Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
241/21.7T8GMR-B.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS NÃO VENCIDOS
JUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
O período de três anos do nº2 do art. 693º do Código Civil, inicia-se com o incumprimento do devedor.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Banco ..., SA, credor Reclamante nos autos de “Reclamação de Créditos” em curso, que correm por apenso aos autos de Execução Comum em que é exequente X Investment Nº 2, e são Executados/Reclamados L. T. e S. F., veio interpor recurso da sentença de graduação de créditos proferida na parte em que se declara que “no que concerne aos juros reclamados apenas reconhece e gradua para pagamento “os juros relativos aos 3 anos posteriores ao incumprimento (art. 693º do Cód. Civil), sendo que, no caso e por não ter sido alegado incumprimento autónomo, se considerará como data do mesmo a data de registo da penhora”.
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes Conclusões:

I. Não se conforma o Recorrente com a sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo douto Tribunal a quo a fls. do processo, porquanto:

i. pese embora gradue correctamemte os créditos hipotecários do recorrente para satisfação pelo produto da venda da fracçáo hipoteca logo após as custas que saem precípuas, no que concerne aos juros garantidos pela hipoteca nos termos do n,º 2 do artigo 693.º do C.C. determina que só serão considerados juros relativos aos 3 anos posteriores ao incumprimento (art.693º do Cód. Civil), sendo que, no caso e por não ter sido alegado incumprimento autónomo, se considerará como data do mesmo a data de registo da penhora” (sublinhado nosso) o que, revela que, com o respeito que é devido, o douto Tribunal a quo não fez correcta e adequada aplicação do direito, nos termos que se passarão a expor.
II. Ora, o aqui Recorrente foi citado para os termos da acção executiva dos autos principais, nos termos e para os efeitos do art. 786.ºCPC, n.º 1, alínea b) e 788.º, n.º 2 do CPC em virtude da penhora registada sobre a fracção autónoma sobre a qual o Recorrente goza de garantia real proveniente de Hipotecas.
III. Mediante o competente articulado, o Banco ..., S.A., aqui Recorrente reclamou o pagamento de um crédito global de € 264 316,66 (duzentos e sessenta e quatro mil trezentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos), cifrado à data da apresentação da reclamação de créditos e que emerge de dois contratos de mútuo com hipoteca celebrados em 19.06.2007 junto do então Y-Banco ..., S.A. através do qual aqueles lhes concedeu, solidariamente e a prazo, financiamento nas quantias de € 250.000,00 e € 100.000,00 para, respectivamente, aquisição de habitação própria e permanente e para fazer face a compromissos financeiros dos mutuários/Executados nos autos principais L. T. E S. F..
IV. Sendo que os créditos reclamados nos presentes autos, anteriormente titulados pelo Y – Banco ..., S.A., foram alienados ao “Banco ..., S.A.”, daí a legitimidade do Reclamante “Banco ..., S.A.” relativamente ao crédito global que detém sobre os Executados e que reclamou.
V. E foi, tal crédito, reclamado pelo Recorrente nos termos do disposto no artigo 788.º do C.P.C. por, conforme supra se referiu, gozar de garantia real sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao quarto andar direito para habitação tipo T-4 com uma garagem localizada na cave identificada pela letra G, pertencente ao prédio urbano sito em Lugar …, também designado por Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães com o n.º ... da freguesia de ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo n.º ....
VI. Reclamou o Rte. os créditos que detém sobre os Executados e que abrangem, o capital em dívida dos empréstimos, bem como os juros remuneratórios vencidos e vincendos bem como os juros moratórios convencionados (a contar da data de entrada em mora e só se a mesma se verificar), calculados às taxas indicadas, o imposto de selo que sobre os mesmos incide e no caso em que ao mesmo haja lugar (que ocorre apenas no caso do segundo contrato de mútuo com hipoteca) e as despesas convencionadas.
VII. A hipoteca confere ao Rte. o direito de ser pago pelo produto da venda do imóvel sobre que incide, com prevalência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, e assegurando os acessórios do crédito que constem do registo, incluindo os juros relativos a não mais de três anos contados desde o início do incumprimento por parte dos mutuários (artigos 686.º e 693.º do Código Civil) até ao montante máximo assegurado pela hipoteca.
VIII. Sucede que, na sentença de verificação e graduação de créditos sob censura, pode ler-se:
“A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo - cfr. art. 686º, nº1, do Cód. Civil.----
A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo - cfr. art. 693º, nº1 do Cód. Civil.----
São acessórios do crédito, entre outros, os juros, as despesas de constituição da hipoteca, do registo desta, a pena estabelecida para o caso de não cumprimento.---
Só serão considerados juros relativos aos 3 anos posteriores ao incumprimento (art.693º do Cód. Civil), sendo que, no caso e por não ter sido alegado incumprimento autónomo, se considerará como data do mesmo a data de registo da penhora” (sublinhado nosso).
IX. Não se vislumbrando na fundamentação da sentença em riste quais as razões de facto e/ou de direito para que se equipare, no caso, à data de incumprimento a data do registo da penhora.
X. Assim, e apesar de a sentença não se encontrar, nessa concreta parte, devidamente fundamentada em violação do disposto no artigo 607.º do C.P.C, verificando-se omissão de fundamentação que configura, assim, nulidade da sentença, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. que deverá ser suprida, o que se requer, a mesma encontra-se, ainda, em violação da lei substantiva.
XI. Com efeito, a douta sentença de verificação e graduação de créditos proferida não se mostra conforme à lei, designadamente ao disposto no artigo 693.º, n.º 2 do Código Civil e nos artigos 788.º, n.º 7 e 791.º, n.º 3 ambos do C.P.C
XII. A hipoteca confere ao Rte. o direito de ser pago pelo produto da venda do imóvel sobre que incide, com prevalência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, e assegurando os acessórios do crédito que constem do registo, incluindo os juros relativos a não mais de três anos contados desde o início do incumprimento por parte dos mutuários (artigos 686.º e 693.º do Código Civil) até ao montante máximo assegurado pela hipoteca.
XIII. E no que diz respeito à contagem do prazo de três anos deve ter-se presente que “por mais consentânea com os princípios que regem o cumprimento das obrigações e a finalidade da garantia hipotecária, o período de três anos do n.º 2 do art. 693.º do Código Civil, inicia-se com o incumprimento do devedor” (cfr., neste sentido, Ac. do STJ, datado de 30/11/2010, proferido no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 1254/07.7TBGDM-A, disponível para consulta in www.dgsi.pt)”.
XIV. Ocorre que, nos termos do disposto no artigo 788.º, n.º 7 do C.P.C., o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos, ainda que o seu crédito não esteja vencido, tal qual sucedeu com o crédito reclamado pelo ora Recorrente.
XV. Sendo que, quando algum dos créditos graduados não esteja vencido, a sentença de graduação de créditos determina que, na conta final para pagamento, se efectue o desconto correspondente ao benefício da antecipação.
XVI. Não poderia, com o respeito que é devido e que é muito, em face de tais disposições legais, o Tribunal a quo equiparar um incumprimento que não existe, ainda (e que poderá vir a existir ou não), à data do registo da penhora do imóvel dado em garantia real na execução dos autos principais, porquanto tal lesa o Recorrente nos seus direitos, coarctando os limites da garantia de que beneficia.
XVII. À data da reclamação de créditos inexistia incumprimento contratual por banda dos mutuários, e como tal o crédito do aqui Rte não se encontrava vencido, mas tal não implica que tal incumprimento não venha, porventura, a ocorrer e na pendência da execução, sendo certo que, conforme supra se referiu, o limite de três anos de juros que assegura a hipoteca sempre terão de se contar da efectiva data de incumprimento que possa vir a ocorrer sob pena de se desvirtuar a função da garantia real prestada em frontal violação da lei.
XVIII. Seguindo o entendimento da doutrina e jurisprudência dominantes, ponderando o disposto no artigo 693.º, n.º 2 do CC, a sua razão de ser e finalidade, concluímos que a lei não estabeleceu qualquer termo inicial (Inicial ou final) para a contagem dos juros garantidos e que, depois de afastada a possibilidade de se começarem a contar desde o registo da hipoteca, não sendo outra a liquidação do credor, eles são devidos desde (e desde quando) exigíveis, ou seja do incumprimento, a partir daí se contando o período máximo de três anos e não da data do registo da penhora, para a qual em nada contribuiu ou concorreu o Reclamante com a sua actuação pelo que limitar os juros garantidos a tal hiato temporal resulta em manifesto prejuízo do Credor Reclamante que tem direito, nos termos da lei, ao abrigo das hipotecas de que beneficia, a três anos de juros contados sobre o incumprimento.
XIX. O concurso de credores visa permitir a todos os credores que gozem de alguma preferência a reclamação dos seus créditos, porém, mesmo que o crédito admitido a concurso não esteja vencido, daí não decorre que fique por graduar, há sim que, na conta final para pagamento, efectuar o desconto correspondente ao benefício da antecipação.
XX. Nessa conformidade, porquanto se conclui a sentença recorrida viola as normas e os princípios jurídicos constantes do disposto nos art. 607., n.º 2, do C.P.C, nos artigos 693.º do Codigo Civil e ainda os artigos 788.º, n.º 7 do C.P.C e 791.º, n.º 3 do C.P.C., porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores, requer-se a revogação da sentença de verificação e graduação de créditos proferida e a substituição da mesma por uma outra sentença que:
- mantendo, quanto ao produto da venda do imóvel a graduação dos créditos hipotecários do aqui Recorrente, logo após a satisfação das custas que saem precípuas, elimine a seguinte referência “Só serão considerados juros relativos aos 3 anos posteriores ao incumprimento (art.693º do Cód. Civil), sendo que, no caso e por não ter sido alegado incumprimento autónomo, se considerará como data do mesmo a data de registo da penhora” passando a fazer constar, o reconhecimento e graduação do crédito hipotecário do Banco ..., S.A., “até ao montante máximo garantido pela hipoteca com o limite quanto a juros, de três anos posteriores ao incumprimento, mais se determinando que, caso o incumprimento não venha entretanto a ocorrer, na conta final para pagamento, se efectue o desconto correspondente ao benefício da antecipação.

Termos em que deve o presente recurso proceder, com as legais consequências e, assim, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra sentença que,
- mantendo, quanto ao produto da venda do imóvel a graduação dos créditos hipotecários do aqui Recorrente, logo após a satisfação das custas que saem precípuas, elimine a seguinte referência “Só serão considerados juros relativos aos 3 anos posteriores ao incumprimento (art.693º do Cód. Civil), sendo que, no caso e por não ter sido alegado incumprimento autónomo, se considerará como data do mesmo a data de registo da penhora” passando a fazer constar, o reconhecimento e graduação do crédito hipotecário do Banco ..., S.A., “até ao montante máximo garantido pela hipoteca com o limite quanto a juros, de três anos posteriores ao incumprimento, mais se determinando que, caso o incumprimento não venha entretanto a ocorrer, na conta final para pagamento, se efectue o desconto correspondente ao benefício da antecipação.”

Não foram proferidas contra-alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixado no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do Código de Processo Civil, atentas as Conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, é a seguinte a questão a apreciar, suscitada pelo apelante:
- invocada nulidade de decisão por falta de fundamentação nos termos da alinea b) do nº1 do artº 615º do CPC
- da contagem da garantia dos juros na graduação de créditos não vencidos.

FUNDAMENTAÇÃO

A) São os seguintes os factos com interesse à decisão do presente recurso:

I. Factos declarados provados na decisão recorrida:

a) Está penhorada, nos autos de execução a que os presentes se encontram apensos, a fracção autónoma designada pela letra "BU", correspondente a uma habitação, tipo T1, no rés-do-chão centro, com garagem e arrecadação na cave, com entrada pelo no nº .. do prédio sito à Rua …, …, inscrita na matriz urbana sob o artigo … da União das freguesias de …, … e …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº … /19880819 - BU (….).--
b) A aquisição por compra, a favor do executado L. T., casado com a executada S. F. no regime da comunhão de adquiridos, da fracção mencionada em a), encontra-se registada desde 26/9/2006.---
c) A penhora referida em a) está registada desde 21/6/2021;----
d) Os executados constituíram sobre a fracção referida em a), hipoteca a favor do reclamante Banco..., SA como garantia do financiamento por aquele concedido, de €: 100.000, ao juro anual de 10,5%, acrescido de 2% em caso de mora, despesas de €: 4000, no montante máximo assegurado de €: 141.500;---
e) A hipoteca identificada em d) encontra-se registada desde 26/9/2006, pela ap.28;--f) Os executados constituíram sobre a fracção referida em a), hipoteca a favor do reclamante Banco..., SA como garantia do financiamento por aquele concedido, de €: 12500, ao juro anual de 10,5%, acrescido de 2% em caso de mora, despesas de €: 500, no montante máximo assegurado de €: 17.687,50;---
g) A hipoteca identificada em f) encontra-se registada desde 26/9/2006, pela ap. 29;--
h) Os executados constituíram sobre a fracção referida em a), hipoteca a favor do reclamante Banco..., SA como garantia do financiamento por aquele concedido, de €: 30.000, ao juro anual de 10,5%, acrescido de 2% em caso de mora, despesas de €: 1200, no montante máximo assegurado de €: 42450;---
i) A hipoteca identificada em h) encontra-se registada desde 28/3/2007;--
j) Está penhorada, nos autos de execução a que os presentes se encontram apensos, a fracção autónoma designada pela letra "G", correspondente a uma habitação, tipo T4, no ..º andar …, com garagem na cave, no Bloco 1, com entrada pelo no nº … do prédio sito à Rua ..., Guimarães, inscrita na matriz urbana sob o artigo ...º da freguesia de ..., Concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº .../19990308-G (...).--
k) A aquisição por compra, a favor do executado L. T., casado com a executada S. F. no regime da comunhão de adquiridos, da fracção mencionada em j), encontra-se registada desde 18/5/2007.---
l) A penhora referida em j) está registada desde 21/6/2021;----
m) Os executados constituíram sobre a fracção referida em j), hipoteca a favor do reclamante Y, SA como garantia do financiamento por aquele concedido, de €: 250.000, ao juro anual de 7,7%, acrescido de 4% em caso de mora, despesas de €: 10.000, no montante máximo assegurado de €: 347.750;---
n) A hipoteca identificada em m) encontra-se registada desde 18/5/2007, pela ap. 2;--
o) Os executados constituíram sobre a fracção referida em a), hipoteca a favor do Y, SA como garantia do financiamento por aquele concedido, de €: 100.000, ao juro anual de 7,7%, acrescido de 4% em caso de mora, despesas de €: 4000, no montante máximo assegurado de €: 139.100;---
p) A hipoteca identificada em o) encontra-se registada desde 18/5/2007, pela ap. 3.—
q) O Banco ..., S.A., anteriormente denominado «Companhia Geral de Crédito ..., S.A.» e usou a denominação «Crédito ..., S.A.», resultou da fusão por incorporação do Banco ..., S.A. e do Banco …, S.A. (que anteriormente se denominava «W – Banco de …, S.A.»).-
r) Por Deliberação do Banco de Portugal, tomada em 20/12/2015, foi aplicada ao Y – Banco ..., S.A. uma medida de resolução nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 145.º-E do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto- Lei n.º 298/92, de 31/12, na redacção introduzida pela Lei n.º 23-A/2015, de 26/03, mediante a qual foi determinada a alienação ao Banco ..., S.A. dos direitos e obrigações que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Y – Banco ..., S.A., constantes do Anexo 3 da referida Deliberação, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-M do RGICSF, tendo a generalidade da actividade e do património do Y – Banco ..., S.A. sido transferido, de forma imediata e definitiva, para o Banco ..., S.A;—

II. Na sentença de graduação de créditos proferida foram os créditos julgados verificados, e graduados pela seguinte forma:

Julgo verificados os créditos dos reclamantes e graduo os créditos reclamados e exequendo para serem pagos:--
a) (...)
b) pelo produto da venda da fracção autónoma designada pela letra "G", do prédio sito à Rua ..., Guimarães, descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº .../19990308-G (...), da seguinte forma:---
1º - Custas da acção executiva e apensos;---
2º - Crédito do reclamante Banco ..., SA garantido pela hipoteca registada em 18/5/2007 pela ap. 2, até ao limite – inclusive temporal -, da mesma;--
3º - Crédito do reclamante Banco ..., SA garantido pela hipoteca registada em 18/5/2007 pela ap. 3, até ao limite – inclusive temporal -, da mesma;--
4º - (...)
III. Consta da fundamentação da decisão, e cfr. já despacho de reparação de nulidade de 28/4/2022:
“Só serão considerados juros relativos aos 3 anos posteriores ao incumprimento (art. 693º do Cód. Civil), sendo que, no caso e por não ter sido alegado incumprimento autónomo, se considerará como data do mesmo a data de registo da penhora.-----
Com efeito, a penhora espoletou a dedução de reclamação a qual pode redundar na venda do imóvel e no pagamento do crédito, sendo que nesse caso, se impõe a liquidação dos juros com vista a esse pagamento”
IV. No requerimento inicial o ora apelante, credor reclamante, “reclamou os créditos que detém sobre os Executados e que abrangem, o capital em dívida dos empréstimos, bem como os juros remuneratórios vencidos e vincendos bem como os juros moratórios convencionados (a contar da data de entrada em mora e só se a mesma se verificar), calculados às taxas indicadas, o imposto de selo que sobre os mesmos incide e no caso em que ao mesmo haja lugar (que ocorre apenas no caso do segundo contrato de mútuo com hipoteca) e as despesas convencionadas”.

B). O DIREITO

I. Tendo a apelante vindo a invocar nulidade de decisão por falta de fundamentação nos termos da alínea b) do nº1 do artº 615º do CPC, por despacho de 28/4/2022 veio a Mª Juiz “a quo” proceder à reforma da decisão na parte impugnada, expondo os fundamentos exarados na indicada decisão.
E, a invocada nulidade processual não subsiste.
Os vícios previstos no citado art.º 615º do Código de Processo Civil, geradores de nulidade da sentença, são vícios de cariz adjectivo ou processual e que afectam a decisão na sua estrutura processual, invalidando-a ou tornando-a incompleta ou incompreensível, relativamente aos vícios ora apontados.
Assim, e relativamente à falta de fundamentação, reporta-se a lei a total ausência de fundamentação, e não a fundamentação insuficiente ou, eventualmente, errada, e a um desconhecimento absoluto da questão objecto da decisão (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2004, p.04B1409, in www.dgsi.pt), “Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento)” - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça , de 23- -05-2006, Proc. n.º 06A10 90, in www.dgsi.pt..
O despacho recorrido contém fundamentação suficiente, que o torna compreensível, estando já em causa a apreciação de vícios que respeitam à apreciação do mérito da decisão.
II. Pretende o apelante seja a sentença recorrida revogada e substituída por outra sentença que,
“- mantendo, quanto ao produto da venda do imóvel a graduação dos créditos hipotecários do aqui Recorrente, logo após a satisfação das custas que saem precípuas, elimine a seguinte referência “Só serão considerados juros relativos aos 3 anos posteriores ao incumprimento (art.693º do Cód. Civil), sendo que, no caso e por não ter sido alegado incumprimento autónomo, se considerará como data do mesmo a data de registo da penhora” passando a fazer constar, o reconhecimento e graduação do crédito hipotecário do Banco ..., S.A., “até ao montante máximo garantido pela hipoteca com o limite quanto a juros, de três anos posteriores ao incumprimento, mais se determinando que, caso o incumprimento não venha entretanto a ocorrer, na conta final para pagamento, se efectue o desconto correspondente ao benefício da antecipação.”
1. Como se demonstra nos autos veio o ora apelante, credor reclamante, reclamar “os créditos que detém sobre os Executados e que abrangem, o capital em dívida dos empréstimos, bem como os juros remuneratórios vencidos e vincendos bem como os juros moratórios convencionados (a contar da data de entrada em mora e só se a mesma se verificar), calculados às taxas indicadas, o imposto de selo que sobre os mesmos incide e no caso em que ao mesmo haja lugar (que ocorre apenas no caso do segundo contrato de mútuo com hipoteca) e as despesas convencionadas”.
Sendo credor com garantia real sobre o bem penhorado na execução e de crédito não vencido foi admitido à execução nos termos do nº7 do artº 788º do CPC.
Nestas circunstâncias, efectivamente, e como dispõe o artº 791º-nº3 do CPC, tendo o crédito sido graduado, na sentença de graduação deverá determinar-se que, na conta final para pagamento, se efectue o desconto correspondente ao benefício de antecipação.
E, apenas o não vencimento do crédito verificado à data da sentença de graduação é condição de cumprimento do citado artº 791º-nº3 do citado diploma legal.
Com efeito, e como referem A.Geraldes, P.Pimenta e P.Sousa, in CPC, anotado, Vol II, 2ª edição, pg.193/4: “ Na verdade, enquanto o vencimento (ou, pelo menos, a exigibilidade) da obrigação é um pressuposto específico da acção executiva ( artº 713º), tal requisito já não é imposto ao credor reclamante o qual pode apresentar-se na execução ainda que o crédito não esteja vencido (artº 788º-nº7), embora deva na altura própria, dar-se cumprimento ao prescrito pelo artº 791º,nº3”.
Relativamente à efectivação do “desconto” e como refere Salvador da Costa, in “O concurso de credores, 5ª edição, p.232, citado in obra citada, pg.200: “ Tal desconto “ deve operar com base na taxa de juros convencionada, ou à luz da taxe de juros legais relativos à espécie da obrigação envolvente, tendo em conta o tempo contado entre a data da sentença e a do vencimento do crédito em causa”.
Nos termos expostos, deverá determinar-se que fique a constar na sentença de graduação, (e com referência à reclamação de créditos deduzida pelo apelante, objecto de apreciação no presente recurso), que, na conta final para pagamento, se efectue o desconto correspondente ao benefício de antecipação, nos termos do artº 791º-nº3 do CPC, nesta parte procedendo, parcialmente, a apelação.
2. Pretende, ainda, a apelante que se elimine a seguinte referência constante da sentença de graduação - “Só serão considerados juros relativos aos 3 anos posteriores ao incumprimento (art.693º do Cód. Civil), sendo que, no caso e por não ter sido alegado incumprimento autónomo, se considerará como data do mesmo a data de registo da penhora” – passando a fazer constar, o reconhecimento e graduação do crédito hipotecário do Banco ..., S.A., “até ao montante máximo garantido pela hipoteca com o limite quanto a juros, de três anos posteriores ao incumprimento”.
“Estruturalmente, a reclamação de créditos configura uma petição inicial, devendo o reclamante alegar a titularidade de um crédito sobre o executado, suportado em documento dotado de força executiva (artº 788º-nº2, 1ª parte) e a circunstância de tal crédito dispor de garantia real sobre um bem penhorado na execução, concluindo com o pedido de reconhecimento desse crédito (...)” – autores e obra citada, pg.196.
No caso sub judice, o ora apelante, credor reclamante, veio reclamar “os créditos que detém sobre os Executados e que abrangem, o capital em dívida dos empréstimos, bem como os juros remuneratórios vencidos e vincendos bem como os juros moratórios convencionados (a contar da data de entrada em mora e só se a mesma se verificar), calculados às taxas indicadas, o imposto de selo que sobre os mesmos incide e no caso em que ao mesmo haja lugar (que ocorre apenas no caso do segundo contrato de mútuo com hipoteca) e as despesas convencionadas”.
Como se demonstra, o reclamante, no tocante aos juros, reclamou os juros remuneratórios vencidos e vincendos e os juros moratórios convencionados (a contar da data de entrada em mora e só se a mesma se verificar).
Deverá considera-se a reclamação e o crédito tal como foi deduzido pelo credor.
Dispõe o artº 693º do Código Civil que “A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo” ( nº1 ), “Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos”.
Como refere Rui Pinto, in “Manual da Execução e Despejo”, 1ª edição, pg.891, e com referência à hipoteca nos contratos de mútuo, esta garantia abrange: a. capital mutuado, b.juros até três anos, conforme o artº 693º,nº2, CC, não sendo licita a capitalização de juros; c. e, eventualmente, despesas até ao montante contratualmente clausulado.
Como vem sendo entendido na jurisprudência, em posição que se acompanha, a limitação da garantia aos três anos de juros, mesmo no que respeita aos juros remuneratórios do capital, apenas se torna efectiva, ou seja, apenas inicia a sua contagem após o vencimento e o momento da constituição do devedor em mora, ou seja, após a verificação de incumprimento, durante o cumprimento mantendo-se a remuneração do mútuo nos termos convencionados e sendo que quanto aos juros moratórios estes dependem da verificação de mora.
Neste sentido Ac. STJ de 30/11/2010, P.1254/07.7TBGDM-A. P1.S1; Ac. STJ de 27/6/2006, P. 06A1677, todos in www.dgsi.pt.
“Nada tendo sido estipulado pelas partes, a melhor solução, a mais conforme aos princípios gerais do direito, leva a considerar que não havendo lugar a discriminar juros moratórios de juros compensatórios o prazo de três anos, deve contar-se desde o início do incumprimento por parte do mutuário;(...) Por mais consentânea com os princípios que regem o cumprimento das obrigações e a finalidade da garantia hipotecária, o período de três anos do nº2 do art. 693º do Código Civil, inicia-se com o incumprimento do devedor;”- Ac.STJ de 30/11/2010, supra citado.

Ac. TRC de 13/11/2007, P. 130-D/1999.C1:
“1) – Por força do disposto no art.693 nº2 do CC, a garantia hipotecária não cobre juros superiores a três anos, e abrange tanto os juros remuneratórios, como os moratórios, vencidos e vincendos
2) - O início do período de três anos é o dia do vencimento e consequente exigibilidade dos juros.
3) - Os juros devem ser contados até ao momento da liquidação do julgado pela secretaria, desde que se respeite o prazo imperativo dos três anos.
4) – Tendo um credor hipotecário reclamado, na acção executiva, o capital e juros vincendos ( e não os vencidos ), o prazo dos três anos da garantia hipotecária, relativamente aos juros, conta-se, não da data da reclamação do crédito, mas a partir do dia em que se venceram os primeiros juros.”
“o elemento sistemático e teleológico, apontam para a interpretação no sentido de que a contagem do período dos três anos de juros abrangidos pela hipoteca deve fazer-se a partir do momento em que os primeiros juros forem exigíveis, ou seja, o início do período dos três anos é o dia do vencimento e consequente exigibilidade dos juros ( cf., neste sentido, Ac do STJ de 27/6/2006, C.J. ano XIV, tomo II, pág.135, Ac RP de 20/9/2001, disponível em www dgsi.pt ).
Este entendimento é corroborado pelo nº3 do art.693 do CC ao conceder ao credor hipotecário a possibilidade de requerer o registo de nova hipoteca em relação aos juros em dívida que excedam os três anos, e assim, “não obstante a lei estabelecer a limitação dos juros garantidos por hipoteca a um período de três anos, o certo é que permite uma actualização progressiva da extensão da garantia, o que só se justifica considerando que o período inicial e legalmente garantido se reporta aos três primeiros anos do respectivo vencimento”- Ac. TRC, supra citado.
Nos termos expostos, considerando a reclamação deduzida e nos termos do artº 693º-nº 1 e 2 do Código Civil, na graduação do crédito do apelante deverá fazer-se constar: “(...) com o limite de três anos quanto a juros após incumprimento ”.
*
Consequentemente, passando a constar na sentença de graduação, em alteração de teor:

“b) pelo produto da venda da fracção autónoma designada pela letra "G", do prédio sito à Rua ..., Guimarães, descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº .../19990308-G (...), da seguinte forma:---
1º - (...)
2º - Crédito do reclamante Banco ..., SA garantido pela hipoteca registada em 18/5/2007 pela ap. 2, até ao limite – inclusive temporal -, da mesma;--, com o limite de três anos quanto a juros após incumprimento.
3º - Crédito do reclamante Banco ..., SA garantido pela hipoteca registada em 18/5/2007 pela ap. 3, até ao limite – inclusive temporal -, da mesma;-- com o limite de três anos quanto aos juros após incumprimento.
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Na conta final para pagamento, se efectuar-se-á o desconto correspondente ao benefício de antecipação, nos termos do artº 791º-nº3 do CPC.
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4º (...)”
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Nos termos expostos se concluindo pela parcial procedência do recurso de apelação.

Conclusão ( Sumário ):
O período de três anos do nº2 do art. 693º do Código Civil, inicia-se com o incumprimento do devedor.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e com referência ao crédito do apelante:
- em revogar a decisão na parte em que declara: “(...) no caso e por não ter sido alegado incumprimento autónomo, se considerará como data do mesmo a data de registo da penhora”.
- e, altera-se, parcialmente, o teor do ponto b) do dispositivo, nos termos acima indicados, passando a constar: “,com o limite de três anos quanto a juros após incumprimento”;
e consignando-se que “Na conta final para pagamento, se efectuar-se-á o desconto correspondente ao benefício de antecipação, nos termos do artº 791º-nº3 do CPC.
Custas pelo apelante, na proporção de 1/5.
Guimarães, 10 de Novembro de 2022

(Luísa D. Ramos )
( Eva Almeida )
( Ana Cristina Duarte )