Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2034/15.1T8GMR.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: CASO JULGADO
IDENTIDADE DAS PARTES
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Para aferição do pressuposto subjetivo do caso julgado (o de que existe identidade de sujeitos em ambas as ações) há que atender, não apenas à identidade dos sujeitos intervenientes na ação, mas também à qualidade jurídica das partes em confronto, de forma a que a discussão judicial se esgote com a intervenção dos sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica em dada altura temporal.
2 – Numa impugnação pauliana, a anterioridade do crédito afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I.RELATÓRIO
C deduziu ação de impugnação pauliana contra D, M, M, D e L, alegando ser credor dos 1.º e 2.ª réus e terem estes doado a suas filhas, restantes rés, um prédio de que eram proprietários e que corresponde à casa de morada da família, reservando para si o gozo do mesmo e apenas com o intuito de impedirem que o mesmo respondesse pelas dívidas contraídas perante a autora. Pede que se declare a ineficácia da doação do imóvel em relação à autora e que seja reconhecido a esta o direito de obter a satisfação integral do seu crédito à custa do identificado bem, podendo penhorá-lo e vendê-lo em sede de execução.
Contestou o réu D, por si e enquanto legal representante de suas filhas menores, alegando nada dever à autora e a doação do imóvel ter resultado do divórcio entre si e a segunda ré, não havendo qualquer intenção de o subtrair ao credor, tendo bens suficientes para o pagamento da pretensa dívida.
O MP foi citado e nada disse.
A autora respondeu.
Foi definido o objeto do litígio e fixados os temas da prova, com reclamação da autora, indeferida.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo os réus do pedido.
Discordando da sentença, dela interpôs recurso a autora, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
I. A sentença recorrida não deve manter-se pois não consagra a justa e correta aplicação das normas legais e dos princípios jurídicos aplicáveis.
II. A Reclamante apresentou a presente ação de impugnação pauliana pelo montante de 12.497,50 € contra D (1º Réu), M (2ª Ré) e as filhas MS (3ª Ré), DS (4ª Ré) e LS (5ª Ré).
III. O 1º e 2º Réus apresentam na presente ação a qualidade de Réus Devedores, enquanto que as 3ª, 4ª e 5ª Rés são demandadas na ação por serem as atuais proprietárias do bem em causa, sendo sujeitos passivos da doação do imóvel.
IV. No âmbito da presente ação, o 1º Réu e as 3ª, 4ª e 5ª Rés apresentaram a contestação, afirmando que o 1º Réu (e apenas este) nada deve à Recorrente.
V. A Ré M não apresentou qualquer contestação.
VI. A douta sentença proferida no âmbito dos presentes autos absolveu os Réus do pedido com fundamento na falência do primeiro requisito do artigo 616, nº 2 do Cód. Proc. Civil, “ou seja, a existência de um crédito sobre o 1º Réu, pois que a factualidade relativa a tal matéria resultou não provada – cfr. pontos II.I a II.2 e II.32 a II.45” o que faz naufragar irremediavelmente a pretensão da Autora”.
VII. A Recorrente viu o seu crédito proveniente do contrato de mútuo nº … ser judicialmente declarado, tendo os 1º e 2º RR. sido condenado a pagar à Recorrente o montante de 5.490,12€, por sentença proferida no âmbito do processo nº 103/15.7YIPRT, que correu termos na Comarca de Braga – Inst. Local de Fafe – Secção Cível – J1 – sentença essa já transitada em julgado - cfr. sentença que se junta sob o doc. nº 1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
VIII. Entendeu o tribunal a quo desvalorizar tanto a própria sentença proferida no âmbito de tal processo como o seu teor, para efeitos de produção de prova do crédito da Autora.
IX. No que à divida face à Recorrente decorrente do contratode mútuo nº …, a sentença em causa fazprova plena da existência da dívida.
X. Carece, pois, de qualquer outra prova adicional.
XI. A sentença proferida no âmbito do processo nº103/15.7YIPRT, já transitada em julgado, tem força decaso julgado.
XII. No que respeita à prova do crédito da Recorrente,encontram-se preenchidos os requisitos exigíveis nostermos e para os efeitos do artigo 580º, nºs 1 e 2 e 581ºdo Cód. Civil, isto é, identidade de sujeitos sob o ponto devista jurídico (devedores), identidade do pedido(reconhecimento da dívida) e identidade da causa depedir (existência do crédito da Recorrente), podendo adecisão atingir terceiros
XIII. Ainda que se entendesse não relevar a sentença dereconhecimento da dívida enquanto exceção de casojulgado, pelo terá de ser considerada sempre para efeitosde produção de prova, pela autoridade própria dasentença.
XIV. Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos oupressupostos para que exista a exceção de caso julgado(exceptio rei judicatae), está em causa o prestígio dostribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisõesjudiciais porque a douta sentença recorrida veio disporem sentido diverso sobre o mesmo objeto da decisãoanterior transitada em julgado, abalando assim aautoridade desta.
XV. A referida sentença (proferida em 1º lugar) contémexpressas declarações de testemunhas que viram o Réua assinar tais documentos, que contactaram com elepara mobilização dos depósitos a prazo, etc.
XVI. Se a Recorrente já viu reconhecido o seu crédito porsentença transitada em julgado, tendo já sido produzidatoda a prova do respetivo crédito naqueles autos, nãopoderá o tribunal a quo pretender repetir o julgamentonesta parte e, bem assim, decidir em sentido diverso.
XVII. Fica, pois, abalada tanto a autoridade do tribunal queproferiu a sentença como a certeza e segurança jurídicasda decisão judicial transitada em julgado.
XVIII. Em face de todo o exposto, quanto à titularidade dadívida supra mencionada, nada mais carece de prova pelaRecorrente, ficando, pois, o litigio prejudicado nestaquestão, uma vez que parte crédito da Recorrenteencontra-se titulado por sentença, que já foi mesmoobjeto de ação executiva não contestada.
XIX. Acresce que a 2ª Ré não contestou a presente ação e,muito menos, negou a titularidade das dívidas junto daRecorrente.
XX. Se é verdade que a confissão dos factos apenas operaface à 2ª Ré, a verdade é que a respetiva dívida tambémtem um cariz pessoal, não podendo o tribunal a quoentender que carece de prova a existência do crédito daRecorrente perante a 2ª Ré, já que o mesmo não foiimpugnado, em momento algum, por qualquer um dosRéus e a própria não contestou.
XXI. Não obstante a livre apreciação de prova que assistia aotribunal a quo, a verdade é que existe uma sentençajudicial a reconhecer o crédito da Recorrente face aosRéus e, bem assim, o crédito da 1ª Ré não foi posto emcausa.
XXII. Em sede de contestação, os Recorridos não colocam emcausa nem o facto de a transmissão ter ocorrido atravésde doação, nem colocam em causa a existência do créditoface à 1ª Ré, sendo certo que a 2ª Ré, devedora, nãocontestou, o que tem valor legal de confissão de dívida.
XXIII. Com efeito e relativamente à boa fé, dispõe o nº 1 doartigo 612º C. Civil que: se o ato for gratuito, aimpugnação procede, ainda que um e outro agissem deboa fé.
XXIV. Considerando que estamos perante uma doação, aimpugnação teria sempre que ser procedente,independentemente de existir boa fé ou não, uma vezque resulta provado o locupletamento de bens por partedos Réus e a anterioridade do crédito da Recorrente faceà 1ª Ré.
XXV. Não sendo necessária qualquer produção de provaquanto a este ponto.
XXVI. A natureza jurídica de uma ação de impugnação paulianaé pessoal e obrigacional, visando restituir ao credor, namedida do seu interesse, os bens com que ele contavapara garantir o seu crédito, conferindo-lhe, assim, trêsdireitos: a) o direito à restituição na medida do interessedo credor, (b) o direito a praticar os atos de conservaçãoda garantia patrimonial autorizados por lei e c) o direitode execução no património do obrigado à restituição.
XXVII. A própria sentença recorrida refere-se expressamenteque não ficou provada a existência do crédito face ao 1ºRéu, sendo certo que tal não poderá resultar naabsolvição do pedido.
XXVIII. Não podendo, pois, concluir-se pela absolvição do pedidoem face da falta de prova da dívida perante apenas umdos Réus demandados.
XXIX. Ainda que o 1º Réu não fosse devedor de qualquerquantia perante a Recorrente, tal dívida existeindubitavelmente face à 2ª Ré, respondendo, pois, oimóvel pelas dívidas da Ré, já que, à data do crédito daRecorrente, tratava-se de um bem comum do casal.
XXX. Resulta da prova produzida a existência do crédito daRecorrente.
XXXI. Mal andou, pois, o tribunal a quo ao fazer improceder apresente ação de impugnação pauliana, pois se é certoque se o 1º Réu nega a dívida, a verdade é que a 2ª Rénão a nega em momento algum.

XXXII. Deverá, assim, ser declarada a ineficácia dadoação do imóvel supra identificado, em relação àRecorrente e, bem assim, ser reconhecida à Recorrente odireito de obter a satisfação integral do seu crédito àcusta do identificado bem, podendo penhorá-lo e vendê-lo em sede de execução.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento,revogando-se a Douta Sentença recorrida nos termos supramencionados, com todas as consequências legais.
Assim, se fará, como sempre, inteira Justiça.

Os apelados contra alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver traduz-se em saber se se mostram preenchidos os requisitos da impugnação pauliana.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
Factos Provados:
1. Nas datas de 6 de Dezembro de 2010 e de 5 de Março de 2012, os 1º e 2º RR.eram os únicos e legítimos proprietários de um prédio urbano, composto de casa de doisandares e logradouro, sito no Lugar de S. Jorge, actual Rua da Fonte da Cana, na freguesia deFafe, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do RegistoPredial de Fafe sob o nº ….
2. Tal imóvel corresponde à casa de morada da família,
3. Tal prédio foi doado pelos 1º e 2º RR. às suas únicas filhas, as 3ª, 4ª e 5ª Rés, istoé, MS, DS, e LS, tendo essa doação sido registada a favor dos donatários pela Ap. 631 de2013/04/19 – cfr. escritura pública de fls.38 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmentereproduzido e informação de fls.41 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida.
4. Entre a Autora e a sociedade ME, foi celebrado um contrato de abertura de crédito emconta corrente, até ao montante de € 6.000,00 (seis mil euros) e pelo prazo de seis meses,tendo a garanti-lo o penhor sobre 14,7563 unidades de participação (u.p.) do Fundo deInvestimento Mobiliário designado “Montepio Monetário”.
5. O Réu D e a Ré M, que eram casados entre si, dissolveram ocasamento por divórcio, através do processo nº 529/2013, que correu termos na Conservatóriado Registo Civil do concelho de Fafe – cfr. documento de fls.97 e seg. cujo teor se dá aqui porintegralmente reproduzido.
6. O Réu M e a Ré R acordaram em que o imóvel fosse doado àsfilhas, com reserva de usufruto a favor do Réu D.
7. O Réu D nasceu em 19 de Janeiro de 1965.
8. O veículo NN tem reserva de propriedade registada a favor do BancoSantander Consumer Portugal S.A., sendo sujeito passivo o Réu D – cfr. documento de fls.195 cujo tero se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. O R. aufere um salário de € 641,93, estando, de momento, a descontar o queexcede o salário mínimo nacional para o Banco.
10. O R. possui um veículo automóvel, adquirido com recurso a crédito,
11. O R. tem três mobílias completas de quarto e uma mobília completa de sala.
12. O R. tem um frigorífico, uma máquina de lavar roupa, uma máquina de secarroupa e um fogão, mesa e cadeira.
Factos não provados:
1. A Livrança nº 5…, no montante de 6.536,89€ e vencida a08/01/2015, foi subscrita pela ME e avalizada pelos RR. Réus D e M.
2. Esta livrança foi preenchida por incumprimento do contrato de abertura de créditonº …, do qual é parte integrante o adicional celebrado em 05/03/2012 (cfr.fls.13 a 26, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
3. Apresentada a pagamento na data do seu vencimento, nem a subscritora nem osavalistas, aqui 1º e 2º RR., procederam à sua liquidação, encontrando-se, ainda, em dívida omontante de 6.526,89€ e respectivos juros e imposto de selo (cfr. fls.13 a 26, cujo teor se dápor integralmente reproduzido).
4. Por contrato particular datado de 06/12/2010, a Autora concedeu um empréstimono montante de 20.000,00€ à sociedade “ME”, à taxa de juro contratualmente estabelecida e nasdemais condições constantes no contrato junto a fls.27 e seguintes (cujo teor se dá aqui porintegralmente reproduzido).
5. Ficou expressamente convencionado que o contrato seria celebrado pelo prazo de5 anos e seria reembolsado nas condições aí previstas (cfr. fls.27 e seguintes, cujo teor se dáaqui por integralmente reproduzido).
6. Ficou, ainda, expressamente convencionado que pela utilização do capitalmutuado no montante de 20.000,00€, pagaria a sociedade mutuária juros sobre o capital emdívida, calculados de acordo com o aí convencionado, juros esses que, em caso de mora, queseriam acrescidos de uma sobretaxa de 4%, a título de cláusula penal (cfr. fls.27 e seguintes,cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
7. Os RR. D e Mdeclararam ser fiadores e principais pagadores de todas as obrigações assumidas ou a assumirpela mutuária perante a A., provenientes do contrato de mútuo em apreço, tendo declaradorenunciar expressamente ao benefício da excussão prévia (cfr. fls.27 e seguintes, cujo teor sedá aqui por integralmente reproduzido).
8. Nem a sociedade mutuária nem os fiadores pagaram à A., quer na data dorespectivo vencimento, quer posteriormente, a prestação de capital vencida em 06/03/2014, oque implicou o imediato vencimento de todas as obrigações assumidas no âmbito do contratode mútuo em apreço, conforme o disposto na cláusula 13ª (cfr. fls.27 e seguintes, cujo teor sedá aqui por integralmente reproduzido).
9. Estando em dívida o montante de 5.110,65€, referente às prestações vencidas enão pagas (cfr. fls.27 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido),acrescido de juros, às taxas indicadas na nota de débito de fls.36 (cujo teor se dá aqui porintegralmente reproduzido), no montante de 290,85€, acrescidos de uma sobretaxa de 3%, atítulo de cláusula penal, no montante de 121,38€ e respectivo imposto de selo, à taxa de 4%ao ano, no montante de 16,49€.
10. E de 410,00€, a título da rubrica “mutuários conta despesas”;
11. De 0,31€, a título da rubrica “juros moratórios sobre mutuários conta despesas”;
12. De 10,29€, a título da rubrica “imposto sobre despesas”.
13. Os 1º e 2º Réus mais não fizeram do que passar a titularidade de tal bem paraterceiros a fim de o colocar “a salvo” dos credores.
14. Reservando para si o gozo do mesmo.
15. Sem quaisquer alterações no seu quotidiano.
16. Não tendo qualquer intenção de se desfazer dele ou de com ele gerar qualquerliquidez.
17. Visando subtrair o imóvel à garantia das obrigações por si assumidas,impossibilitando os seus credores de verem ressarcidos os seus créditos.
18. O Réu não teve qualquer intervenção na redacção do contrato de abertura decrédito em conta corrente.
19. Não teve qualquer conhecimento do teor das suas cláusulas e do processamentodaquele contrato, nomeadamente, dos movimentos, uso, utilização e montantes que foramtransaccionados entre a A. e a devedora.
20. Nada lhe foi comunicado pela A. acerca do cumprimento ou incumprimentodaquele contrato e da sua resolução.
21. O Réu não sabe se o penhor foi accionado e a A. beneficiou do seu montante, equal o montante – se não foi accionado e a razão de não ter sido e onde está esse valor.
22. A. utiliza, no exercício da sua actividade, aquele tipo de contrato para todos osseus clientes que com ela pretendam celebrá-lo.
23. A A. elaborou nos termos e condições que bem entendeu, sem possibilitar a suadiscussão pelas partes contraentes.
24. A A. preencheu a livrança a seu bem prazer, não tendo informado e nemcomunicado ao Réu D o facto do preenchimento e os seus dizeres.
25. O contrato de mútuo foi também de um documento única e exclusivamenteelaborado pela A., nos termos e condições que bem entendeu.
26. É um documento tipo utilizado pela A. com todos os clientes que recorram aempréstimos.
27. O Réu D nunca teve, e nem tem, conhecimento dos factos ocorridos navigência daquele contrato, não sabendo o que a devedora pagou e como pagou, bem como nãosabe do destino que foi dado à garantia pignoratícia do montante de € 5.000,00 (cinco mileuros).
28. O usufruto do Réu tem o valor de € 27.828,00 (vinte e sete mil oitocentos e vintee oito euros).
29. O valor do veículo ascende a € 10.000,00, estando o Réu a cumprir o respectivoplano de pagamento prestacional, faltando pagar cerca de 70% do crédito.
30. As mobílias têm o valor, respectivamente, de € 2.500,00, € 2.000,00, € 1.500,00 ede € 4.000,00.
31. Os bens referidos em I.12 têm, respectivamente, o valor de € 400,00, € 400,00, €400,00 e de € 300,00 e de € 200,00.
32. A livrança nº …, foi preenchida no âmbito do contrato nº.…, tendo os aqui RR. expressamente declarado prestar o seu aval na referidalivrança, dando o seu consentimento para o preenchimento da mesma durante todo o períodode vigência do contrato, bem como, eventuais renovações do mesmo.
33. Interpelados para o efeito por cartas de fls.197 e seg. (cujo teor se dá aqui porintegralmente reproduzido), os intervenientes na livrança não procederam ao pagamentodevido, quer na data de vencimento, quer posteriormente.
34. Foi previamente negociado entre a A., a mutuária e os avalistas, o montante decapital mutuado.
35. Explicadas, discutidas e acordadas as cláusulas referentes a: a) prazo da concessãodo empréstimo; b) taxa de juro aplicável; c) prazo de amortização do empréstimo; d)consequências do incumprimento do empréstimo.
36. As cláusulas contidas no contrato e sucessivos acordos foram comunicadas eexplicadas aos mutuários e aos avalistas, para que estes as pudessem compreender.
37. O R. compreendeu o conteúdo e consequências da assinatura do contrato deabertura de abertura de crédito em conta corrente.
38. Foi lido ao Réu o contrato e o seu conteúdo explicado.
39. O Réu teve conhecimento do conteúdo do mesmo constante e das obrigações deledecorrentes.
40. O Réu foi esclarecido sobre as consequências em que incorreria no caso de amutuária faltar ao pagamento de qualquer prestação.
41. Tendo sido informado pela A., sobre as consequências do incumprimento.
42. Às unidades de participação do Fundo de Investimento Mobiliário foi atribuído, àdata, o valor individual de € 67,81035 e o correspondente valor global de € 1.000,63.
43. Em 28.03.2014, as referidas unidades de participação foram resgatadas paraamortização docontrato.
44. Na data em que foi efectuado o resgate (28.03.2014), as unidades de participaçãoapresentavam a cotação de € 69,9740 (valor unitário), o que perfez o montante total de €1.032,56.
45. O montante de € 1.032,56, resultante da mobilização do depósito a prazo, foiaplicado ao contrato, reduzindo o valor em dívida.

Nos termos do disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil, a modificação da decisão de facto passou a constituir um dever da Relação, a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância. Trata-se de assegurar um efetivo segundo grau de jurisdição no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto.
Tal deve suceder quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas.
No caso dos autos, salvo o devido respeito, não foi devidamente ponderada a existência de documento autêntico – certidão de sentença proferida em processo judicial, com nota de trânsito em julgado -, cuja falsidade não foi suscitada (cfr. artigo 372.º, n.º 1 do CC).
Não tem razão o tribunal recorrido quando, pura e simplesmente, não considerou tal documento, dando como não provados os factos atinentes, apenas porque não foi produzida prova testemunhal e os documentos de suporte bancário foram impugnados pela parte contrária.
Nos autos está junta a certidão extraída do processo n.º 103/15.7YIPRT, contendo a sentença aí proferida e com a indicação de que a mesma transitou em julgado em 10/02/2016. Trata-se de ação intentada pela aqui autora C contra ME e os aqui réus M e D, pedindo a condenação destes no pagamento de diversas quantias com base no contrato de mútuo n.º …, datado de 06/12/2010, onde os aqui réus se constituíram fiadores, tendo os réus sido condenados a pagar solidariamente à autora a quantia de € 5490,12 e absolvendo-os do demais peticionado – cfr. certidão junta a fls. 227 a 233 dos autos.
Este documento pura e simplesmente não foi considerado pelo Sr. Juiz na decisão da matéria de facto, depreendemos que (não porque o diga na sentença, mas porque o disse em despacho que conheceu da reclamação da autora à fixação dos temas da prova) por entender que não estão reunidos nos autos os pressupostos do caso julgado, por as rés menores não terem tido intervenção naquela ação em que os pais foram condenados (não havendo identidade de sujeitos).
Não podemos concordar com esta decisão.
Como já vimos, a recorrente viu o seu crédito proveniente do contrato de mútuo nº … ser judicialmente declarado, tendo os 1º e 2º réus sido condenados a pagar-lhe o montante de 5.490,12€, por sentença proferida no âmbito do processo nº…, que correu termos na Comarca de Braga – Inst. Local de Fafe – Secção Cível –J1 – sentençaessa já transitada em julgado.
Tal sentença faz prova plena da existência da dívida.
Ao contrário do que afirma o Sr. Juiz de 1.ª instância, entendemos que esta sentença tem força de caso julgado, uma vez que, no que respeita à prova do crédito da Recorrente, encontram-se preenchidos os requisitos exigíveis nos termos e para os efeitos do artigo 580º, nºs 1 e 2 e 581º do C.P.C., isto é, identidade de sujeitos sob o ponto de vista jurídico (devedores), identidade do pedido (reconhecimento da dívida) e identidade da causa de pedir (existência do crédito da Recorrente).
Conforme se refere no Acórdão desta Relação de 17/12/2015, in www.dgsi.pt (relator …): “Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (artigo 581º, n.º 2, do CPC). Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (cf. artigo 581º, n.º 3, do CPC). Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (…) sendo que, para aferição do pressuposto subjetivo (o de que existe identidade de sujeitos em ambas as ações) há que atender, não apenas à identidade dos sujeitos intervenientes na ação, mas também à qualidade jurídica das partes em confronto, analisando-se para o efeito o conteúdo material ou de direito subjetivo de cada uma das partes, podendo o caso julgado atingir terceiros que não tiveram intervenção numa dessas acções em conflito. E, como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, tal eficácia externa do caso julgado verifica-se quando a ação decorreu entre todos os interessados diretos (quer ativos, quer passivos) e, portanto, esgotou-se a discussão judicial com a intervenção dos sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica em dada altura temporal, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores deve ser aceite por qualquer terceiro que, por várias razões, venham posteriormente a ocupar a titularidade desses interesses e direitos (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 590/591)”.
O facto de as filhas menores dos devedores não terem sido partes na mencionada ação, em nada pode pôr em causa o seu efeito de caso julgado quanto à existência da dívida, uma vez que em ambas as ações estiveram e estão presentes os mesmos interessados diretos, ativos e passivos, da relação material controvertida. Veja-se que as filhas dos devedores apenas são parte nesta ação porque foram as donatárias na doação que aqui a autora pretende impugnar.
Assim, tendo em conta a especial força probatória do documento em causa, aliada ao seu efeito de caso julgado, não há dúvida que a mesma deveria ter sido considerada, de forma a dar como provada aquela dívida dos réus perante a autora e retirando-se dos factos não provados aqueles que estão em contradição com o ali decidido.

Assim, decide-se aditar aos factos provados o seguinte:
13. Por sentença, transitada em julgado, foram os réus D e M condenados no pagamento à autora do montante de € 5.490,12, no que concerne à dívida proveniente do contrato de mútuo n.º … celebrado em 06/12/2010, reportando-se o incumprimento à prestação vencida em 06/03/2014.
E, consequentemente, retirar dos factos não provados os pontos n.ºs 4, 5, 6, 7, 8 e 9 (sendo que os montantes referidos nos pontos 10, 11 e 12 não foram considerados na referida sentença)

Efetuada esta alteração, torna-se evidente que a autora fez prova do primeiro dos requisitos necessários à impugnação pauliana – a existência de um crédito.

Nos termos do artº 610º do CC os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias referidas nas suas alíneas a) e b).
A impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial estabelecida em benefício dos credores, visando garantir a possibilidade de fazer regressar ao património do devedor bens que dele saíram em prejuízo da consistência dos seus créditos, de forma a que os possam executar. A procedência da impugnação tem como efeito, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 616º do Código Civil, que o impugnante pode executar os bens alienados como se eles não tivessem saído do património do devedor.
São seus requisitos (art.ºs 610.º e 612.º, do CC):
a) – A existência de um crédito;
b) – A prática pelo devedor de um acto que não seja de natureza pessoal que provoque no credor um prejuízo traduzido na impossibilidade de obtenção da satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa possibilidade;
c) – A anterioridade do crédito relativamente ao acto ou, se posterior, ter sido o acto dolosamente praticado com finalidade de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
d) – Que o acto seja de carácter gratuito ou, se oneroso, que o devedor e 3.º tenham agido de má fé.

Em 15 de abril de 2013 os 1.º e 2.ª réus doaram às suas filhas o bem imóvel de que eram proprietários. Tratando-se como se trata de um negócio gratuito, não é necessário o requisito da má fé. A impugnação procederá ainda que donatário e doador tenham estado de boa fé (artº 612º nº 1 do CC).

Verifica-se também o requisito ligado à prova da existência de bens. Com efeito, incumbindo ao credor a prova do montante das dívidas, já tem de ser o devedor (ou terceiro interessado na manutenção do acto) a provar que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor – artigo 611.º do Código Civil.
“Na verdade, ocorrendo, quanto ao ónus da prova, a especialidade do credor dever provar o seu direito de crédito, incluindo a sua quantificação, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a existência no património do obrigado de bens penhoráveis de igual ou maior valor no confronto com o valor do referido acto, tal significa, em termos práticos, que, provada pelo impugnante aquela existência e quantidade do direito de crédito, se presume a impossibilidade da sua realização ou o seu agravamento” - Ac. do STJ de 26/2/2009 (Salvador da Costa), Pº 09B0347 citado no Ac. STJ de 08/10/2009 in www.dgsi.pt (relator Serra Batista).
Ora, o que se verifica no caso dos autos é que, pese embora, o diminuto valor do crédito que a autora logrou provar, a verdade é que os réus não fizeram prova de possuir bens penhoráveis de igual ou maior valor, tendo-se provado apenas um salário de € 641,93 já penhorado na parte excedente ao salário mínimo nacional, um veículo com reserva de propriedade registada a favor do Banco financiador e escassos bens móveis (mobílias de quarto e sala e eletrodomésticos), nada se provando quanto aos valores destes (factos não provados n.ºs 28, 29, 30 e 31).
Assim, não cumpriram, nesta parte, os réus o seu ónus da prova tendente a impedir a impugnação pretendida pelo credor.

Finalmente, importa considerar o requisito da anterioridade do crédito.
Aqui poderiam suscitar-se algumas dúvidas, considerando que a doação é de 15/04/2013 e o incumprimento do contrato de mútuo se reporta a 06/03/2014.
Contudo, há que considerar que a anterioridade do crédito, em relação ao acto que se pretende impugnar, se afere pela data da sua constituição e não pela data do vencimento. Não se deve confundir constituição do crédito com exigibilidade. É o que resulta, desde logo, do art.º 614.º, n.º 1 do Código Civil, ao dispor que “não obsta ao exercício da impugnação o facto de o direito do credor não ser ainda exigível”, pelo que a impugnação pauliana é admissível para garantia de créditos ainda não vencidos, desde que constituídos anteriormente ao acto a impugnar - Cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 12/12/2002, lavrado no processo n.º 02B3936 e o da Relação do Porto de 13 de Janeiro de 2015, processo n.º 13890/07.7TBVNG.P, disponíveis em www.dgsi.pt.
Em idêntico sentido Antunes Varela ensina que “só os titulares anteriores a esse acto (de disposição) se podem considerar lesados com a sua prática, porque só eles podiam legitimamente contar com os bens saídos do património do devedor como valores integrantes da garantia patrimonial do seu crédito”. “Não é necessário, porém, que o crédito já se encontre vencido, para que o credor possa reagir contra os actos (de diminuição da garantia patrimonial) anteriores ao vencimento, contanto que a constituição do crédito seja anterior ao acto” - Das Obrigações em Geral, 7.ª edição, Vol. II, pág. 450 e nota 1.
Veja-se, neste sentido, os seguintes acórdãos do STJ, citados no Ac. da Relação do Porto de 09/06/2015 (relator …), in www.dgsi.pt:
«No acórdão 22-1-2004 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) expressamente aí se referiu, em sumário, que “a anterioridade do crédito para efeitos da alínea a) do artigo 610º do Código Civil afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento. Também no acórdão de 13-12-2007 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) se afirmou, em sumário, que “o crédito resultante da assinatura de uma livrança constitui-se na data da respectiva emissão e não na do vencimento desta” e que “não é necessário que o crédito já se encontre vencido para que o credor possa reagir contra os actos de impugnação da garantia patrimonial anteriores ao vencimento, contanto que a constituição do crédito seja anterior ao acto”. Também no acórdão de 29-11-2011 (…, igualmente em www.dgsi.pt/jstj.nsf) se sustentou que “a concluir, e em síntese, reafirmar-se-á, como no acórdão de 23/3/2003 (proc. n.º 2089/03-1), que o crédito do Banco se constituiu, pelo menos, no acto da subscrição da livrança, pois que é então, quando não antes, que, pela obrigação subjacente a prestação que o integra é posta à disposição do devedor. É nesse momento, que, também cambiariamente, nasce e fica constituída a obrigação, bem como a responsabilidade do subscritor (e seus avalistas) pelo respectivo pagamento na data do vencimento, observadas as condições pactuadas. Este (vencimento) não é mais que uma condição geral de exigibilidade do crédito (no mesmo sentido, acs. de 22/01/2004 (proc. 03B3854) e 22/6/2004 (proc. 04A2056)”».
Assim, uma vez que o contrato de mútuo foi celebrado em 06/12/2010 e o crédito da autora se constituiu com a concessão do empréstimo, não há dúvida que o crédito é anterior à doação.

Encontram-se, assim, preenchidos todos os requisitos para que ocorra a impugnação pauliana, procedendo a apelação e revogando-se a sentença recorrida.

Sumário:
1 - Para aferição do pressuposto subjetivo do caso julgado (o de que existe identidade de sujeitos em ambas as ações) há que atender, não apenas à identidade dos sujeitos intervenientes na ação, mas também à qualidade jurídica das partes em confronto, de forma a que a discussão judicial se esgote com a intervenção dos sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica em dada altura temporal.
2 – Numa impugnação pauliana, a anterioridade do crédito afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, que se substitui por outra que declara ineficaz em relação à Autora a doação titulada pela escritura de 15/04/2013, sendo o imóvel doado restituído ao património dos 1.º e 2.ª réus, na medida do interesse da Autora, reconhecendo-se-lhe o direito de executar tais bens na medida do valor do seu crédito acima determinado.
Custas pelos apelados.
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Guimarães, 23 de fevereiro de 2017

Relatora: Ana Cristina Duarte (R. n.º 557)
Adjuntos: João Diogo Rodrigues/Anabela Tenreiro