Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
129/16.3T8VNC.G1
Relator: MARIA DA CONCEIÇÃO BARBOSA DE CARVALHO SAMPAIO
Descritores: ACÇÃO DECLARATIVA
ASSISTÊNCIA DE FILHOS A PAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora)

I – Pais e filhos devem-se mutuamente assistência, compreendendo o dever de assistência a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os próprios recursos, para os encargos da vida familiar (art. 1874.º do Código Civil).

II - O Estado Social deve prover ao bem-estar dos cidadãos e ao fazê-lo cumpre uma autêntica obrigação jurídica, no âmbito dos direitos sociais. Todavia, a esfera de proteção pública não substitui a esfera privada, familiar.

III - As prestações públicas, por força dos constrangimentos orçamentais, não são muitas vezes suficientes para se viver dignamente, quando tal sucede a solidariedade familiar torna-se indispensável enquanto função de complementação da solidariedade social.

IV - Os pais são titulares de um direito legal de alimentos em relação aos filhos o qual depende da situação de necessidade daqueles e das possibilidades económicas destes.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

Rosa (…), casada, contribuinte fiscal nº …, residente na Rua de …, freguesia de …, concelho de …, intentou ação declarativa de condenação contra:

O.T. (…) divorciada, residente na Rua … …, Lisboa;
E. (…), viúva, residente em …, …, Paredes de Coura;
Maria do (…), divorciada, residente na Rua …, Odivelas;
A.L. (…), divorciada, residente na Rua …, … e
Paulo (…), casado, residente na Urbanização …,

Pede que os réus sejam condenados a pagar-lhe a título de prestação de alimentos a quantia de € 285,00 mensais.

Regularmente citados, apenas a ré Maria … contestou, impugnando os factos alegados pela autora e alegando não ter condições económicas para lhe prestar alimentos.
*
Foi solicitado à Segurança Social a elaboração de relatórios sobre as condições socioeconómicas das partes.
*
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência fixou em € 202,00 o valor da pensão de alimentos devida à autora; a qual deveria ser paga pelos réus A.L., E., Paulo e Maria …, fixando-se a quota de cada um em € 50,50;

- Os réus contribuiriam cada um com o valor de € 50,50 a título de pensão de alimentos, que deveria ser pago até ao dia 8 de cada mês; a pensão fixada é devida desde o mês seguinte ao da propositura da ação, ou seja, desde Novembro de 2016.
- Absolveu a ré O.T. do pedido.
*
Inconformada com a sentença a R. Maria do (…) interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

1a)
A recorrente, antes de mais, pretende impugnar a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, em conformidade com o previsto no art. 640°, nº 1 e 2 do C.P.Civ, bem como no art. 662°, n" 1 do mesmo Código, relativamente aos factos 39° e 44° considerados como provados pela sentença recorrida, os quais a recorrente considera, efectivamente, como tendo sido incorrectamente julgados.

2a)
Desde logo, quanto ao mencionado facto 39°, o Mmo. Juiz entendeu dever considerar como provado que a aqui recorrente Maria do … aufere, de salário mensal, a quantia de € 580,00; ora, salvo o devido respeito, não é assim, de facto, pois essa quantia dos € 580,00 é o salário base ilíquido auferido pela recorrente.

3a)
Logo, deduzindo-se àquele valor a referida taxa de 11%, temos que, em termos líquidos, ou seja, de disponibilidade efectiva, a recorrente recebe mensalmente o salário de € 516,20, o que foi confirmado pela recorrente, em audiência de julgamento, e cujas declarações de parte se encontram gravadas no sistema de gravação digital do tribunal recorrido, com início às 15:03 horas até às 15:10 horas [cf. acta de julgamento de …].

4a)
Assim, em tais declarações de parte, concretamente do minuto 01:40 ao minuto 02:00, ficou registado que a recorrente declarou precisamente que «o meu salário é o mínimo, 500 e poucos ...».

5a)
O que, aliás, resulta ainda confirmado pela informação prestada, a este respeito, pelos serviços da Segurança Social, por meio do documento junto aos autos em 20-02-2018 [ref.B processual n" 1838622], segundo o qual a aqui recorrente Maria do … aufere «o salário base mensal de 580,00 €.»

6a)
Por consequência, no entender da recorrente, o facto 39° deverá passar a fazer referência, ao contrário do efectuado pelo tribunal, ao valor mensal líquido recebido pela recorrente, após o desconto da dita taxa dos 11%, isto é, deverá referir-se ao valor líquido auferido mensalmente de € 516,20, por ser este o valor relevante, por disponível pela recorrente/demandada, para a questão dos alimentos que lhe foram peticionados nestes autos, o que se requer expressamente nesta sede de recurso.

7a)
Por outro lado, e agora já no que se refere ao facto 44°, no qual o tribunal recorrido considerou como provado que o filho da recorrente e a companheira deste «ajudam no pagamento das despesas correntes», no entender da recorrente tal facto também se encontra incorrectamente julgado pelo Mmo. Juiz, e assim a justificar a sua alteração, conforme se passará a explicitar de seguida.

8a)
Efectivamente, a este respeito, o mencionado filho da recorrente, Marco …, cujo depoimento de testemunha se encontra gravado com início às 14:54 horas até às 15:02 horas [cfr. acta de julgamento de …], o que afirmou ao tribunal, concretamente do minuto 03:30 ao minuto 04:35, foi apenas que: «A água, luz e gás dividimos por três [ele, a companheira e a sua mãe]», o que resulta no valor de € 20,00 a € 30,00 pagos por cada um dos três a esse título de despesas correntes mensais; e mais afirmando aí, por outro lado, que «tudo o que seja alimentação, são contas separadas» [relativamente à sua mãe].

9a)
Por seu lado, a tal respeito, e confirmando isso mesmo, veio a ser declarado pela recorrente Maria do …, a minutos 03:20 a 04:00, o seguinte:
- «Eles [o filho e a companheira dele] ajudam a pagar a água, a luz e o gás»;
- «As comidas compram eles para eles e eu compro para mim».

10a)
Ora, em face das declarações, quer do filho da recorrente, quer da própria recorrente, acima transcritas, resulta, s.m.o., que deverá ser alterado e rectificado em conformidade com essas mesmas declarações o ponto de facto n" 44, e desde já se sugerindo, respeitosamente, a seguinte redacção quanto a tal factualidade: «44°) O seu filho e a companheira deste ajudam no pagamento das despesas correntes relativas ao consumo de água, luz e gás, que ascendem ao total de cerca de € 60,00 mensais, pagando a ré Maria do …, a esse título, cerca de € 20,00 mensais.»

11a)
Após estas rectificações da matéria de facto, nos termos que se deixaram acima descritos, e os quais se reputam de manifestamente relevantes para a decisão a proferir a final nestes autos de alimentos, temos, então, quanto às contas mensais referentes à recorrente, àquilo que fica na disponibilidade da recorrente Maria, após as despesas e encargos que tem efectivamente de suportar mensalmente que esta aufere, na verdade, o salário líquido mensal de € 516,20, ao qual a tem a recorrente de subtrair mensalmente quantias, a título de despesas e encargos fixos (para além, obviamente, de todas as demais necessidades e despesas correntes, como seja a sua alimentação, o vestuário, calçado, transportes) de cerca de € 329,66.

12a)
Assim, deduzindo este valor de € 329,66 àqueloutro dos € 516,20, temos objectivamente que resta à recorrente, por mês, apenas a quantia de € 186,54 para fazer face às suas "despesas correntes e habituais" (cf. ponto 45° dos factos considerados como provados pelo tribunal a quo), ou seja, para a sua alimentação, o seu vestuário, o seu calçado, o seu transporte e demais despesas pessoais, como qualquer outra pessoa: o que, note-se bem, já é, de per si, inferior ao valor [de € 203,35] correspondente à pensão social do regime não contributivo, levado em consideração para todos os efeitos judiciais como o rendimento mínimo indisponível para efeito de execução de alimentos devidos a filhos menores - cf. art. 17° da Portaria n" 98/2017, de 07-03, bem como o art. 738°, n" 4 do C.P.C.

13a)
Ora, se a essa quantia de € 186,54 ainda fosse retirado, como decidido pelo Mmo. Juiz, o valor mensal de € 50,50 a título de pensão mensal a pagar à autora, a recorrente ficaria unicamente com o remanescente mensal de € 136,04 para a sua alimentação, o seu vestuário, o seu calçado, o seu transporte e demais despesas correntes pessoais.

14a)
Este valor resultaria, assim, num montante mensal (€ 136,04) de verdadeira indigência, abaixo até do limiar da possibilidade de sobrevivência da recorrente, insuficiente para a própria recorrente, o que é facto público e notório, por todos e cada um de nós, bastando entrar num supermercado ou loja comercial.

15a)
Devendo, ainda, notar-se a este respeito que, quando questionada pelo Mmo. Juiz [minuto 05:10 a 05:40 das suas declarações, gravadas nos sistema áudio] se não poderia «pagar € 40 à sua mãe, todos os meses», a recorrente respondeu do seguinte modo: «Enquanto tiver o empréstimo não me posso comprometer, nem para mim às vezes chega ...»,

16a)
Significa tudo isto que, no entender da recorrente, fica plenamente provada a sua incapacidade económica para a prestação de alimentos solicitada pela autora, contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido: cor., a este respeito da prova, v.g., o decidido pelo douto ACÓRDÃO DO S.T.J. DE 09-06-2005, no proc. n" 05B1196, disponível em www.dgsi.pt.

17a)
Caso contrário, no entender da recorrente, resultara como inequívoca a violação, em concreto, do sentido do disposto e previsto no art. 2004° do Código Civil, no respeitante à "medida dos alimentos": «Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.»

18a)
A este respeito, tendo, de forma exemplar, decidido o douto ACÓRDÃO DA REL. COIMBRA DE 26-01-2010, no proc. n" 882108. 8TBTNV.C1, igualmente disponível na página informática www.dgsi.pt. que: «[...] III - Na fixação de alimentos impõe-se a ponderação cumulativa do binómio - necessidade da Autora /possibilidade do Réu (art. 2004° do CC). IV - O n" 3 do art. 2016° do CC não consagra requisitos autónomos e constitutivos do direito a alimentos, mas meros índices exemplificativos do requisito geral da "necessidade" (art. 2004° CC). V - Os alimentos não podem ser fixados em montante desproporcionado aos meios de quem se obriga, mesmo que desse modo não seja possível eliminar completamente a situação de carência do alimentado, devendo atender-se à parte disponível dos rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas.»

19a)
Posto o que, em remate final, no entendimento da recorrente, a mesma não possui manifestamente condições económicas que lhe permitam a prestação de alimentos requerida no presente processo pela autora, e daí, tendo em consideração os fundamentos e toda a factualidade supramencionada, deverá ser alterada a matéria de facto acima descrita (pontos 39° e 44°) e revogada a sentença proferida, objecto deste recurso, absolvendo-se a recorrente do pedido de alimentos formulado pela autora.

20a)
A sentença recorrida violou, salvo melhor opinião, por incorrecta interpretação e aplicação dos normativos legais e dos meios probatórios carreados para os autos, o disposto no artigo 2004°, n" 1 do Código Civil.

Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso com a consequente revogação da sentença recorrida na parte em que a condenou a prestar alimentos.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em determinar se deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto, e, consequentemente, apurar da incapacidade económica da Recorrente para prestar alimentos a sua mãe.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

3.1.1. Factos Provados

l°) A autora nasceu a ../../….
2°) Casou em ../../… com L.B. (…)
3°) Desse matrimónio nasceram cinco filhos.
a. O.T. (…), em ../../…;
b. E. (…) em ../../…;
c. Maria do (…) em ../../…;
d. A.L. (…), em ../../…;
e. Paulo (…), em ../../….
4°) A autora intentou a ação na qual peticionou alimentos ao seu cônjuge, a qual correu seus termos na Secção de Família e Menores - Jl da comarca de Viana do Castelo, sob o n° l467/l5.8T8VCT.
5°) Intentou ainda procedimento cautelar por apenso àquela ação, sendo que, por sentença proferida no dia 2 de Julho de 2015, a mesma foi julgada improcedente, por ter sido dado como provado que o ali requerido, L.B. …, não possuía condições para prestar alimentos à autora.
6°) A autora sofre de patologias graves, nomeadamente "síndrome depressivo muito grave, com tentativas de suicídio, diabetes 2, ... e artrose grave das ancas e coluna vertebral" e "incontinência urinária".
7°) Tem uma incapacidade permanente global de 74%.
8°) Necessita de auxílio de terceira pessoa para cuidados de manutenção de vida e proteção e vigilância de tentativas de suicídio.
9°) Desde 22/01/2018 reside no lar de idosos da santa casa da misericórdia em … pagando uma quantia mensal de € 550,00.
10°) Despende uma média mensal de € 25,50 em medicamentos.
11°) Anteriormente encontrava-se integrada em família de acolhimento (particular) que se recusou a continuar a prestar esses serviços.
12°) A autora aufere uma pensão de reforma no montante de € 372,59.
13°) A autora recebe ajuda económica dos seus filhos A.L. e Paulo.
14°) A ré E. exerce a profissão de operária fabril, auferindo uma quantia mensal no valor de € 580,00.
15°) Aufere uma pensão de sobrevivência no valor de € 170,41.
16°) Reside em … em casa própria, da qual é comproprietária com um sobrinho que reside em Valença.
17°) Reside com a sua filha Diana, de 23 anos, atualmente desempregada.
18°) Despende ainda quantia de € 60,00 mensais em transporte para o local de trabalho.
19°) Suporta as despesas correntes e habituais da sua situação pessoal e familiar.
20°) A ré A.L. exerce a atividade de empregada de balcão, auferindo um quantia de € 580,00 a título de salário.
21°) Vive com o seu companheiro, dono do restaurante onde exerce atividade.
22°) Vivem em casa arrendada, pagando a quantia de € 475,00 a título de renda mensal.
23°) O seu companheiro aufere, a título de salário, a quantia mensal de € 598,58.
24°) Suporta as despesas correntes e habituais da sua situação pessoal e familiar.
25°) A ré O.T. exerce a profissão de porteira.
26°) Aufere um salário de € 290,00 mensais.
27°) Paga € 20,00 de renda.
28°) Padece de doença crónica, despendendo uma média mensal de € 35,00 em medicação.
29°) Por força da doença deixou de exercer serviços remunerados de limpeza.
30°) O que fez com que deixasse de auxiliar economicamente a autora.
31°) Recebe ajuda do seu filho para prover às suas despesas.
32°) Suporta as despesas correntes e habituais da sua situação pessoal e familiar.
33°) O réu Paulo vive com a sua esposa e uma filha, nascida em 2006.
34°) Vivem em casa própria.
35°) Exerce a profissão de operário fabril, auferindo a quantia mensal de € 638,00.
36°) A sua esposa é auxiliar de ação educativa, auferindo mensalmente a quantia de € 590,00.
37°) O casal encontra-se a pagar cerca de € 175,00 mensais por dois empréstimos contraídos para aquisição da habitação e da mobília da mesma.
38°) Suporta as despesas correntes e habituais da sua situação pessoal e familiar.
39°) A ré Maria do … é empregada de restaurante, auferindo a quantia mensal de € 580,00 a título de salário.
40°) Vive com o seu filho e a companheira deste, em casa própria.
41°) O seu filho é entregador de pizas auferindo um salário variável, mas fixado entre os € 230,00 e os € 280,00.
42°) Paga mensalmente a quantia de € 220,00 pelo empréstimo contraído pela aquisição da habitação.
43°) Paga ainda € 83,00 mensais de condomínio e € 80,00 anuais de seguro da habitação.
44°) O seu filho e a companheira deste ajudam no pagamento das despesas correntes.
45°) Suporta as despesas correntes e habituais da sua situação pessoal e familiar.

3.1.2. Factos Não Provados

Com relevância para a decisão da causa, não existem factos não provados.
*
3.2. O Direito

3.2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto

Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7.4.2016, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.

Apesar disso, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.

A Recorrente considera incorrectamente julgados os factos 39° e 44° do elenco dos factos provados.

A matéria em causa é a seguinte:

39°) A ré Maria do … é empregada de restaurante, auferindo a quantia mensal de € 580,00 a título de salário.
44°) O seu filho e a companheira deste ajudam no pagamento das despesas correntes.

No entender da Recorrente, o facto 39° deverá referir-se ao valor de € 516,20, pois ao valor recebido a título de salário (€ 580,00) haverá que descontar a taxa de 11%, da segurança social. O facto 44º de acordo com a prova produzida deveria ter como redação que «O seu filho e a companheira deste ajudam no pagamento das despesas correntes relativas ao consumo de água, luz e gás, que ascendem ao total de cerca de € 60,00 mensais, pagando a ré Maria, a esse título, cerca de € 20,00 mensais.»

Salvo o devido respeito, não assiste razão à Recorrente.

Em primeiro lugar, o que foi dado como provado, critério utilizado em relação às condições socioeconómicas de todos os Réus, é que a ré Maria do … é empregada de restaurante, auferindo a quantia mensal de € 580,00 a título de salário. A referência não é feita em termos ilíquidos ou líquidos, sendo que se atentarmos nos recibos de vencimento juntos pela própria Recorrente e reportados a dezembro de 2016 e janeiro de 2017 verificamos que o valor ilíquido é superior àquele indicado.

O relatório social de fls. 110, que não foi impugnado, refere o salário base mensal de € 580,00, e se neste pode não vir descontado o valor da taxa da contribuição da segurança social, também não vem contemplado o acréscimo correspondente ao valor de subsídio de refeição.

Isto para significar, para o efeito a atender, que não há utilidade em alterar o montante de € 580,00, na medida em que se ao mesmo haveria a descontar a contribuição relativa à Segurança Social, também haveria a acrescer o montante de subsídio de alimentação. Verificados os recibos de vencimento reportados a meses anteriores, o resultado manter-se-ia inalterado.

Não há, pois, razões para alterar este facto.

Quanto ao facto 44º, contribuir para o pagamento da água, luz e gás, outra coisa não é que ajudar no pagamento das despesas correntes.

Donde, improcede a apelação quanto à modificabilidade da decisão de facto.
*
3.2.2. Da subsunção jurídica

A presente ação circunscreve-se no âmbito particular dos deveres dos filhos para com os pais configurando uma ação de alimentos proposta por uma mãe contra os seus filhos.

Pais e filhos devem-se mutuamente assistência, compreendendo o dever de assistência a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os próprios recursos, para os encargos da vida familiar (art. 1874.º do Código Civil).

Acreditamos que o interesse protegido pela lei com a imposição da obrigação alimentar é o interesse da vida daquele que se encontra em necessidade. Trata-se, nos dizeres de Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos (1), de um interesse individual tutelado por razões de humanidade.

Surge-nos, nesta linha, a solidariedade familiar.

O Estado Social deve prover ao bem-estar dos cidadãos e ao fazê-lo cumpre uma autêntica obrigação jurídica, no âmbito dos direitos sociais.

Todavia, a esfera de proteção pública não substitui a esfera privada, familiar.

As prestações públicas não são muitas vezes suficientes para se viver dignamente. Quando tal acontece, por força dos constrangimentos orçamentais, a solidariedade familiar torna-se indispensável enquanto função de complementação da solidariedade social.

Nesta senda, a lei prevê um direito de alimentos dos pais em relação aos seus filhos.

Este direito depende da verificação de certos pressupostos: o ascendente tem de estar em situação de necessidade, e os descendentes têm de ter possibilidades económicas para lhe prestar alimentos.

Na situação de necessidade cabe apenas averiguar a existência da situação de necessidade que justifica a obrigação de alimentos, independentemente da causa, e quanto à possibilidade económica a mesma deve ser ponderada à luz das necessidades pessoais de auto-subsistência do próprio devedor de alimentos (2).

Os recursos económicos do devedor, a par da necessidade económica do credor, são os dois critérios integradores da decisão de fixação do quantum dos alimentos, havendo assim que respeitar a proporcionalidade e a adequação daquelas possibilidades com estas necessidades.
A lei aponta alguns critérios para o cálculo da obrigação alimentar.

Os alimentos deverão ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver que recebê-los.

Como bem se evidenciou na sentença recorrida, não esclarecendo a lei o que deve entender-se por "meios", coloca-se a questão de saber se se devem contabilizar apenas os rendimentos que o devedor aufira periodicamente ou se se devem computar também outros elementos do ativo, como por exemplo bens imóveis de que seja titular. Quer a doutrina quer a jurisprudência tem ido no sentido de que devem contar apenas os valores que o devedor de alimentos aufira de forma reiterada no tempo. A possibilidade do obrigado “deve, em princípio, ser aferida pelos seus rendimentos e não pelo valor dos seus bens, devendo atender-se às receitas e despesas do obrigado, ponderando não só os rendimentos dos bens como quaisquer outros proventos, os provenientes do trabalho ou as remunerações de carácter eventual, como gratificações, emolumentos, subsídios'". (3)

O art. 2009° do Código Civil vem elencar aqueles que estão obrigados a prestar alimentos e no caso dos descendentes, a obrigação defere-se segundo a ordem da sucessão legítima, sendo que se algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subsequentes.

Daqui decorre, como esclarece Remédio Marques (4), que a obrigação alimentar não é pura ou estritamente parciária ou conjunta, visto que cada um dos obrigados não se encontra, apenas, obrigado à sua parte na prestação total; pelo contrário, podem eles responder pela parte que a outros caiba prestar, na falta ou insuficiência de meios económicos destes últimos, desde que os primeiros disponham de tais possibilidades. Mas também não é puramente solidária, pois que ela não pode ser pedida, na totalidade, a qualquer um dos devedores da mesma

Revertendo ao caso concreto, no que concerne às necessidades da autora, atualmente com 81 anos de idade, a mesma aufere uma pensão de reforma no valor de € 372,59, vive num lar, onde paga € 550,00, despende uma média de € 25,50 em medicamentos e tem uma incapacidade permanente global de 74%.

Cremos, não haver dúvidas que a autora não possui rendimentos suficientes para fazer face às suas necessidades mais básicas.
Assim, estamos perante uma situação em que a autora necessita de alimentos.
Sendo a Recorrente, enquanto filha, uma das obrigadas a prestar alimentos cumprirá averiguar se tem possibilidades de o fazer e em que montante.
Ainda que a sua condição económica seja parca, a Recorrente possui rendimentos que lhe permitem auxiliar a autora, sua mãe.

A Recorrente aufere a quantia mensal de € 580,00 a título de salário. Vive com o seu filho e a companheira deste, em casa própria. Paga mensalmente a quantia de € 220,00 pelo empréstimo contraído pela aquisição da habitação. Paga ainda € 83,00 mensais de condomínio e € 80,00 anuais de seguro da habitação. O seu filho e a companheira deste ajudam no pagamento das despesas correntes. Suporta as despesas correntes e habituais da sua situação pessoal e familiar, que no seu caso se podem computar em € 200,00 atento o número de membros do seu agregado familiar, valor que deverá ser dividido por três, uma vez que o seu filho e a companheira deste auxiliam no pagamento destas despesas (aqui a decisão recorrida seguiu, e bem, as regras da experiência comum e o facto de nenhum dos réus ter comprovado outras despesas que possam acrescer às de uma qualquer família portuguesa nas mesmas circunstâncias).

Daqui resulta a possibilidade de a Recorrente Maria do … prestar auxílio à sua mãe, a título de alimentos, pelo valor de € 50,50 mensais.

Improcede, pois, a apelação.
*
IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 10 de Janeiro de 2019

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves
2º - Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes


1. Notas ao Código Civil. Vol. VII, (Arts. 1796.º a 2334.º), Lisboa, 2002, pag. 216.
2. Neste sentido, Remédio Marques, in "Em Torno do Estatuto da Pessoa Idosa no Direito Português: Obrigação de Alimentos e Segurança Social", in Boletim da Faculdade de Direito, Vol. 83, pag. 192.
3. Moutinho de Almeida, “Os Alimentos no Código Civil de 1966”, ROA, 1968, pag. 99 e ainda Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado, vol. II, Almedina, na anotação ao art. 2004º.
4. In "Em Torno do Estatuto da Pessoa Idosa no Direito Português: Obrigação de Alimentos e Segurança Social", in Boletim da Faculdade de Direito, Vol. 83, pag. 19.