em 09.12.2013, por mais doze meses, com início no dia 09.12.2013 e termo no dia 09.12.2014, pelo preço total anual de € 6 000,00, mais IVA, correspondente a uma prestação mensal de € 500,00, conforme documento nº. 10 junto aos autos e que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
43). A decisão de concessionar a discoteca (…) à “(…)- Unipessoal, Ldª.” foi uma decisão dos gerentes da ré que teve em consideração a credibilidade e a competência técnica oferecidas por essa sociedade.
44). O contrato de concessão da exploração referido em 20) e 42) tem sido cumprido de forma pontual.
45). A decisão de baixar o preço da concessão tomada pelos gerentes da sociedade ficou a dever-se a razões económicas e de mercado e para evitar o encerramento da discoteca.

Ainda que, na sentença condenatória, se veja, pois, a condenação em indemnização por danos, não é possível estabelecer qualquer conexão entre eles, mesmo com recurso aos que tivessem sido (mas não foram) alegados na contestação (para que se remete) de montante “nunca inferior a 5.000€”, e um quadro vazio de factos supostamente integrantes do ilícito que os teria causado, menos ainda na forma agravada ora decidida.

Daí que, às perguntas acima formuladas, apenas se possa responder afirmativamente quanto à sua primeira hipótese e negativamente quanto à segunda.

Concluímos, pois, que o despacho recorrido, ao considerar indemnizáveis as despesas calculadas com honorários de advogado e as feitas com o pagamento da taxa de justiça não se sustenta em factos – nem nele nem na sentença vertidos – que convençam serem elas resultantes apenas da conduta de má-fé da recorrente, ou seja, que esta às mesmas tenha obrigado ou dela sejam consequência directa ou indirecta.

Na verdade, a liquidação levada a cabo tinha necessariamente de se conter nos danos pressupostamente julgados provados na sentença como causalmente derivados da conduta processual ilícita e, por isso, consubstanciadores da indemnização cominada.

Faltando aquele quadro de referência, é impossível relacionarem-se com a actuação ilícita as despesas e honorários, bem como a sua quantificação, de modo a afirmar-se estarem estes contidos na relação de causalidade e, portanto, na obrigação de indemnização.

Em suma: não se verificando o questionado nexo de causalidade, apenas no quadro das custas de parte e na condição e medida em que tenha sido ou deva considerar-se observado o regime respectivo, tal como este decorre do CPC e do RCP, aquelas poderão ser consideradas.

Não defluindo do despacho recorrido aquela relação como segura, resulta que ele ultrapassou o âmbito a que deveria ter-se confinado estabelecido no nº 3, do artº 543º.

Devendo, pois, proceder o recurso quanto a esta questão e, em consequência, devendo aquele ser revogado, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pela recorrida – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
*
*
*
Notifique.
Guimarães, 07 de Março de 2019

José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Pedro Damião e Cunha


1. Note-se que, com a indemnização, com fundamento na litigância de má fé, “em montante nunca inferior a 5000€”, a ré peticionou , cumulativamente, os “honorários e despesas” que computou em 2.000€, fundamentando estes no regime distinto das “custas de parte”.
2. Com efeito, no dito articulado, a ré impugnou, quiçá motivadamente, a factualidade alegada na petição, sustentou a validade das deliberações que, na sua perspectiva, explicou e justificou, defendeu o demérito do pedido e concluiu pela sua improcedência mas nada mais referiu quanto à litigância de má-fé.
3. Sem qualquer alusão expressa, nos factos e no direito, a danos prventura causados e à condenação a indemnizá-los.
4. Saliente-se que foi no pedido de condenação nas custas de parte que a ré incluiu as despesas e honorários e foi para “os termos peticionados” que a esse propósito a sentença remeteu.
5. Assinalou-se que dos articulados, nomeadamente da contestação nada mais se provou – o que, como se sabe, designadamente quanto ao alegado na petição, não significa prova do o contrário, ou seja, que o tivesse sido “de má fé” – que fosse matéria relevante, sendo a demais de direito ou conclusiva.
6. Aqui se introduziu mais uma alteração relativa à natureza do pedido, formulando um a título principal e outro a título subsidiário.
7. Sobre os pressupostos legais da litigância de má fé e sua perspectiva doutrinária e jurisprudencial, pode ver-se, além de outros, o Acórdão desta Relção de 04-10-2018, proferido no processo nº 1716/17.8T(VNF.G1, relatado pela Desembª. Eugénia Cunha.
8. Importa ter em conta que, como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 09-04-2013, proferido no processo nº 1210/10.8TBVNO.C1, relatado pelo Desemb. Carlos Moreira, “2. Considerando que a condenação por má fé implica não apenas uma afectação económico-financeira, como um desmerecimento a nível pessoal, marcante e inquinador, o convencimento sobre a verificação da mesma implica uma prova mais acutilante e inequívoca – por reporte à prova da generalidade dos factos - a qual, assim, alcandore a uma convicção de certeza ou quase certeza. 3. Para a condenação como litigante de má fé não basta a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes sempre que a versão oposta à alegada seja provada, nem pode confundir-se com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida.”.
9. Que, nos termos do artº 27º, nº 3, do RCP, tem uma moldura de 2 a 100 Uc´s, no caso tendo sido fixada em 5.000€.
10. Cfr., entre outros, artºs 609º, nº 2, 610º, 619º, 621º, 703º, nº 1, a), 10º, nºs 5 e 6, 713º a 716º, 358º, nº 2, CPC, e 569º, do C. Civil.
11. Como bem se explicou e resumiu no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 02-06-2016, processo nº 128/12.4TBVLN.G2, relatado pelo Desemb. Jorge Seabra, “1. Assumindo a conduta processual da parte, na pendência da causa e até à prolação da sentença, contornos que a permitam qualificar como litigância de má-fé, tem o juiz que o afirmar e proferir a consequente decisão de condenação da parte, enquanto litigante de má-fé, na sentença, ali fixando, ainda, a multa que julgue mais adequada, fixando-a sempre em quantia certa. 2. Não é consentido ao juiz, salvo casos excepcionais (de incidentes ou factos supervenientes à sentença), relegar tal decisão quanto à litigância de má-fé para momento posterior à sentença, por a tanto se oporem os limites do seu poder jurisdicional, que cessa com a prolação da mesma. 3. Apenas quanto à indemnização a arbitrar a favor da parte contrária (e se esta se mostrar pedida) é consentido ao juiz relegar a sua quantificação para momento posterior à sentença e se os autos não contiverem elementos que o habilitem a fazer, desde logo, na sentença, essa quantificação. 4. Todavia, essa quantificação só é viável se, previamente e na sentença, o juiz tiver proferido decisão no sentido de declarar e condenar a parte como litigante de má-fé, ali fixando a multa processual devida em quantia certa. 5. Se tal não tiver sucedido, o poder jurisdicional do tribunal quanto a essa matéria mostra-se esgotado, não sendo lícito reabrir a instância para tal fim.”
12. Recorda-se que, embora da sentença tivesse sido interposto recurso e neste pudesse ser arguida a sua nulidade, v.g., por falta de fundamentação e ininteligibilidade, o respectivo objecto não chegou a ser conhecido.
13. Indisciplinada, porque jamais a audição das partes para efeitos de “liquidação” da indemnização, nos termos do nº 3, do artº 543º, CPC, pode compreender cinco articulados. Consentida, porque cabendo ao tribunal dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere e recusando o que nele for impertinente, nenhum travão foi posto oportunamente a tal prolixidade (artº 6º, nº 1) . Confusa, porque nada tendo a ver o regime de custas de parte com o de litigância de má fé, manifestamente se tratou indistintamente desta e daquelas de forma equívoca e sem a clareza que exige o artº 131º.
14. Sobre a questão, pode ver-se o Acórdão desta Relação, de 11-07-2017, proferido no processo nº 388/12.0TBVLN.G3, cujo sumário refere: “I) Tendo-se, na sentença que julgou o mérito da causa, decidido que uma parte litigou de má-fé, conforme peticionara a outra, e condenado aquela, logo aí, nos respectivos efeitos – multa e indemnização –, a fixação desta, relegada, por falta de elementos, para momento posterior, nos termos do artº 543º, nº 3, do CPC: -pode ser feita só depois do trânsito em julgado da sentença relativamente ao mérito; -não constitui qualquer incidente propriamente dito, mesmo que seja a parte credora da indemnização a promover tal fixação face à verificada passividade do tribunal; -logo, não tem esta de pagar a taxa de justiça.II) O caso julgado entretanto formado não alcança a questão da fixação do quantum indemnizatório, nem, relativamente a esta, fica esgotado o poder jurisdicional.”.
15. Processo nº 3490/2007-2, relatado pelo Desemb. Américo Marcelino.
16. Marta Alexandra Frias Borges, Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de M´fé, Dissertação apresentada à FDUC, 2014, página 101, acessível na Internet.
17. Ob. Cit., página 102.
18. Processo nº 1749/06.0TBSTS.P1.S1, relatado pelo Consº Fernando Bento.
19. As alegadas despesas de deslocações e de escritório computadas em 210,00€ acabaram esquecidas na decisão.