Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
39/11.0TBMLG-A.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: DOAÇÃO
COISA MÓVEL
MEAÇÃO
QUINHÃO HEREDITÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CIVEL
Sumário: Não constitui doação de bens alheios aquela em que, o doador doa bem passível de divisão (dinheiro) que fazia parte património comum do seu casal extinto por morte do cônjuge e que não excede a sua meação.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO
No inventário para partilha dos bens dos inventariados A…, falecido em 08/03/2005 e B…, falecida em 17/08/2010, que foram casados entre si no regime da comunhão geral de bens, veio a interessada, filha destes, C…, reclamar da relação de bens apresentada pela cabeça de casal, sua irmã, requerendo, para além do mais, que fosse relacionada a quantia de € 24.942,33 correspondente ao saldo existente na Caixa Agrícola, que faz parte da herança dos falecidos, que está na posse daquela cabeça de casal, D….

A cabeça de casal respondeu à reclamação, alegando que tal depósito, que fazia parte do património do dito casal, lhe foi doado por sua mãe, a título de reconhecimento pelos serviços de assistência que lhe prestou.
Produzida a prova requerida pelas interessadas, foi proferida decisão que ordenou que, na rubrica de Bens Doados da relação de bens, se adite a verba n.º 3 com a seguinte descrição:
“Doação da inventariada B… à Interessada D…, por conta da quota disponível da doadora e o respectivo valor para € 24.942,942.
Inconformada, a reclamante e interessada interpôs recurso de tal decisão, que foi admitido, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1. Não tendo ocorrido qualquer partilha por óbito do inventariado, a Inventariada não era dona, ou proprietária da mencionada quantia de € 24.942,33, depositada na Caixa Agrícola,
2. sendo, antes, tal quantia um bem da herança,
3. pelo que a inventariada não a podia doar.
4. Para haver doação é necessário que o doador seja dono do bem doado (art.º 490.º do C.Civil) o que não é o caso (sendo antes a herança).
5. Acresce que apenas o proprietário goza do poder de dispor do bem, designadamente, doá-lo (art.º 1305.º do C. Civil. E a inventariada não era sua proprietária ou dona para o poder fazer.
6. Deste modo, é inexistente a doação da mesma á cabeça de casal. E, mesmo que se considerasse, como na decisão recorrida, que a mesma ocorreu por conta da quota disponível da doadora, sempre tal doação seria nula (art.º 961n.º 1 do C.Civil)
7. Ainda que tal doação fosse considerada como remuneratória (art.º 941.º do C.P Civil) compensatória e/ou efectuada por conta da quota disponível da Inventariada, é igualmente nula,
8. pois esse valor, esse bem doado, não é pertença ou propriedade da Inventariada, mas antes da herança.
9. Sendo a doação daquela mencionada à cabeça de casal nula, como atrás referido.
10. Pode a apelante, e como interessada, invocar essa nulidade e, por isso, a invoca (art.º 286.º do C. Civl)
11. A nulidade tem efeitos retroactivos devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art.º 289.º do C. Civil).
12. Ou seja, deve ser restituída pela cabeça de casal (que a possui) à herança aquela quantia de €24.942,33.
13. Pelo que a mencionada quantia deve ser eliminada da verba 3 e ser relacionada e descrita ou ser incluída nos bens a partilhar no presente inventário.

A cabeça de casal respondeu ás alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações, a questão a decidir é a de saber se, na relação de bens em causa, deve relacionar-se, como bem doado à interessada cabeça de casa pela inventariada sua mãe, a dita quantia de 24,942,33 ou se, pelo contrário, tal doação é nula, devendo por isso ser relacionada como bem da herança.

A factualidade que resulta dos documentos dos autos e a que se deu como provada e que fundamentou a decisão recorrida é a seguinte:
À data da morte do inventariado A… existia:
Uma conta da Caixa de Crédito Agrícola de que eram titulares ambos os inventariados, no montante de € 22.471,17 que entretanto foi depositada noutra conta, que venceu juros, sendo que, em 03/11/2009 tinha o saldo de €24.942,33.
Uma conta no Banco Millenium BCP, de que eram titulares ambos os inventariantes, no montante de €25.150,00 e que, entretanto, foi depositada noutra conta, vencendo juros;
A Inventariada, alguns anos antes de falecer, foi viver para casa da sua filha D..., por carecer de assistência e acompanhamento permanentes, em virtude dos seus inúmeros e graves problemas de saúde;
A inventariada decidiu doar a sua filha o saldo da dita conta com o montante de € 24.942,33, em parte, senão todo, como compensação pelos cuidados que a mesma lhe prestou, quantia essa que esta recebeu de sua mãe;
Esta quantia está na posse da cabeça de casal.

DECIDINDO
Analisemos então a validade da doação em causa.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 940.º do Código Civil, “Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.”
É considerada doação a liberalidade remuneratória de serviços recebidos pelo doador, que não tenham a natureza de dívida exigível (art.º 942.º do CC).
A doação, para não caducar, deve ser aceite em vida do doador, sendo que, a tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo, é havida por doação (n.ºs 1 e 2 do art.º 945.º do CC).
Acresce que, a doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada.

Ficou provado nos autos que a inventariada, quando viva, doou á cabeça de casal, sua filha D…, uma quantia monetária, no montante de €24.942,33, que esta recebeu, pelo menos em parte para compensar/remunerar serviços prestados a sua mãe.
Assim sendo, estamos perante uma doação de bens móveis, não obstante a mesma se tratar, pelo menos em parte, de liberalidade remuneratória, que foi aceite pela donatária, pois que, como resulta dos autos, foi acompanhada de tradição da coisa doada, donde, nenhuma formalidade era exigida.
Mas esta doação, tal como defende o recorrente, incide sobre bem de que a doadora não podia dispor, por não lhe pertencer?
Se assim for e como decorre do disposto no art.º 956.º n.º 1 do CC, é nula a doação, por ter como objecto bem alheio.
Argumenta o apelante que a doadora não era proprietária da quantia monetária que doou a sua filha D… porquanto, a mesma, pertencia à herança do inventariado seu marido, já então falecido.
Não concordamos com tal entendimento.
Há que ter em conta que a quantia monetária depositada na Caixa Agrícola, tal como a quantia monetária depositada no BCP, superior àquela, já existia á morte do inventariado, sendo certo que ambos os depósitos eram titulados pelos dois inventariados.
Assim, tais quantias monetárias fizeram parte do património comum dos inventariados, pois que, no regime de casamento da comunhão geral de bens, “o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam excluídos por lei” (art.º 1732 do CC).
Resulta pois evidente que só metade da quantia global dos dois depósitos, fazia parte da herança do falecido A…, sendo que, a outra parte, constituía a meação da inventariada B….
Nestes termos e considerando a totalidade da quantia monetária depositada nas duas instituições bancárias, pois que é irrelevante o local onde a mesma se encontra, temos para nós que o dinheiro doada pela inventariada, por tradição, à cabeça de casal, e que é sempre passível de divisão, faz parte da sua meação, nem sequer atingindo o seu valor, para além de que, lhe cabia também, a título de herdeira do marido, 1/3 da restante metade.
Acresce que, outras quantias monetárias que pertenciam ao património comum dos inventariados já haviam sido, em parte, partilhadas pelas interessadas e em parte a esta doadas pela inventariada em igualdade, sem que, neste caso, o apelante tenha contestado o entendimento da Mm.ª juiz a quo, no sentido de a doação ser válida por se reportar a bem que faziam parte da sua meação e do seu quinhão hereditário.
Nestes termos, conclui-se que a doadora B… doou bem que lhe pertencia, não se vislumbrando a nulidade da doação por ter como objecto bem alheio.
Assim, bem andou a Mm.ª Juiz da primeira instância ao ordenar a relação do bem em causa doado, designadamente com vista a apuramento de eventual inoficiosidade da doação.
Deve pois improceder a apelação.

Em conclusão:
Não constitui doação de bens alheios aquela em que, o doador doa bem passível de divisão (dinheiro) que fazia parte património comum do seu casal extinto por morte do cônjuge e que não excede a sua meação.

III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

Guimarães, 2 de Maio de 2013
Isabel Rocha
Moisés Silva
Manuel Bargado