Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1293/20.2T8VRL.G1
Relator: ELISABETE ALVES
Descritores: CONTAS BANCÁRIAS
CONJUNTAS OU SOLIDÁRIAS
LEGITIMIDADE DA SUA MOVIMENTAÇÃO
PROPRIEDADE DO DINHEIRO DEPOSITADO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
VIOLAÇÃO DOS DEVERES DO BANCO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. As contas bancárias podem configurar-se como singulares ou coletivas, e tratando-se destas últimas, poderão estar em causa contas conjuntas ou contas solidárias.
2. Quanto ao regime de movimentação e disponibilização, nas contas conjuntas, a mobilização e disponibilidade dos fundos depositados tem como pressuposto a simultânea intervenção da totalidade dos titulares, enquanto que nas contas solidárias, basta a intervenção de qualquer dos titulares para proceder a qualquer ato que sobre elas incidam, nomeadamente, para mobilizar fundos, independentemente da autorização ou ratificação dos restantes contitulares.
3. A questão da propriedade do dinheiro depositado é distinta e independente da titularidade do depósito bancário e das condições contratuais relativas à sua movimentação, já que no contrato de depósito bancário, o tipo de conta releva apenas nas relações externas entre os seus titulares e o banco (quanto à legitimidade da sua movimentação a débito), nada tendo a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas - este direito de propriedade releva apenas no âmbito das relações internas (entre os seus cotitulares) e que aqui não está em causa.
4. O Banco tem apenas que cumprir as suas obrigações contratualmente definidas no contrato de abertura de conta/depósito quanto à legitimidade da sua movimentação a débito, não tendo que, nem podendo imiscuir-se no direito de propriedade das quantias depositadas ou fazer depender a sua actuação e ou/responsabilidade contratual pela violação dos seus deveres enquanto depositário e perante o depositante, em função daquela.
5. No contexto da movimentação da conta em referência, do que se trata é da movimentação de uma conta que (o Banco) tinha à sua guarda, da saída de valores da mesma fora das condições contratualmente definidas (sem a assinatura e autorização do autor, seu cotitular), responsabilidade essa de natureza contratual.
6. Nessa situação, o Banco deverá repor a situação que existiria se tal irregularidade não tivesse sido cometida, sendo que a mesma só será excluída, caso o Banco logre provar não ter culpa na falta de observância dos pressupostos exigidos para a mesma ou que houvesse causa imputável ao autor, pelo que, não o tendo feito, encontra-se este constituído na posição de incumpridor, devendo ser responsabilizado pela perda ou não existência dos bens que lhe foram entregues para depósito e guarda, nos termos do disposto pelos artigos 798º, 799º, 1142º, 562º, 563º, 564º do C.C.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

A. M., casado, natural da freguesia de ..., concelho de Valpaços, residente em Rue …, Suíça, instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BANCO …, S.A., Banco ..., NIPC ………, com sede na Praça … Porto, pedindo a condenação do Réu, Banco ..., a:

a) Repor na identificada conta com o n.º ..........13 o valor de 100.000,00€, acrescidos dos juros remuneratórios correspondentes às taxas sucessivamente constantes do preçário do banco desde aquela data até efetivo e integral pagamento;
b) Pagar juros moratórios à taxa legal respetiva desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alega, para o efeito, em súmula, que em conjunto com o seu pai O. S., celebrou com o réu, um contrato de abertura de conta coletiva conjunta, associado à conta que identifica, tendo ficado convencionado que qualquer movimento nessa conta obriga às assinaturas dos dois titulares da conta, mas, apesar disso, o réu permitiu uma operação de liquidação na conta, de 98 500,00 euros, operação realizada apenas com o consentimento e autorização do pai do autor, e sem consentimento e autorização do autor.
Conclui que o réu violou as condições gerais do contrato, pelo que deve ser condenado a repor o valor em causa.
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Regularmente citado, o Banco ..., S.A. contestou a ação, confirmando a abertura da conta, a respetiva natureza de conta coletiva conjunta e os titulares, como confirmou também que recebeu do cotitular O. S., instruções para constituir em seu nome um Seguro …, tendo debitado a dita conta pelo montante referido pelo autor.
Admitiu igualmente que a ordem de débito foi transmitida ao Banco apenas por um dos titulares, sem estar assinada pelo autor.
Invocou, contudo, que o autor e seu pai são os únicos herdeiros de C. S., mãe do autor e esposa do O. S., que tinha sido casada com este no regime da comunhão de adquiridos, sendo que o valor depositado na conta em causa era bem comum do casal, não estando tais bens ainda partilhados, pelo que sempre metade do valor pertencia ao pai do autor, a título de meação, e, ainda, metade da outra metade correspondente à herança.
Requer, ainda, a intervenção acessória provocada de O. S., como seu auxiliar na defesa.
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Foi admitida a intervenção acessória de O. S., o qual, após ter sido citado, se limitou a juntar procuração a advogado e comunicou que o dinheiro em causa se mostra relacionado no processo de inventário que corre termos por óbito de sua esposa.
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Em sede de despacho saneador e entendendo-se que o processo fornecia, naquele momento, todos os elementos necessários, de facto e de direito, foi proferida decisão sobre o mérito da causa, que, julgando procedente a acção, decidiu:

« a) Condeno o Réu, Banco ..., a repor na identificada conta com o n.º ..........13, o valor de 100 000,00 € (cem mil euros), acrescido dos juros remuneratórios correspondentes às taxas sucessivamente constantes do preçário do banco desde aquela data até efetivo e integral pagamento; bem como a pagar juros moratórios à taxa legal respetiva desde a citação até efetivo e integral pagamento.
b) Custas a cargo do réu. (…) »
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Inconformado com esta decisão, veio o réu «Banco ..., SA» interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que se passam a reproduzir:

«O presente recurso tem por objecto demonstrar a existência dos vícios que inquinam a decisão recorrida, obtendo-se a sua revogação e substituição por acórdão que, por inexistência de dano associado causalmente à conduta do Banco, julgue a acção improcedente e não provada ou, em última análise e subsidiariamente, ordene a baixa dos autos à Instância para efeito de ser efectuado julgamento que conheça de matéria de facto alegada pelo Recorrente na sua defesa;
Tendo a sentença recorrida dado como provados os factos constantes das alíneas a) a d) do Ponto nº 2, retro, desta alegação, estes factos, desvalorizados no seu significado jurídico por aquela decisão, deviam, em correcta aplicação do direito, ter levado à improcedência da acção por relevarem do fundo da causa ao contrário do julgamento erradamente feito; É que,
De uma afirmada irregularidade formal do movimento a débito levado a cabo pelo pai do Autor numa conta que tinha a natureza de conjunta, não se pode sem mais concluir pela verificação da responsabilidade civil se aquele movimento, à luz do direito de propriedade do dinheiro depositado, não causou ao Recorrido nenhum prejuízo; De facto,
Sabendo-se que sem dano não há responsabilidade civil, é seguro afirmar que, no caso dos autos, não houve dano consequente à conduta do Banco porque, estando dado por provado que o dinheiro era bem comum do casal do pai do autor e de sua mulher e, pertencendo à herança aberta por óbito desta, está ele corporizado num PPR subscrito por quem tinha poderes como cabeça de casal para o fazer, achando-se até relacionado no respectivo inventário que viúvo e filho do casal têm pendente;
Fixando contra o Banco a obrigação de, à sua custa, restituir à conta um dinheiro que não foi retirado do Banco, nem foi retirado da titularidade de quem tem sobre ele poderes de administração, a sentença recorrida violou, por aplicação indevida, o disposto nos artºs 798º e 483º, último trecho, ambos do Código Civil. Subsidiariamente,
Se na reflexão deste recurso se chegar à conclusão de que não está feita prova sobre a propriedade do dinheiro depositado e sobre a sua relacionação no inventário a que se procede por óbito da mãe do autor, então tem de entender-se também que o Tribunal a quo não podia sentir-se livre para julgar a causa no saneador por a mesma estar dependente da prova sobre a propriedade do dinheiro depositado e transferido por vontade do pai do autor, como cabeça de casal, para a constituição de um PPR;
A vingar tal entendimento, há que concluir que a sentença recorrida tem então de ser revogada, ordenando-se a baixa dos autos à Instância para que, prosseguindo a causa para julgamento, se produza prova sobre os factos alegados pelo Banco nos artºs 6, 10, 11, 17, 18, 19 e 20 da contestação (constituição do PPR, finalidade que presidiu à nova aplicação e propriedade do dinheiro sobre que versou o movimento a débito).

TERMOS EM QUE, no provimento do presente recurso, deve ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por acórdão que, julgando a acção não provada e improcedente, absolva o Banco ..., do pedido, com todas as legais consequências. Subsidiariamente, deve revogar-se a sentença recorrida e ordenar-se a baixa dos autos à Instância para ser realizado julgamento com o objecto constante das Conclusões 6ª e 7ª.
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Foram apresentadas contra-alegações pelo autor, que pugnando pela improcedência do recurso, assim conclui:

«1ª A decisão da matéria de facto constante da Douta Sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não se detectando qualquer insuficiência na matéria de facto ou erro de julgamento ;
2ª A Douta Sentença recorrida reconheceu e qualificou correctamente a relação jurídica como contrato de depósito bancário, aplicando correctamente o respectivo regime legal
3ª A Douta Sentença recorrida procedeu à adequada subsunção dos factos aplicando devidamente o regime da responsabilidade contratual.
4ª Mostram-se destituídas de fundamento as conclusões vertidas pela apelante quer em via principal quer por via subsidiária.
5ª A Douta Sentença recorrida não é merecedora de qualquer censura.»
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).

Face às conclusões da motivação do recurso, as questões a decidir, centram-se no seguinte:
- saber se os autos reuniam já, na fase do seu saneamento, os elementos de facto indispensáveis à prolação de decisão;
- em caso afirmativo, saber se se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, a ocorrência de dano.
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III. Fundamentação de facto.

Na decisão proferida, foram elencados os seguintes factos como provados:

1º No dia - de abril de 2016, o Autor, em conjunto com o seu pai O. S., portador do cartão de cidadão n.º ……, NIF n.º ………, residente na Rua ..., celebrou com o Réu, um contrato de abertura de conta coletiva conjunta.
2º À abertura do contrato foi associada a conta com o número ..........13, e à conta coletiva conjunta está associado o IBAN PT50 …………… 5.
3º No contrato de abertura de conta conjunta ficou convencionado pelas partes que qualquer movimentação na conta coletiva conjunta obriga a duas assinaturas, nomeadamente, à assinatura dos dois titulares da conta, o Autor e o seu pai O. S..
4º A abertura de conta conjunta ocorreu junto da Sucursal do Réu, sita na Praça … Chaves.
5º No dia 24.04.2016 foi efetuado pelo Autor e o seu pai O. S., um depósito a prazo no valor de 100.000,00€ (cem mil euros).
6º O Autor tomou conhecimento que ocorreu uma operação de liquidação na conta ..........13, no valor de 98.500,00€ (noventa e oito mil e quinhentos euros).
7º Montante que terá servido para subscrever em exclusivo um plano poupança reforma (PPR), no montante de 100.000,00€ (cem mil euros).
8º Operação que foi realizada, apenas com o consentimento e autorização do pai do Autor, O. S., a 15.02.2017.
9º A operação ocorreu sem o consentimento e autorização devida do Autor.
10º O Autor nunca autorizou qualquer operação ou movimentação na conta coletiva conjunta n.º ..........13.
11º O Autor e seu pai, são os únicos e universais herdeiros de C. S., mãe do aqui autor e foi esposa do O. S..
12º C. S. já era falecida quando a conta nº ..........13 foi aberta.
13º Era ela casada, quando faleceu, com o referido O. S., sendo o regime da comunhão de adquiridos, o regime de bens do casamento que os unia.
14º O pai do autor sabia que só podia movimentar a conta a débito, mediante a assinatura também do seu filho.
15º O valor monetário em causa, mostra-se relacionado no processo de inventário que corre termos na sequência do óbito de C. S..

IV. Fundamentação de direito:

Embora tenha sido colocada subsidiariamente, a primeira questão que cumpre apreciar, porque prejudicial à aferição do mérito da decisão sob recurso, é a de saber se os autos, à data da prolação da sentença de mérito que julgou a causa, continham já, em tal fase processual, todos os elementos de facto para, de forma suficiente e segura, proceder à decisão do caso.
A resposta a tal questão, prende-se, desde logo, como discorre a apelante, na relevância jurídica que, in casu, pode assumir a definição da propriedade da quantia depositada na conta em referência, já que é este o único facto que se mostra controvertido, uma vez que dos factos que foram dados como provados na acção, e que a apelante não impugna, não é possível retirar a titularidade da quantia em apreciação. Com efeito, não basta à definição da titularidade da quantia depositada o facto dado como provado no ponto 15º, no qual se diz que: «O valor monetário em causa, mostra-se relacionado no processo de inventário que corre termos na sequência do óbito de C. S.», mãe do autor e cônjuge falecido do chamado O. S. (pai do autor), com quem foi casada no regime de bens de comunhão de adquiridos.
Com efeito, o mero facto da sua relacionação no processo de inventário, para além de sujeito a reclamação (1104º n.1 al.d) do CPC), não permite, por si só, esclarecer a titularidade da quantia aqui em causa, a que acresce o facto de que a inventariada não era sequer titular da conta em discussão, que apenas foi aberta após o seu óbito.
Nessa medida, a resposta à questão colocada apenas pode alcançar-se, numa aferição mais concretizada da responsabilidade do Banco aqui em causa, que passa previamente pela enunciação sumária dos factos em apreciação, cuja realidade não é colocada em causa nos autos e seu enquadramento jurídico.

Vejamos:
No dia - de abril de 2016, o Autor, em conjunto com o seu pai O. S., celebraram com o Réu Banco, um contrato de abertura de conta coletiva conjunta, à qual foi associada a conta com o número ..........13, tendo ficado convencionado pelas partes que qualquer movimentação na conta coletiva conjunta obriga a duas assinaturas, nomeadamente, à assinatura conjunta dos dois titulares da conta, o Autor e o seu pai O. S., conta na qual foi efectuado, em 24.04.2016, pelo Autor e o seu pai O. S., um depósito a prazo no valor de 100.000,00€ (cem mil euros).
O Autor tomou conhecimento que ocorreu uma operação de liquidação na conta ..........13, no valor de 98.500,00€ (noventa e oito mil e quinhentos euros); que foi realizada, apenas com o consentimento e autorização do pai do Autor, O. S., a 15.02.2017, montante que terá servido para subscrever, em exclusivo, um plano poupança reforma (PPR), no montante de 100.000,00€ (cem mil euros).
Tal operação ocorreu sem o consentimento e autorização devida do Autor, bem sabendo o seu pai que só podia movimentar a conta a débito, mediante assinatura também do seu filho.
Do que vem de se expor linearmente concluímos que o autor e seu pai, ora chamado, contratualizaram com a Ré a abertura de uma conta bancária colectiva no regime de conta conjunta, cuja mobilização e disponibilidade dos fundos depositados impunha a obrigação da assinatura dos dois titulares da conta, o autor e o seu pai, O. S..

Na verdade, como se salienta no Ac. do STJ de 13-11-2003, Revista n.º 3040/03, in www.dgsi.pt : « I- Quando uma conta bancária tem mais do que um titular designa-se por conta colectiva, podendo revestir duas modalidades:

· a conta conjunta, que se caracteriza pelo facto de para a sua movimentação ser necessária a intervenção simultânea de todos os titulares;
· a conta solidária, que ocorre quando qualquer um dos seus titulares a pode movimentar isoladamente, tanto a débito como a crédito.»

Ou seja, em razão do número de titulares, as contas bancárias podem configurar-se como singulares ou coletivas, e tratando-se destas últimas, poderão estar em causa contas conjuntas ou contas solidárias.
Quanto ao regime de movimentação e disponibilização, importa salientar, que nas contas conjuntas, a mobilização e disponibilidade dos fundos depositados tem como pressuposto a simultânea intervenção da totalidade dos titulares, enquanto que nas contas solidárias, basta a intervenção de qualquer dos titulares para proceder a qualquer ato que sobre elas incidam, nomeadamente, para mobilizar fundos, independentemente da autorização ou ratificação dos restantes contitulares. Tal regime, nas contas solidárias, em que qualquer um dos contitulares tem a faculdade de exigir a prestação integral ao Banco (designadamente, a totalidade da quantia depositada) conduz a que a prestação assim efectuada libera o devedor (Banco depositário) para com todos eles, como decorre do disposto no artº 512º, do Código Civil.
Neste conspecto, na situação em apreço, está em causa um contrato de abertura de uma conta coletiva conjunta, na qual veio a ser constituído um depósito a prazo no montante de 100.000,00€, mediante o qual os depositantes/titulares da conta, entregaram a referida quantia em dinheiro ao Banco, que ficou obrigado a restituí-la no fim do prazo convencionado ou a pedido dos depositantes, de acordo com as regras de movimentação definidas contratualmente.
Pode assim dizer-se que está em causa um contrato de conta bancária (ou abertura de conta), o qual se designa pelo acordo havido entre uma instituição bancária e um cliente «através do qual se constitui, disciplina e baliza a respectiva relação jurídica bancária» (1), que «marca o início de uma relação jurídica bancária, complexa e duradoura, que funciona como ponto de partida, de “invólucro” dentro do qual cabem e se desenvolvem múltiplas operações bancárias que correspondem, as mais das vezes, a outras tantas figuras negociais, típicas ou não (2)».
Implícita na abertura de conta, há uma “convenção de giro”, pela qual o banqueiro faculta ao cliente um conjunto imediato de operações ou “produtos”, como sejam as transferências bancárias (simples ou internacionais), os pagamentos por conta bancária, as cobranças por conta bancária e a outras operações de transferências de fundos. (3)
Associada à abertura de conta, surge também o depósito bancário.

No caso, as partes, por um lado o A. e seu pai, como depositantes, e por outro, o Banco, como depositário, depositaram nessa conta – num depósito a prazo- a quantia referida de 100.000,00€, celebrando um contrato de depósito bancário, gerando-se entre eles uma relação contratual, da qual sobressaem «deveres de conduta, decorrentes da boa fé, em articulação com os usos ou os acordos parcelares que venham a celebrar, designadamente deveres de lealdade, com especial incidência sobre a parte profissional, o banqueiro» (4).
Como se decorre do artigo 1º, n. 4 do Decreto-Lei nº 430/91, de 2 de Novembro, os depósitos a prazo, constituem uma das modalidades de depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de crédito, sendo exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo, todavia, as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada.
Com o depósito, o banqueiro adquire a titularidade do dinheiro que lhe é entregue, ficando com o direito de livremente dele dispor e assume a obrigação de restituir outro tanto, com os respectivos frutos (juros) de acordo com o estipulado entre as partes, sendo o depositário, cliente, um simples credor.
A qualificação jurídica deste tipo de contrato não tem merecido, na doutrina e jurisprudência uma apreciação unânime. Como se salienta no Ac. citado in nota 2.: «Ainda sobre a natureza jurídica do contrato de deposito bancário, veja-se o aludido (e desenvolvido) estudo de Paula P. Camanho [Do contrato de depósito bancário, cit…, pp. 146 e ss] — para uns, um verdadeiro contrato de depósito (ver. ob. cit., pp. 149-156); para outros, um contrato de mútuo (ver cit., pp. 157-161); outros fazem depender a natureza jurídica do contrato do tipo de depósito efectuado (cit., pp. 161-163); contrato de depósito como relação complexa (cit., pp. 163-164); contrato de depósito como um contrato atípico (ob. cit., pp. 164-166); contrato de depósito como contrato inominado (cit., p. 166); contrato de depósito como um depósito irregular (cit., 166-167).
Esta aludida autora, após ali fazer um estudo exaustivo sobre as diversas posições que a Doutrina e Jurisprudência têm sustentado e debatido, conclui desta forma:
«O contrato de depósito reveste a natureza de um verdadeiro contrato de mútuo. É o contrato pelo qual uma das partes (cliente) empresta à outra parte (Banco) dinheiro, ficando esta com a obrigação de restituir outro tanto do mesmo género ou qualidade (artigo 1142.º do Código Civil). A definição, assim como o regime deste contrato, adequa-se perfeitamente ao depósito bancário, bem como a todo o regime deste contrato.
Na verdade, tal como no contrato de mútuo, a propriedade da quantia entregue transfere-se para o Banco (mutuário), podendo este livremente utilizá-la. O motivo que leva o cliente a depositar uma quantia no Banco é, não só obter a segurança do seu dinheiro (tal como aconteceria num genuíno contrato de depósito), mas também investir essa quantia, tal como o mutuante num contrato de mútuo oneroso, uma vez que receberá um juro e, eventualmente, beneficiar de um conjunto de serviços acessórios que o Banco lhe poderá proporcionar.
Além disso, o interesse neste contrato não é exclusivamente o do cliente (tal como acontece nos contratos de depósito, em que o interesse é do depositante). À semelhança do mútuo, existe também um interesse do Banco (mutuário) na obtenção de fundos necessários ao financiamento das suas operações de crédito, sendo mesmo frequente o recurso a meios publicitários para "recrutar" novos clientes (potenciais depositantes).»
Independentemente da sua qualificação como contrato de depósito irregular, ao qual se aplicam as regras do contrato de mútuo (art.1206º do C.C.) ou verdadeiros contratos de mútuo, os contratos de “depósito” bancário preenchem efectivamente os elementos do tipo contratual do mútuo (usualmente, real quoad constitutionem), porquanto, em todas as suas modalidades, o mutuante (cliente) põe à disposição do mutuário (Banco) uma determinada quantia em dinheiro que este se obriga a reembolsar (5), aplicando-se-lhe as respectivas regras.
Como se extrai da aplicação do art. 1144.º do Código Civil, a coisa depositada torna-se propriedade do depositário (Banco) a partir do momento da entrega, ficando este obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ficando o depositário na titularidade de um direito de crédito sobre o valor equivalente à quantia depositada e aos respectivos frutos que tenham sido estipulados ( artigos 1144º, 1142º e 1145º do Código Civil).
Como tal, dada a mencionada transferência de propriedade a favor do Banco e de harmonia com o preceituado no art. 796.º, n.º 1, do Código Civil, o risco de perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente, ou seja, o risco do que possa suceder na conta do cliente passa a correr por conta do Banco, salvo se for devido a causa imputável ao depositante (6).
Sublinhe-se que a segurança e rigor do sistema bancário são princípios fundamentais na actividade bancária já que é a segurança que rodeia a actividade, proporcionando aos interessados a guarda dos fundos confiados e o rigor proporcionado por um apertado sistema de controlo e supervisão, dando suficientes garantias de que a mobilização dos fundos ou a realização de outras operações apenas são realizadas dentro do condicionalismo expresso ou tacitamente acordado, princípios estes que encontram respaldo nos artigos 73.º a 75.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro e suas sucessivas actualizações) (7).
No caso dos depósitos bancários, a responsabilidade dos Bancos é acrescida, considerando que os agentes económicos não possam ser abalados na sua confiança nas instituições bancárias e na certeza de que os seus depósitos serão oportunamente reembolsados.
Deste modo e como se salienta no Ac. R.P. de 14.07.2020, já citado, o aspecto que aqui releva é a função ou dever de custódia por banda do Banco, relativamente aos valores ali depositados pelo cliente.
E prosseguindo refere, «não pode nunca olvidar-se, por outra via, que na base de um contrato de depósito bancário está subjacente a recíproca relação de confiança e lealdade entre o depositante - que vê garantida a restituição dos montantes entregues - e o Banco - que conta com as entregas dos seus clientes para financiar as suas próprias aplicações e investimentos».
Como em qualquer outro negócio, também os contratos bancários, em qualquer das suas modalidades, ficam sujeitos, estão subordinados, aos deveres acessórios de conduta, que genericamente se substanciam na boa fé, segurança, informação e lealdade e dimanam do disposto no art. 762.º, n.º 2, do Código Civil»
Aqui chegados, e reportando ao caso dos autos resulta indiscutível, face à factualidade provada e documentos juntos, que o autor e o chamado, seu pai, contratualizaram com o Banco réu, a abertura de uma conta bancária colectiva conjunta, cujas condições impunham que só pudesse ser movimentada a débito por todos os titulares, em simultâneo, ou seja com a assinatura ou autorização conjunta desses dois titulares, conta essa na qual veio a ser constituído um depósito a prazo no montante de 100.000,00€.
Sucede que, de facto, o que sucedeu é que essa conta veio a ser movimentada apenas pelo cotitular, pai do autor e chamado O. S., que procedeu à sua liquidação no valor de 98.500,00€ (e que cujo montante terá servido para subscrever, em exclusivo, um PPR que, aliás, segundo reconhece o réu/apelante terá dado de caução ao Banco para garantia de mútuo concedido a terceiro), o que ocorreu sem o consentimento e autorização do autor.
Na situação analisanda a questão que emerge é, assim, a das consequências da movimentação indevida da referida conta bancária conjunta e mormente da responsabilidade do Banco, no âmbito dos deveres que para si decorrem do contrato de depósito bancário que celebrou com os titulares da conta em apreço, já que se trata da movimentação /liquidação de uma conta que (o Banco) tinha à sua guarda, com a saída de valores da mesma fora das condições contratualmente estipuladas para a mesma.
Estamos, assim, no âmbito da responsabilidade contratual decorrente do contrato de abertura de conta e de depósito bancário, no âmbito da qual funciona a presunção de culpa estabelecida no art. 799.º, n.º 1, do CC, sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, de harmonia com o n.º 2 do citado preceito.
Deste modo, caberia ao Banco a prova do afastamento da referida presunção de culpa, a qual se justifica, desde logo, pelo facto de se estar perante uma omissão de deveres específicos da entidade bancária, intrinsecamente conexionados com a sua actividade e deveres desta resultantes, pelo que a frustração do resultado que ao cliente era razoável esperar indicia, por si, a culpa.
E, nessa medida, para afastar a dita presunção, cabia ao Banco provar que agiu sem culpa, que agiu com a diligência que lhe era exigível.
Sucede, que na situação em apreciação o apelante não coloca em causa que consentiu, no que designa na apelação, por “lapso dos serviços”, na movimentação da conta com base na assinatura de apenas um dos titulares (a do chamado O. S.), no que qualifica de “mera irregularidade praticada no regime de movimentação”, não afastando desse modo e independentemente da qualificação que atribua à sua actuação, a presunção de culpa que sobre si impende. Procura, não obstante, através dos fundamentos que aduz em sede recursória, afirmar a inexistência de dano associado causalmente à conduta do Banco, ou seja da inexistência de prejuízo ao autor, porquanto invoca que tal quantia era um bem comum do casal do chamado O. S. e de sua falecida mulher e pertence por isso à herança aberta por óbito desta, mostrando-se relacionada no inventário que se encontra pendente. Sustenta, outrossim, que a movimentação da quantia em causa ocorreu por quem tinha poderes como cabeça de casal para o fazer, considerando a dita propriedade da mesma, e que este para além de dono de metade da quantia, correspondente à sua meação nos bens comuns, era ainda herdeiro de metade na meação do cônjuge defunto, tendo o autor (seu filho), o direito apenas ao quarto restante.
Invoca, assim, não estarem verificados todos os pressupostos necessários para se concluir pela responsabilidade civil do Banco réu na condenação proferida na decisão recorrida, à reposição na identificada conta bancária o valor de 100.000,00€ acrescido dos juros remuneratórios correspondentes, pela falta do requisito “dano”.
Antes de avançarmos quanto à concreta questão suscitada, impõe-se salientar, que, contrariamente ao sustentado pelo apelante, não estamos perante uma “mera” irregularidade formal praticada pelo Banco. Com efeito, o procedimento do Banco, ou dos seus representantes (artigo 800º n.1 do Código Civil), ao permitir a movimentação da conta por apenas um dos seus contitulares, violando a cláusula da assinatura conjunta na movimentação da conta em referência, quando, para além do mais, tinha um dever de custódia relativamente aos valores ali depositados e uma orgânica própria e muito especializada, que impunha uma actuação pautada por elevados padrões de competência técnica, eficiência e diligência (nos termos dos já citados artigos 73º a 75º do RGICSF), relativamente ao complexo de deveres a que está vinculado, entre os quais, o controlo da observância das condições da respectiva movimentação da conta, é demonstrativo de uma actuação que se revelou descuidada e violadora dos elementares deveres de diligência e zelo pelos interesses do cliente que lhe estavam confiados, demonstrando, por isso, negligência grave na sua actuação face aos padrões de actuação média de um profissional bancário.
Pelo que, actuando culposamente, é responsável pelo prejuízo decorrente da sua actuação, o que nos remete para a questão do dano invocada na apelação, sabendo-se que, para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na infracção ao acordado em matéria de mobilização do depósito); a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil); o dano (que adiantamos, será correspondente ao valor indevidamente transferido); e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (relação causal entre a violação das obrigações e o dano).
Como referimos, a apelante sustenta a sua apelação na inexistência de dano, face à invocada titularidade/domínio da quantia depositada por parte da herança aberta por óbito da falecida mulher do chamado, sustentando que caso se entenda que os autos não fornecem elementos para aferir da propriedade em questão, deverão prosseguir para tal efeito.
Desde já e como supra adiantámos, resulta para nós claro que os factos provados não permitem aferir a propriedade da quantia depositada, o que não é infirmado pelo facto de o valor em questão ter sido relacionado no processo de inventário que corre termos na sequência do óbito da falecida mulher do cotitular da conta, como explicámos. Todavia, em nosso entender, tal facto é, como veremos, despiciendo à solução a dar ao litígio, como bem se decidiu na sentença recorrida.
Neste conspecto, sabendo-se que a titularidade da conta não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos, que pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até porventura a um terceiro, a verdade é que, como se salienta na sentença recorrida «(….), não obsta à responsabilidade do réu, o facto de a quantia em causa ser ou não propriedade do autor e de seu pai em partes iguais ou distintas, já que tal matéria contende com as relações entre os titulares da conta, às quais o Réu é alheio.
O contrato celebrado entre o autor e o réu é o contrato de abertura de conta coletiva conjunta, e não inclui as relações entre os titulares.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 355/09.1TVLSB.L1-6, de 26-01-2012, “I. O contrato de depósito bancário consiste, fundamentalmente, na entrega de certa quantia a um banco para que ele o guarde e restitua mais tarde, podendo, entretanto, o banco utilizar o montante entregue. II. O depósito bancário pressupõe que seja aberta uma conta junto do banco ou que ela já exista; a abertura de conta é o contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos relativos a diversas práticas bancárias. III. Na modalidade de conta coletiva, a conta bancária pode ser solidária, caso em que qualquer dos titulares pode movimentar sozinho a conta. O banqueiro exonera-se, no limite, entregando a totalidade do depósito a um dos titulares. IV. A solidariedade presente na conta bancária “solidária” diz respeito, apenas, às relações entre o cliente e o banqueiro; no tocante à titularidade do saldo, que rege as relações entre os titulares da conta, há que indagar, sendo ilidível a presunção de igualdade do art.º 516.º CC. V. Nas relações externas entre os seus titulares e o banco, a natureza solidária da conta releva apenas quanto à legitimidade da sua movimentação e débito. Essas regras de movimentação, fixadas relativamente a determinada conta, nada têm a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas. Esta é uma questão que apenas respeita às relações internas estabelecidas entre os titulares da conta. VI. Havendo um diferendo entre a titular de uma conta solidária e a herdeira do outro titular dessa mesma conta, a propósito da propriedade das quantias depositadas, a questão respeita exclusivamente às relações internas entre aquelas, sendo exterior à relação contratual entre o banco e as mesmas. VII. Não compete ao banco substituir-se à vontade das partes ou às vias judiciais, invocando a presunção legal do art.º 516.º, ex vi art.º 350.º, ambos do CC., para definir a propriedade das quantias depositadas, atribuindo metade à herdeira legal e disponibilizando-lhe o correspondente valor.”.

No caso dos autos, não cabe ao Banco réu imiscuir-se nas relações internas entre os titulares da conta, nem pode utilizar tais relações em sua defesa.»
O exposto merece a nossa concordância, porquanto, de facto, a questão da propriedade do dinheiro depositado é distinta e independente da titularidade do depósito bancário e das condições contratuais relativas à sua movimentação, já que no contrato de depósito bancário de dinheiro, o tipo de conta releva apenas nas relações externas entre os seus titulares e o banco (quanto à legitimidade da sua movimentação a débito), nada tendo a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas - este direito de propriedade releva apenas no âmbito das relações internas (entre os seus cotitulares) e que aqui não está em causa (8).
De facto, há que ter em conta, nos termos já referidos, que o depósito de dinheiro num banco não passa de um mero contrato obrigacional, “pelo qual uma pessoa (depositante) confia dinheiro a uma instituição bancária (depositário), a qual, tornando-se proprietária dos fundos depositados, fica com direito de livremente dispor deles para as necessidades da sua actividade profissional e assume a obrigação de restituir outro tanto em conformidade com o estipulado pelas partes”; contrato de que, após ser validamente celebrado (isto é, após, o depositante haver entregue os fundos a depositar - contrato real), resulta a obrigação de restituir a cargo do banco; obrigação de restituir que, no chamado depósito ou conta colectiva solidária, vincula o banco a restituir a totalidade dos fundos depositados a qualquer um dos titulares da conta. (9) (…)».
A relação jurídica que nasce da abertura da conta de depósito é uma relação jurídica de obrigação, não se podendo confundir o direito de crédito desta emergente para os titulares da conta com a propriedade dos bens objecto do depósito, isto é, com o direito real sobre os fundos depositados.
Como referimos, nas contas bancárias conjuntas, a mobilização e disponibilidade dos fundos depositados exige a simultânea intervenção da totalidade dos titulares, e isto, independentemente de quem seja de facto e juridicamente «o proprietário desses valores», que apenas releva nas relações internas entre os seus titulares.
O Banco tem apenas que cumprir as suas obrigações contratualmente definidas no contrato de abertura de conta/depósito quanto à legitimidade da sua movimentação a débito, não tendo que, nem podendo, imiscuir-se no direito de propriedade das quantias depositadas ou fazer depender a sua actuação e ou/responsabilidade contratual pela violação dos seus deveres enquanto depositário e perante o depositante, em função daquela, pelo que irrelevante se torna, para o apuramento da responsabilidade aqui em causa, a qual se situa no âmbito da relação bancária derivada do contrato de abertura de conta e depósito, com todo o respeito pelo defendido na apelação, aferir da titularidade jurídica relativa à propriedade das disponibilidades monetárias/valores depositados, ou, por outras palavras, saber se o dinheiro era ou não propriedade do autor ou de seu pai ou, mesmo, de terceiro.
Assim, no contexto da movimentação da conta em referência, do que se trata é da movimentação de uma conta que (o Banco) tinha à sua guarda, da saída de valores da mesma fora das condições contratualmente definidas (como vimos, sem a assinatura e autorização do autor, seu cotitular), responsabilidade essa de natureza contratual, o que implica para o depositário e em relação ao depositante titular da conta que não autorizou a referida movimentação, a qual lhe é inoponível, a responsabilidade de tal saída perante o credor lesado (ora autor, titular da conta) repondo a situação que existiria se tal irregularidade não tivesse sido cometida, sendo que a mesma só será excluída, caso o Banco logre provar não ter culpa na falta de observância dos pressupostos exigidos para a mesma ou que houvesse causa imputável ao autor, pelo que, não o tendo feito, encontra-se este constituído na posição de incumpridor, devendo ser responsabilizado pela perda ou não existência dos bens que lhe foram entregues para depósito e guarda, nos termos do disposto pelos artigos 798º, 799º, 1142º, 562º, 563º, 564º do C.C.
Actuando, a responsabilidade civil através do surgimento da obrigação de indemnização, que tem em vista, precisamente, tornar indemne o lesado, isto é, sem dano; visando colocar a vítima na situação em que estaria sem ocorrência do facto danoso – Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 114.
Podemos assim assentar em que, ao proceder como procedeu, o Banco réu violou, ilícita e culposamente, o contrato de depósito bancário estabelecido, tornando-se assim devedor do reembolso daquilo que saiu da conta em referência, conduta do Banco que foi assim causal do prejuízo (traduzido no montante depositado e irregularmente levantado (10)) sofrido pelo A., lesado, como depositário e titular da conta (11) (independentemente do facto da sua movimentação ter sido efectuada pelo outro cotitular, já que este o fez sem poderes para o efeito (12)), evidenciando-se, assim, o dano e o nexo de causalidade entre a violação dos deveres a que o R. estava adstrito e o prejuízo sofrido. E a forma de indemnizar é a que decorre do art.º 562 do CCiv, segundo o qual quem estiver obrigado a reparar o dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação o conhecido princípio da reconstituição natural.
Haverá deste modo que concluir, que ao actuar da forma descrita, impende sobre o Banco recorrente o correspondente dever de indemnização, sendo assim responsável pela reposição da conta na situação igual àquela em que se encontrava à data da movimentação indevida, ou por outras palavras, pela reposição da conta de depósito movimentada/liquidada na situação em que estaria se tal operação não autorizada não tivesse sido executada e respectivos juros (13), como decidido em primeira instância.
Improcede, por isso, a apelação.

V. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Guimarães, 3 de Fevereiro de 2022

Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
Fernanda Proença Fernandes
Anizabel Sousa Pereira
(assinado digitalmente)



1. cfr Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 483, citada in Ac. STJ, processo 6479/09.8TBBRG.G1.S1., in www.dgsi.pt
2. Como se refere no Ac. R.P., 14.07.2020, processo 22158/17.0T8PRT.P1, in www.dgsi.pt
3. Como se salienta no Ac. R.P. de 8.3.2019, processo 9452/15.3T8PRT.P1, in www.dgsi.pt
4. Idem nota 2.
5. Como refere Carlos Ferreira de Almeida in Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário, E-BOOK Fevereiro 2015, CEJ.
6. Vide Ac.R.P.de 26.01.2016, processo 8297/13.0TBVNG.P1, in www.dgsi.pt
7. Artigo 73.º «Competência técnica» «As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência. Artigo 74.º «Outros deveres de conduta» «Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.» Artigo 75.º «Critério de diligência» «Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral.»
8. “No domínio das relações internas os contitulares podem discutir a propriedade dos títulos e se a sua mobilização por um deles afecta ou não o património dos demais” (cfr. Ac. R.P. de 28.11.2017, in www.dgsi.pt.
9. Como se salienta no Ac. R.C., processo 328/15.5T8CNT.C1, de 3.05.2016, in www.dgsi.pt, citando José Maria Pires, Direito Bancário, II Vol., pág. 168. Conta constituída por diversas pessoas, com a faculdade atribuída a cada uma delas da sua livre movimentação - cfr. José Maria Pires, Direito Bancário, IIº Vol., pág. 168.
10. Vide a propósito as considerações tecidas no Ac. R.P. de 26.01.2016, processo 8297/13.0TBVNG.P1, embora por referência a uma acção distinta já que decorrente da responsabilidade ressarcitória perante o Banco de um dos contitulares que movimentou uma conta bancária “mista” , sem poderes para o efeito.
11. Como se refere no Ac. citado na nota anterior, numa situação em que o Banco ressarciu as duas titulares da conta, pelo facto de o outro titular (réu nessa acção) ter procedido à sua movimentação indevida, « O depositante que, neste caso, não podemos afirmar tratar-se da pessoa do Réu, posto que este não assume estatuto de lesado, nem foi ressarcido pelo Banco Autor; depositantes configurar-se-iam antes as outras duas titulares da conta, que se viram ressarcidas nos montantes integrais levantados pelo Réu, da forma já aludida e contrária às condições acordadas contratualmente com o Banco. As restantes titulares da conta em nada contribuíram para o evento danoso, pelo que, no âmbito das relações contratuais acordadas com o Banco, só este mesmo Banco Autor responderia perante as outras duas titulares da conta referidas. (…)
12. E uma sua eventual responsabilidade ressarcitória deste perante a ora ré, constituir questão diversa, que não está em causa nesta acção.
13. À semelhança, aliás, do que ocorre nos termos do artigo 114º do Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de novembro- Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica.