Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2806/23.3T8VCT.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial.
II – São pressupostos da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória: 1.º A existência de indícios suficientemente fortes quanto à obrigação de indemnizar por parte do requerido; 2.º A verificação duma situação de necessidade; e 3.ª O nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo Requerente e a situação de necessidade que fundamenta o recurso à tutela cautelar.
III – O procedimento cautelar pode ser requerido antes de proposta a acção ou no seu decurso (cfr. art. 364º do CPC).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1 RELATÓRIO

Nos presentes autos de providência cautelar de ARBITRAMENTO de reparação provisória de dano[1], nos termos do disposto no art. 388º do CPC, figura como requerente AA, enquanto Acompanhante de BB - dado o seu estado comatoso -, e requeridos CC e mulher, DD, alegou aquele, em síntese, que necessita que lhe seja arbitrada e consequentemente que os Requeridos sejam solidariamente condenados no pagamento, sob a forma de renda mensal, de quantia não inferior a €500,00 (quinhentos euros), equivalente ao valor agora praticado e exigido pela Instituição que presta cuidados vitais a BB, com os agravamentos que esta venha a fixar, posteriormente, ou as mensalidades que outra Instituição similar venha a praticar, em virtude da mudança da sinistrada, por motivos e razões justificadas, atentas as circunstâncias, a título de reparação provisória de dano decorrente de acidente cuja responsabilidade imputa aos requeridos, enquanto proprietários do imóvel.
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Os Requeridos deduziram oposição e requereram a intervenção principal provocada passiva de EMP01..., que veio a ser admitida.
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EMP01... apresentou defesa que ficou sem efeito, por não ter sido constituído advogado nos autos.
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Relevou-se infrutífera a encetada tentativa de conciliação das partes.
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Realizou-se a audiência de julgamento com a observância dos formalismos legalmente previstos.
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No final, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos:

Em consequência da fundamentação exposta, julgo procedente a presente providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, e fixo, a título de reparação provisória do dano, da responsabilidade dos Requeridos CC e mulher, DD, a renda mensal de 500,00€ (quinhentos euros), a qual deverá ser paga à Autora, BB representada pelo Acompanhante AA e é devida desde setembro de 2023, com vencimento no dia 15 e no mesmo dia dos meses subsequentes.
As custas serão suportadas nos termos previstos pelo art.º 539º nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil.
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Notificados da decisão e inconformados com a mesma, nos termos do nº 1, al. a) do art. 644º do CPC, apresentaram os Requeridos recurso de apelação, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

i. No dia 07 de agosto de 2021, pelas 19h25, ocorreu um acidente no prédio urbano onde residem os Recorrentes, por cedência do parapeito da varanda, o qual levou à queda da Autora por uma altura de 6 metros.
ii. A Autora imediatamente foi levado para unidade hospitalar e está em coma profundo desde então.
iii. O tribunal ad quo julgou favoravelmente pretensão de arbitramento de reparação provisória instaurada pela Autora face à alegada urgência e necessidade económica sofrida pelos seus gastos em cuidados paliativos.
iv. Sentença essa que padece de nulidade, uma vez que não faz menção a uma das partes principais passivas do processo, pelo art.º 615.
v. O parapeito da varanda que originou o caso in judice foi instalado pela sociedade comercial EMP01....
vi. Foi requerida a intervenção principal provocada desta, tendo sido esta aceite e a firma devidamente citada nos termos do art.º 311 e seguintes do CPC.
vii. Esta deduziu oposição aos factos que lhe eram imputados, no entanto nunca constituiu mandatário, o que pelo art.º 41 do CPC tem a consequência de desprover a sua defesa de qualquer efeito.
viii. Assim, pelo art.º 319, n.º 4, do CPC em analogia, deverão aceitar os articulados da parte a que se associa - os aqui Recorrentes - pelo que aceitam e confessam não só que foram eles a proceder à empreitada, como também que a escassa aplicação de cola foi da sua responsabilidade.
ix. Mesmo que tal não se considere, deveria o tribunal a quo ter considerado pelo art.º 567, n.º 1, como confessados os factos que lhes eram imputados.
x. Os Recorrentes não tinham experiência em construção civil e não poderiam prever a cedência do parapeito, até porque o estado aparente do parapeito não indicava problemas de conservação.
xi. Todos os presentes, incluindo a Autora, consideraram à primeira vista, o parapeito em bom estado.
xii. Não houve sobrecarga, falta de manutenção ou impactos violentos no parapeito.
xiii. Os Recorrentes não poderiam nem conseguiriam prever a cedência do parapeito menos de 10 anos após sua construção, tendo procedido a uma renovação recorrendo a um profissional qualificado sem pedidos indevidos.
xiv. Assim, deve-se considerar afastada a presunção de culpa do art.º 492 do CC, até porque não há indícios de dolo ou negligência nos deveres de cuidado dos Recorrentes.
xv. Por último, não se verifica a urgência nem a dependência de causa de indemnização por morte ou dano corporal, pelo que deverá ser sempre dada como improcedente a ação, por falta de requisitos.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V.as Ex.as, deverá a douta decisão recorrida ser considerada nula nos termos do art.º 615, n.º 1, al. d).
Mesmo que tal não se entenda, o que não se admite, mas que por mero dever de patrocínio se equaciona, deverá ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a providência cautelar de arbitramento por não provada.
Sem prescindir e caso não haja melhor acolhimento,
Se revogar a decisão ora recorrida, por existir um erro notório na apreciação dos factos e na aplicação do Direito, substituindo por outra que verifique da imputação da responsabilidade sobre a Ré EMP01... com as legais cominações.
Assim se fazendo a inteira e sã Justiça!
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Foram apresentadas contra-alegações nas quais se pugna pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos. Pronunciou-se sobre a invocada nulidade.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes Requeridos, estes pretendem que:
- se declare nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia;
- seja reapreciada a decisão de mérito da acção.
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3 – OS FACTOS

A) FACTOS PROVADOS:
1. No dia 07 de Agosto de 2021, pelas 19h25m, no prédio urbano, sito na Rua ..., com o nº 46 de policia, na ..., concelho ..., ocorreu um acidente, por cedência de parapeito de varanda, no primeiro andar do referido prédio, o qual determinou a queda, desamparada, da Requerente BB, desse primeiro andar para a rua, numa altura aproximada de seis metros.
2. O referido prédio urbano era, à data da ocorrência, e é, atualmente, propriedade dos Requeridos CC e DD.
3. A Autora e seu marido, nesse dia, encontravam-se em veraneio, nessa ... e aproveitaram para visitar familiares, no referido andar do Réu.
4. O referido andar possui uma varanda, com, aproximadamente, quatro metros de extensão, por três metros de largura, nesse primeiro andar, voltado para a referida Rua ....
5. A dita varanda onde se deu o acidente possui uma proteção constituída por pilares de pedra granítica, com forma quadrangular adornada com l-5cm de largura, espaçados entre si e com altura de cerca de 1,20m, encimados por peças de granito com cerca de 1m de comprimento e secção em forma retangular com largura de cerca de 15cm e altura de cerca de l-0cm.
6. Acontece que, naquele dia, hora e local, quando a Autora e o seu marido se encontravam nessa varanda, de costas para a aludida rua, a aguardar que um familiar lhes tirasse umas fotografias, estando a Autora encostada ao parapeito, este cedeu e determinou, como se disse, que a Autora caísse desse primeiro andar, totalmente desamparada e com aquela estrutura de pedra granítica, prostrando-se no solo.
7. O método adotado para a montagem da guarda de proteção da varanda com colunas de granito foi a colagem através da aplicação de "cola prego" ou melhor dizendo através de aplicação de prego líquido base neopreno.
8. O facto de a guarda de proteção não ter resistido e ter tombado, descolando-se do suporte e com isso desprotegendo as vidas humanas, indica ter existido uma má prática de execução que levou a que a colagem não tenha resultado na perfeição com a necessária aderência tanto dos pilares ao suporte como do corrimão de granito aos pilares de granito.
9. Não existindo segurança para evitar a queda de quem quer que se encostasse à guarda de proteção.
10. A nenhum utente dessa fração era exigível prever que esse parapeito se encontrava inseguro e passível de determinar a queda a quem dele se abeirasse, para além do mais por dele não revelar esse risco.
11. Em consequência direta dessa ocorrência e queda da Autora desse primeiro andar para a rua, sofreu esta, para além de vários hematomas e ferimentos pelo corpo, por via da queda, graves e inúmeras fraturas dos seus membros, trauma de torax, hemopneumotoraz, traqueostomia, herniação, ptose do olho direito, TETRAPLAGIA, para além do mais melhor referenciado no RELATÓRIO CLÍNICO do Hospital ..., que se dá por inteiramente reproduzido, correspondente ao documento ... junto com o requerimento inicial.
12. Dadas as gravíssimas lesões sofridas, a autora ficou em estado comatoso profundo.
13. A autora manteve-se internada desde a data do acidente, em estado de coma, no Hospital ..., até ao dia .../.../2022.
14. Considerando que a equipa médica que acompanhou a Autora desde o acidente no Hospital ..., concluiu que não havia qualquer possibilidade de recuperação, dado o seu estado vegetativo, contactou o marido da mesma para que esta fosse transferida para uma Instituição de cuidados paliativos, por não ser possível qualquer recuperação.
15. Em consequência dessa deliberação daquele Hospital, o marido da Autora diligenciou pela obtenção de uma Unidade e Instituição para esses cuidados paliativos, tendo-a conseguido, embora com muito custo e após reiteradas diligências a SANTA CASA DA MISERICORDIA DE ...- UCCI que a admitiu temporariamente.
16. A Autora entrou nessa instituição nesse dia 02.02.2022.
17. Posteriormente, foi transferida para a Santa Casa dos ..., encontrando-se, atualmente, na Fundação ..., em ..., internamento que importa uma despesa no valor médio mensal não inferior a €550,00 (quinhentos e cinquenta euros).
18. Acresce que, o agregado familiar da Autora é constituído pelo casal e pela referida filha, EE, menor de idade, nascida no ... .../.../2009, conforme cópia do cartão de cidadão nº ..., com validade até .../.../2025, que se junta e se dá por reproduzido. doc. ...
19. A Autora, enquanto viva, necessitará de constante apoio médico e medicamentoso, e tratamento adequado ao seu estado vegetativo.
20. O internamento será ininterrupto, enquanto viver, dado o alegado estado em que se encontra, sendo certo que o marido da Autora não dispõe de meios económicos para custear as despesas desse internamento.
21. O vencimento mensal auferido pelo marido da A., por conta doutrem, é de cerca de 900,00€ (novecentos euros) mensais.
22. A filha do casal, EE, continua a frequentar o Colégio ..., em ....
23. O marido da Autora tem sido ajudado pela família para conseguir fazer face às despesas, designadamente com o colégio da menor.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS:

1. No ano de 2012, o Requerido entregou a obra do referido imóvel, com vista à sua renovação, ao empreiteiro EMP01..., NIPC ...01, com morada na Rua ..., ..., ..., ....
2. No âmbito dessa obra, foram realizados vários trabalhos, entre eles a construção da varanda e do referido parapeito de proteção.
3. O requerido não tem qualquer conhecimento no ramo da construção civil, motivo pelo qual, não tinha como prever que o parapeito da varanda do seu imóvel padecia de qualquer defeito.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

Encontram-se indiciariamente demonstrados os seguintes factos:
Item 1 – Esta matéria de facto foi esclarecida através da valoração conjugada da informação lavrada pelo Órgão de Polícia Criminal e através do respetivo suporte fotográfico, onde se encontram imagens do local do acidente e de alguns dos seus vestígios, que foram observados no local, pelos militares da Guarda Nacional Republicana FF, responsável pela elaboração desse documento, e GG. Estas duas testemunhas confirmaram a ocorrência do acidente motivado pela queda da estrutura da varanda e a queda da Autora que, quando chegaram ao local, estava a ser assistida no interior da ambulância, tendo sido estabilizada e depois conduzida para o Hospital .... Constataram que terá sido utilizado cola ou cimento para a fixação da estrutura da varanda que caiu, por inteiro, uma vez que não existiam outros suportes. Confirmaram, ainda, a altura aproximada de seis metros.
Item 2 – Esta matéria de facto foi aceite pelas partes.
Item 3 e 6 – Esta matéria de facto foi esclarecida através do depoimento da testemunha HH, irmã da Autora, que os acompanhava, e pelo marido desta, AA. Encontra-se junta aos autos, com o requerimento inicial, uma fotografia que captou o momento que antecedeu o acidente.
Itens 4 e 5 – Esta matéria de facto foi esclarecida através da observação do suporte fotográfico elaborado pelo Militar da Guarda Nacional Republicana II que permite a caracterização, ainda que a título indiciário, da varanda, e através do estudo técnico que consta do relatório pericial junto aos autos que igualmente se encontra instruído com um suporte fotográfico, relevante para a apreensão das caraterísticas da varanda.
Itens 7; 8; 9 e 10 – Esta matéria de facto foi esclarecida através do estudo técnico realizado e plasmado no relatório pericial junto aos autos, assim como pelos esclarecimentos prestados pela testemunha HH, irmã da Autora, que os acompanhava, e pelo marido desta, AA.
Itens 11 e 12 – Esta matéria de facto foi apreendida através da análise e valoração do documento ... junto com o requerimento inicial (relatório clínico) e através da sentença transitada em julgado, proferida na Ação Especial de Acompanhamento de Maior 1474/22...., Juízo Local Cível ... – Juiz ..., cuja certidão está junta aos autos.
Itens 13 a 23 – Esta matéria de facto resultou, ainda que indiciariamente, esclarecida, através da valoração conjugada dos esclarecimentos prestados pela testemunha HH, irmã da Autora, que os acompanhava, e pelo marido desta, AA, através da sentença transitada em julgado, proferida na Ação Especial de Acompanhamento de Maior 1474/22...., Juízo Local Cível ... – Juiz ..., cuja certidão está junta aos autos e da análise das faturas/recibos juntas aos autos.
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Não resultaram demonstrados, ainda que a título indiciário, os factos supra descritos (1, 2 e 3), que não foram objeto de prova.

 [transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I – Entendem os recorrentes que a decisão em causa no recurso é nula por omissão de pronúncia.
Vejamos então a situação:

Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – art. 615º/1, d) do Código de Processo Civil

Assim o prescreve o art. 615°/1, d) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal.
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
Vício relativamente ao qual importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia:
«[…] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»[2]
O mesmo é dizer, conforme já decidido no Supremo Tribunal de Justiça[3], «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente».
Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «’Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.
Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.»[4]
Numa aparente maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO:
«A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludênciadas excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»
Mas logo o mestre de Coimbra ressalvava: «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».[5]
Debruçando-nos, agora, sobre o caso sub judice, temos que a Requerente alegou que o acidente de que foi vítima ocorreu num imóvel pertencente aos Requeridos, tendo sido causado por grave e inadmissível erro de construção de um parapeito de uma varanda que caiu.
Por sua vez, o Requerido requereu a intervenção de EMP01... por aquele ser o responsável pelos danos causados à Requerente, fruto de um erro crasso na obra de construção da varanda e do referido parapeito de protecção por si efectuado ao imóvel do primeiro (cfr. art. 492º do CC, “salvo se provar que não houve culpa da sua parte”), situação que afastaria a sua responsabilidade pelos danos.
Tendo sido julgada procedente a presente providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, e fixado, a título de reparação provisória do dano, da responsabilidade dos Requeridos CC e mulher, DD, a renda mensal de 500,00€ (quinhentos euros), alegam os apelantes que há omissão de pronúncia, na medida em que [a sentença] é completamente omissa quanto à absolvição ou condenação de uma das partes principais intervenientes (…) Sendo que a sentença, na sua totalidade, não faz uma única menção à Interveniente, tampouco a absolve, condena ou considera uma modalidade de responsabilidade solidária na preponderância da instância.
Ora, in casu, diremos que, salvo o devido respeito, esta arguição de nulidade só se pode compreender como fruto de uma incompleta leitura da sentença proferida, ou, em qualquer caso, por equívoco ou deficiente compreensão da mesma.
É que, se bem compulsada for a questionada sentença, não pode deixar de se constatar que inexiste a questão em referência.

Ora, vejamos:
- em I RELATÓRIO consta o seguinte:
Os Requeridos deduziram oposição e requereram a intervenção principal provocada passiva de EMP01... NIPC ...01, com morada na Rua ..., ..., ..., ..., que veio a ser admitida.
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EMP01... NIPC ...01, com morada na Rua ..., ..., ..., ..., apresentou defesa que ficou sem efeito, por não ter sido constituído advogado nos autos (ref.ª ...45 e ...39).
- em II FUNDAMENTAÇÃO, consta o seguinte:
B) FACTOS NÃO PROVADOS:
1. No ano de 2012, o Requerido entregou a obra do referido imóvel, com vista à sua renovação, ao empreiteiro EMP01..., NIPC ...01, com morada na Rua ..., ..., ..., ....
2. No âmbito dessa obra, foram realizados vários trabalhos, entre eles a construção da varanda e do referido parapeito de proteção.
(…)
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
(…)
Não resultaram demonstrados, ainda que a título indiciário, os factos supra descritos (1, 2 e 3), que não foram objeto de prova.
- e em ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS, consta o seguinte:
(…)
No caso "sub judice", a Autora alegou e demonstrou, a título indiciário, que os Requeridos são obrigados a indemnizar os danos causados, decorrentes de uma queda provocada pela ruína da proteção de uma varanda de um imóvel que lhes pertence.
Por sua vez, os Requeridos não demonstraram, ainda que a título indiciário, que não houve culpa da sua parte.
Tendo sido alegada, embora não demonstrada, ainda que a título indiciário, que a queda da referida proteção da varanda se deveu à sua má execução pelo indicado empreiteiro, refira-se que a responsabilidade do dono da obra – de natureza também extracontratual – radica na obrigação posta a seu cargo pelas obras, causadoras dos danos.
Por outras palavras: o dono da obra, como titular do direito de propriedade da coisa, é aquele que beneficia da empreitada e, portanto, deve arcar com as consequências danosas para terceiros que essa atividade tenha originado (cf., neste sentido, o ac. deste STJ de 13.04.2010, disponível in www.dgsi.pt).
Assim sendo, para o caso de assim se ter demonstrado, nesta sede, sempre estaríamos perante responsabilidade solidária perante a Autora, dos donos da obra e do empreiteiro, pela satisfação da obrigação de indemnizar (art.º 497º, do CC).
Resultando claramente destes excertos não ser correcto que a sentença não faz uma única menção à Interveniente, pois aí se refere que os requeridos requereram a intervenção principal provocada passiva de EMP01..., a qual veio a ser admitida, acabando esta por não intervir no processo. E que, em face da prova produzida, não se provou, como alegado pelo Requerido, que o mesmo tivesse entregue a obra do referido imóvel, com vista à sua renovação, ao empreiteiro EMP01... e que No âmbito dessa obra, foram realizados vários trabalhos, entre eles a construção da varanda e do referido parapeito de proteção. Ou seja, decorre da sentença que os Requeridos não demonstraram, ainda que a título indiciário, que não houve culpa da sua parte, pois apesar de terem alegado que a queda da referida proteção da varanda se deveu à má execução do indicado empreiteiro, não o lograram demonstrar. E era a eles que tal competia, pois, segundo a regra geral do ónus da prova, a demonstração (prova) dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pertence àquele contra quem a invocação é feita (cfr. art. 342º/2 do CC), in casu, os requeridos. Daí não ter havido lugar à absolvição do empreiteiro no dispositivo, que não era parte nem contra ele havia sido feito qualquer pedido pela A. (cfr. art. 607º do CPC). Sendo que a sentença proferida sobre o mérito da causa, apreciou inequivocamente a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir (cfr. art. 320º do CPC).
Em face do exposto, entendemos que a decisão recorrida não padece da nulidade que lhe é apontada.
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II – Reapreciação da decisão de mérito da providência

Vejamos, agora, a reapreciação da decisão de mérito da providência.
Diga-se, desde já, que a matéria de facto não foi impugnada pelos recorrentes, sendo certo que, como decorre do disposto no nº 1 do art. 640º do CPC, a parte que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve, sob pena de rejeição do recurso, especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Logo, atendendo aos assentes factos não provados, é inócuo que os recorrentes suscitem a questão da confissão por parte do interveniente EMP01....
Todavia, sempre se dirá que os recorrentes equiparam erradamente o interveniente ao réu, quando aludem aos efeitos da revelia (cfr. 567º do CPC) e ao ónus de impugnação (cfr. art. 574º do CPC), uma vez que estas situações dizem respeito às consequências processuais do R. relativamente aos factos articulados pelo A. Ora, como já supra referido, o interveniente não era parte na acção nem contra ele havia sido feito qualquer pedido pela A., pelo que não faz qualquer sentido falar em confissão ou factos imputados. Sendo que a intervenção no processo do interveniente é facultativa, não resultando qualquer consequência processual imediata no que se refere à aceitação e confissão de factos alegados pela parte a que se devia associar, no caso de não intervir (cfr. art. 319º do CPC). Lembrando-se que, in casu, a intervenção principal foi provocada pelo R., pretendendo o mesmo que o chamando integrasse com ele o lado passivo da acção. Não ficando o R. desonerado de se defender relativamente ao pedido da A., até porque, como assertivamente se menciona na sentença recorrida, caso se tivesse demonstrado – o que não sucedeu – que a queda da referida proteção da varanda se deveu à má execução do indicado empreiteiro, porque o dono da obra, como titular do direito de propriedade da coisa, é aquele que beneficia da empreitada e, portanto, deve arcar com as consequências danosas para terceiros que essa atividade tenha originado[6], para o caso de assim se ter demonstrado, nesta sede, sempre estaríamos perante responsabilidade solidária perante a A., dos donos da obra e do empreiteiro, pela satisfação da obrigação de indemnizar (cfr. art. 497º do CC).
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Resta a questão da alegada falta de requisitos da providência, por não se verificar a urgência nem a dependência de causa de indemnização por morte ou dano corporal.
O CPC prevê, nos arts. 362º e ss., o regime do procedimento cautelar comum e, a partir do art. 377º, vêm regulados os procedimentos cautelares especificados. O arbitramento de reparação provisória constitui um desses procedimentos especificados e o seu regime encontra-se previsto nos arts. 388º a 390º do CPC.
De acordo com o nº 1 do art. 388º, como dependência da ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o nº 3 do art. 495º do CC (ou seja, aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural), requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano. Esta possibilidade é também estendida, no nº 4 desse art., aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano suscetível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado. De acordo com o nº 2 do art. 388º do CPC, o juiz deferirá a providência requerida desde que se verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido, sendo que, nos termos do nº 3, a liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano, é fixada equitativamente pelo tribunal.
O processamento deste procedimento cautelar está previsto no art. 389º do CPC, no qual se remete, com as devidas adaptações, para o regime dos alimentos provisórios, com previsão adicional da exequibilidade imediata da decisão cautelar em caso de falta de pagamento voluntário da reparação provisoriamente arbitrada.
As consequências da caducidade da providência e o regime da repetição das quantias pagas vêm previstos no art. 390º do CPC, pelo que, o recurso a tal providência não é livre de riscos, pois, se a providência for decretada e vier a caducar, deve o requerente restituir todas as prestações recebidas, nos termos previstos para o enriquecimento sem causa. A decisão final, proferida na ação de indemnização, quando não arbitrar qualquer reparação ou atribuir reparação inferior à provisoriamente estabelecida, condena sempre o lesado a restituir o que for devido.
São pressupostos desta providência:
1.º A existência de indícios suficientemente fortes quanto à obrigação de indemnizar por parte do requerido;
2.º A verificação duma situação de necessidade;
3.º O nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo Requerente e a situação de necessidade que fundamenta o recurso à tutela cautelar[7].
Como vimos, este procedimento tem por finalidade essencial permitir ao lesado antecipar o direito a indemnização que pretende ver realizado na ação principal em situações de manifesta gravidade[8], pretendendo-se obviar a uma situação de premente carência, antecipando-se a satisfação do direito em situações em que, em consequência de facto ilícito, tenha ocorrido dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou a habitação do lesado[9].
No caso, os recorrentes, ainda que de forma pouco clara, põem em causa a verificação dos requisitos previstos no art. 388º do CPC, por não se verificar, como já supra referido, a urgência nem a dependência de causa de indemnização por morte ou dano corporal.
Não têm, porém, qualquer razão.
Senão vejamos.
Quanto à necessidade de ser estabelecida uma renda mensal, como reparação provisória do dano, a decisão recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
No que respeita à verificação de uma situação de necessidade, o que sobreleva fundamentalmente é que a renda arbitrada deva ser adequada a colmatar as necessidades de habitação, vestuário, educação e bem-estar do Requerente, o que compreende as próprias necessidades dos familiares que dele dependam (neste sentido: Marco Filipe Carvalho Gonçalves in Ob. Loc. Cit., pág. 304).
Neste caso, resultou demonstrado que o montante do salário do Acompanhante, marido da Autora, não lhe permite assegurar as despesas do agregado familiar designadamente, no que para aqui releva, o montante correspondente à mensalidade com o internamento da Autora, com o valor de €500,00 (quinhentos euros).
Sem dúvida que está caraterizada a situação de necessidade, em consequência dos danos sofridos, nos termos previstos no art.º 388º, nº 2, do CPC.
Com o que se concorda plenamente, em face da matéria apurada (cfr. factos provados 12. a 23.), pois, o estado de necessidade consiste numa situação de carência económica, caracterizada pela impossibilidade do lesado fazer face às suas despesas, em virtude das lesões sofridas.
É que relativamente à situação de necessidade, em caso de lesão corporal, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[10] referem que “[t]ão-pouco neste caso se estabelecem limites em função do tipo de situação de necessidade económica em que se encontre o requerente. Se o lesado ficar impossibilitado, pela lesão corporal, de continuar a auferir o rendimento do seu trabalho, qualquer sua necessidade, tido em conta o seu estilo de vida, há-de poder ser coberta pela reparação provisória, desde que outro meio não tenha de a satisfazer”.
 Já quanto à dependência de causa, entendem os recorrentes que sendo o arbitramento uma antecipação de indemnização em casos de absoluta necessidade, justificados pela salvaguarda do sustento básico, se postula a dependência de ação de indemnização por danos de morte ou lesão corporal, o que, no caso em concreto, até aqui não se verifica, pois Não existe qualquer ação judicial de indemnização pendente, fundada em morte ou lesão corporal, intentada pela requerente, contra o requerido, nem tampouco foi referida pela requerente, ao longo da sua petição a suposta existência de qualquer ação de indemnização.
Também, aqui, não lhes assistindo qualquer razão. É que, sobre a relação entre o procedimento cautelar e a acção principal regula o art. 364º do CPC, podendo ser requerido antes de proposta a acção ou no seu decurso, tendo, in casu, o procedimento cautelar sido proposto antes da acção. Não havendo qualquer especificidade neste concreto procedimento, para além da situação já supra explanada do art. 390º (caducidade da providência e repetição das quantias pagas). Não fazendo qualquer sentido falar agora da caducidade de uma providência (cfr. art. 373º do CPC), que ainda nem sequer foi decretada.
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Como assim, aderindo-se à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, que aqui se dão por reproduzidos a fim de evitar repetições, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis, não merece a sentença do Tribunal a quo qualquer reparo, pois assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.
Termos em que improcede a presente apelação, com a consequente confirmação da decisão recorrida.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
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Guimarães, 08-02-2024
                                                                  
(José Cravo)
(Alcides Rodrigues)
(Paulo Reis)



[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca ..., V.Castelo - JC Cível - Juiz ...
[2] CPC Anotado, 5º, 143.
[3] Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt.
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320.
[5] DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, VOL. III, Almedina. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143.
[6] Cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 13-04-2020, proferido no Proc. nº 109/2002.C1.S1 e acessível in www.dgsi.pt.
[7] Vide Marco Filipe Carvalho Gonçalves in “Providências Cautelares”, 2017, 3.ª Ed., pág. 298.
[8] Marco Filipe Carvalho Gonçalves, Ob. Loc. Cit., pág. 295.
[9] Vide Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª Ed., págs. 133 e 134.
[10] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 135.