Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | RICARDO SILVA | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO PRESENÇA DO ARGUIDO PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/06/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
Sumário: | I - O art.º 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 não pode ser lido na sua literalidade imediata, sem recurso aos princípios e à coerência do processo de contra-ordenação para o interpretar. II - Assim, enquanto no processo penal a regra é a da obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento, no processo de contra-ordenação a regra é a da não obrigatoriedade dessa presença, como dispõe o art.º 67.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, ou seja, o arguido pode ser obrigado a comparecer à audiência, apenas se o Juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos. III - Acresce que, em processo de contra-ordenação não é obrigatória a constituição de advogado, nem sequer a nomeação de defensor, nada impondo tal constituição para a interposição do recurso em 1.ª instância. IV - Dos artºs 46º, 47º e 68º, nº 1 do RGCO conclui-se que em processo de contra-ordenação, nada sendo ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência de julgamento, este pode, simplesmente não comparecer, comparecer em pessoa ou fazer-se representar por advogado e, neste último caso, tudo se passa como se ele estivesse presente, através do advogado ou defensor. V - Tendo o arguido estado representado por advogado na audiência de julgamento, o prazo para o recurso tem de contar-se da sentença, nos termos da primeira proposição do n.º 1, do art.º 74.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, desde logo, porque a notificação da sentença fica feita, no próprio acto, na pessoa do advogado, nos termos dos art.os 46.º, n.º 2 e 47.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10. VI - Em suma, impõe-se a afirmação de que a segunda proposição do n.º 1, do art.º 74.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, «(...) ou da notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste», visa acautelar os casos em que o arguido não está presente nem representado no acto em que a mesma é proferida e, como tal, em que é possível que o prazo decorra, no seu desconhecimento da existência da decisão e do decurso do prazo. VII - A não ser assim, teríamos para o processo menos solene e em que os valores em jogo são de menor repercussão ética e material – o processo contra-ordenacional – uma solução processual mais garantística do que a vigente para o processo mais solene – o processo penal – o que seria uma solução senão absurda, pelo menos paradoxal, na harmonia do sistema. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães I 1. No processo de recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima em processo de contra ordenação, n.º 1381/03.0TBVCT, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, por sentença de 26 de Maio de 2003 foi decidido negar-se provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente a decisão recorrida. 2. Tal decisão, proferida no processo de contra ordenação n.º 14/01-VCT, do Instituto do Ambiente, do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, foi a de condenar a arguida, “A”, com sede na Rua …., pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos art.os 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, da Portaria n.º 29-B/98, de 15/01, e 4.º, 6.º, 8.º e 11.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 366-A/97, de 20/12, na coima de € 498.80 (quatrocentos e noventa e oito euros e oitenta cêntimos). 3. Inconformada com a sentença referida em I.1., a recorrente, “A”, veio dela interpor recurso. Rematou a motivação que apresentou com a formulação das seguintes conclusões: « 1.ª- A arguida, ora, recorrente foi notificada do teor da sentença que negou provimento ao recurso de impugnação judicial interposto e manteve, na íntegra, a decisão recorrida, condenado, assim, a arguida no pagamento da coima no valor de euros 498,80; 4. Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou resposta no sentido de lhe ser negado provimento. 5. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na sequência da invocação da correspondente questão prévia, foi de parecer de que o recurso deve ser rejeitado, por intempestivo. 6. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, a recorrente respondeu, pugnado pela tempestividade da interposição do recurso. 7. Efectuado exame preliminar e cumpridos os vistos legais, vierem ao autos à conferência cumprindo decidir. II Há que tomar posição relativamente à invocada interposição do recurso fora do prazo legal para esse efeito e consequente rejeição. No que interessa a esta questão, consta do processo que: – Em 03/03/20 foi designado dia para julgamento, tendo o M.mo Juiz consignado a necessidade da presença da arguida na audiência, nos termos do art.º 67, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27/10 – Cfr.. fls. 67; – Em 2003/04/17, o legal representante da arguida pediu dispensa de presença da arguida no julgamento, o que lhe foi deferido - Cfr. fls. 84, 85 e 86; – Em 2003/04/28 – Cfr.. fls. 88 - iniciou-se a audiência de julgamento, estando ausente a arguida, mas presente a sua defensora Dr.ª Maria Adelaide Silva Pereira, a quem havia outorgado procuração (Cfr.. fls. 73); – Em 2003/05/26 – Cfr. fls. 106 - prosseguiu a audiência, estando, uma vez mais, ausente a arguida, mas efectivamente representada pelo seu mandatário Dr. P…, em virtude de substabelecimento, sem reserva, para aquele concretizado (Cfr. fls. 92); – E na mesma data – 2003/05/26 - o M.mo Juiz ditou para a acta a sentença de que agora a arguida recorre. É o seguinte o disposto no art.º 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27/10: « 1 - O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.» Daqui parte para a solução que propugna. Salvo o decido respeito, não é exactamente essa a nossa posição. Como referem Manuel Simas Santos/ Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao citado art.º 66.º Cfr. Manuel Simas Santos/ Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenaçõies, Anotações ao Regime Geral, 2.ª Edição, Vislis Editores, 2003, pág. 384.: «O regime de audiência de julgamento em processo de transgressões e contra-ordenações, consta do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 17/91, de 10 de Janeiro, de que apenas serão aplicáveis ao processo contra-ordenacional os seus números 5 a 7» O que bem se compreende porquanto, no processo de contra-ordenação, a matéria relativa à presença do arguido em audiência de julgamento do recurso em 1.ª instância está especificamente consignada nos art.os 67.º e 68.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, de modo contraditório com o disposto no art.º 11.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 17/91, de 10/10. Já relativamente à aplicação do processo criminal como direito subsidiário do processo contra-ordenacional, rege directamente o disposto no art.º 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10. Entendemos, porém, que o art.º 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 não pode ser lido na sua literalidade imediata, sem recurso aos princípios e à coerência do processo de contra-ordenação para o interpretar. Assim, enquanto no processo penal a regra é a da obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento, no processo de contra-ordenação a regra é a da não obrigatoriedade dessa presença, como dispõe o art.º 67.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10. O arguido pode ser obrigado a comparecer à audiência, apenas se o Juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos. Acresce que, em processo de contra ordenação não é obrigatória a constituição de advogado, nem sequer a nomeação de defensor, nada impondo tal constituição para a interposição do recurso em 1.ª instância Cfr. Cfr. o disposto nos art.os 53.º, n.os 1 e 2, e 59.º, n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, e o Acórdão da Relação do Porto, de 1997/06/04, proferido no recurso n.º 10912, e referido em Manuel Simas Santos/ Jorge Lopes de Sousa, obra citada, pág. 324.. Ou seja, o arguido pode litigar por si, desacompanhado de advogado ou defensor. E, ainda, assim, se não for tida por necessária a sua presença na audiência do julgamento do recurso, pode não estar presente na mesma audiência, caso em que também não estará nela representado. Por outro lado, dispõem os art.os 46.º e 47.º, ambos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 : « Artigo 46.º « Comunicação de decisões « 1 - Todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem. « Da notificação « 1 - A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista. « 2 - A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado. Referindo, ainda, do art.º 68.º, n.º 1, do mesmo decreto-lei que «Nos caos em que o arguido não comparece nem se faz representa por advogado .... » Dos textos acabados de transcrever conclui-se que em processo de contra-ordenação, nada sendo ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do arguido à audiência de julgamento este pode, simplesmente não comparecer, comparecer em pessoa ou fazer-se representar por advogado. Neste último caso, tudo se passa como se ele estivesse presente, através do advogado ou defensor. No caso que nos ocupa o Ex.mo Juiz do processo despachou, inicialmente, nos sentido de determinar a presença da arguida em julgamento. Mas, a requerimento do seu legal representante informando que nada conhecia dos factos em discussão, dispensou a sua presença. Ou seja, tudo se passou como se o despacho a ordenar a presença do arguido tivesse sido dado sem efeito, voltando os autos à situação regra da não obrigatoriedade da dita presença. Pelo que a situação não é comparável às de «audiência na ausência do arguido em casos especiais e de notificação edital», previstas no art.º 334.º, do Código de Processo Penal, não sendo, sempre salvo o devido respeito, tal norma aplicável ao caos presente. Tendo o arguido estado representado por advogado na audiência de julgamento, o prazo para o recurso tem de contar-se da sentença, nos termos da primeira proposição do n.º 1, do art.º 74.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10. Desde logo, porque a notificação da sentença fica feita, no próprio acto, na pessoa do advogado, nos termos dos art.os 46.º, n.º 2 e 47.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10. É, aliás, este o regime estabelecido pela lei processual penal para os casos de ausência do arguido à audiência de julgamento em processo de não ausentes e fora dos caos especiais do art.º 334.º do Código de Processo Penal, já referido, como decorre do disposto nos art.os 332.º, n.º 5, 372.º, n.º 4, e 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Aliás, se porventura se discutisse a aplicação dos artigos 46.º e 47.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, à fase jurisdicionalizada do processo de contra-ordenação (o recurso de impugnação da autoridade administrativa e o recurso da decisão que recai sobre esse recurso), sempre a solução encontrada seria a mesma, pela via da aplicação das normas de processo penal acabadas de referir, então ex vi do disposto no art.º 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10. Em suma, impõe-se a afirmação de que a segunda proposição do n.º 1, do art.º 74.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, «(...) ou da notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste», visa acautelar os casos em que o arguido não está presente nem representado no acto em que a mesma é proferida e, como tal, em que é possível que o prazo decorra, no seu desconhecimento da existência da decisão e do decurso do prazo. A não ser assim, teríamos para o processo menos solene e em que os valores em jogo são de menor repercussão ética e material – o processo contra-ordenacional – uma solução processual mais garantística do que a vigente para o processo mais solene – o processo penal – o que seria uma solução senão absurda, pelo menos paradoxal, na harmonia do sistema. Pois bem, tendo a sentença sido notificada ao Ex.mo defensor da arguida, Dr. Gomes Costa, no dia 2003/05/26, sendo o prazo para interpor recurso de 10 dias, conforme dispõe o art. 74.º citado, o último dia do prazo foi em 2003/06/05, ou, em caso de aplicação do art. 145, n.º 5 do Código de Processo Civil, em 11/06/2003. Tendo a arguida interposto o seu recurso em 2003/07/09 – Cfr.. fls. 134, foi este apresentado fora do tempo legalmente previsto. Assim sendo, o recurso ser rejeitado, por extemporaneidade, nos termos do disposto no art. 414, n.º 2 e 420, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal. III Termos em que, sem necessidade de mais considerações (artigo 420.º, n.º 3, do C. P. P.), acordamos em rejeitar o recurso. Por ter decaído, vai a recorrente condenada em 3 UC de taxa de justiça e em mais 3 UC, nos termos do n.º 4 do artigo 420.º do C. P. P. |