Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
60/13.4TBBGC.G2
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
ACIDENTE EM SERVIÇO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O direito de regresso previsto Regime Jurídico dos Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Adminstração Pública previsto no Dec.-Lei n.º 503/99 de 20.11., depende da alegação e prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do responsável civil, dos factos que integram a qualificação como acidente de serviço e do pagamento ao sinistrado da indemnização devida em conformidade com o mencionado Regime Jurídico;

II- A omissão de cumprimento, por parte da lesada ou do Ministério Público, da indicação da situação de beneficiária da Caixa Geral de Aposentações, não confere à seguradora, que, em substituição do terceiro responsável por força do contrato de seguro, procedeu, no âmbito de uma acção judicial, ao pagamento da indemnização acordada com o lesado, o direito de se eximir do pagamento do diferencial que a autora, Caixa Geral de Aposentações, suportou no respectivo processo de acidente de serviço.

III- O regime imperativo do Regime Jurídico de Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública, nomeadamente no que concerne à responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações no pagamento das pensões devidas por incapacidade parcial permanente (cfr. art. 5.º, n.º 3) conjugado com a aplicação do Regime Geral de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (Lei n.º 98/2009 de 4.09 ex vi art. 3.º, n.º 1, al.a) e 34.º, n.º do DL. 503/99 de 20.11), com a mesma natureza inderrogável, obriga à reparação dos danos sofridos pela sinistrada.

IV- A protecção do sinistrado, nesta matéria de acidentes de trabalho/serviço, implica que se considere nula a convenção contrária aos direitos ou garantias conferidos na LAT (Lei de Acidentes de Trabalho n.º 98/2009 de 4.09) ou com eles incompatível ou que visem a renúncia aos direitos conferidos na presente lei-cfr. art. 12°, n.º 1 e 2 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.

V- A transacção celebrada entre a sinistrada e a Ré, na qual ficou a constar que aquela se considerava ressarcida de todos os danos patrimoniais sofridos e renunciava a qualquer futura acção judicial contra a Ré, para além de não vincular a Caixa Geral de Aposentações, que nela não interveio, sempre seria nula por diminuir os direitos da sinistrada conferidos pelos Regimes de Reparação de Acidentes de Trabalho/Serviço.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
A Caixa Geral de Aposentações intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum declarativo, contra a Ré, Companhia de Seguros, S.A., peticionando a condenação no pagamento da quantia de € 14.253,66, acrescida de juros de mora desde a data de citação até integral e efectiva liquidação daquele montante.
Alegou, em síntese, ter ocorrido, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas na petição, um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de matrícula GO, pertencente a Jaime M. e conduzido por este, bem como o veículo ligeiro de matrícula GQ, propriedade de G. Pires, sendo que o primeiro veículo teria embatido com a sua parte da frente na parte lateral do segundo veículo, sendo assim tal sinistro ocasionado pelo comportamento negligente do referido Jaime M..
Mais alegou a Autora que, aquando do acidente, seguia como passageiro no banco da frente do veículo danificado com a matrícula GQ, Maria P., a qual, por força do aludido embate, sofreu traumatismo raquidiano, tendo-lhe, nessa sequência, e por força das referidas lesões, bem como pela circunstância de a mesma, aquando do sinistro, se deslocar da Escola, na qual exercia, à referida data, funções de professora do ensino público para casa, sido atribuída pela Demandante, e após sujeição daquela a junta médica, uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das referidas funções de 15%.
Referiu ainda a Autora que, por força da caracterização do aludido sinistro no que tange a aludida Maria P., como acidente de serviço, o capital de remição a que aquela teria direito ascenderia ao valor de € 34.253,66, sendo que, no entanto, tendo a referida lesada deduzido pedido de indemnização civil contra a Ré Seguradora no âmbito do processo crime que correu termos sob o n° 63/1O.0TABGC e entre a mesma e a Ré celebrado acordo de transacção, na execução do qual esta pagou àquela a quantia de € 20.000,00 a título de dano patrimonial, a Autora apenas liquidou à referida Maria P., a quantia sobrante de € 14.253,66.
Concluiu, por fim, a Autora, salientando que, tendo procedido ao pagamento da referida quantia de € 14.253,66 à lesada, Maria P., tem direito de regresso contra a Seguradora Demandada nos termos do artigo 46° n.º3 do DL 503/99 de 20/11, direito esse que ora exerce por via da presente acção.
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Regularmente citada, a Ré deduziu contestação, alegando, em síntese, por via de excepção dilatória, a incompetência em razão da matéria deste Tribunal, no entendimento que a causa pertenceria ao domínio de competência dos Tribunais Administrativos.
Mais alegou a Ré, ainda por via de excepção dilatória, a ineptidão da Petição Inicial, na medida em que esta não integraria os factos dos quais se pudesse retirar que o acidente de viação aí alegado seria qualificável como acidente de serviço.
Finalmente, referiu ainda a Ré, por via de excepção peremptória, ter procedido ao pagamento, no âmbito da execução da transacção celebrada com a lesada, Maria P., no processo crime supra-referido, da quantia de € 26.679,18, tendo esta declarado, no âmbito de tal acordo e conforme cláusula constante do mesmo, ter sido ressarcida por essa via de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos como consequência do sinistro dos autos; nesse sentido, entende a Ré já ter cumprido a obrigação de indemnizar todos os danos sofridos pela lesada, sendo tal cláusula contida na aludida transacção oponível à Autora.
Por último, salientou não ter sido informada no âmbito do aludido processo-crime, fosse pela lesada, fosse pelo Ministério Público ou pelo Tribunal ou ainda pela Autora, de que o acidente em causa nos autos configuraria um acidente de serviço, só tendo obtido tal informação da depois de celebrada e executada a aludida transacção, a qual não teria sido celebrada, caso a Ré soubesse daquela qualificação; também nesse sentido, sendo a omissão do cumprimento dos deveres de informação contidos no artigo 47° n.ºl e 2 do DL 503/99 imputáveis, respectivamente, à lesada e ao Ministério Público, não lhe seria exigível o pagamento da quantia liquidada pela Autora à referida vítima a título de direito de regresso da Autora sobre a Ré.
Impugnou, por último, a Ré os factos atinentes à qualificação do acidente dos autos como acidente de serviço e ainda ao pagamento alegadamente efectuado pela Autora à lesada. Concluiu assim a Ré no sentido da respectiva absolvição da instância ou, caso assim se não entendesse, da respectiva absolvição do pedido.
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A Autora apresentou articulado de resposta, pronunciando-se no sentido da improcedência das excepções de incompetência material deste Tribunal e de ineptidão da Petição Inicial, e concluindo, quanto à excepção peremptória atinente à cláusula de limitação de responsabilidade contida na transacção celebrada entre a Ré e a lesada, ser tal cláusula inoponível em razão do carácter imperativo da norma contida no artigo 46° n.º3 do Decreto-Lei 503/99 de 20/11, sendo certo que a omissão por parte da Demandada Seguradora de comunicação à Autora da supra-referida transacção também seria imputável àquela, porquanto a mesma não poderia desconhecer sem culpa que a sinistrada era professora, que o acidente havia ocorrido num dia de semana e num horário consentâneo com o horário de trabalho daquela.
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Proferiu-se sentença que julgou a presente ação procedente, por provada, e, em consequência, decidiu condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 14.253,66, correspondente ao capital de remição pago pela CGA à subscritora n° 1460154-RR, Maria P., em consequência do acidente referido em 1) a 3) dos factos provados, acrescida aquela quantia de juros de mora, à taxa legal civil aplicável, contados da citação até integral e efectivo pagamento.
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Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso, finalizando com as seguintes
Conclusões
1. Em 13/12/2010, já depois da participação do acidente como sendo em serviço à entidade empregadora, a lesada e beneficiária da CGA/Recorrida apresentou pedido de indemnização cível contra a aqui Recorrente, no âmbito do processo-crime que correu termos pelo extinto Tribunal da Comarca de Bragança, com o nD.63/1o.oTABGC (nD.24 FP).
2. Nesse processo, o pedido de indemnização apresentado pela sinistrada e beneficiária da CGA, no valor global de 60.000,00€, abarcava, entre outros, a pretensão daquela ser indemnizada pela IPP de 15%, decorrente do acidente dos autos, recebendo o valor de peticionado a esse título de 56.500,00€ (n°.25 FP).
3. Enquanto Demandante no pedido de indemnização cível, processado no âmbito do processo-crime e apresentado em juízo a 13/12/2010, sobre a beneficiária da CGA impendia o ónus legal previsto no n.º1, do artº.4 do D.L. 503/99 de 20 de Novembro, de informar no processo cível por si instaurado de que era beneficiária da CGA e que havia previamente participado o mesmo acidente à sua entidade empregadora como sendo em serviço, assim se permitindo dar cumprimento ao n.º2 do mesmo artigo;
4. Acontece que, como resulta provado nos autos, a beneficiária da Recorrida nunca deu conhecimento no âmbito do processo-crime da sua qualidade de beneficiária da CGA e, muito menos, informou os autos que até em data anterior à propositura do pedido de indemnização já tinha participado o acidente em causa como sendo em serviço à sua entidade patronal, estando em marcha o procedimento administrativo decorrente dessa participação.
8. Nem daqueles autos precedentes, que correram pelo extinto Tribunal de Comarca, foram alegados indícios que permitissem desconfiar da natureza do acidente em discussão como sendo, além de viação, também em serviço, pois a Autora além de omitir tal facto apresentou documentação da qual constava a referência expressa ao mesmo como sendo APENAS de viação - cfr. n°.26 dos FP.
9. Mas o Tribunal a quo olvidou qualquer consequência a retirar da omissão de tal dever imputável à lesada e beneficiária da CGA, legalmente consagrado, optando por fundar a omissão e desconhecimento da natureza de acidente em serviço, num inovador dever de auto-informação da Seguradora quanto à natureza do acidente - cfr. pág. 20 da sentença.
10. Desculpa-se e legitima-se a omissão e, consequente, violação do cumprimento de um ónus legalmente previsto e imputável ao sinistrado - principal beneficiário do regime que tutela os direitos emergentes de acidente em serviço e doenças profissionais - com um inovador ónus de auto-informação a cargo da seguradora, de indagar em todo e qualquer acidente de viação que lhe seja participado, se foi também ou não em serviço!
11. Mesmo quando não há qualquer indício que o faça supor; mesmo quando se confia que o sinistrado - enquanto cidadão cumpridor das normas legais que deve respeitar - cumprirá um ónus legalmente previsto de que, caso tenha sido vítima de um acidente em serviço informará tal facto, enquanto pessoa de boa-fé que se presume que seja; mesmo que se esteja perante um acidente ocorrido às 14Hoo de um dia da semana, fora do horário habitual de ida ou regresso do trabalho, em que duas amigas poderiam estar a viajar no veículo de uma para fazerem compras, tomar um café depois do almoço, etc. ..
16. A má-fé da beneficiária da Recorrida é tanto maior, não se limitando ao simples incumprimento do que dispõe o n.º1 do citado artigo 4.º, quanto se constata que no processo-crime o pedido pelos danos patrimoniais futuros é fundado na mesma IPP (15%) que lhe é atribuída pela aqui Recorrida: o que faz depreender, segundo as regras da experiência comum, que jogava nos dois processos com os mesmos factos, pelos quais pretendia ser indemnizada duplamente, assim se percebendo a intenção da sua omissão!
17. Ao fazer recair sobre a seguradora aqui Recorrente e no incumprimento do seu ónus de “auto-informação", a responsabilidade pela omissão do conhecimento da natureza do acidente como sendo em serviço, o Tribunal a quo olvidou também o comportamento negligente da aqui Recorrida e do Agrupamento de Escolas, para o qual a sinistrada trabalhava.
18. Apesar da sua beneficiária ter tido alta em 08/02/2011 - cfr. n°.19 FP - só em 04/06/2012 é que a Recorrida se interessou por indagar da existência de possíveis responsáveis pelo acidente no qual interviera a sua beneficiária, altura em que já a aqui Recorrente tinha efectuado transacção com a sinistrada no processo-crime que antecedeu o presente - cfr. n°.10 FP.
19. Por estes factos e razões, sempre com o devido respeito por melhor opinião em contrário, entende-se que a decisão recorrida não fez a boa aplicação do direito à factualidade provada e que a douta jurisprudência nela citada, para justificar o acerto da decisão de emérito proferida, não tem aplicação aos presentes autos, por versar sobre realidades bem distintas daquela aqui em discussão.
20. É o caso do Ac. do TRC de 17/11/2015, citado na pág. 22 da sentença recorrida, que tem por objecto um acordo extrajudicial, celebrado entre uma seguradora e o lesado, tendo aquela conhecimento prévio de que o acidente em causa era simultaneamente de viação e em serviço, pois ali (ao contrário destes autos) o sinistrado cumpriu com o dever previsto no n.º 1 do citado arto.4.º.
21. Nos presentes autos, a Recorrente celebrou uma transacção judicial, homologada por sentença e com todas as garantias de serem cumpridas todas as formalidades legais face aos factos conhecidos, no âmbito de um processo judicial, estando igualmente provado que a seguradora Recorrente só depois de celebrada tal transacção é que teve conhecimento, por carta da Recorrida enviada mais de 2 anos após o acidente e um ano após a alta da sinistrada, que o acidente que havia sido objecto de transacção judicial era também de serviço - n°.31 FP ..
22. No caso dos autos, se foi defraudado o regime previsto no D.L. 503/99 de 20 de Novembro, de protecção aos sinistrados em caso de acidente em serviço ou de doença profissional, não foi pela seguradora Recorrente, mas pela própria beneficiária desse regime, que deliberadamente omitiu o dever que o n.º1 do art. 4.º daquele diploma expressamente lhe impunha, contando com a negligência da Recorrida e no atraso dos seus serviços em informarem a Recorrente da natureza de acidente em serviço, assim permitindo que a lesada fosse indemnizada pela totalidade dos danos que reclamava como decorrentes de um acidente apenas de viação, incluindo a IPG de 15%, que também reclamava como fundamento para atribuição da pensão a cargo da Recorrida.
23. Nos termos do artigo 1248°, n.º1 do Código Civil "transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões".
24. A beneficiária da Recorrida, em 14/03/2012, ao declarar-se inteiramente ressarcida de todos os danos decorrentes do acidente em causa, por via da transacção celebrada no processo judicial - cfr. n°.10 dos FP - declarou-se indemnizada por todos os danos que foram objecto do pedido de indemnização cível, incluindo os danos patrimoniais futuros decorrentes da IPG de 15% - cfr. n°. 25 FP.
25. A indemnização pelos danos decorrentes de um mesmo acidente, simultaneamente de viação e eventualmente em serviço, não se cumulam, sob pena de se verificar o enriquecimento sem causa do sinistrado, que receberia duas vezes pelo mesmo dano.
26. A Recorrida ao efectuar o pagamento à Beneficiária da quantia que aqui peticiona da Recorrente, o que ocorreu em 18/03/2013 - cfr. n°.21 dos FP - já tinha sido previamente informada pela Recorrente de que a beneficiária já havia sido por si indemnizada por tal dano, no âmbito do processo-crime.
27. Razão pela qual, no conhecimento destes factos, a Recorrida não devia ter pago outra indemnização para reparação do mesmo dano, no valor de 14.253,66€ que agora peticiona à Recorrente, pois tal dano já havia sido indemnizado pela Recorrente e a sua Beneficiária tinha declarado ter ficado indemnizada de todos os danos decorrentes do acidente em discussão.
28. E a transacção validamente homologada por sentença transitada em julgado faz parte integrante desta, e atenta a força do caso julgado previsto no artigo 619°, n.º1 do CPC, é válida fora do processo em que foi efectuada e é oponível a terceiros, ao contrário do que sucede com um acordo com mera eficácia entre as partes, pelo que, salvo melhor opinião em contrário, não se aplica a esta transacção homologada por sentença transitada em julgado a eficácia relativa dos contratos, prevista no art.406°, n.º2 do C. Civil, como resulta da fundamentação da sentença recorrida - pág. 22 - é por isso oponível a terceiros, incluindo a Recorrida.
29. Há ainda a referir que estando em causa nos presentes autos um acordo celebrado entre a Seguradora/Terceiro Responsável e Lesado/Beneficiário no âmbito de um processo judicial, no qual o pedido de indemnização cível teve em consideração o valor de 56.500,00€, pelo dano patrimonial futuro decorrente da IPG de 15%, então, no máximo, a Recorrida devia ter aplicado o n.ºA do art. A 6° do D.L. 503/99 e suspendido o pagamento da pensão que ainda entendesse ser de atribuir à beneficiária, no valor que aqui reclama à Recorrente, até se perfazer o valor de 20.000,00€ fixado por transacção para reparação do mesmo dano reparado pela pensão - como resulta dos fundamentos do Ac. do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 03/12/2010, Proc.01099/08.7BECBR - não sendo assim devido o pagamento que aqui peticiona à Recorrente.
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A Caixa Geral de Aposentações contra-alegou concluindo que:
I. A Sentença recorrida - quer relativamente à matéria de facto, quer à matéria de direito ¬ encontra-se devidamente fundamentada, deixando perceber qual o iter cognoscitivo que presidiu à decisão do julgador.
2.a o pedido e causa de pedir delimitam o objeto da ação. No caso concreto, " ... assenta a causa de pedir da acção no direito de regresso previsto no artigo 46° n.º3 do DL 503/99 de 20/11 que àquela [à Autora CGA] assiste contra o responsável civil em caso de sinistro qualificável, nos termos da lei, como acidente de serviço." (cfr. página 15 da Sentença).
3.a Não está compreendida no objeto desta ação a apreciação da conduta da Professora Maria P. no contexto da ação judicial identificada nos pontos 9, 10 e 11 dos Factos Assentes, de que se ocupam as l .º a 16.a Conclusões do recurso interposto pela Recorrente, sendo que tal matéria poderia, em tese, ser objeto de outra ação, mas não da presente, que se cinge à verificação dos pressupostos de que depende o direito de regresso previsto no n..º 3 do artigo 46.° do Decreto-Lei n." 503/99, de 20 de novembro.
4.a Não obstante, considera-se correta a apreciação feita pelo Tribunal a quo, quando pondera que " …facilmente se verifica pressupor o artigo 9° do DL 187/2007 um dever de indagação por parte da Seguradora quanto à natureza de acidente de serviço do acidente pelo qual é responsável, no sentido de aquela se informar previamente em que circunstâncias se deu o sinistro de molde a, na hipótese de se tratar de acidente de serviço, se certificar se o sinistrado já foi indemnizado pela CGA." e que a Recorrente " ... dispõe de meios para conduzir uma investigação própria, a qual, no caso, nem se afigurava especialmente difícil, tendo em conta a profissão da sinistrada (professora), a ocorrência do sinistro em dia útil (quinta-feira) e em horário compatível com o horário de trabalho (l4hOO)." (cfr. página 20 da Sentença).
5.a Como resulta da matéria de facto assente, estão verificados os pressupostos de que depende o direito de regresso previsto no n.º 3 do artigo 46.° do Decreto-Lei n..º 503/99, de 20 de novembro.
6.a O cálculo actuarial a que alude o n..º 3 do artigo 46.° do Decreto-Lei n.º 503/99 é o que se encontra identificado em 18) dos Factos Assentes, que apurou um capital de remição de € 34.253,66, sendo que, como bem assinala a Sentença Recorrida "No que concerne o teor dos pontos 18) a 22) da matéria de facto provada, saliente-se que, em conformidade com as informações recebidas da Ré pela Autora, esta atribuiu à sinistrada o direito a uma indemnização no valor de € 14.253,66, indemnização essa na qual foi deduzida a indemnização a título de danos patrimoniais (e 20.000,00) que a lesada já havia recebido da Demandada no processo-crime aludido em 9), correspondendo assim o capital de remição sem a referida dedução a e 34.253,66, conforme mencionado nos doc. n° 9 e juntos com a Petição Inicial." (cfr. página 14 da Sentença)
7. Não ocorre, por isso, a situação de acumulação a que a Recorrente alude na 25.a Conclusão do seu articulado, uma vez que os € 20.000,00 que aquela pagou à interessada a título de danos patrimoniais foi deduzido ao capital de remição de € 34.253,66 apurado pela CGA.
8.a Quanto ao facto de a Recorrente alegar que já cumpriu o dever de indemnizar o dano patrimonial sofrido ao pagar a indemnização acordada com a sinistrada, há que dizer que tal tese equivaleria a esvaziar de conteúdo a norma prevista no n." 3 do art..º 46.° do Decreto-Lei n." 503/99 e que a CGA adere à fundamentação vertida na Sentença Recorrida, de acordo com a qual " ... do artigo 46° n03 do DL 503/99 retira-se, por um lado, que a CGA tem direito de regresso em relação aos responsáveis civis, nomeadamente, seguradoras, quanto a quantias não abrangidas em acordos celebrados por tais responsáveis civis com os sinistrados; por outro, do artigo 9° do DL 187/2007, decorre que qualquer transacção celebrada por tal responsável civil (nomeadamente, seguradora) com o sinistrado terá de ser antecedido de comunicação prévia à entidade gestora (no caso, a CGA) também por parte daquele, sob pena de, não o sendo, tal responsável civil responder solidariamente com o sinistrado pelos valores pagos a mais (em duplicado) a este último pela referida entidade gestora; por fim, do artigo 12° do DL 98/2009, retira-se serem nulas as cláusulas das quais resulte a renúncia por parte do trabalhador sinistrado aos direitos consagrados no referido diploma." (cfr. páginas 19 e 20 da Sentença)
9.a Entendimento que se encontra, aliás, de harmonia com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, através do Acórdão proferido em 2015-11-07, no âmbito do Proc. n.º 295114.2TJCBR.Cl (disponível na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt) - já transitado em julgado - cuja súmula se transcreveu supra em Alegações.
10.a Termos em que, encontrando-se bem fundamentada, não tendo incorrido em qualquer erro de julgamento, ofendido qualquer norma ou princípio legal, deverá manter-se a decisão proferida em primeira instância.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Delimitação do Objecto do Recurso
A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se assiste à Autora o direito de regresso.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS
1. No dia 4 de Fevereiro de 2010, quinta-feira, pelas I4hOO, no IP-4, Km. 190,800, no cruzamento de Vale Nogueira, em Bragança, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de matrícula GO, à referida data segurado na Ré, nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice n° 6059655MN, e pertencente a Jaime M., bem como conduzido por este, e o veículo ligeiro de matrícula GQ, propriedade de G. Pires e conduzido pela filha deste, F. Pires.
2. Com efeito, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1), ou seja, no cruzamento aí mencionado, o condutor do veículo ligeiro de matrícula GO, por distracção, embateu com a sua parte da frente na parte lateral do veículo ligeiro de matrícula GQ, no qual seguia como passageira do banco da frente, a professora, Maria P..
3. Na sequência do embate referido em 1) e 2), a referida Maria P., sofreu traumatismo raquidiano.
4. Na data do acidente, a lesada, M. Pires, era, como ainda hoje é, professora do ensino público e subscritora da CGA com o n° 1460154-RR.
5. Ainda nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1) e 2), a aludida M. Pires, deslocava-se da escola, onde àquela data exercia funções de professora do ensino público, para casa (Bragança).
6. A entidade empregadora da referida M. Pires, na sequência de participação desta datada de 10/2/2010, qualificou o acidente aludido em 1) a 3) como acidente de serviço.
7. Nessa sequência, foi, em 21/6/2011, requerida à Autora a reparação dos danos sofridos pela aludida M. Pires, nos termos do disposto no regime de protecção social em matéria de acidentes e doenças profissionais ocorridos no domínio da Administração Pública, previsto no Decreto-Lei 503/99 de 20/11.
8. Competindo à Autora, nos termos dos artigos 34° e 38° do DL 503/99 a graduação da incapacidade resultante do aludido acidente, em 29/3/2012, a Junta Médica da Demandante atribuiu à lesada, M. Pires, com base na lesão descrita em 3), uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das respectivas funções de 15%.
9. Paralelamente, correu termos no 1° Juízo do Tribunal Judicial de Bragança o processo n° 63/10.0TABGC, no qual a lesada M. Pires, com base nos factos descritos em 1) a 3), deduziu pedido de indemnização civil contra a aqui Ré, Companhia de Seguros, S.A.
10. No âmbito do proc. 63/10.0TABGC a aludida M. Pires, demandante nesses autos, e a aqui Ré, igualmente demandada naquele processo, celebraram, em 14/3/2012, acordo de transacção nos termos da qual a primeira reduziu o referido pedido de indemnização civil para € 26.679,18, e, por sua vez, a Demandada, Companhia de Seguros, S.A., assumindo a responsabilidade pelo acidente descrito em 1) a 3), aceitou proceder ao pagamento àquela da referida quantia de € 26.679,18, fazendo-o no prazo de 15 dias, mediante o envio de cheque contra recibo a entregar no escritório do Ilustre Mandatário da referida lesada.
11. O acordo de transacção referido em 10) foi homologado pelo Tribunal no âmbito do processo crime aí mencionado na data aí mencionada, tendo, nessa sequência a Ré pago à sinistrada a referida quantia de € 26.679,18.
12. Previamente, à fixação da indemnização devida à sinistrada, M. Pires, por carta datada de 4/6/2012, a Autora solicitou ao Chefe de Serviço de Pessoal do Agrupamento de Escolas informação sobre a responsabilidade do acidente aludido em 1) a 3) havia sido transferida para alguma seguradora envolvida no sinistro, bem como a identificação dos intervenientes no acidente, matrículas das viaturas, número de apólices de seguro e respectivas Seguradoras, mais solicitando o esclarecimento sobre se havia sido paga alguma indemnização à referida lesada pelas Seguradoras envolvidas no acidente e, em caso de resposta afirmativa, qual o valor de tal indemnização, bem como o envio de cópia do respectivo recibo de quitação ou informação sobre o valor que estaria a ser pago à lesada a título de pensão mensal.
13. Nessa sequência, o Agrupamento de Escolas respondeu à Autora, informando-a de que a lesada, M. Pires, já havia recebido uma indemnização pelo acidente sofrido e que estaria em curso o supra-referido proc. n° 63/1O.0TABGC, o qual corria termos no Tribunal Judicial de Bragança.
14. Por esse motivo, em 8/8/2012, a Autora oficiou a Ré para que esta esclarecesse qual o valor que a mesma havia pago à sinistrada a título de danos patrimoniais e de danos morais, referentes ao acidente sofrido por aquela em 4/2/2010;
15. Mais oficiando a Demandante o Tribunal Judicial de Bragança, dando conta da existência de um processo administrativo tendente à atribuição de uma pensão por acidente em serviço à sinistrada, M. Pires, e solicitando o envio de certidão da transacção, bem como da sentença que a homologou, aludidas em 10) e 11).
16. Em 17/8/2012, a Ré informou a Autora que, com referência ao acidente aludido em 1) a 3), havia liquidado à sinistrada, M. Pires, a verba de € 20.000,00, a título de dano patrimonial e € 5.000,00, a título de dano não patrimonial.
17. Igualmente, em 19/9/2012, o Tribunal Judicial de Bragança remeteu à CGA cópia da acta da audiência de julgamento, da qual constavam o acordo de transacção e a sentença homologatória referidos em 10) e 11).
18. Nessa sequência, em 24/10/2012, a Direcção da Autora proferiu despacho datado de 24/10/2012, fixando em 15% a incapacidade permanente atribuída à sinistrada, M. Pires, e o capital de remição de € 34.253,66.
19. No valor relativo ao capital de remição referido em 19), teve a Direcção da Autora em conta:
y o facto de serem obrigatoriamente remidas as pensões por acidente em serviço resultantes em incapacidade permanente parcial inferior a 30% e valor anual não superior a 6 vezes o index ante de apoios sociais (IAS) à data da sua fixação (6x € 419,22 = € 2.515,32);
y O facto de a sinistrada auferir uma retribuição anual de € 23.552,46;
y O facto de a sinistrada ter nascido em 13/2/1962, possuindo 49 anos à data do acidente;
y O facto de a mesma ter tido alta, na sequência do acidente, em 8/2/2011;
y O facto de o coeficiente para determinar o capital de remição da pensão ser o correspondente a 49 anos de idade, ou seja, de 13,851, de acordo com as bases técnicas e tabelas práticas aprovadas pela Portaria 11/2000 de 13/1;
20. Uma vez que, a Ré havia informado a Autora de que havia pago à sinistrada, na sequência da transacção referida em 10) e 11) a quantia de € 20.000,00 a título de danos morais por esta sofridos, em 18/3/2013, a Demandante pagou à referida lesada, M. Pires, a título de capital de remição, apenas € 14.253,66 (€ 34.253,66 - € 20.000,00).
21. Em 30/10/2012 e 14/12/2012, a Autora interpelou a Ré para que este procedesse ao pagamento / reembolso àquela dos referidos € 14.253,66 liquidados pela Demandante à sinistrada, M. Pires.
22. A Ré recusou efectuar o pagamento à Autora referido em 22) mediante carta datada de 7/12/2012.
Da contestação:
23. O processo referido em 9) iniciou-se com queixa-crime apresentada contra o condutor do veículo com a matrícula GO segurado na Ré, tendo sido deduzida acusação contra aquele, acusação essa que deu origem ao referido n° de processo comum 63/1O.0TABGC.
24. O pedido de indemnização cível então deduzido pela lesada, M. Pires, contra a aí Demandada, aqui Ré, Companhia de Seguros, S.A. (ora, Companhia de Seguros, S.A) foi apresentado em 13/12/2010, aí requerendo aquela a condenação da Demandada no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente ocorrido em 4/2/2010, o qual foi aí qualificado como sendo um acidente de viação.
25. No pedido aludido em 25), a lesada, M. Pires, requereu a condenação da Ré no pagamento do valor global de € 60.000,00, sendo € 3.500,00 a título de danos não patrimoniais e € 56.500,00, a título de danos patrimoniais, mais concretamente, referentes à incapacidade de 15% que a sinistrada alegava sofrer em virtude do sinistro, a que acresceu posteriormente a quantia de € 1.679,18, que correspondia a despesas suportadas pela aquela com tratamentos, medicamentos, assistência médica e transportes que suportou em consequência do sinistro.
26. Para fundamentar o pedido referido em 25) e 26), a lesada, M. Pires, juntou boletim de admissão nas urgências do Hospital, no qual se identificava a causa de assistência como derivando de acidente de viação, bem como relatórios médicos subscritos por médicos particulares.
27. Em momento algum do processo crime supra-aludido, mormente, até ao trânsito em julgado da transacção que pôs termo à instância cível enxertada naquele processo, a sinistrada, M. Pires, informou os autos de que era beneficiária da Autora e que havia participado o acidente como sendo de serviço por via da participação de 10/2/2010 feita pela mesma ao Agrupamento de Escolas.
28. No processo-crime com o n° 63/1O.0TABGC, nunca o Tribunal informou a Ré de que a lesada, M. Pires, seria beneficiária da Autora ou de que o acidente referido em 1) a 3) constituía um acidente de serviço.
29. Da mesma forma, no aludido processo, a Autora nunca foi notificada na qualidade de lesada para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil.
30. No acordo de transacção referida em 10) homologado pelo Tribunal Judicial de Bragança, a lesada, M. Pires, declarou-se inteiramente ressarcida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, passados ou futuros, decorrentes do acidente referido em 1) a 3), nada tendo mais a reclamar da Ré.
31. A Ré só teve conhecimento de que o acidente referido em 1) a 3) tinha sido qualificado como sendo "acidente de serviço" por via da carta que lhe foi dirigida pela Autora em 8/8/2012, já depois de aquela ter celebrado o acordo de transacção referido em 10) e 11).
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IV—DIREITO

A questão de direito a resolver consiste em saber se a Ré Seguradora está obrigada a reembolsar a Autora, Caixa Geral de Aposentações, relativamente ao capital pago em consequência da ocorrência de um acidente de viação simultaneamente de serviço.
A Ré argumenta, nas alegações recursórias, que não lhe incumbe essa responsabilidade porquanto a sinistrada nunca informou que estava em curso um processo administrativo de acidente de serviço, incumprindo esse ónus legal, e que, a Autora, Caixa Geral de Aposentações, não deveria ter pago uma indemnização em montante que excedia o valor acordado entre a Sinistrada e a Ré, no processo-crime.
A primeira nota, nesta matéria, é a de que se o dano for causado por terceiro, como sucedeu neste caso por ter sido consequência de um acidente de viação, o lesado, trabalhador, pode demandá-lo nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual (arts. 483.º e ss. do C.Civil).
Por conseguinte, a actuação da lesada ao demandar civilmente a Ré Seguradora, no processo-crime, após ter participado o acidente à sua empregadora, como sendo de serviço, pretendendo ser indemnizada de todos os danos sofridos nomeadamente pela incapacidade parcial permanente (IPP), está em conformidade com a lei.
No entanto, como se trata de um acidente de serviço, importa observar o imperativo Regime Jurídico dos Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Adminstração Pública previsto no Dec.-Lei n.º 503/99 de 20.11.
Segundo o artigo 46.º, n.º 1 do citado diploma legal “Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias paga.”
O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho. (n.º 2)
Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial. (n.º 3)
Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior. relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com terceiro responsável. (n.º 4)
Quando na indemnização referida no número anterior não seja discriminado o valor referente aos danos patrimoniais futuros, presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída. (n.º 5)
Acompanhando o raciocínio descrito na sentença, perante o quadro jurídico acima exposto, o direito de regresso aí previsto depende da alegação e prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do responsável civil, dos factos que integrem a qualificação como acidente de serviço e do pagamento ao sinistrado da indemnização devida em conformidade com o Regime Jurídico de Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais, no âmbito da Adminstração Pública.
No caso concreto, tendo a Autora logrado demonstrar os pressupostos legais dos quais resulta o direito de regresso, incluindo ter procedido ao pagamento, a título de indemnização, de uma quantia superior àquela fixada na transacção celebrada entre a Sinistrada e a Ré no processo judicial, não há qualquer dúvida que a acção devia ter sido, como foi, julgada totalmente procedente.
Concretizando.
A lei estabelece ao sinistrado, trabalhador da administração pública ou subscritor da Caixa Geral de Aposentações, autor em processo judicial, no qual seja formulado um pedido de indemnização por danos decorrentes de acidente de serviço, o dever de indicar na petição essa qualidade por forma a permitir que seja deduzido, no prazo da contestação, o pedido de reembolso das quantias referidas no aludido artigo 46.º Dec.-Lei n.º 503/99 de 20.11; exige ainda esse cumprimento ao Ministério Público quando for deduzida acusação no âmbito de processo criminal, sendo o organismo ao serviço do qual ocorreu o acidente, considerados lesados (cfr. art. 47.º, n.º1 e 2).
Com estes normativos, o legislador pretendeu assegurar a intervenção da Autora, nos processos judiciais, a fim de exercer o seu direito de regresso, caso já tenha procedido ao pagamento das quantias a que está legalmente vinculada a satisfazer ao sinistrado, evitando-se, assim, uma nova acção destinada a esssa finalidade.
Assim sendo, a omissão do cumprimento por parte da lesada ou do Ministério Público não confere à Seguradora, que, em substituição do terceiro responsável por força do contrato de seguro, procedeu, no âmbito de uma acção judicial, ao pagamento da indemnização acordada com o lesado, o direito de se eximir do pagamento do diferencial que a Autora suportou no respectivo processo de acidente de serviço.
É que o regime imperativo do Regime Jurídico de Acidentes de Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Adminstração Pública, nomeadamente no que concerne à responsabilidade da Autora no pagamento das pensões devidas por incapacidade parcial permanente (cfr. art. 5.º, n.º 3) conjugado com a aplicação do Regime Geral de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (Lei n.º 98/2009 de 4.09 ex vi art. 3.º, n.º 1, al.a) e 34.º, n.º do DL. 503/99 de 20.11), com a mesma natureza inderrogável, obriga à reparação dos danos sofridos pela sinistrada.
A protecção do sinistrado, nesta matéria de acidentes de trabalho/serviço, implica que se considere nula a convenção contrária aos direitos ou garantias conferidos na LAT (Lei de Acidentes de Trabalho n.º 98/2009 de 4.09) ou com eles incompatível ou que visem a renúncia aos direitos conferidos na presente lei-cfr. art. 12°, n.º 1 e 2 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro.
Presumindo ainda a lei que a convenção foi realizada com o fim de impedir a satisfação dos créditos provenientes do direito à reparação prevista na lei, todo o acto do devedor, praticado após a data do acidente ou do diagnóstico inequívoco da doença profissional, que envolva diminuição da garantia patrimonial desses créditos (n.º 3).
Portanto, a transacção celebrada entre a sinistrada e a Ré, na qual ficou a constar que aquela se considerava ressarcida de todos os danos patrimoniais sofridos e renunciava a qualquer futura acção judicial contra a Ré, para além de não vincular a Autora, que nela não interveio, sempre seria nula por diminuir os direitos da sinistrada conferidos pelos Regimes de Reparação de Acidentes de Trabalho/Serviço.
Neste mesmo sentido pronunciou-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 17.11.2015(1), referido na sentença, esclarecendo que um acordo nestes termos é nulo por desrespeitar/defraudar a imperatividade do regime jurídico dos acidentes de trabalho/em serviço.
Por outro lado, também não se verifica qualquer acumulação de indemnizações uma vez que a quantia de € 20.000,00 que a Ré pagou à sinistrada a título de danos patrimoniais foi deduzido ao capital de remição de € 34.253,66 apurado pela CGA.
Defende ainda a Recorrente que a Caixa Geral de Aposentações devia ter aplicado o n.º3 do art. 46° do D.L. 503/99 e suspendido o pagamento da pensão que ainda entendesse ser de atribuir à beneficiária, no valor que aqui reclama à Recorrente, até se perfazer o valor de 20.000,00€ fixado por transacção para reparação do mesmo dano reparado pela pensão.
Dispõe o art. 46.º, n.º 2 do D.L. 503/99 que “Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações, tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial”.
Acrescenta o n.º 3 do mencionado preceito legal que “Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com o terceito responsável.”
A decisão definitiva da Autora que fixou o grau de IPP em 15% e um capital de remição no valor de € 34.253,66, foi proferida em 24 de Outubro de 2012, pelo que só a contar desta data aquela podia exercer o direito de regresso contra o terceiro responsável.
No entanto, a título de danos patrimoniais futuros a sinistrada já havia recebido da Ré, em resultado da transacção celebrada em 14 de Março de 2012, a quantia de € 20.000,00.
Ao ter conhecimento desta situação, a Autora apenas pagou à sinistrada o diferencial de € 14.253,60 (€ 34.253,66-20.000,00), ou seja, cumpriu rigorosamente o preceito legal acima mencionado.
De qualquer modo, cumpre sublinhar que, na linha da protecção do sinistrado, a suspensão de pagamento prevista no referido art. 46.º, n.º 3 ressalva o direito de regresso relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com o terceiro.
Considerando que a transacção celebrada entre a Ré e a sinistrada não contemplou a satisfação integral da indemnização por Incapacidade Permanente Parcial, sempre seria devido, por força do aludido preceito, o diferencial de € 14.253,60, através do seu reembolso à Autora, vinculada legalmente ao respectivo pagamento.
Improcede, pelas razões aduzidas, o recurso da Ré.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.
Custas pela Apelante.
Notifique e registe.
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Guimarães, 11 de Julho de 2017

(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira)
(Fernando Fernandes Freitas)


1 - Disponível em www.dgsi.pt