Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
128/10.9TBMLG.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: SERVIDÃO
DIVISÃO
DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Pode ser provada testemunhalmente a divisão material de prédios, o que não implica que, desse modo, se dê como juridicamente adquirido o respectivo direito.
II - Assim, nada impede que, provados os demais elementos, possa ocorrer uma aquisição por usucapião sustentada nessa divisão verbal.
III - Portanto, quando o tribunal dá como provado esse facto não viola qualquer norma legal, nomeadamente o artº 364º do Código Civil.
IV - Ainda que a divisão dos prédios tenha ocorrido em termos materiais, urge não esquecer o efeito retroactivo da usucapião, consignado no artº 1288º do Código Civil e, portanto, nada obsta a que se reconheça a constituição da servidão por destinação de pai de família, consubstanciada nos elementos legalmente exigidos, ao tempo da real divisão.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


I – RELATÓRIO.

1. M… ,residente em Braga e A… , residente em Melgaço, intentaram a presente acção negatória de servidão, com processo ordinário, contra F… e M… , residentes em Monção, pedindo:
A) Se declare que as autoras são donas e legítimas possuidoras de um prédio urbano identificado no artº1º da petição;
B) Se declare que esse prédio não está onerado com nenhuma servidão de passagem a favor do prédio das rés, identificado no artº 22º da mesma petição;
C) Se declarare que esse prédio das rés tem o seu acesso de e para a via pública, pelo primeiro andar, através de umas escadas em pedra, e pelo rés-do-chão, através de duas portas tudo como descreve no artº26º do petitório;
D) Se condene as rés a abster-se, de imediato, de transitarem através do prédio das autoras, de e para o seu prédio;
E) Se condene as mesmas a pagar, como sanção pecuniária compulsória, a importância de €200,00, por cada vez que abusivamente passem no prédio das autoras a partir do transito em julgado da sentença.

2. Contestaram as rés e reconviram, pedindo que:
- Se declare que da raiz ou nua propriedade do prédio identificado nos artºs 4°, 8°c) e 23°, da contestação é legítima dona a R. M… e do usufruto vitalício dele é titular R. F… ;
- Se declare que o prédio das AA está onerado com direito de servidão de passagem de pessoas a pé, com ou sem cargas, com gado solto ou preso, com carros de tracção animal e com veículos motorizados, nomeadamente tractores agrícolas, com ou sem atrelados, e veículos automóveis, ao longo de todo o ano, em todos os anos, e a qualquer hora do dia ou da noite, em proveito do das RR aludido nos artºs 4°, 8°c) e 23° da contestação e 24° da petição inicial;
- Se condene as AA a reconhecer os pedidos alinhados supra e a tirarem, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da sentença, o cadeado aludido no artº166° da contestação, a fim de que a folha do portão, onde ele se encontra, possa ser aberta sempre e quando as RR precisem de exercer o seu alegado direito de servidão, no que também concerne ao trânsito com carros de tracção animal, tractores agrícolas, com ou sem atrelados, e veículos automóveis;
- E, ainda, a recuarem, também no sobredito prazo de 10 (dez) dias, os vasos, com flores, a que se alude no artº 167° da contestação, de modo a não dificultarem o exercício da servidão de passagem em causa, mormente no que tange ao trânsito com carros de tracção animal, tractores agrícolas, com ou sem atrelados, e veículos automóveis;
- Finalmente, a absterem-se da prática de quaisquer actos violadores do direito de servidão em questão.

3. Os autos seguiram os seus termos, vindo a ser proferida sentença que:
A) Declarou que as autoras são donas e legítimas possuidoras do prédio urbano composto de casa de morada de r/c e 1º andar com rossios, sito no lugar de Portela, da Freguesia de Paderne, desta Comarca, a confrontar do norte com O…, do sul com A… e filhos, do nascente com F… e do poente com Estrada Municipal, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 1341º e descrito na CRP de Melgaço sob o nº 00776/070198.
B) Julgou improcedente o demais peticionado pelas autoras.
C) Declarou que da raiz ou nua propriedade do prédio composto de casa de morada, com quintal, sita no lugar de Portela, a confrontar do nascente com J… e mulher E… , do poente com caminho, do norte com A… e do sul com S…, descrita na CRP de Melgaço sob o nº27012 e inscrito na respectiva matriz sob o artº407º é legítima dona a R. M… e do usufruto vitalício dele é titular a R. F… .
D) Declarou que o prédio das autoras referido em A) deste dispositivo, está onerado com direito de servidão de passagem de pessoas a pé, com ou sem cargas, com gado preso, com carros de tracção animal, e com veículos motorizados, nomeadamente tractores agrícolas, com ou sem atrelados, e veículos automóveis de mercadorias para os efeitos referidos em 47º, ao longo de todo o ano, em todos os anos, e a qualquer hora do dia ou da noite, em proveito do das RR aludido em C).
E) Condenou as AA a tirar, no prazo máximo de 10 dias a contar do trânsito da sentença, o cadeado aludido no artº 166° da contestação, a fim de que a folha do portão, onde ele se encontra, possa ser aberta sempre e quando as RR precisem de exercer o seu alegado direito de servidão, no que também concerne ao trânsito com carros de tracção animal, tractores agrícolas, com ou sem atrelados, e veículos automóveis de mercadorias, ou a fornecer uma chave do mesmo às RR.
F) Condenou, ainda, as AA a recuar, no mesmo prazo, os vasos, com flores, a que se alude no artº 167° da contestação, de modo a não dificultarem o exercício da servidão de passagem em causa, mormente no que tange ao trânsito com carros de tracção animal, tractores agrícolas, com ou sem atrelados, e veículos automóveis de mercadorias.

4. Inconformadas, apelaram as AA, rematando as pertinentes alegações com seguintes conclusões:
(…)

Terminam pela revogação da sentença recorrida e pela procedência do pedido que haviam formulado.

5. Foram oferecidas contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão proferida.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) Em 27.08.1997, no Cartório Notarial de Melgaço, as Autoras outorgaram a escritura de justificação que se encontra junta a fls. 16 a 20 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
B) Pela apresentação nº01/070198, encontra-se registada a favor das Autoras a aquisição por usucapião da casa de morada de r/c e 1º andar com rossios, sito no lugar de Portela, da Freguesia de Paderne, desta Comarca, a confrontar do norte com O…, do sul com A… e filhos, do nascente com F… e do poente com Estrada Municipal, inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo 1341º, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Melgaço sob o nº 00776/070198.
C)Há mais de 30 e 40 anos, A… e mulher, tios das Autoras, fizeram-lhes a doação verbal do prédio identificado em B), prédio com muitos anos de construção (mais de 100 anos) que, após a morte daquele, se foi degradando. Estando desabitado durante alguns anos.
D)A… e mulher, enquanto vivos foram, habitaram o prédio identificado em B), onde tinham instalada a sua economia doméstica, aí pernoitavam e faziam as suas refeições, habitavam no 1° andar e guardavam animais no rés-do-chão.
E) Mesmo depois do falecimento da sua primeira esposa, o dito A… contraiu segundas núpcias e aí continuou a viver até à sua morte, tendo aí vivido algum tempo a segunda esposa de A… , após o decesso deste.
F) Há cerca de 10 anos, as Autoras procederam à reconstrução, quer exterior quer interior, do prédio identificado em B), incluindo a parte dos rossios.
G)O prédio identificado em B), através do seu logradouro, está onerado com uma servidão de passagem para um outro prédio que se situa entre esse prédio e o prédio identificado em J), e pertencente a A… .
H)Na matriz urbana da freguesia de Paderne, do concelho de Melgaço, com o artigo 406°, figurou o imóvel, situado no lugar da Portela, dessa freguesia de Paderne, aí descrito assim: “Casa de morada construída de pedra e cal, com dois pavimentos, um térreo e outro sobradado, e rossios, a confrontar do norte com E… , sul com F…, nascente com A… , e do poente com caminho”,
I) A requerimento da Autora M… correu termos, na Repartição de Finanças do concelho de Melgaço, o processo de discriminação n.º 1/97, por via do qual, do prédio aludido em H), resultaram as duas unidades prediais, nesse processo assim descritas: a) prédio urbano composto de casa de morada de rés-do-chão, primeiro andar e rossios, a confrontar do norte com as Autoras, do sul com F… , do nascente com F… e do poente com caminho municipal, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 1340.°; e b) prédio urbano composto de casa de morada e rossios, a confrontar do norte com O… , sul com A… e filhos, nascente com F… e A… e poente com estrada municipal, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1341°.
J) Por escritura de doação outorgada em 06.04.1963, que se encontra junta a fls. 76-78 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, J… e mulher E… doaram à Ré F… , sua sobrinha, no estado de casada sob o regime da comunhão geral de bens com J…, a casa de morada, com quintal, sita no lugar de Portela, a confrontar do nascente com os doadores, do poente com caminho, do norte com A… e do sul com S… , descrita na Conservatória do Registo Predial de Melgaço sob o nº 27012, a fls. 165v.º do livro n. B66, e inscrita na respectiva matriz sob o artigo 407.°
L) Pela apresentação n.º 3 de 1964/04/17, encontra-se registada a favor de F… a aquisição, por doação, da casa de morada com quintal sita no lugar de Portela, a confrontar do nascente com os doadores, do poente com caminho, do norte com A… e do sul com S… , descrita na Conservatória do Registo Predial de Melgaço sob o nº1667/20090806, descrição extraída do nº27012, do livro n. B66, e inscrita na respectiva matriz sob o artigo 407.°
M) No âmbito dos autos de inventário obrigatório com o nº11/1985, deste Tribunal, por óbito de J…, marido e pai, respectivamente, das Rés F… e M… , correram os termos constantes da certidão que se encontra junta a fls. 117-15 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo sido adjudicado à Ré F… o prédio identificado em J), aí identificado sob a verba n.º 39, sita no lugar de Portela, da Freguesia de Paderne.
N)Pela apresentação n.º 731, de 2009/08/06, encontra-se registada a favor da Ré F… a aquisição por partilha da herança do prédio identificado em J.)
O)Por escritura de doação outorgada em 20.10.2008, que se encontra junta a fls. 71-73 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a Ré F… , com reserva do usufruto vitalício para si, doou à Ré M… , sua filha, e por conta da quota disponível dela doadora, a raiz ou nua propriedade do prédio identificado em J).
P) Pela apresentação nº772, de 2009/08/06, encontra-se registada a favor da Ré M… a aquisição, por doação, da raiz ou nua propriedade do prédio identificado em J).
Q)Pela apresentação nº772, de 2009/08/06, encontra-se registada a favor da Ré F… a aquisição, o usufruto, por reserva de doação, do prédio identificado em P).
R)A casa identificada em J) tem acesso de e para a via pública, directamente para a estrada municipal que liga o lugar da Portela ao lugar do Peso, através de três portas rasgadas na parede, no rés-do-chão através de duas portas que dão directamente para a estrada (via pública), e no 1° andar através de um lanço de escadas em cimento que partem da estrada municipal e dão directamente para uma porta, cuja única finalidade é permitir a entrada e saída para esse 1° andar.
S) Até há cerca de 10 anos, funcionou no rés-do-chão da casa identificada em J) uma loja, a que o público acedia pelas duas portas que dão directamente para a rua.
Das respostas aos artigos da base instrutória:
1) No âmbito da reconstrução mencionada em F) dos Factos Assentes, as Autoras repararam, na sua maior parte, as paredes exteriores, colocaram placas de piso e tecto, transformaram o rés-do-chão, onde antes estavam as cortes de animais, em zona habitacional, colocaram um novo soalho, fizeram novas divisões, estucaram os tectos, colocaram novo telhado e procederam à canalização de águas quentes e frias, bem como à instalação de electricidade. -Quesito 1º
2) E colocaram paralelo por todo o quintal de acesso, que antes era em terra batida, colocaram na entrada de acesso à estrada municipal um portão em ferro, em substituição de um outro que aí existia, e dispuseram no quintal alguns vasos com flores para embelezamento. -Quesito 2º
3) As Autoras ainda repararam o pequeno murete em pedra que veda o quintal da parte de cultivo, que também lhes pertence. -Quesito 3º
4) O prédio identificado em B) dos Factos Assentes é utilizado com frequência pela Autora M… , que tendo normalmente a sua residência em Braga, onde exerce a sua actividade de Professora, aproveita os momentos de folga, fins-de-semana e férias para aí encontrar repouso, (muitas vezes com pessoas amigas) desfrutando do ambiente e paisagem que envolvem o meio. -Quesito 4º
5) No logradouro da casa, agora empedrado, mas antes em terra, os antecessores das Autoras colocavam mato, lenha e utensílios agrícolas e tratavam e colhiam as uvas de uma latada que cobria o recinto. Com o esclarecimento de que esse mato, lenha e utensílios agrícolas eram normalmente arrumados, encostados, junto às paredes da casa, por forma a ficar livre e desimpedido todo o demais espaço que integrava esse logradouro. -Quesito 5º
6) Na parte dos rossios de cultivo, mais concretamente na parte de cultivo referida na resposta ao quesito 3º, sempre os antecessores das Autoras, e depois estas, colhiam hortaliças e fruta por si ou interpostas pessoas. -Quesito 6º
7) Os actos descritos em 5) e 6) sempre foram praticados, quer pelas Autoras quer pelos seus antecessores, à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que fosse, na convicção de que são os seus donos e legítimos. -Quesito 7º
8) Na parte posterior do rés-do-chão do prédio identificado em J) existe uma dependência destinada a armazém de mercadorias. Entre essa dependência e o espaço onde está instalada a loja referida em S) da matéria assente existe comunicação directa através de uma porta. Do quintal da casa referido em J) da matéria assente acede-se a essa dependência de armazém através de duas portas que deitam directamente para o exterior, para esse quintal. -Quesito 8º
9) Essas portas (as referidas em S) dão acesso ao espaço do rés-do-chão onde está instalada a loja, e desse espaço é possível aceder à dependência destinada a armazém, e desta ao quintal, através das portas referidas na resposta ao quesito anterior. -Quesito 9º
10) A porta do 1º andar, e as escadas que lhe dão acesso, referidas na alínea R) da matéria assente, são normalmente utilizadas quando da visita do compasso pascal, da saída de funerais e permitem a entrada e saída de pessoas para a via pública. -Quesito 9º-A)
11) Do respectivo 1° andar, para se aceder ao quinteiro que se situa a norte, o prédio identificado em J) dos Factos Assentes possui umas escadas em pedra, que por aí permitem entrada e saída para/de a dita casa. -Quesito 9º-B
12) As rés circulam, nomeadamente a pé, pelo quintal ou logradouro da casa identificada em B) para acederem desde a sua casa e quintal ou logradouro para a via pública, e desta para aqueles. -Quesito 10º
13) Relativamente ao acesso ao 1º andar da casa identificada em J), para passarem pelo quintal da casa identificada em B) dos Factos Assentes, as Rés têm de descer ou subir pelas escadas em pedra que dão directamente para o seu quintal, aceder depois ao quintal da aludida casa, atravessá-lo em todo o seu comprimento no sentido nascente-poente, ou vice-versa, abrir o portão em ferro que veda o dito prédio identificado em B) dos Factos Assentes da via pública e depois aceder a esta. Esclarecendo-se que entre os logradouros ou quintais dos prédios identificados em B) e J) existe ainda a entrada referida na resposta aos quesitos 28º e 31º. -Quesito 12º
14) A ré M… faz-se acompanhar, por vezes, de uma cadela. -Quesito 15º
15) As autoras são confrontadas com a passagem das rés e de outras pessoas que se dirigem à casa destas, aquelas por vezes acompanhadas pela cadela, e essa situação também se verifica quando aquelas autoras têm visitas, designadamente ao fim-de-semana. -Quesito 17º
16) Essa situação provoca alguma inibição nas autoras quanto à utilização do quintal ou logradouro. –Quesito 18º
17) Na freguesia de Paderne, concelho de Melgaço, existe um prédio que se compõe de casa de morada, a confrontar do norte com A…, do poente e sul com caminho e do nascente com F…. -Quesito 19º
18) Os prédios descritos em H) e J) dos Factos Assentes e em 19º formaram, outrora, uma só unidade predial. -Quesito 20º
19) As cinco unidades prediais aludidas em H), I) e J) dos Factos Assentes e em 19º resultaram de divisões e demarcações de que a unidade predial referenciada em 20º foi objecto. -Quesito 21º
20) Divisões e demarcações essas verbais, operadas, relativamente às três unidades prediais mencionadas em 20º, há já mais de 80 anos e, quanto às duas unidades prediais apontadas em I) dos Factos Assentes, há já mais de 40 anos. -Quesito 22º
21) E que, ao longo de tantos anos, sempre se mantiveram, como representadas estão nas plantas que se encontram juntas a 67 (doc.s n.ºs 2 e 3 juntos com a contestação) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. -Quesito 23º
22) Sempre os respectivos titulares as detendo de forma exclusiva e contínua, à vista de toda a gente, com ânimo de, sobre elas, exercerem os correlativos direitos de propriedade, sem oposição de quem quer que fosse, antes todos reconhecendo que só eles eram os seus legítimos donos e possuidores. -Quesito 24º
23) O quintal da casa identificada em J) dos Factos Assentes localiza-se a norte dela, estando nele assentes as escadas, em pedra, pelas quais dele se acede ao 1° andar da casa, e vice-versa, e um alpendre, afecto, essencialmente, à recolha de lenhas, uma prensa, para espremer as uvas, e um lagar, para se pisar as uvas. -Quesito 25º
24) Para o aludido quintal dão directamente quatro portas, ao nível do rés-do-chão da casa identificada em J) dos Factos Assentes, com as dimensões (largura e altura) que consta da planta que se encontra junta a fls.68 (doc. n.º 4 junto com a contestação) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. -Quesito 26º
25) Rasgada no muro que, pelo norte e poente, veda o quintal/terreno de logradouro/rossios do prédio identificado em B) dos Factos Assentes, existe uma entrada, com a largura de 1,92m, ladeada por ombreiras em pedra e nas quais estão cavados frisos, adequados à colocação de portões, que dá directamente para a estrada municipal, outrora caminho público, que, atravessando o dito lugar da Portela, segue até ao lugar do Peso, da freguesia de Paderne. -Quesito 27º
26) No extremo norte do quintal da casa identificada em J) existe uma entrada, com a largura de 2,47m, ladeada por dois pilares/colunas, em pedra, que dá directamente para o terreno de quintal/logradouro do prédio identificado em I-b) dos factos assentes. -Quesito 28º
27) Enquanto existiu a unidade predial a que se alude em 20º, as escadas mencionadas em 25º, as portas referenciadas em 26º e a entrada aludida em 27º já estavam onde actualmente se encontram e se apresentavam como no presente sucede. -Quesito 29º
28) Das portas referidas em 26): a) a que tem a largura de 1.72m dá acesso a uma divisão afecta a adega; b) a que tem a largura de 1,00m dá acesso a outra divisão afecta a corte; c) a que tem a largura de 1,12m dá acesso a mais uma divisão afecta a armazém e a local de taberna, que aí funcionou até há uns 10 anos; d) a que tem a largura de 1,57m dá acesso a essa mesma divisão. -Quesito 30º
29) Há já mais de 50 anos que a entrada referida em 28º está onde, actualmente, se encontra e como, agora, se apresenta, maxime no que à largura dela tange. -Quesito 31º
30) Nas paredes poente e sul do prédio identificado em J) dos Factos Assentes, ao nível do rés-do-chão, estão rasgadas duas portas, com as dimensões (largura e altura) assinaladas na planta que se encontra junta a fls.68, as quais dão para a divisão mais a poente desse mesmo rés-do-chão, que até há uns 10 anos esteve afecta à actividade comercial, como mercearia e taberna. -Quesito 32º
31) Ao nível do 1º andar do prédio identificado em J) dos Factos Assentes, na sua parede sul, está rasgada a porta que consta na planta que se encontra junta a fls.69 (doc. Nº5 junto com a contestação) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. -Quesito 33º
32) A entrada aludida em 27º sempre esteve apta a ser utilizada para, a partir da via pública, para onde directamente dá, por ela aceder a tal prédio, e vice-versa“, com todo o tipo de trânsito, nomeadamente, pessoas a pé, com ou sem carga, com gado preso ou solto, e com carros de tracção animal. -Quesito 35º
33) Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 31º, e que essa entrada se manteve funcional até aos dias de hoje. -Quesito 36º
34) Entre as duas sobreditas entradas sempre se fez a travessia do quintal/logradouro do prédio referido em B) desde a estrada municipal, outrora caminho público, que corre a poente dos prédios aludidos em H), I) e J). -Quesito 37º
35) Essa travessia processa-se por um trajecto localizado junto ao murete em pedra referido em 3º, que delimita o quintal/logradouro do prédio referido em B) pelo nascente, e, através da entrada referida em 28º, prolonga-se pelo interior do prédio de J). -Quesito 38º
36) Esse trajecto permite uma ocupação do piso do quintal/logradouro do prédio referido em B), em toda a sua extensão, numa largura idêntica à da entrada aludida em 27º. -Quesito 39º
37) Até à altura em que as autoras procederam à reconstrução referida em F), o piso do quintal/logradouro do prédio referido em B), e do trajecto de travessia aludido, apresentou-se sempre em terra batida, duro e calcado, por onde se processava o trânsito de pessoas, animais e carros de tracção animal e, desde há uns 30/40 anos a esta parte, passaram a circular veículos motorizados, como tractores agrícolas, com ou sem atrelados, e veículos automóveis de transporte de mercadorias. -Quesito 40º
38) Quando as autoras procederam às obras referidas em F) dos Factos Assentes, pavimentaram o leito desse trajecto de travessia com paralelos graníticos, ficando como agora se apresenta. -Quesito 41º
39) Para, da via pública, se aceder à unidade predial aludida em 20º, a pé, com ou sem cargas, com gado preso, e com carros de tracção animal, máxime à parte da mesma que veio a constituir o prédio identificado em J) dos Factos Assentes, e vice-versa, sempre os seus donos fizeram todo esse trânsito, durante todo o ano, em todos os anos, e a qualquer hora do dia ou da noite. -Quesito 42º
40) E, uma vez formada a unidade predial correspondente do prédio identificado em J) dos Factos Assentes, com a entrada mencionada em 28º, os donos desse prédio, para, da falada via pública acederem a esse seu prédio, e deste àquela, continuaram a transitar através das entradas aludidas em 27º e 28º e do trajecto de travessia referido em 37º e 38º, a pé, com ou sem cargas, com gado preso, com carros de tracção animal, e, desde que há uns 30 e 40 anos, no sítio, passaram a utilizar-se, com veículos motorizados, designadamente tractores agrícolas, com ou sem atrelados, e veículos automóveis de transporte de mercadorias, estes apenas para os efeitos previstos na resposta ao quesito 47º. -Quesito 43º
41) O trânsito, durante todo o ano, em todos os anos, a qualquer hora do dia ou da noite, da via pública, a sobredita estrada municipal, e antes caminho público, para o prédio identificado em J) dos Factos Assentes, e vice-versa, seja de pessoas a pé, com ou sem cargas, com gado preso, com carros de tracção animal e veículos motorizados, desde que há uns 30 e 40 anos, no sítio, vêm sendo utilizados, designadamente tractores agrícolas, com ou sem atrelados, e veículos automóveis de transporte de mercadorias, estes apenas para os efeitos previstos na resposta ao quesito 47º. -Quesito 44º
42) O trânsito referido nas respostas a 42º, 43º e 44º é feito pelas rés e por quantos as antecederam na propriedade e uso do prédio referido em J), o que acontece há mais de 50 anos. -Quesito 45º
43) Sempre fizeram esse trânsito com o ânimo de que têm o direito de se servirem através do prédio referido em B) para acederem ao prédio aludido em J), sem oposição de quem quer que seja, sem que fossem embaraçados no exercício desse direito, que por todos era reconhecido. -Quesito 46º
44) O trânsito que se processava nas condições referidas nas repostas de 40º, 42º, 43º a 46º, destinava-se ao acesso a pé para o prédio referido em J), para levar os animais para a corte, o transporte dos géneros agrícolas colhidos noutros prédios rústicos que lhes pertencem, designadamente as uvas para fabrico do vinho, as lenhas que utilizam para aquecimento e cozinhar, os géneros que comercializavam na loja instalada no rés-do-chão e materiais de construção para obras que levem a cabo no 1º andar. -Quesito 47º
45) As portas referidas em R) dos Factos Assentes são as mencionadas em 32º e 33º e que assinaladas também se encontram nas sobreditas plantas que se encontram juntas a fls. 68 e 69 (doc.s n.ºs 4 e 5 juntos com a contestação), com as medidas (larguras e alturas) que daí também constam. -Quesito 48º
46) As portas aludidas em 32º, enquanto na divisão do prédio identificado em J) dos Factos Assentes esteve instalado o estabelecimento comercial a que também se alude naquele 32º, eram as de acesso da via pública a esse estabelecimento e deste àquela, sendo que a essa divisão se seguia a afecta ao armazém referido em 30ºc), que também servia de taberna de tal estabelecimento comercial. Com o esclarecimento que consta da resposta de 9º. -Quesito 49º
47) A porta mencionada em 33º tem acesso pelas escadas referendadas em R) dos Factos Assentes e dá para a parte mais a poente do 1° andar do prédio identificado em J) desses Factos Assentes. -Quesito 50º
48) Através das portas aludidas em 32) e 33), atentas as suas dimensões, não é possível, a partir da via pública, alcançar-se o quintal do prédio identificado em J) dos Factos Assentes, e vice-versa, com gado, carros de tracção animal, e veículos motorizados. -Quesito 51º
49) O armazém mencionado em 8º é o que se referencia em 30ºc), sendo a comunicação entre o quintal do prédio identificado em J) dos Factos Assentes e esse armazém, estabelecida pelas duas portas mencionadas em 30ºc) e d). -Quesito 52º
50) Tanto na divisão do prédio identificado em J) dos Factos Assentes afecta à actividade comercial, como a divisão desse mesmo prédio afecta a armazém e taberna, continuam aptas ao exercício dessa actividade, mantendo-se, naquela, o balcão e as prateleiras respectivas e, nesta, o vasilhame para armazenamento do vinho. -Quesito 53º
51) Aquando da doação referida em O) dos Factos Assentes, havia já mais de 20 anos que a Ré F… se encontrava na posse do prédio identificado em J) dos Factos Assentes, sempre se aproveitando de todas as suas utilidades, designadamente: - na casa, habitando-a, melhorando-a, conservando-a, exercendo o comércio de mercearia e taberna e recolhendo os animais; - no quintal, depositando lenhas, transformando as uvas em vinho e procedendo à criação de aves de capoeira. –Quesito 54º.
52) Actos que sempre praticou de forma contínua e exclusiva, à vista de toda a gente, com ânimo de, sobre ele, exercer os poderes correspondentes ao direito de propriedade, sem a oposição de quem quer que fosse, antes todos reconhecendo, ao longo de tão dilatado período de tempo, que só ela era a sua legítima dona e possuidora. -Quesito 55º
53) Há cerca de oito anos, reportados a esta data, as autoras dotaram a entrada aludida em 27º de novos portões em ferro, de duas folhas. -Quesito 56º
54) Em 26.09.2010, as Autoras, socorrendo-se do cadeado, que assinalado se encontra na planta junta a fls. 68 (doc. n.º 4 e 5 junto com a contestação), adaptado à folha do lado direito, para quem entra, do sobredito portão, que fecharam à chave, “travaram” a abertura dessa folha desse portão. -Quesito 57º.
55) O que fizeram sem conhecimento e consentimento das rés. -Quesito 58º
56) O descrito em 57º impede a passagem pelas Rés com carros de tracção animal, veículos motorizados, tais como tractores agrícolas e veículos automóveis. -Quesito 59º
57) Em momento ulterior à colocação dos reditos portões, as Autoras puseram vasos com flores dos lados do local utilizado como trajecto para travessia do prédio referido em B). -Quesito 60º
58) Os vasos colocados, designadamente os junto ao murete referido em 3º e 38º, não permitem a passagem desse tipo de veículos. -Quesito 61º

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B. Há que ter presente que:
Ao presente recurso é aplicável o novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, de acordo com o artº 5º, nº1, da Lei Preambular (cf. nesse sentido “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Abrantes Geraldes, 2013, pag.16).
O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº4, do Código de Processo Civil);
Nos recursos apreciam-se questões e não razões;
Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Nas suas, aliás mui doutas, alegações as apelantes impugnam a resposta dada à matéria de facto, pugnando pela resposta negativa aos quesitos 20, 21, 22 e 23.
Nesta matéria, rege agora o artº 640º que, no que ao ónus do recorrente interessa, é similar ao anterior artº 685º-B.
Assim, segundo o nº1 daquele, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) (…)
3 – (…)
Esta imposição de o apelante indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sob pena de rejeição, constava já, como se disse, do anterior artº 685º-B. Daí que, em casos desta natureza, não haja lugar ao cumprimento do disposto no artº 3º da Lei 41/2013.
Volvendo ao caso em apreciação, verifica-se que as recorrentes alegam que a testemunha A… não depôs exactamente pela forma constante da fundamentação da resposta à matéria de facto e que, assim, sustentando esta testemunha a resposta aos aludidos quesitos, padecem eles de fundamentação insuficiente. Sem razão, porém.
De acordo com o disposto no artº 653º, nº2, do anterior Código de Processo Civil, o tribunal deve especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Subjacente a esta norma está a possibilidade de controlar a razoabilidade da convicção do julgador no julgamento do facto provado ou não provado (v. por exemplo, Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 1997, pg. 348).
Nos quesitos ora em causa dá-se como provado que:
Os prédios descritos em H) e J) dos Factos Assentes e em 19º formaram, outrora, uma só unidade predial. -Quesito 20º
As cinco unidades prediais aludidas em H), I) e J) dos Factos Assentes e em 19º resultaram de divisões e demarcações de que a unidade predial referenciada em 20º foi objecto. -Quesito 21º
Divisões e demarcações essas verbais, operadas, relativamente às três unidades prediais mencionadas em 20º, há já mais de 80 anos e, quanto às duas unidades prediais apontadas em I) dos Factos Assentes, há já mais de 40 anos. -Quesito 22º
E que, ao longo de tantos anos, sempre se mantiveram, como representadas estão nas plantas que se encontram juntas a 67 (doc.s n.ºs 2 e 3 juntos com a contestação) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. -Quesito 23º
Ora, na fundamentação à matéria de facto, pode ler-se no respectivo despacho que as respostas resultaram da conjugação e análise crítica de toda a prova produzida, nomeadamente a trazida aos autos, a inspecção ao local e as plantas, no depoimento de parte da autora e nos depoimentos testemunhais.
Concretamente acerca da testemunha A… o que o tribunal refere foi realmente dito pela mesma e corrobora a falada inicial unidade predial que veio a ser materialmente dividida pelo modo dado como provado. Acresce que ter-se enunciado que se encontram vestígios de que o prédio não foi construído de uma só vez em nada colide com a prova de que se tratava, inicialmente, de uma única unidade predial.
A aludida testemunha, com 70 anos, foi para ali viver pouco depois de ter nascido e nunca de lá saiu, relatando minuciosamente e de modo desinteressado e acertivo como toda aquela realidade predial se foi desenvolvendo, depoimento que vai de total encontro às respostas dadas.
Finalmente, urge não esquecer que a lei – artº 653º, nº2 – não leva aos limites ora pretendidos no recurso, a exigência de fundamentação, referindo que devem ser especificados os fundamentos, o que se mostra cabalmente cumprido no despacho em apreciação.
Alegam, por último, as recorrentes que, face ao estatuído no artº 364º, nº1, do Código Civil, não poderia ter sido produzida prova testemunhal sobre a divisão dos prédios, uma vez que tal divisão teria de ser feita ou por via judicial ou por escritura pública.
Também não lhe assiste razão. Pode ser provada testemunhalmente a divisão material de prédios, o que não implica, claro está, que, desse modo, se dê como juridicamente adquirido o respectivo direito. Assim, nada impede que, provados os demais elementos, possa ocorrer uma aquisição por usucapião sustentada nessa divisão verbal.
Portanto, quando o tribunal dá como provado esse facto não viola qualquer norma legal, nomeadamente o invocado artº 364º do Código Civil.
Concluindo, mantém-se inalterada a matéria de facto consignada na 1ª instância.
Centrando-se, agora, a apreciação sob o ponto de vista jurídico, relembre-se que se está perante uma acção de simples apreciação negativa, na qual as autora pediram, além do mais, que fosse declarado que o prédio que lhes pertence não está onerado com qualquer servidão de passagem a favor do das rés.
Na contestação as mesmas RR invocaram que a favor do seu prédio está constituída uma servidão por destinação do pai de família e, ainda, subsidiariamente, por usucapião.
A sentença recorrida concluiu que se verifica a existência de servidão de passagem, com os dois fundamentos.
Como sabemos, as servidões prediais podem ser constituídas por via contratual, por testamento, usucapião e destinação do pai de família – art. 1547º, nº1, do Código Civil.
Ora, de acordo com o artº 1549º desse mesmo diploma “se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções do mesmo prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para outro, serão estes sinais havidos como forma da servidão, quando em relação ao domínio, os dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento”.
Cremos que ser inquestionável que se verificam os falados sinais de serventia do prédio das AA para o das RR, traduzidos, nomeadamente, pela existência de um portão com a largura de 2,47 metros, devidamente identificado a fls.68 dos autos, que deita para o logradouro do prédio das apelantes, o qual tem também um outro portão que, por sua vez, deita para a via pública. Ora, este último portão servia toda a unidade predial da qual resultaram os prédios em causa nos autos e dele nascia um caminho que se apresentava em terra batida, duro e calcado, (como resulta da resposta ao quesito 42º) e que servia de acesso a toda a dita unidade, nomeadamente entre as duas entradas (cf. resposta ao quesito 37º).
Da resposta ao quesito 22º resulta provado que o prédio donde resultaram os ora em litígio dividiu-se materialmente há mais de 80 anos e resulta também da resposta ao quesito 29º que enquanto a dita unidade predial existiu, já o prédio das RR tinha as escadas e as portas e já existia o portão que hoje se situa no prédio das AA.
E embora não apareça concretamente apurada a data em que foi construído o portão que deita do prédio das RR para o das AA, sabendo-se apenas que existe há mais de 50 anos – resposta ao quesito 31º- não se pode esquecer o que resulta provado da resposta aos quesitos 42º e 43º, ou seja, que uma vez formada a unidade predial correspondente do prédio identificado em J) dos Factos Assentes, com a entrada mencionada em 28º, os donos desse prédio, para, da falada via pública acederem a esse seu prédio, e deste àquela, continuaram a transitar através das entradas aludidas em 27º e 28º e do trajecto de travessia referido em 37º e 38º, a pé, com ou sem cargas, com gado preso, com carros de tracção animal, e, desde que há uns 30 e 40 anos, no sítio, passaram a utilizar-se, com veículos motorizados, designadamente tractores agrícolas, com ou sem atrelados, e veículos automóveis de transporte de mercadorias, estes apenas para os efeitos previstos na resposta ao quesito 47º.
Da conjugação desta factualidade colhem-se, assim, sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um para outro e que, por existirem à data em que cada um passou a ser possuidor exclusivo, terão de ser havidos como forma da servidão.
Como pode ler-se no acórdão do STJ de 29-03-2011 (Procº745/04.6TBALQ.L1.S1), pertinente para os autos:
«Como requisito essencial da constituição da servidão por este título avulta, desde logo, a exigência de se estar perante uma situação de serventia estabelecida entre dois prédios ou duas parcelas de um prédio, criada ou seguida pela pessoa que de tais prédios ou fracções era o dono, verificando-se os sinais da serventia e utilização ao tempo da separação da titularidade dos prédios ou das fracções».
Do mesmo modo, consta do “Código Civil Anotado”, dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, vol. III, págs.632/633, o seguinte:
“Assim, dos quatro pressupostos exigidos pelo Código anterior para a constituição da servidão, ficaram de pé os três fundamentais.
O primeiro é que os dois prédios, ou as duas fracções do prédio, tenham pertencido ao mesmo dono.
Tanto faz que os prédios sejam rústicos ou sejam urbanos, que um seja rústico e o outro urbano; e nenhum obstáculo constitui também à solução a diferente aplicação dada a cada um dos prédios (habitação, instalação dum estabelecimento comercial, etc.).
É também irrelevante que os prédios sejam contíguos ou que entre eles se situem outros prédios, uma via pública ou um terreno baldio (cfr. a nota 8 ao art. 1543º). A servidão constituir-se-á desde que exista uma relação de serventia entre os dois prédios que deixam de ter o mesmo dono, sendo indiferente o título (servidão, mera tolerância, licença administrativa, contrato com eficácia obrigacional, etc.) em que assenta a utilização dos prédios ou terrenos intermédios (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 222).”
Acrescenta-se, em anotação ao aludido 1549º (obra citada) que a norma substituiu a expressão “servidão” por “serventia” para significar exactamente que a servidão, como tal, só nasce quando os prédios ou as fracções se separam quanto à sua titularidade.
E mais à frente, na pag.635, ensina, ainda que «a servidão resultante da verificação dos pressupostos indicados no artº 1549º não é uma servidão legal, mas uma servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou as fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes, embora tal classificação não seja equivalente a dizer que ela resulta de uma declaração negocial.
Ainda que a divisão dos prédios tenha ocorrido em termos materiais, urge não esquecer o efeito retroactivo da usucapião, consignado no artº 1288º do Código Civil e, portanto, nada obsta a que se reconheça, ainda assim, a constituição por destinação de pai de família, consubstanciada nos elementos citados, ao tempo da real divisão.
Todavia, ainda que não tivesse ficado provada a servidão com tal fundamento, sempre a apelação teria de improceder pois que, como bem sabem as apelantes, foi invocada a constituição de servidão por usucapião, o que a sentença recorrida abordou igualmente, para concluir que também por essa via o direito das RR teria de ser reconhecido. Para ela se remete nos termos do artº 663º, nº6, do Código de Processo Civil, tanto mais que os respectivos requisitos não constituem fundamento de recurso.
Mostra-se acertada a decisão recorrida quando conclui que o prédio das AA se mostra onerado com uma servidão de passagem constituída a favor do das RR, para os efeitos consignados na resposta ao quesito 47º.
Em sede de apelação, as AA invocam que a passagem pelo seu prédio deve ser entendida como acto de mera tolerância. Esquecem, todavia, o que resulta da lei quanto à constituição de servidão por destinação do pai de família, estipulando, como se disse, que os sinais serão havidos como de servidão.
Como acima se transcreveu, «A servidão constituir-se-á desde que exista uma relação de serventia entre os dois prédios que deixam de ter o mesmo dono, sendo indiferente o título (servidão, mera tolerância, licença administrativa, contrato com eficácia obrigacional, etc.) em que assenta a utilização dos prédios ou terrenos intermédios (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 222)».
Além disso, também ficou provado que as rés sempre fizeram esse trânsito com o ânimus de quem tem o direito de se servir – cf. resposta ao quesito 46º.
Quanto à desnecessidade da servidão, já abordada na sentença recorrida, as apelantes parecem, desde logo, esquecer que não formularam esse pedido, pelo que não há sequer que averiguar da verificação dos respectivos requisitos.
Finalmente, nesta apelação é também invocada a colisão entre o direito das AA à intimidade da vida privada e à propriedade plena e o das RR de por ali transitarem. Por força dessa colisão e do disposto no artº 1565º do Código Civil, deve, pelo menos, ser concedida a passagem entre as 9 e as 22 horas.
Mais uma vez, as AA esquecem que não formularam esse pedido, tendo optado por intentar acção de simples apreciação negativa. Como, do mesmo modo, esquecem que não sujeitaram essa questão à apreciação do tribunal a quo.
Acontece, porém, que este Tribunal é um tribunal de recurso, pelo que não aprecia questões novas.
Na verdade, “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em regra, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas” – Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pag.90.
A questão agora em apreço está a ser colocada pela primeira vez à apreciação judicial, ofendendo, por essa via, o princípio da preclusão e desvirtuando a finalidade dos recursos.
Fica, assim, vedado o respectivo conhecimento.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelas apelantes.
Guimarães, 23 de janeiro de 2014
Raquel Rego
António Sobrinho
Isabel Rocha