Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2/21.3T8VFL.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: ACTIVIDADE BANCÁRIA
RESPONSABILIDADE
DEPÓSITO BANCÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A atividade bancária está sujeita a um conjunto de regras e procedimentos que contemplam o relacionamento das instituições de crédito com os clientes, a organização, competência e diligência no âmbito das atividades que exercem, tal como previstas, designadamente, no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec. Lei n.º 298/92, de 31-12, não esquecendo que a relação bancária tem origem contratual, o que nos remete, no caso, para o regime do contrato de depósito bancário.
II - A instituição de crédito responde solidariamente, nos termos do artigo 500.º do CC, com o seu funcionário, que: - conhecia das disponibilidades financeiras da cliente, ora autora, conhecimento que lhe advinha do exercício das suas funções na instituição de crédito ora ré, dispondo de acesso ao sistema informático desta última, aí realizando as operações inerentes à sua atividade; - com recurso a um documento fabricado, ou forjado, pelo mesmo, com base numa simulação de depósito a prazo, da qual o mesmo funcionário eliminou as menções à simulação de depósito a prazo e manteve o timbre do banco, incluiu o nome e morada da cliente, ora autora, o valor do capital investido, o prazo e a taxa de juro aplicável, e a entrega de tal documento à autora, no balcão da primeira ré, alegando tratar-se de uma “promissória” que titulava a constituição de um depósito a prazo, no valor de 25.943,38€ (o seu capital), pelo prazo de 365 dias, com início naquela data, à taxa de juro de 1,90%; - aliciou a aqui autora para efetuar um único depósito a prazo com as suas poupanças, enquanto atuava na qualidade de funcionário daquela instituição bancária, sendo aquele quem recebia e atendia, nas instalações da agência bancária a autora, disponibilizando-se para proceder aos depósitos, criando assim uma efetiva relação de confiança com a autora mostrando-se sempre disponível e lhe apresentava as aplicações financeiras vigentes na Banco 1... para os clientes e creditando na conta à ordem da mesma, existente no mesmo banco, um valor que a autora presumia tratar-se dos correspondentes juros, criando nesta a convicção de que o seu capital se encontrava investido na primeira ré, o que a motivava a renovar a aplicação financeira, apesar de se comprovar que a instituição de crédito não possui nos seus balcões qualquer depósito a prazo titulado pela autora, com o capital, periodicidade e taxa de juro referidas; - procedeu à liquidação do depósito a prazo e da conta poupança da autora, à sua movimentação e levantamento dos correspondentes montantes e de outros que foram depositados no âmbito da conta de depósitos à ordem aludida em 4., sem a autorização e conhecimento desta, em montante não inferior a 25.943,38€.
III - Não é exigível à autora, que se provou residir habitualmente no ..., enviando o seu dinheiro para ser guardado na primeira ré, sendo pessoa honesta, trabalhadora, responsável e confiou na primeira ré, onde depositou todas as economias e poupanças de toda a vida, o efetivo e rigoroso conhecimento de como era efetuado o pagamento dos juros dos “verdadeiros” depósitos a prazo pela entidade bancária em referência, ou que as aplicações a prazo tinham necessariamente um número e designação, porquanto o homem médio confia nas instituições bancárias e no efetivo cumprimento dos respetivos procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
IV - Nos autos não se mostra provado qualquer facto que permita inferir a existência de um comportamento culposo da autora que tenha sido concausal do evento, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 570.º do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, e marido, BB, instauraram a presente ação declarativa comum contra 1. Banco 1..., C.R.L, e 2. CC, pedindo a condenação destes a pagar à autora, a título de indemnização:
«O montante de 25.943,38€ a título de capital dos AA se não fosse a atuação ilícita do segundo R. encontrava-se na Primeira R.
- Os juros a apurar em execução de sentença, que se não fosse a atuação ilícita do segundo R teriam direito os AA, pois o seu capital encontrava-se na primeira R.
- Pagar aos autores a quantia de 4.000,00€ referente a uma indemnização por danos não patrimoniais pela atuação ilícita provocada».
Para o efeito alegaram, em suma, que a autora é cliente da ré Banco 1... C.R.L (Banco 1...), há mais de 20 anos; reside habitualmente no ... só se encontrando nos meses de verão em Portugal; que foi ao longo da vida colocando as suas poupanças numa conta à ordem que tinha na primeira ré e ia transferindo valores para a sua conta poupança e fazendo investimentos; que em 11-10-2013 constituiu um depósito a prazo no valor de 19.500,00€; que nunca movimentava a sua conta poupança a não ser para fazer as suas aplicações financeiras que findo o prazo de aplicação constituía novo depósito a prazo ou o capital ali permanecia; a autora só movimentava a conta à ordem onde efetuava os pagamentos das suas despesas correntes; nunca efetuou qualquer levantamento da conta poupança nem o autorizou; que foram dadas várias ordens de levantamento sem o conhecimento, desconhecendo quem deu essas ordens de levantamento bem como o paradeiro do seu dinheiro; que a autora sempre confiou na primeira ré, confiando assim nos seus funcionários e gerentes da instituição; que era aliciada pelo funcionário, segundo réu, que prometia juros mais elevados por ser funcionário; que o segundo réu entregou à autora, após os valores serem aplicados em depósitos a prazo, conforme lhes era transmitido,  o documento comprovativo dos valores em depósito a prazo; findo o prazo desse depósitos, o valor dos respetivos juros líquidos eram-lhe creditados em conta, pelo que a mesma fazia absoluta fé que o seu capital se encontrava investido  na 1.ª ré; e como era portadora do documento, muitas vezes, dado o êxito do juro, efetuava novo depósito a prazo e era entregue nova promissória à aqui autora, da qual é portadora, no valor de  25.943,38€ entregue no balcão da 1.ª ré pelo seu funcionário, ora 2.º réu; o 2.º réu procedeu à liquidação dos depósitos a prazo e à sua movimentação e levantamento, sem autorização e conhecimento da autora; que o segundo réu se apropriou de mais quantias para além da constante na promissória; que o segundo réu atuava no exercício das suas funções e sob responsabilidade de vigilância da primeira ré e que por via disso recai sobre esta a obrigação de ressarcir a autora dos prejuízos sofridos pela atuação ilícita do 2.º réu; a autora é pessoa honesta e trabalhadora que acreditou na primeira ré a quem confiou todas as economias e poupanças de toda a vida; que desde junho vive na incerteza, envergonhada, revoltada, frustrada e com receio da atuação da primeira ré; que dada a atuação ilícita do segundo réu a autora encontra-se numa grave situação de fragilidade económica; sentindo um enorme abalo psicológico, transtorno, desgosto, desânimo e tristeza.
Regularmente citado, o 2.º réu não contestou nem juntou procuração outorgada a favor de mandatário judicial.
A 1.ª ré deduziu contestação, pedindo a improcedência da ação e a consequente absolvição do pedido. Impugnou a matéria de facto alegada, sustentando que a autora assinou todas as ordens de levantamento e teve conhecimento de todos os movimentos através da consulta ao extrato da conta à ordem; a ré não reconhece qualquer valor e impugna o documento n.º ...0 constante de fls. 20; alega que a autora recebeu os capitais investidos e respetivos juros na sua conta de depósitos à ordem, dando-lhe o uso e o destino que entendeu; que a autora teve conhecimento de todos os reembolsos e pagamentos efetuados por crédito na sua conta de depósitos à ordem, quer através de caderneta, quer através de documentação que lhe foi entregue e por ela recebida; a ré Banco 1... apenas tem registo de, em nome da autora, terem sido celebrados os depósitos a prazo DP ...58, em 09-10-2012 e vencimento em 9/04/2013 com o capital de 3.000,00€ e ...76, em 11/10/2013 e vencimento em 11/10/2014, com o capital de 19.500,00€ relativamente aos quais a autora recebeu da ré os documentos n.ºs ... e ... juntos com a contestação, não recebendo a autora qualquer outro documento, muito menos o impugnado documento n.º ...0 - constante de fls. 20 - que a ré não reconhece como sendo por si entregue à autora ou sequer alguma vez comercializado nos seus estabelecimentos/balcões; a ré acredita que a autora entregou quantias ao 2.º réu a troco de uma remuneração (juros) mais elevada do que a praticada pela Banco 1..., sendo esse o argumento utilizado pelo ora 2.º réu para aliciar as pessoas a emprestarem-lhe dinheiro, ou seja, que lhes pagava um juro mais alto do que o pago pela Banco 1..., utilizando documentos semelhantes ao que a autora juntou como documento n.º ...0 da p.i. para “titular” os empréstimos e ter forma de controlar os reembolsos e remunerações (pagamento de juros) que lhe eram efetuados, sendo tais documentos meras simulações de depósitos a prazo, manipuladas, forjadas e falsificadas para que adotassem a forma e a aparência de “promissórias”; o 2.º réu realizava simulações de depósitos a prazo no sistema informático da Banco 1..., que depois imprimia, retirando as menções à simulação de depósito a prazo, mas deixando o timbre da Banco 1... e incluindo o nome e morada dos clientes, o valor do capital investido, o prazo e a taxa de juro aplicável; a ré Banco 1... tem razões para acreditar que muitos, ou quase todos estes documentos denominados “promissórias falsas”, foram entregues pelo réu CC, àqueles que lhe emprestaram dinheiro, já depois de ter sido “descoberto” e “desmascarado” neste esquema; como forma de envolver a ré Banco 1... e de a obrigar a pagar as quantias que o co-réu não tivesse capacidade financeira de pagar àqueles que lhe emprestaram o dinheiro; e também como forma de garantir aqueles que o pressionavam depois de saberem que o “esquema” tinha sido descoberto; a ré acredita que a autora “embarcou” neste esquema de emprestar dinheiro ao 2.º réu, bem sabendo o que faziam e como faziam, e também tendo perfeito conhecimento que tal empréstimo nada tinha a ver com a Instituição para a qual aquele trabalhava, antes sendo negócio celebrado à parte e “nas costas” da 1.ª ré; que a autora tem culpa na produção dos danos que alegam ter sofrido, porquanto um homem médio perceberia a diferença existente entre títulos representativos de depósitos a prazo, alegadamente emitidos pela mesma instituição bancária, mas com imagens e aparências tão diferentes; que um homem médio não entregaria dinheiro vivo, de considerável valor, sem um documento que titulasse essas entregas e sem o ver refletido nos extratos das contas bancárias; que um homem médio recusar-se-ia a emprestar dinheiro a um funcionário de uma instituição de crédito por, no mínimo, tal atitude ser imoral e censurável; acresce que também não se verifica uma aparência de confiança e boa-fé que tenha sido criada na autora pelo 2.º réu, pois aquela tinha perfeito conhecimento e consciência de que o mesmo réu lhe estava a pedir dinheiro emprestado e a remunerar esse empréstimo, a título pessoal e extravasando o exercício das suas funções na ré Banco 1....
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva:
«Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
- Condenar os réus Banco 1..., CRL. e CC a pagar à autora AA, da quantia de € 25 943,38, a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros legais, à taxa legal de 4%, desde a data da consumação do facto ilícito, 04-12-2019, até efetivo e integral pagamento.
 - Condenar os réus Banco 1..., CRL. e CC a pagar à autora AA a quantia de € 1 750,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da prolação da presente decisão, até efetivo e integral pagamento.
- Absolve-se os réus do demais peticionado.
- Condenar autor e réus no pagamento das custas da ação, nas proporções dos respetivos vencimentos, por referência ao valor do pedido, fixando-se em 92,5% para os réus e de 7,5% para a autora».

Inconformada, veio a ré interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

« A - Incidente de Impugnação da falsidade do documento n.º ...0:
1.º O tribunal “a quo” julgou improcedente a arguida falsidade do documento n.º ...0 junto pela autora/recorrida, uma vez que a primeira ré/recorrente não alegou quaisquer factos que permitam perceber se o que pretende é ver declarada a falsidade material ou a falsidade ideológica do documento.
2.º Ora, nos artigos 53º, 55º, 56º, 69º, 70º e 71º da Contestação a ré alega factos que permitem ao tribunal perceber que a falsidade pretendida é a material e não a ideológica.
3.º No ponto 30 dos factos provados consta, ainda: “O documento descrito em 18. foi fabricado pelo segundo réu que imprimiu uma simulação de um depósito a prazo, depois eliminou as menções à simulação de depósito a prazo e manteve o timbre da primeira ré e incluiu o nome e morada da autora, o valor do capital investido, o prazo e a taxa de juro aplicável.
4.º Impunha-se, assim, perante a factualidade alegada e provada (ponto 30), decidir sobre a questão suscitada, que era a da impugnação de tal documento (n.º 10 junto com a petição inicial).
B - Impugnação da matéria de facto:
5.º Os pontos 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 17, 18 e 19 da matéria de facto provada e a alínea i. da matéria de facto não provada, foram incorretamente julgados.
6.º Relativamente aos pontos 7, 8 e 9, os meios probatórios que impunham decisão diversa são o depoimento de parte da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas), o depoimento da testemunha DD (prestado na primeira sessão da audiência de julgamento realizada no dia 31 de março de 2022, e gravado no sistema de gravação digital em uso no tribunal com início às 10:52:57 horas e termo às 11:33:39 horas) e o documento n.º ... junto com a petição inicial.
7.º não podia ter sido dado como provado que o capital utilizado para a constituição da conta id. em b. do facto 6. era proveniente das poupanças que a autora ia depositando na conta à ordem (facto 7), pois tal capital é proveniente de uma doação efetuada pelo pai da autora, nessa data, e não das poupanças da autora.
8.º Por outro lado, o depósito a prazo id. em c. do facto 6., no valor de € 19.500,00, foi constituído com a quantia de € 19.500,00 de uma transferência a crédito na conta à ordem da autora, com a designação - TRANSF SEPA - EE”, e não, como o tribunal deu como provado, que tenha resultado das poupanças da autora.
9.º O Tribunal “a quo” parte da premissa (errada, quanto a nós) de que a autora estava convencida que o dinheiro peticionado nos presentes autos começou por estar aplicado no depósito a prazo identificado em c. do facto 6.
10.º Mas a aqui ré/recorrente tem opinião diferente. Do que ouviu do depoimento de parte da autora, esta refere que só em 2014/2015 é que o segundo réu a convenceu a aplicar o seu dinheiro a prazo, porque era muito que estava à ordem e era melhor ficar a render a prazo.
11.º Por fim, resultou provado que a autora movimentava a conta para fazer face às suas despesas, para comprar coisas para a casa de Portugal e para oferecer de prenda ao filho e neto.
12.º Os factos 7., 8. e 9. não podem ser dados como provados.
3.º Relativamente ao ponto 10, o Tribunal “a quo” deu-o como provado com base no teor do extracto bancário da conta à ordem da autora onde estão reflectidos os movimentos aí realizados no período de 01-01-2010 a 17-06-2020.
14.º Acontece que, deste documento não resulta que a autora tenha ou não tenha autorizado e que conhecesse ou desconhecesse quem ordenou os referidos movimentos na conta.
15.º Por outro lado, questionada sobre os movimentos elencados de a. a g. do facto 10, a autora não se pronunciou sobre os movimentos elencados em a., c. e g., pelo que não poderiam os mesmos ter sido dados como provados,
16.º Tendo entrado em contradição, ao longo do seu depoimento, acerca das datas em que esteve e não esteve em Portugal.
16.º Os meios probatórios que impunham decisão diversa são, uma vez mais, o depoimento de parte da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas) e os documentos n.ºs ... da petição inicial e 13 da contestação
17.º Deste ponto 10, só deve constar a seguinte matéria provada:
10. Na conta identificada em a. do facto 6, constam os seguintes movimentos que a autora não autorizou:
a. Em 14-10-2014, ordem de levantamento com o n.º ...27, no valor de € 10.000,00;
b. Em 30-11-2015, ordem de levantamento com o n.º ...06, no valor de € 4500,00;
c. Em 01-12-2015, ordem de levantamento n.º ...69, no valor de € 6000,00;
18.º Relativamente ao ponto 12, os meios probatórios que impunham decisão diversa são, uma vez mais, o depoimento de parte da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas) e o documento n.º ... junto com a petição inicial.
19.º A transferência no valor de € 19.500,00 no dia 11-10-2013 não foi efetuada pela autora, pois tem a designação de - TRANSF SEPA - EE”.
20.º A quantias de € 8.312,00 e € 1.500,00, creditadas na conta da autora, respectivamente, em ...15 e ...17, não são transferências, mas sim entrega de valores e depósito em numerário.
21.º Do ponto 12 dos factos provados só pode constar o seguinte:
12. Desde o ano de 2013 até 2020, a autora efectuou as seguintes transferências para
a sua conta à ordem:
- 06-06-2015 o capital de 1.000,00€
- 12-06-2017 o capital de 2.000,00€
- 13-12-2017 o capital de 2.900,00€
- 27-02-2018 o capital de 3.000,00€
- 16-05-2018 o capital de 5.000,00€
- 12-07-2018 o capital de 4.000,00€
- 11-12-2018 o capital de 1.933,73€.
22.º Relativamente ao ponto 13, os meios probatórios que impunham decisão diversa são o depoimento de parte da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas), que nunca referiu que o segundo réu lhe prometia juros mais elevados
23.º O facto 13 deve ser alterado para dele passar a constar o seguinte teor:
13. Era o segundo réu quem recebia e atendia, nas instalações da primeira ré a autora, disponibilizando-se para proceder a depósitos, criando assim uma efectiva relação de confiança com a autora mostrando-se sempre disponível.
24.º Relativamente ao ponto 14, os meios probatórios que impunham decisão diversa são o depoimento de parte da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas), que relatou ter sido aconselhada pelo segundo réu a constituir um único depósito a prazo entre os anos de 2014 e 2015.
25.º Assim, o facto 14 deve ter a seguinte redacção:
14. Em data não concretamente apurada do ano de 2015, a autora foi aliciada pelo segundo réu para a efectuar um único depósito a prazo com as suas poupanças.
26.º Relativamente ao ponto 15, os meios probatórios que impunham decisão diversa são o depoimento de parte da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação  digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas), na medida em que não descreve o documento que recebia do FF quando lhe pedia para guardar o dinheiro na poupança.
27.º Pelo que, o facto 15 devia ter a seguinte redacção:
15. Na sequência da promessa descrita em 14 a autora assentiu na constituição do aludido depósito a prazo, tendo o segundo réu entregado à autora um documento semelhante ao documento junto com a petição inicial como documento n.º ...0, mas com valor diferente.
28.º Relativamente ao facto 18., o meio de prova que impunha decisão diversa é o depoimento de parte da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas), que refere que não estava em Portugal em Dezembro de 2019.
29.º Ora, se a autora não estava cá em Dezembro de 2019, não pode ter recebido do segundo o réu o referido documento, nessa data.
30.º O facto 18 deverá passar a ter a seguinte redacção:
18. A autora possui um documento com o valor de € 25.943,38, pelo prazo de 365 dias, com início no dia 04-12-2019 e a taxa de juro de 1,90%.
31.º Relativamente ao facto 19., os meios probatórios que impunham decisão diversa são o depoimento de parte da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas), o depoimento da testemunha DD (prestado na primeira sessão da audiência de julgamento realizada no dia 31 de março de 2022, e gravado no sistema de gravação digital em uso no tribunal com início às 10:52:57 horas e termo às 11:33:39 horas) e documento n.º ... junto com a petição inicial.
2.º A autora e a testemunha DD, sua irmã, referem-se ao dinheiro que a autora utilizou para pagar aos empreiteiros, que a autora disse que não foi através de cheque, nem transferências bancárias, e que pode muito bem ter sido através da liquidação e levantamento do capital referente a este depósito a prazo constituído em 2013.
33.º Relativamente aos movimentos e levantamentos, a autora assumiu que ela própria movimentou a conta para pagar, através de cheques, material que adquiriu para a casa, e levantamentos em numerário para fazer face às suas despesas quendo vinha de férias a Portugal, ou até para dar umas prendinhas ao filho e neto.
34.º Por fim, e se atentarmos ao somatório de todas as quantias levantadas da conta à ordem da autora e que a própria referiu expressamente que não foi ela que levantou ou deu autorização para ser levantada, chegamos à conclusão que esse valor é de cerca de € 40.000,00, em muito superior aos 25.943,38.
35.º O facto 19 não pode ser dado como provado.
36.º Relativamente ao facto i., o meio probatório que impunha decisão diversa é o depoimento de parte da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas), que confirmou possuir uma caderneta e que a actualizava sempre que vinha de férias a Portugal, pelo que devia ter sido dado como provado
37.º A matéria de facto dada como provada devia ter sido a seguinte:
1. A primeira ré, Banco 1..., C.R.L, é uma instituição bancária, cuja sede situa-se em ....
2. O segundo réu, CC, também conhecido por “FF” foi trabalhador da primeira ré, pelo menos desde o dia .../.../1994 até ao dia 18 de agosto de 2020, detinha o número do operador ...08 e exerceu durante esse período, sob a responsabilidade e vigilância da primeira ré, nomeadamente, as seguintes funções: atendimento de clientes ao balcão, processamento informático dos movimentos que os clientes pretendiam efetuar nas suas contas, recebimento de valores em numerário e cheques para depósito nas contas dos clientes, constituição de depósitos a prazo e outras aplicações financeiras disponibilizadas pela Banco 1... aos seus clientes, abertura e encerramento de contas de depósito, preenchimento de impressos e demais documentação que lhe era apresentada pelos clientes.
3. No exercício das funções descrita em 2. o segundo réu além de aceder ao sistema informático da primeira ré dispunha de todo o material ali existente.
4. A autora é cliente da primeira ré desde o dia .../.../2012, data em que procedeu à abertura de uma Conta de Depósitos à Ordem, no balcão de ..., à qual foi atribuído o n.º ...96.
5. A autora reside habitualmente no ..., enviando o seu dinheiro para ser guardado na primeira ré.
6. A autora subscreveu junto da primeira ré os seguintes produtos financeiros:
a. Constituição, em 09-08-2012, de uma conta de depósitos à ordem n.º ...96, da qual é única titular.
b. Constituição, em 09-10-2012, de poupança n.º ...58 “Poupança ...”, pelo período de 6 meses, vencendo-se em 09-04-2013 e com o capital de € 3.000,00;
c. Constituição, em 11-10-2013, de depósito a prazo n.º ...76 “DP Normal - Euro, pelo período de 1 ano, vencendo-se em 11-10-2014, com o capital de € 19.500,00 e com uma taxa de juros de 2,5%;
7. (10). Na conta identificada em a. do facto 6, constam os seguintes movimentos que a autora não autorizou:
a. Em 14-10-2014, ordem de levantamento com o n.º ...27, no valor de € 10.000,00;
b. Em 30-11-2015, ordem de levantamento com o n.º ...06, no valor de € 4500,00;
c. Em 01-12-2015, ordem de levantamento n.º ...69, no valor de € 6000,00;
8. (11). Em 04-12-2019, foi apresentado ao balcão da primeira ré, o cheque com nº ...94, emitido em .../.../2019, no valor de € 8.000,00, cujo pagamento foi realizado pelo segundo réu, que utilizava o n.º de funcionário GG.
9. (12). Desde o ano de 2013 até 2020, a autora efectuou as seguintes transferências para a sua conta à ordem:
- 06-06-2015 o capital de 1.000,00€
- 12-06-2017 o capital de 2.000,00€
- 13-12-2017 o capital de 2.900,00€
- 27-02-2018 o capital de 3.000,00€
- 16-05-2018 o capital de 5.000,00€
- 12-07-2018 o capital de 4.000,00€
- 11-12-2018 o capital de 1.933,73€.
13. Era o segundo réu quem recebia e atendia, nas instalações da primeira ré a autora, disponibilizando-se para proceder a depósitos, criando assim uma efectiva relação de confiança com a autora mostrando-se sempre disponível.
14. Em data não concretamente apurada do ano de 2015, a autora foi aliciada pelo segundo réu para a efectuar um único depósito a prazo com as suas poupanças.
15. Na sequência da promessa descrita em 14. a autora assentiu na constituição do aludido depósito a prazo, tendo o segundo réu entregado à autora um documento semelhante ao documento junto com a petição inicial como documento n.º ...0, mas com valor diferente.
16. Após o vencimento do aludido depósito a prazo era-lhe creditado na conta id. em a. do facto 6. um valor que a autora presumia tratar-se dos correspondentes juros.
17. As circunstâncias descritas em 15. e 16. criaram na autora a convicção de que o seu capital se encontrava investido na primeira ré e motivava-a a renovar a aplicação financeira.
18. A autora possui um documento com o valor de € 25.943,38, pelo prazo de 365 dias, com início no dia 04-12-2019 e a taxa de juro de 1,90%.
19. (20). A autora não outorgou procuração a favor de terceiro concedendo-lhe poderes para movimentar as suas contas bancárias.
20. (21). O segundo réu conhecia das disponibilidades financeiras da autora, conhecimento que lhe advinha do exercício das suas funções na primeira, que dispunha de acesso ao sistema informático da primeira ré, aí realizando as operações inerentes à sua atividade.
21. (22). A autora solicitou à primeira ré diversas reuniões e esclarecimentos, ao que, após solicitar o livro de reclamações, lhe responderam que “os factos a que nelas se alude estão a ser objeto de auditoria e averiguações. Tão cedo quanto dispúnhamos dos resultados e conclusões dessas averiguações, voltaremos ao contacto de Vª Exª. Sublinhando que esta instituição nunca se eximiu, nem se eximirá a assumir as responsabilidades que, em cada momento e circunstância, lhe caibam.”
22. (23). A autora é pessoa honesta, trabalhadora, responsável e confiou na primeira ré, onde depositou todas as economias e poupanças de toda a vida.
23. (24). Como consequência direta da atuação do segundo réu descrita em 11., 13., 14., 15., 17., 18., 19. e 21., a autora desde junho de 2020, vive revoltada, desgostosa, desanimada, triste e com receio da atuação da primeira ré por ter reclamado, junto desta, as suas verbas monetárias, e aquela ainda não as repôs.
24. (25). Além dos movimentos id. no ponto 10. sob as alíneas a. a e., foram realizados movimentos na conta referida em a. do facto 6., descritos em documentos, onde se encontra aposto o nome da autora no local destinado à assinatura, designadamente:
a. Em 16-06-2017, ordem de levantamento no valor de € 2 000,00;
b. Em 14-08-2018, ordem de levantamento no valor de € 300,00;
c. Em 17-08-2018, ordem de levantamento no valor de € 300,00;
d. Em 16-08-2019, ordem de levantamento no valor de € 2.500,00;
25. (26). Nos dias 15-10-2014 e 10-04-2015 foram efetuados dois levantamentos dos montantes de € 145,00 e € 155,51, respetivamente, da conta poupança descrita em b. do facto 6., por pessoa não concretamente identificada.
26. (27). Desde 14-10-2014 e 30-11-2015 a autora não titula os produtos financeiros id. em b. e c. do facto 6., respetivamente, nem qualquer outro.
27. (28). A primeira ré pagou juros à autora em 11-10-2014, no valor de € 355,87, com a designação “JUROS ...76” e em 30-11-2015, no valor de € 43,14, juntamente com a liquidação do DP ...58, com a designação “Liq.Tot.Poupança”.
28. (29). A primeira ré não possui nos seus balcões qualquer depósito a prazo titulado pela autora, com o capital, periodicidade e taxa de juro referidas em 18.
29. (30). O documento descrito em 18. foi fabricado pelo segundo réu que imprimiu uma simulação de um depósito a prazo, depois eliminou as menções à simulação de depósito a prazo e manteve o timbre da primeira ré e incluiu o nome e morada da autora, o valor do capital investido, o prazo e a taxa de juro aplicável.
30. (31). Em data não concretamente apurada do ano de 2020, a primeira ré apresentou uma queixa crime contra o segundo réu, CC, que corre termos no DIAP ... sob o n.º 54/20.....
31. (32). A primeira ré instaurou, ainda, procedimento disciplinar contra o réu CC que culminou no seu despedimento com justa causa, em 18-08-2020.
32. (33). A autora sempre teve conhecimento dos movimentos efetuados na conta id. em a. do facto 6. através da caderneta de que dispõe da referida conta.
C - Impugnação da matéria de direito:
38.º Nos termos do disposto no art.º 500, n.º 1, do Código Civil (de ora em diante apenas designado por CC), “aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.”
39.º Um dos requisitos para que o comitente responda, independentemente de culpa, é que haja a obrigação do comissário indemnizar.
40.º Nos termos do disposto no art.º 483º do Código Civil, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual são os seguintes: existência de um facto voluntário do lesante; ilicitude desse facto; imputação desse facto ao lesante; existência de danos e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
41.º É ao lesado que incumbe o ónus da prova destes pressupostos, nos termos do disposto no art.º 342º n.º 1 do Código Civil.
42.º Ficou demonstrado no ponto 6. dos factos provados que a autora foi titular, na primeira ré/recorrente, entre os anos de 2012 e 2015, de um depósito a prazo e uma poupança, no valor total de € 22.500,00, e efectuou transferências, entre 2013 até 2020, para a sua conta à ordem, no valor total superior a € 19.833,73 (facto 8, anterior 11).
43.º O depósito a prazo e poupança foram liquidados, entre os anos de 2014 e 2015, conforme facto provado em 7 (anterior ponto 10).
44.º Os valores destas liquidações foram transferidos a crédito para a conta de depósitos à ordem titulada pela autora e, desta, foram levantados (cfr. ponto 7 dos factos provados, anterior ponto 10), num total de € 22.500,00.
45.º Ao longo dos anos de 2015 e 2018 foram efetuados vários movimentos na conta à ordem titulada pela autora, designadamente os constantes dos factos 7 (anterior 10), 8 (anterior 11), 24 (anterior 25) e 25 (anterior 26), num total de € 23.900,00.
46.º Ao todo, temos o valor de € 46.400,00 de levantamentos da conta da autora, alguns efetuados por ela e com o seu consentimento, ordem e autorização, mas competia à autora demonstrar ao Tribunal quais desses levantamentos ou transferências a débito da sua conta de depósitos à ordem foram efetuadas sem ser a seu pedido ou sem a sua autorização e conhecimento, para demonstrar que foi o segundo réu que delas se apropriou.
47.º A autora não demonstrou tais factos. A autora não demonstrou de que quantias é que o segundo réu se apropriou.
48.º Se a autora alega um dano patrimonial no valor de € 25.943,38, tem que demonstrar como é que chegou ao valor desse dano como é que o segundo réu lhe causou esse dano. Através de que levantamentos? Através de que entregas que a autora lhe tenha feito? Através de pagamentos de que cheques? De que montantes?
49.º Não pode o tribunal aferir, com a certeza exigida, quais desses movimentos foram do conhecimento da autora e quais não foram. Precisamente porque nenhuma prova foi feita quanto a esse facto.
50.º Não estão, assim, reunidos os pressupostos da responsabilidade civil do segundo réu, necessária para a responsabilização da primeira ré/recorrente, na qualidade de comitente, porque não foi feita prova dos valores pertencentes à autora de que o segundo réu se apropriou e a forma como o fez, nem foi feita prova de que não tenha sido a autora a proceder aos levantamentos das quantias que alega terem sido subtraídas pelo segundo réu.
51.º Sem prescindir, caso assim não se entenda, considerando a hipótese meramente académica de se considerar a primeira ré/recorrente responsável, na qualidade de comitente, pelos atos praticados pelo segundo réu, comissário e, nessa medida, obrigada a indemnizar os autores/recorridos, estamos perante uma situação em que será de convocar a culpa da autora na produção dos factos danosos, nos termos do disposto no art.º 570º do CC.
52.º Do facto provado no ponto 32 (anterior alínea i. dos factos não provados) resulta que a autora teve conhecimento de todos os movimentos efetuados na sua conta à ordem através da caderneta da referida conta.
53.º Aliás, a própria autora relatou que por vezes telefonava ao segundo réu para este lhe fazer transferências para a conta do filho e neto. Foi a própria autora que conferiu esses poderes ao segundo réu, dando assim azo a que tais poderes fossem abusados e ultrapassados.
54.º Acontece que a autora também tinha o conhecimento e a experiência anterior para saber como é que o pagamento dos juros dos “verdadeiros” depósitos a prazo era efetuado - cfr. ponto 27 (anterior ponto 28 dos factos provados) e que as aplicações a prazo tinham um número e designação - cfr. ponto 27 dos factos provados.
55.º A autora/recorrida estava em condições de poder e dever agir de modo a evitar os danos que alega ter sofrido na sua esfera jurídica.
56.º Ao não ter agido de modo a evitar a produção desses danos, a autora contribuiu para a verificação dos mesmos.
57.º Pelo que, na sua decisão, o Tribunal deveria ter ponderado a culpa da autora para a exclusão da indemnização.
58.º Pelos motivos supra expostos, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue:
a) procedente o incidente da falsidade do documento n.º ...0.
b) incorrectamente julgados os pontos 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 17, 18 e 19 da matéria de facto provada e a alínea i. da matéria de facto não provada
c) a ação totalmente improcedente e absolva a primeira ré do pedido, por não se verificar a responsabilidade do comitente prevista no artigo 500º n.ºs 1 e 2 do CC ou, caso assim não se entenda, julgue a ação totalmente improcedente e absolva a primeira ré do pedido se ter verificado culpa dos autores na produção dos danos sofridos, nos termos do disposto no art.º 570º do CC.
Assim decidindo, farão V. Ex.ªs
JUSTIÇA».
Os autores apresentaram resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso
Face às conclusões das alegações do recorrente, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da apelação circunscreve-se às seguintes questões:
A) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) aferir se a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito quanto ao mérito da ação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
1. A primeira ré, Banco 1..., C.R.L, é uma instituição bancária, cuja sede situa-se em ....
2. O segundo réu, CC, também conhecido por “FF” foi trabalhador da primeira ré, pelo menos desde o dia .../.../1994 até ao dia 18 de agosto de 2020, detinha o número do operador ...08 e exerceu durante esse período, sob a responsabilidade e vigilância da primeira ré, nomeadamente, as seguintes funções: atendimento de clientes ao balcão, processamento informático dos movimentos que os clientes pretendiam efetuar nas suas contas, recebimento de valores em numerário e cheques para depósito nas contas dos clientes, constituição de depósitos a prazo e outras aplicações financeiras disponibilizadas pela Banco 1... aos seus clientes, abertura e encerramento de contas de depósito, preenchimento de impressos e demais documentação que lhe era apresentada pelos clientes.
3. No exercício das funções descrita em 2. o segundo réu além de aceder ao sistema informático da primeira ré dispunha de todo o material ali existente.
4. A autora é cliente da primeira ré desde o dia .../.../2012, data em que procedeu à abertura de uma Conta de Depósitos à Ordem, no balcão de ..., à qual foi atribuído o n.º ...96.
5. A autora reside habitualmente no ..., enviando o seu dinheiro para ser guardado na primeira ré.
6. A autora subscreveu junto da primeira ré os seguintes produtos financeiros:
a. Constituição, em 09-08-2012, de uma conta de depósitos à ordem n.º ...96, da qual é única titular.
b. Constituição, em 09-10-2012, de poupança n.º ...58 “Poupança ...”, pelo período de 6 meses, vencendo-se em 09-04-2013 e com o capital de € 3.000,00;
c. Constituição, em 11-10-2013, de depósito a prazo n.º ...76 “DP Normal - Euro, pelo período de 1 ano, vencendo-se em 11-10-2014, com o capital de € 19.500,00 e com uma taxa de juros de 2,5%;
7. A autora depositava as suas poupanças na conta à ordem descrita em a. do facto 6., sendo proveniente desta conta o capital utilizado para a constituição das contas id. em b. e c. do facto 6.
8. A autora utilizava as contas id. em b. e c. do facto 6. apenas para guardar as suas poupanças e, uma vez, findo o prazo de aplicação, constituía novo depósito a prazo ou o capital ali permanecia.
9. A autora nunca efetuou qualquer levantamento das contas id. em b. e c. do facto 6., nem as autorizou.
10. A autora não autorizou e desconhece quem ordenou os seguintes movimentos bancários refletidos na conta id. em a. do facto 6.:
a. Em 14-10-2014, ordem de liquidação do DP com o n.º ...92, no valor de € 19.500,00;
b. Em 14-10-2014, ordem de levantamento com nº ...27, no valor de €10.000,00;
c. Em 15-10-2014, ordem de levantamento com nº ...31, no valor de €10.000,00;
d. Em 30-11-2015, liquidação da conta poupança ...58, no valor de € 3043,14;
e. Em 30-11-2015, ordem de levantamento com n.º ...06, no valor de € 4 500,00;
f. Em 01-12-2015, ordem de levantamento com nº ...69 no valor de € 6.000,00;
g. Em 26-10-2018, ordem de levantamento n.º ...72, no valor de € 1.500,00;
11. Em 04-12-2019, foi apresentado ao balcão da primeira ré, o cheque com nº ...94, emitido em .../.../2019, no valor de € 8.000,00, cujo pagamento foi realizado pelo segundo réu, que utilizava o n.º de funcionário GG
12. Desde o ano 2013 até 2020, a autora efetuou várias transferências provenientes do estrangeiro para a sua conta à ordem, designadamente:
- 11-10-2013 o capital de 19.500,00€;
- 06-06-2015 o capital de 1.000,00€;
- 26-11-2015 o capital de 8.312,00€;
- 12-06-2017 o capital de 2.000,00€;
- 20-10-2017 o capital de 1.500,00€;
- 13-12-2017 o capital de 2.900,00€;
- 27-02-2018 o capital de 3.000,00€;
- 16-05-2018 o capital de 5.000,00€;
- 12-07-2018 o capital de 4.000,00€;
- 11-12-2018 o capital de 1.933,73€;
13. Era o segundo réu quem recebia e atendia, nas instalações da primeira ré a autora, disponibilizando-se para proceder aos depósitos, criando assim uma efetiva relação de confiança com a autora mostrando-se sempre disponível e lhe apresentava as aplicações financeiras vigentes na Banco 1... para os clientes prometendo juros mais elevados que os normais
14. Em data não concretamente apurada, a autora foi aliciada pelo segundo réu para a efetuar um único depósito a prazo com as suas poupanças mediante promessa de um juro mais elevado, em face da circunstância de o segundo réu ser funcionário da primeira ré.
15. Na sequência da promessa descrita em 14. a autora assentiu na constituição do aludido depósito a prazo, tendo o segundo réu entregado à autora um documento no qual se encontra aposto o nome da instituição bancária - a primeira ré -, o timbre e o número do balcão da primeira ré, o número do operador, o nome do cliente, a moeda, a data de abertura, a data de vencimento, o prazo, o capital inicial, a taxa de juro, o código de IRS/IRC, os juros brutos, impostos e juros líquidos.
16. Após o vencimento do aludido depósito a prazo era-lhe creditado na conta id. em a. do facto 6. um valor que a autora presumia tratar-se dos correspondentes juros.
17. As circunstâncias descritas em 15. e 16. criaram na autora a convicção de que o seu capital se encontrava investido na primeira ré e motivava-a a renovar a aplicação financeira.
18. Em 04-12-2019, o segundo réu entregou à autora, no balcão da primeira ré, um documento, que alegadamente tratar-se-ia de uma “promissória” que titulava a constituição de um depósito a prazo, no valor de € 25 943,38 (o seu capital), pelo prazo de 365 dias, com início naquela data, à taxa de juro de 1,90%.
19. O segundo réu procedeu à liquidação dos depósitos a prazo da autora, à sua movimentação e ao levantamento, sem a autorização e conhecimento desta, em montante não inferior a € 25. 943,38.
20. A autora não outorgou procuração a favor de terceiro concedendo-lhe poderes para movimentar as suas contas bancárias.
21. O segundo réu conhecia das disponibilidades financeiras da autora, conhecimento que lhe advinha do exercício das suas funções na primeira, que dispunha de acesso ao sistema informático da primeira ré, aí realizando as operações inerentes à sua atividade.
22. A autora solicitou à primeira ré diversas reuniões e esclarecimentos, ao que, após solicitar o livro de reclamações, lhe responderam que “os factos a que nelas se alude estão a ser objeto de auditoria e averiguações. Tão cedo quanto dispúnhamos dos resultados e conclusões dessas averiguações, voltaremos ao contacto de Vª Exª. Sublinhando que esta instituição nunca se eximiu, nem se eximirá a assumir as responsabilidades que, em cada momento e circunstância, lhe caibam.”
23. A autora é pessoa honesta, trabalhadora, responsável e confiou na primeira ré, onde depositou todas as economias e poupanças de toda a vida.
24. Como consequência direta da atuação do segundo réu descrita em 11., 13., 14., 15., 17., 18., 19. e 21., a autora desde junho de 2020, vive revoltada, desgostosa, desanimada, triste e com receio da atuação da primeira ré por ter reclamado, junto desta, as suas verbas monetárias, e aquela ainda não as repôs.
(Da contestação)
25. Além dos movimentos id. no ponto 10. sob as alíneas a. a e., foram realizados movimentos na conta referida em a. do facto 6., descritos em documentos, onde se encontra aposto o nome da autora no local destinado à assinatura, designadamente:
a. Em 16-06-2017, ordem de levantamento no valor de € 2 000,00;
b. Em 14-08-2018, ordem de levantamento no valor de € 300,00;
c. Em 17-08-2018, ordem de levantamento no valor de € 300,00;
d. Em 16-08-2019, ordem de levantamento no valor de € 2.500,00;
26. Nos dias 15-10-2014 e 10-04-2015 foram efetuados dois levantamentos dos montantes de € 145,00 e € 155,51, respetivamente, da conta poupança descrita em b. do facto 6., por pessoa não concretamente identificada.
27. Desde 14-10-2014 e 30-11-2015 a autora não titula os produtos financeiros id. em b. e c. do facto 6., respetivamente, nem qualquer outro.
28. A primeira ré pagou juros à autora em 11-10-2014, no valor de € 355,87, com a designação “JUROS ...76” e em 30-11-2015, no valor de € 43,14, juntamente com a liquidação do DP ...58, com a designação “Liq.Tot.Poupança”.
29. A primeira ré não possui nos seus balcões qualquer depósito a prazo titulado pela autora, com o capital, periodicidade e taxa de juro referidas em 18.
30. O documento descrito em 18. foi fabricado pelo segundo réu que imprimiu uma simulação de um depósito a prazo, depois eliminou as menções à simulação de depósito a prazo e manteve o timbre da primeira ré e incluiu o nome e morada da autora, o valor do capital investido, o prazo e a taxa de juro aplicável.
31. Em data não concretamente apurada do ano de 2020, a primeira ré apresentou uma queixa crime contra o segundo réu, CC, que corre termos no DIAP ... sob o n.º 54/20.....
32. A primeira ré instaurou, ainda, procedimento disciplinar contra o réu CC que culminou no seu despedimento com justa causa, em 18-08-2020.
1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
a. A autora não autorizou e desconhece quem ordenou os seguintes movimentos bancários refletidos na conta id. em a. do facto 6.:
i. Em 12-10-2018, ordem de levantamento n.º ...16, no valor de € 300,00;
ii. Em 22-10-2018, ordem de levantamento n.º ...40, no valor de € 300,00;
iii. Em 11-02-2020, ordem de levantamento n.º ...29, no valor de € 300,00;
b. A autora efetuou as seguintes transferências provenientes do estrangeiro para a conta descrita em a. do facto 6., designadamente:
i. 04-12-2019 o capital de 5.000,00€;
ii. 13-05-2020 o capital de 5.000,00€.
c. A autora só se deslocava a Portugal durante o Verão.
d. A autora movimentava a conta à ordem, apenas para efetuar os pagamentos das suas despesas, como da água e luz.
e. Como consequência direta da atuação do segundo réu, descrita em 11., 13., 14., 15., 17., 18., 19. e 21., a autora sente-se envergonhada e passou inúmeras noites sem dormir.
f. Os documentos referidos em 10. e 25. foram assinados pela autora.
g. Os levantamentos referidos em 26. foram realizados pela autora.
h. O cheque id. em 11. foi levantado em numerário ao balcão da primeira ré pela autora, tendo lhe dado o destino que quis.
i. A autora sempre teve conhecimento dos movimentos efetuados na conta id. em a. do facto 6. através da caderneta de que dispõe da referida conta.
j. A autora entregou ao réu o capital reclamado na presente ação a troco de uma remuneração.
k. O réu aliciou a autora a emprestar-lhe dinheiro convencendo-a que lhe pagaria um juro mais elevado do que a primeira ré.
l. O réu CC usou o documento descrito em 18 e constante de fls. 20. para titular os empréstimos descritos em j. e k.
m. O réu CC entregava documentos semelhantes ao descrito em 18 aos clientes da primeira ré, após ter sido descoberta a sua atuação, com o fito de lhes garantir que o pagamento dos referidos empréstimos seria assumido por aquela.
n. A autora tinha conhecimento que a atuação do segundo réu era a título particular sem qualquer intervenção ou participação da primeira ré, extravasando o exercício das suas funções ao seu serviço.
o. A autora tinha perfeito conhecimento que o réu CC lhe estava a pedir dinheiro emprestado, e a remunerar esse empréstimo, a título pessoal e extravasando o exercício das suas funções na primeira ré.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
As conclusões enunciadas pela recorrente Banco 1... sob os n.ºs 1.º a 4.º relevam para o julgamento da matéria de facto, pretendendo a apelante pôr em causa os fundamentos aduzidos na sentença recorrida a propósito da questão da invocada falsidade do documento n.º ...0 junto com a petição inicial (fls. 20), a qual decidiu, a título de questão prévia, julgar a mesma improcedente.
Ora, impugnando a apelante a solução dada pelo tribunal a quo à suposta impugnação da falsidade do documento n.º ...0 junto com a petição inicial (fls. 20), e estando em causa a conformidade da decisão impugnada com regras de direito probatório material relevantes para a apreciação da impugnação em causa, importa aferir da relevância e do alcance da posição assumida pela ré face a tais documentos, o que também constitui matéria a apreciar por esta Relação, e de forma oficiosa, nos termos previstos nos artigos 607.º, n.º 4, aqui aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2 do CPC.
  A propósito dos documentos particulares, estabelece o artigo 374.º, do Código Civil (CC):
1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
No tocante à sua força probatória, dispõe o artigo 376.º, do mesmo diploma, que o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações nele atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (n.º 1), sendo que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão (n.º 2).
Tal como esclarece Maria dos Prazeres Pizarro Beleza[1], «diferentemente dos documentos autênticos, os documentos particulares não trazem consigo a prova da sua autoria; tem de ser provada, pois a sua força probatória material depende de estar estabelecido que provém efectivamente da pessoa a quem são atribuídos. Uma declaração de quitação, por exemplo, constante de um documento particular, prova o pagamento se tiver sido efectivamente emitida pelo credor.
Na falta de intervenção notarial (à qual equivale a intervenção de determinadas outras entidades (…), a prova da autoria faz-se pelo reconhecimento, expresso ou tácito, pela parte contra a qual é apresentado.
Assim, esta pode:
- reconhecer expressamente a autoria da assinatura, ou da letra e assinatura;
- impugná-la, equivalendo à impugnação a alegação da respectiva falsidade;
- declarar que ignora se a assinatura lhe pertence.
Se a parte a reconhece expressamente, ou se declara que não sabe se a assinatura lhe pertence, ou se é verdadeira, não obstante ser-lhe atribuída pelo apresentante do documento, está provada a autoria. Trata-se, quanto à alegação de desconhecimento, de uma consequência semelhante à que o n.º 3 do artigo 574.º do CPC atribui à declaração do réu, na contestação, de que “não sabe se determinado facto é real”, apesar de se tratar “de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento”.
Se a impugna, ou invoca que a assinatura é falsa, cabe ao apresentante o ónus de provar a autoria, de acordo com a repartição geral do ónus da prova (artigo 343.º)».
De forma idêntica, a propósito da impugnação da veracidade ou exatidão dos documentos particulares, refere J. Gonçalves Sampaio[2] se a parte contra quem o documento é produzido «declara que não sabe se são autênticas ou não a letra e a assinatura ou só a assinatura (impugnação por simples desconhecimento), aplica-se, do mesmo modo, o preceituado no n.º 1 do art. 374.º Com efeito, cumpre, aqui, distinguir duas situações: ou a parte que produz o documento atribui a sua autoria à parte contra quem é produzido, entendendo-se, neste caso, que é de considerar-se admitida e inatacável a autenticidade do documento, visto ele ser apresentado como facto pessoal da parte contra quem é produzido; ou a parte que produz o documento não atribui a autoria da letra ou da assinatura à parte contrária  e, então, a consequência será considerar-se impugnada a veracidade da letra e da assinatura, pois, estas terão de ser objecto de prova cujo ónus recai sobre a parte que apresenta o documento (art. 374.º, n.º 2)».
Deste modo, resta concluir, com José Lebre de Freitas[3]: «[a] prova da autoria pode ser, em primeiro lugar, estabelecida por confissão ou admissão, pela parte contrária, da própria afirmação do apresentante do documento. A apresentação dum documento contém em si, expressa ou implicitamente, a afirmação de que provém da pessoa a quem é imputado. Se a parte contrária, confrontada com a apresentação, expressamente reconhece a assinatura do documento como verdadeira, ou não a impugna, esta aceitação (expressa ou tácita) do facto afirmado tem todos os efeitos da confissão ou da admissão processual, devendo ter-se por provada a autoria do documento, sem ulterior possibilidade de qualquer prova do contrário (C.Civil, art. 374.º-1)», mais esclarecendo, a propósito, o seguinte: «Equivale à não impugnação o caso em que, sendo-lhe imputada a assinatura, declare não saber se esta lhe pertence. Trata-se de uma aplicação da norma geral contida no art. 490.º-2 do C. Processo Civil, segundo o qual a afirmação, por uma parte, do desconhecimento da realidade de um facto alegado pela parte contrária só equivale a impugnação quando o facto não lhe for pessoal ou dele não deva ter conhecimento.
Deste modo, «a parte que junta ao processo um documento cuja assinatura imputa à parte contrária, afirma implicitamente a genuinidade de tal assinatura. Aquele a quem é imputado o documento fica investido no ónus de impugnar a letra ou assinatura de tal documento, sob cominação das mesmas passarem a ser tidas como verdadeiras»[4].  
Transpondo estas considerações gerais para o caso em análise, verificamos que do documento junto pela autora, agora em análise, consta o nome da instituição bancária - a primeira ré, o timbre e o número do balcão da primeira ré, o número do operador, o nome do cliente, a moeda, a data de abertura, a data de vencimento, o prazo, o capital inicial, a taxa de juro, o código de IRS/IRC, os juros brutos, impostos e juros líquidos.
Trata-se, assim, de um documento particular (artigo 363.º do Código Civil). Porém, não se mostra assinado.
Ora, a assinatura constitui um requisito dos documentos particulares, conforme decorre do disposto no artigo 373.º, n.º 1 do CC, pelo que tal documento está sujeito à livre apreciação do tribunal, nos termos previstos no artigo 366.º do CC, tal como concluiu - e bem - o tribunal a quo na decisão recorrida.
No caso, a ré, ora recorrente, quando confrontada com tal documento junto com a petição inicial, veio alegar na contestação não lhe reconhecer qualquer validade formal, por não constituir documento por si emitido (cf. o art.º 53.º da contestação), mais alegando:
- «Mas sabe que vários outros seus clientes têm na sua posse documentos semelhantes, que afirmam terem sido entregues pelo Co-Réu CC, à revelia e com total desconhecimento da aqui Ré Banco 1...» (artigo 54.º da contestação);
- «Assim, a Ré não reconhece qualquer valor ao documento n.º ...0 junto com a PI que, por esse motivo, desde já refuta como sendo algum produto, título ou documento por si alguma vez comercializado» (artigo 55.º da contestação);
- «A Ré não possui, nos seus balcões, qualquer depósito a prazo titulado pela A., com o capital, periodicidade e taxa de juro referidas em 35º e 54º da PI, razão pela qual, vai aquela factualidade ali alegada impugnada, bem como o documento n.º ...0» (artigo 56.º da contestação);
- «Documentos semelhantes ao que a A. juntou como documento n.º ...0 da PI, eram utilizados pelo co-Réu CC para “titular” os empréstimos e ter forma de controlar os reembolsos e remunerações (pagamento de juros) que lhe eram efetuados» (artigo 66.º da contestação);
- «Estes documentos eram meras simulações de depósitos a prazo, manipuladas, forjadas e falsificadas para que adotassem a forma e a aparência de “promissórias”» (artigo 67.º da contestação);
- «O Co-réu CC realizava simulações de depósitos a prazo no sistema informático da Banco 1..., que depois imprimia, retirando as menções à simulação de depósito a prazo, mas deixando o timbre da Banco 1... e incluindo o nome e morada dos clientes, o valor do capital investido, o prazo e a taxa de juro aplicável - cfr. uma simulação de depósito a prazo que se junta como documento n.º ...4» (artigo 68.º da contestação);
- «A Ré Banco 1... tem razões para acreditar que muitos, ou quase todos estes documentos denominados “promissórias falsas”, foram entregues pelo co-Réu CC, àqueles que lhe emprestaram dinheiro, como a aqui A., já depois de ter sido “descoberto” e “desmascarado” neste esquema» (art.º 69.º da contestação).
Na motivação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida o tribunal a quo, após enunciar a distinção entre falsidade material e falsidade ideológica, concluiu - e bem - que apenas a primeira é oponível aos documentos particulares, nos termos e com os fundamentos enunciados na decisão em análise, sendo inadmissível a arguição da falsidade ideológica quanto a um documento particular, devendo a mesma ser entendida como impugnação da força probatória, solução que se coaduna com o disposto no artigo 193.º n.º 3 do CPC.
No contexto enunciado, o tribunal a quo considerou que, apesar de arguir a falsidade do referido documento, a ré não alegou quaisquer factos que permitam perceber se o que pretende é ver declarada a falsidade material ou a falsidade ideológica.
Em consequência, o tribunal recorrido concluiu - a nosso ver, com pleno acerto - sujeitar tal documento à livre apreciação pelo tribunal, julgando improcedente a arguida falsidade do documento n.º ...0 junto pela autora (fls. 20).
Tal como esclarece Lebre de Freitas[5], «[é] tradicional, porém, distinguir a falsidade material da falsidade ideológica: a primeira respeita à própria materialidade do documento, pode ocorrer quer nos documentos narrativos quer nos dispositivos e consiste na sua alteração em momento posterior àquele em que foi formado; a segunda respeita ao conteúdo da declaração do documentador, traduzindo uma falsa atestação, contemporânea da formação do documento e só possível nos documentos (autênticos) narrativos».
No caso em apreciação, decorre suficientemente do conjunto das circunstâncias que se mostram devidamente assentes nos autos, vertidas em 1.2., e 1.30., supra, que o documento em análise provém da pessoa (2.º réu), que detinha o número de operador ...08, não havendo qualquer elemento que indique que tal documento tenha sido alterado ou modificado em momento posterior àquele em que foi formado, o que permite confirmar integralmente o juízo decisório que a propósito foi feito pelo tribunal a quo relativamente à referida questão da invocada falsidade do documento n.º ...0 junto com a petição inicial (fls. 20).
Termos em que improcedem integralmente as conclusões da apelação sobre esta matéria.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Assim, a impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação[6].

Enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC, o seguinte:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere Abrantes Geraldes[7]: «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto».

Deste modo, «a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos»[8].

No caso em apreciação a recorrente manifesta o propósito de impugnar os pontos 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 17, 18 e 19 da matéria de facto provada; a alínea i) da matéria de facto não provada.
Porém, em relação à concreta materialidade objetiva evidenciada no ponto 17.º da matéria de facto que o tribunal a quo deu como provada, observa-se que a recorrente/ré não indica expressamente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre o impugnado ponto, não especificando, nas conclusões da alegação ou na correspondente motivação, eventuais modificações que preconizem introduzir a tal segmento da decisão de facto, nem qualquer facto que considere dever ser aditado a tal matéria, assim incumprindo, nesta parte, o ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do citado artigo 640.º CPC.
O incumprimento do referido ónus conduz à rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme expressamente dispõe o n.º 1 do aludido artigo 640.º CPC, o que afasta qualquer possibilidade de vir a Relação a convidar o recorrente a suprir tal omissão, mediante o aperfeiçoamento das alegações apresentadas, tanto mais que também não se vislumbra que o teor do impugnado segmento da matéria de facto provada seja ininteligível ou obscuro.
Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da decisão de facto vertida no ponto 17.º dos factos provados, mantendo-se, em conformidade, a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo sobre tal matéria.
A recorrente impugna a matéria de facto contida no ponto 18., dos factos provados, especificando, nas respetivas conclusões e no corpo das alegações, a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre tal questão de facto.
Porém, no que respeita ao concreto meio probatório que entende impor decisão diversa, relativamente ao ponto de facto impugnado, não se vislumbra que tenha a apelante cumprido o ónus de alegação constante da alínea b) do n.º 1, conjugada com a alínea a) do n.º 2, do citado artigo 640.º CPC.
Assim, não obstante invocar como meios de prova a atender, quanto a esta matéria, o depoimento prestado pela autora da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas), a apelante não requer a respetiva reapreciação com indicação das passagens da gravação do(s) depoimento(s) em que funda o recurso, sendo certo que igualmente não procedeu à transcrição de qualquer excerto que considere relevante sobre tal matéria.
Como tal, ao limitar-se a remeter para a totalidade do registo da gravação do extenso depoimento prestado pela autora, a ré/recorrente não delimita de forma minimamente rigorosa a(s) concreta(s) passagens da gravação do referido depoimento, a recorrente não observa o ónus previsto no artigo 640.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC, o que constitui impedimento à reapreciação da decisão de facto sobre esta matéria.
Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da decisão de facto vertida no ponto 18.º dos factos provados, mantendo-se, em conformidade, a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo sobre tal matéria.
A apelante manifesta a sua discordância relativamente à matéria de facto contida na decisão recorrida, sustentando que os factos considerados provados sob os pontos 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15 e 19 da matéria de facto provada, bem como a alínea i) da matéria de facto não provada, foram incorretamente julgados.
No caso, estamos perante divergências relativas a pontos da matéria de facto cuja prova foi sustentada pelo tribunal a quo em meios de prova submetidos à livre apreciação, sendo que a apelante invoca como meios de prova a atender, entre outros,  o depoimento prestado pela autora da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas) e ao depoimento da testemunha DD (prestado na primeira sessão da audiência de julgamento realizada no dia 31 de março de 2022, e gravado no sistema de gravação digital em uso no tribunal com início às 10:52:57 horas e termo às 11:33:39 horas)
Mais uma vez, a recorrente limita-se a remeter para a totalidade do registo da gravação dos extensos depoimentos indicados, sem indicar as concretas passagens da gravação dos depoimentos em que funda o recurso.
Sucede que em relação aos pontos 7, 8, 9, 10, 12, 14, 15 da matéria de facto provada, bem como a alínea i) da matéria de facto não provada, a recorrente procede à transcrição de determinados excertos que considera relevante sobre tal matéria, pelo que se considera minimamente identificado o âmbito probatório do recurso.
Por outro lado, no que se reporta à matéria vertida nos pontos 13 e 19 dos factos provados, a recorrente alude, no essencial, à insuficiência dos meios probatórios para considerar assentes tais factos impugnados, pelo que consideramos que a omissão de qualquer transcrição ou da indicação das concretas passagens da gravação dos depoimentos em que funda o recurso, não leva, ainda assim, à rejeição liminar da impugnação da matéria de facto quanto aos pontos da matéria de facto em referência.
Insurge-se a recorrente/ré contra a redação dada ao ponto da matéria de facto dado como provado sob o n.º 15, pretendendo que a alteração do respetivo teor, a partir de “um documento”, no sentido de passar a constar, em vez da descrição do documento vertida pelo tribunal a quo no ponto em referência, a seguinte formulação: «(…) um documento semelhante ao documento junto com a petição inicial como documento n.º ...0, mas com valor diferente».
Tal como resulta da motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida, o facto em questão pretende reproduzir o teor do documento n.º ...0 junto com a pi. (de fls. 20), admitindo a autora, nas declarações prestadas em audiência, que se trata de um documento idêntico ao que o 2.º réu lhe dava anualmente, mas com valor diferente.
Por conseguinte, revela-se evidente que a alteração proposta pela recorrente não pode proceder, porquanto a mesma integra conceitos vagos e indeterminados e remete para a análise do referido documento, sendo certo que os documentos não são factos, mas meios de prova destes.
Deste modo, deve manter-se, nos seus precisos termos, o ponto da matéria de facto agora impugnado pela recorrente/ré, porquanto reproduz de forma completa e rigorosa os diversos termos e referências que constam do documento em referência, o que não sucede com a redação proposta pela recorrente.
Como tal, improcede nesta parte a impugnação deduzida, mantendo-se o facto vertido no ponto 15 dos factos provados.
A ré vem impugnar o facto constante do ponto 13 da matéria provada, sustentando para o efeito, e no essencial, que a autora não referiu que o segundo réu lhe prometia juros mais elevados. Segundo alega a recorrente, houve depoimentos de testemunhas que, de facto, relataram que o segundo réu prometia juros mais elevados que os normais, mas ninguém, nem a própria autora, referiu que essa promessa lhe fosse feita, razão pela qual pugna pela alteração do teor do referido facto para dele passar a constar o seguinte teor: «13. Era o segundo réu quem recebia e atendia, nas instalações da primeira ré a autora, disponibilizando-se para proceder a depósitos, criando assim uma efectiva relação de confiança com a autora mostrando-se sempre disponível».
 Reapreciado integralmente o extenso depoimento prestado pela autora em sede de audiência final confirma-se que efetivamente esta nunca referiu que o segundo réu lhe prometeu juros mais elevados que os normais, antes resultando de tal depoimento que o segundo réu, enquanto funcionário da primeira ré, Banco 1...,  lhe sugeriu a aplicação de algum dinheiro que ficaria depositado a prazo na Banco 1..., para não ficar tanto dinheiro parado na conta à ordem, admitindo a autora que aceitou que ficasse algum dinheiro a prazo porque, conforme também aludiu, não entendia muito das “situações” do banco e na altura não estava a residir habitualmente em Portugal, mas no .... Por outro lado, a autora não evidenciou ao longo do seu depoimento qualquer conhecimento rigoroso e esclarecido sobre a taxa de juro em referência, esclarecendo de forma convincente que o documento que lhe era entregue todos os anos no banco pelo funcionário, ora segundo réu, tinha lá os juros que o dinheiro ia rendendo por ano e o valor total do dinheiro que ficava aplicado na Banco 1....
Mais resultou do depoimento da autora que os contactos com a Banco 1... sempre tiveram lugar na agência deste banco e com a intermediação do funcionário aqui 2.º réu, em quem confiava.
Por outro lado, resulta já definitivamente assente nos autos que, o segundo réu, CC, também conhecido por “FF” foi trabalhador da primeira ré, pelo menos desde o dia .../.../1994 até ao dia 18 de agosto de 2020, detinha o número do operador ...08 e exerceu durante esse período, sob a responsabilidade e vigilância da primeira ré, nomeadamente, as seguintes funções: atendimento de clientes ao balcão, processamento informático dos movimentos que os clientes pretendiam efetuar nas suas contas, recebimento de valores em numerário e cheques para depósito nas contas dos clientes, constituição de depósitos a prazo e outras aplicações financeiras disponibilizadas pela Banco 1... aos seus clientes, abertura e encerramento de contas de depósito, preenchimento de impressos e demais documentação que lhe era apresentada pelos clientes (ponto 2 dos factos provados).
Revela-se, assim, manifestamente verosímil, à luz das regras de experiência comum, conjugadas com princípios da lógica e com juízos de probabilidade, que fosse o réu quem também apresentava à autora as aplicações financeiras vigentes na Banco 1... para os clientes, o que não vem relevantemente impugnado pela recorrente.
Desta forma, impõe-se considerar parcialmente procedente, nesta parte, a impugnação deduzida.
Como tal, o ponto 13 da matéria provada passa a ter a redação seguinte:
13. Era o segundo réu quem recebia e atendia, nas instalações da primeira ré a autora, disponibilizando-se para proceder aos depósitos, criando assim uma efetiva relação de confiança com a autora mostrando-se sempre disponível e lhe apresentava as aplicações financeiras vigentes na Banco 1... para os clientes.
Sustenta a recorrente que houve erro no julgamento quanto ao ponto 14 da matéria provada, sustentando para o efeito, e no essencial, que decorre do depoimento de parte da autora conclui-se que a autora foi aconselhada pelo segundo réu a constituir um único depósito a prazo entre os anos de 2014 e 2015 e, por outro lado, não resulta do mesmo que segundo réu tenha prometido à autora juro mais elevado, pois o segundo réu disse à autora que era melhor constituir um depósito a prazo para não ter tanto dinheiro à ordem, motivo pelo qual requer a alteração do teor do referido facto para dele passar a constar o seguinte teor: «14. Em data não concretamente apurada do ano de 2015, a autora foi aliciada pelo segundo réu para efectuar um único depósito a prazo com as suas poupanças».
 Como se viu já, no âmbito do depoimento prestado pela autora em sede de audiência final esta nunca referiu que o segundo réu lhe prometeu juros mais elevados que os normais, antes resultando de tal depoimento que o segundo réu, enquanto funcionário da primeira ré, Banco 1..., lhe sugeriu a aplicação de algum dinheiro a prazo naquela entidade bancária, para não ficar tanto dinheiro parado na conta à ordem.
Por outro lado, e mesmo não tendo evidenciado grande certeza quanto ao momento temporal em que tal solução lhe foi apresentada pelo funcionário da Banco 1..., ora segundo réu, acabou por situar tal evento a partir de 2014/2015.
Mais resultou do depoimento da autora que os contactos com a Banco 1... sempre tiveram lugar na agência deste banco e com a intermediação do funcionário aqui 2.º réu, em quem sempre confiava, resultando já definitivamente assente nos autos que, o segundo réu, CC, também conhecido por “FF” foi trabalhador da primeira ré, pelo menos desde o dia .../.../1994 até ao dia 18 de agosto de 2020, detinha o número do operador ...08 e exerceu durante esse período, sob a responsabilidade e vigilância da primeira ré, nomeadamente, as seguintes funções: atendimento de clientes ao balcão, processamento informático dos movimentos que os clientes pretendiam efetuar nas suas contas, recebimento de valores em numerário e cheques para depósito nas contas dos clientes, constituição de depósitos a prazo e outras aplicações financeiras disponibilizadas pela Banco 1... aos seus clientes, abertura e encerramento de contas de depósito, preenchimento de impressos e demais documentação que lhe era apresentada pelos clientes.
Desta forma, impõe-se considerar parcialmente procedente, nesta parte, a impugnação deduzida.
Como tal, o ponto 14 da matéria provada passa a ter a redação seguinte:
14. Em data não concretamente apurada, não anterior a 2014, a autora foi aliciada pelo segundo réu, enquanto funcionário da primeira ré, para a efetuar um único depósito a prazo com as suas poupanças.
Relativamente ao facto 12 da matéria provada, defende a recorrente que deve ser dado como provado apenas com a seguinte formulação:
«12. Desde o ano de 2013 até 2020, a autora efetuou as seguintes transferências para a sua conta à ordem:
- 06-06-2015 o capital de 1.000,00€
- 12-06-2017 o capital de 2.000,00€
- 13-12-2017 o capital de 2.900,00€
- 27-02-2018 o capital de 3.000,00€
- 16-05-2018 o capital de 5.000,00€
- 12-07-2018 o capital de 4.000,00€
- 11-12-2018 o capital de 1.933,73€».
Baseia tal alteração, essencialmente, na circunstância de a transferência no valor de 19.500,00€ no dia 11-10-2013 não ter sido efetuada pela autora, pois tem a designação de - TRANSF SEPA - EE - sendo que as quantias de 8.312,00€ e 1.500,00€, creditadas na conta da autora, respetivamente, em ...15 e ...17, não são transferências, mas sim entrega de valores e depósito em numerário.
Analisando o teor da matéria agora impugnada pela recorrente, não se vislumbra qual a relevância da alteração preconizada pela apelante no contexto do regime jurídico aplicável e da pertinente subsunção jurídica da causa, à luz das diversas soluções plausíveis de direito. Assim, os concretos movimentos bancários, realizados a crédito na conta da qual a autora é comprovadamente titular (ponto 4 dos factos provados) na Banco 1..., aqui ré, não foram relevantemente postos em causa pela recorrente, tal como constam, aliás do extrato da conta de depósitos à ordem, no balcão de ..., à qual foi atribuído o n.º ...96 (doc. ... junto com a petição inicial), sendo certo que o banco/depositário, que recebe o depósito na sua esfera de domínio, uso e fruição, constitui-se no dever de restituir a quantia correspondente ao atinente saldo, quando solicitado pelo depositante, independentemente da origem ou proveniência das correspondentes transferências ou entregas.
Ora, no contexto de cada decisão a proferir, em função do concreto objeto do processo delimitado pelas partes, do regime jurídico aplicável e da pertinente subsunção jurídica, se as questões suscitadas pelas partes não assumirem relevo para a decisão do litígio ou se estiverem prejudicadas pela solução dada a esse litígio, o tribunal, por razões de celeridade e de economia processual, ficará dispensado de delas conhecer[9], o que implica, por si só, a desnecessidade da reapreciação dos meios de prova indicados pela recorrente quanto ao ponto da matéria de facto em referência.
Em todo o caso, nada obsta a que se retifique o teor do impugnado ponto da matéria de facto, em consonância com o que resulta do doc. ... junto com a petição inicial, passando o ponto 12 da matéria provada a ter a redação seguinte:
12. Desde o ano 2013 até 2020, foram efetuadas várias transferências/entrega de valores/depósito em numerário para/na conta à ordem da autora, designadamente:
- 11-10-2013 o capital de 19.500,00€ (transferência);
- 06-06-2015 o capital de 1.000,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 26-11-2015 o capital de 8.312,00€ (entrega de valores);
- 12-06-2017 o capital de 2.000,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 20-10-2017 o capital de 1.500,00€ (depósito em numerário);
- 13-12-2017 o capital de 2.900,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 27-02-2018 o capital de 3.000,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 16-05-2018 o capital de 5.000,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 12-07-2018 o capital de 4.000,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 11-12-2018 o capital de 1.933,73€ (transferência feita do estrangeiro pela autora).
Impugna a recorrente, igualmente, entre outros, o facto vertido em 7 dos factos provados - «A autora depositava as suas poupanças na conta à ordem descrita em a. do facto 6., sendo proveniente desta conta o capital utilizado para a constituição das contas id. em b. e c. do facto 6» -, defendendo o respetivo aditamento à matéria não provada, sustentando para o efeito, e no essencial, decorrer dos meios de prova indicados que o capital utilizado para a constituição da conta id. em b) do facto 6 é proveniente de uma doação efetuada pelo pai da autora, nessa data, e não das poupanças da autora, bem como que o capital utilizado para a constituição da conta de depósito a prazo id. em c) do facto 6., no valor de 19.500,00€ foi constituído com a quantia proveniente de uma transferência a crédito na conta à ordem da autora, com a designação -TRANSF SEPA - EE, e não, como o tribunal deu como provado, que tenha resultado das poupanças da autora.
Também aqui não se vislumbra qual a relevância da alteração preconizada pela apelante, no contexto do regime jurídico aplicável e da pertinente subsunção jurídica da causa, à luz das diversas soluções plausíveis de direito, pelos motivos já invocados no âmbito da apreciação do ponto 12 dos factos provados.
Em qualquer caso, não assiste qualquer razão à apelante quanto aos fundamentos invocados nesta sede, porquanto o termo poupança traduz o ato ou efeito de guardar ou reservar determinado capital, o que se mostra compatível com a ação de depositar determinados montantes na conta bancária em referência, independentemente da averiguação sobre a origem ou proveniência das correspondentes transferências, sendo certo que para nós não subsistem quaisquer dúvidas de que o capital utilizado para a constituição das contas id. em b) e c) do facto 6 proveio dos valores depositados na conta à ordem descrita em a) do facto 6, tal como resulta de forma expressa dos documentos que foram emitidos pela própria ré Banco 1... - de fls. 12v.º e 13, de onde se extrai a referência «Origem do Capital: por débito da Conta de Depósitos à Ordem n.º ...96, em nome de V. Exa».
Pelo exposto, entendemos que não existe erro de julgamento no que respeita ao facto vertido no ponto 7 dos factos provados, improcedendo nesta parte a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Pretende a apelante se exclua da factualidade não provada o facto antes enunciado em i), do qual consta que «A autora sempre teve conhecimento dos movimentos efetuados na conta id. em a. do facto 6. através da caderneta de que dispõe da referida conta», requerendo a reapreciação as declarações de parte da autora/recorrida, nos excertos que transcreve.
Reapreciado integralmente o extenso depoimento prestado pela autora, bem como as concretas questões que lhe foram formuladas sobre esta matéria, entendemos que do mesmo não é possível extrair um juízo de probabilidade qualificada relativamente à formulação impugnada pela apelante, porquanto a mesma se reporta expressamente ao conhecimento dos movimentos efetuados na conta id. em a. do facto 6, como tal, na sua integralidade, sem que tenha sido confrontada com tal questão a propósito de concretos e determinados movimentos sobre os quais depôs e cuja razão afirmou desconhecer.
Acresce que ao longo do seu depoimento a autora descreveu padecer de problemas de visão, mais referenciando de forma credível e eloquente que não entendia muito das “situações” do banco.
No entanto, resulta do concreto meio de prova indicado pela apelante que a ora autora, podia aceder aos movimentos efetuados na referida conta através da caderneta de que dispõe da referida conta, ainda que tal conta não disponibilizasse cartão que permitisse o acesso a tais informações nem fossem remetidos extratos relativos à generalidade dos movimentos nela efetuados, apesar de a autora residir habitualmente no estrangeiro.
Nesta medida, julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão da decisão relativa à matéria de facto deduzida pelo recorrente quanto ao ponto da matéria de facto supra enunciado em i), que passará a integrar o elenco dos factos provados, com a seguinte redação:
33. A autora podia aceder aos movimentos efetuados na referida conta através da caderneta de que dispõe da referida conta.
A recorrente sustenta a alteração dos factos dados como provados nos n.ºs 8, 9, 10 e 19, defendendo que a análise do depoimento prestado pela autora da autora (prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 17 de maio de 2022, gravado no sistema de gravação digital em uso no Tribunal, com início às 9:21:56 horas e fim às 11:17:20 horas), do depoimento da testemunha DD (irmã da autora, cujo depoimento foi prestado na primeira sessão da audiência de julgamento realizada no dia 31 de março de 2022, e gravado no sistema de gravação digital em uso no tribunal com início às 10:52:57 horas e termo às 11:33:39 horas), do extrato da conta de depósitos à ordem, no balcão de ..., à qual foi atribuído o n.º ...96 (doc. ... junto com a petição inicial) e do documento n.º ...3 junto com a contestação, impunham decisão que julgasse não provada a matéria vertida nos pontos 8, 9 e 19 enquanto o ponto 10 deve ser dado como provado apenas com a seguinte formulação: «10. Na conta identificada em a. do facto 6, constam os seguintes movimentos que a autora não autorizou:
a. Em 14-10-2014, ordem de levantamento com o n.º ...27, no valor de €
10.000,00;
b. Em 30-11-2015, ordem de levantamento com o n.º ...06, no valor de €
4500,00;
c. Em 01-12-2015, ordem de levantamento n.º ...69, no valor de € 6000,00».
A impugnação relativa aos pontos agora enunciados reporta-se, em conjunto, a matérias que surgem interligadas entre si, pelo que iremos analisar em conjunto a impugnação em causa, considerando o âmbito probatório da mesma.
O juízo sobre a suficiência ou insuficiência dos concretos meios probatórios que foram valorados pelo tribunal a quo para considerar assentes os factos impugnados, agora em análise, implica a prévia determinação do padrão de prova exigível em processo civil, isto é, do standard de prova aplicável, o qual consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira[10].
Tal como explica Luís Filipe Pires de Sousa[11], «o standard de prova que opera no processo civil é o da «probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
(…) este critério da probabilidade lógica prevalecente - insiste-se - não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis».
Neste domínio, Abrantes Geraldes[12] salienta a necessidade de o juiz adotar um critério de razoabilidade no que concerne à afirmação da prova ou da falta de prova dos factos controvertidos: «[c]ientes de que a verdade absoluta é estranha ao Direito e que, por conseguinte, a formulação de juízos judiciários deve assentar, conforme as circunstâncias e a natureza do caso, em critérios que se orientem pela verosimilhança ou pela maior ou menor probabilidade, não devem ser feitas exigências probatórias irrealistas que, na prática, acabem por revelar uma situação de denegação de justiça».
Como refere José Lebre de Freitas[13]: «[n]o âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança».
A prova de um facto por presunção judicial assenta no raciocínio do juiz, baseado em regras de experiência comum, conjugadas com princípios da lógica e com juízos de probabilidade.
Pires de Lima/Antunes Varela[14] explicam que as presunções judiciais, «simples ou de experiência», «assentam no simples raciocínio de quem julga», inspirando-se «nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana».
A respeito do nexo lógico enquanto um dos elementos estruturais da presunção importa considerar que «o facto-base e o facto-presumido devem estar vinculados entre si por uma relação de causa-efeito, segundo uma regra de critério ou experiência humana[15]». Assim, «o nexo lógico não é um facto mas um juízo de probabilidade qualificada que assenta e deriva de uma máxima de experiência, tida por aplicável no caso, segundo a qual perante a ocorrência de um facto gera-se uma probabilidade qualificada de que se tenha produzido outro. Assim, a parte que recorre a uma presunção judicial não tem de provar o nexo lógico mas tem que lograr convencer o juiz da existência e aplicabilidade ao caso de uma máxima de experiência[16]».
Por seu turno, «os factos instrumentais destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes - assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa»[17].
No contexto dos autos é normal que o julgador procure analisar criticamente todos os meios de prova disponíveis e os factos já suficientemente consolidados no processo à luz das regras da experiência de modo a evidenciar a existência de outro (s) facto (s) que tenham sido alegados (factos presumidos), atendendo ao nexo lógico existente entre tais factos e às máximas da experiência e à normalidade das coisas da vida.
Conforme prevê o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Tal como ressalta deste último preceito, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia decisória de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.
Contudo, importa sublinhar que a necessária ponderação dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova implica que «o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados»[18].
Efetivamente, por força do princípio da imediação, os atos de produção da prova constituenda devem ter lugar perante o tribunal ao qual compete apreciá-la, enquanto os princípios da oralidade e da concentração implicam que a produção dos meios de prova pessoal deva ter lugar oralmente, perante o julgador da matéria de facto (oralidade), e com o menor intervalo de tempo entre eles, numa mesma audiência contínua (concentração)[19]. Relevam, ainda, outros princípios ou regras, designadamente o princípio da plenitude da assistência do juiz, enquanto corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova, impondo que para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os atos de instrução e discussão da causa realizados em audiência[20].
Conforme prevê o artigo 663.º, n.º 2, do CPC, ao acórdão do Tribunal da Relação são aplicáveis as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais importa atender ao disposto no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC do qual decorre que devem ser considerados os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos ou por confissão, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções legais e as presunções judiciais decorrentes das regras de experiência.
A este propósito, refere Abrantes Geraldes[21]: «(…) sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando estejam em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência».
Atendendo à impugnação deduzida no âmbito da presente apelação, procedemos à audição dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final de todos os concretos depoimentos indicados pela recorrente em sede de alegações.
Com vista à completa perceção da facticidade impugnada, e no intuito de evitar conclusões descontextualizadas sobre a matéria impugnada, foram revistos e analisados todos meios probatórios produzidos em sede de audiência final e juntos aos autos, entre os quais todos os documentos juntos pelas partes ao processo.
Foram, por isso, reapreciados todos os depoimentos/declarações prestados em julgamento, analisados criticamente entre si e em conjunto com a prova documental junta ao processo.
Após audição integral dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final relativamente aos concretos depoimentos agora em análise, confirma-se que o âmbito material dos depoimentos em que a recorrente baseia a discordância relativa à impugnação da decisão da matéria de facto compreende, no essencial, as concretas passagens vertidas nos excertos que foram transcritos no recurso sobre a matéria de facto.
Sucede que os concretos meios de probatórios referenciados pela recorrente como relevantes para a alteração da concreta matéria de facto impugnada foram valorados criticamente pelo tribunal a quo em conjunto com os restantes meios de prova produzidos nos autos, visando concretizar as questões de facto suscitadas.
O tribunal a quo especificou de forma exaustiva e detalhada os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e aos não provados, procedendo à análise crítica das provas que foram produzidas, em observância do preceituado no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC.
Neste domínio, revela-se, no essencial, adequada, a ponderação crítica efetuada pelo tribunal a quo a propósito do conteúdo material dos depoimentos e dos suportes documentais que relevaram para dar como provada a matéria vertida nos pontos 8, 9, 10 (este último, com exceção do segmento enunciado na respetiva al. g., como veremos infra), e 19 (ainda que o âmbito fáctico deste último deva ser compatibilizado com a restante matéria de facto já devidamente assente nos autos, à luz dos meios de prova reapreciados, como enunciaremos infra), com especial ênfase no depoimento da testemunha HH e das declarações de parte da autora, quando analisados entre si e em confronto com os restantes meios de prova disponíveis, sem esquecer, por isso, a globalidade dos documentos juntos aos autos e os restantes depoimentos prestados em sede de audiência final, designadamente os depoimentos das testemunhas II (funcionária da ré Banco 1...), JJ (funcionário da ré Banco 1...), DD (irmã da autora), KK, LL e MM.
Após audição integral do registo das gravações dos depoimentos prestados em audiência final pelas referidas testemunhas e das declarações de parte da autora, deles não resulta qualquer constatação relevante que nos leve a divergir da apreciação feita pelo Tribunal a quo a propósito da credibilidade e do conteúdo material das declarações de parte da autora e das testemunhas HH, DD (irmã da autora), KK e LL sendo estas totalmente compatíveis com a motivação da convicção daquele tribunal quanto à decisão sobre os factos sujeitos à livre apreciação judicial.
Tal como enunciou - e bem - o Tribunal a quo na motivação da sentença recorrida, a autora referiu de forma credível que «[s]empre confiou na ré Banco 1... e, por conseguinte, no seu funcionário, o réu CC, até porque nada a fazia desconfiar que já não dispunha dos € 25 943,38, primeiro porque o réu entregava-lhe um documento com o timbre da Banco 1... e dentro de uma capinha também da ré Banco 1... e na conta à ordem eram creditadas quantias, que na sua convicção, correspondiam aos juros prometidos e alegadamente contratados.
(…)
Esclareceu, outrossim, que nunca entregou nenhum cheque ao FF, designadamente, o constante em 11., nem nunca o autorizou a movimentar a sua conta sem o seu conhecimento e consentimento e que, portanto, desconhece por completo quem procedeu aos levantamentos e liquidações descritas em 10».
A este propósito, cumpre salientar que a autora negou de forma consistente, segura e credível que tenha dado alguma ordem de levantamento de 10.000,00€ em outubro de 2014, explicando que nunca levantou tanto valor assim, nem nunca deu qualquer ordem ou autorizou a liquidação da conta poupança, nem autorizou o levantamento do valor de 4.500€, também não tendo autorizado ou dado qualquer ordem levantamento de 6.000€ em 2015. Salientou que ao abrir a conta de depósitos à ordem, aludida em 4 dos factos provados, o seu objetivo sempre foi depositar e transferir algum dinheiro que ia recebendo no ..., onde aufere uma reforma, apesar de então residir habitualmente no ..., e fazer uma poupança para a velhice, aplicando algum desse dinheiro em depósito a prazo, e que sempre julgou que as suas poupanças estavam aplicadas na Banco 1... na sequência do depósito inicial, o que não se revela compatível com a ordem de liquidação do DP efetuada em 14-10-2014 ou com a liquidação da conta poupança referenciada nos autos.
Acresce que, em relação a todos estes movimentos, o banco depositário, ora 1.ª ré, nem sequer logrou juntar aos autos, como deveria ter feito, qualquer documento que titulasse a ordem/determinação das operações bancárias que constam dos segmentos aqui impugnados, o que releva necessariamente para o juízo probatório a empreender sobre tal matéria.
Ainda que a autora tenha admitido que algumas ordens de levantamento juntas aos autos possam ter sido efetuadas para fazer face às suas necessidades nos meses em que se encontrava em Portugal, designadamente as que refletem montantes de 300,00€, os valores pagos por cheques em 09-07-2018 (1043€) e 25-07-2018 (1000€), altura em que comprou alguns móveis e eletrodomésticos para a sua casa, e as despesas mensais que eram descontadas diretamente na conta, relativas às contas da água e da luz, já que não residia habitualmente em Portugal (o que resulta devidamente alicerçado nos movimentos extrato da conta de depósitos à ordem, no balcão de ..., à qual foi atribuído o n.º ...96 - doc. ... junto com a petição inicial), garantiu, sempre de forma espontânea e serena, que as despesas com obras que efetuou na sua casa em Portugal, designadamente com empreiteiros, sempre foram pagas em separado, nunca tendo saído dinheiro desta conta para pagamento das mesmas.
 De resto, a aferição da credibilidade de depoimento prestado pela autora mostra-se indissociável de determinados factos já definitivamente dados como assentes nos autos e imputados ao segundo réu (que foi trabalhador da primeira ré, pelo menos desde o dia .../.../1994 até ao dia 18 de agosto de 2020 e, no exercício das funções descrita em 2 dos factos provados, além de aceder ao sistema informático da primeira ré dispunha de todo o material ali existente, sendo este quem recebia e atendia, nas instalações da primeira ré a autora, disponibilizando-se para proceder aos depósitos, criando assim uma efetiva relação de confiança com a autora mostrando-se sempre disponível)[22] e que, esses sim, escapam em absoluto ao normal proceder e à experiência comum, como é o caso, entre outros, do facto vertido em 18 dos factos provados, segundo o qual, em 04-12-2019, o referido funcionário (ora segundo réu) entregou à autora, no balcão da primeira ré, um documento, que alegadamente tratar-se-ia de uma “promissória” que titulava a constituição de um depósito a prazo, no valor de € 25 943,38 (o seu capital), pelo prazo de 365 dias, com início naquela data, à taxa de juro de 1,90%, sendo que tal documento foi fabricado pelo segundo réu que imprimiu uma simulação de um depósito a prazo, depois eliminou as menções à simulação de depósito a prazo e manteve o timbre da primeira ré e incluiu o nome e morada da autora, o valor do capital investido, o prazo e a taxa de juro aplicável (ponto 30 dos factos provados), isto apesar de a Banco 1... não possuir nos seus balcões qualquer depósito a prazo titulado pela autora, com o capital, periodicidade e taxa de juro referidas em 18 (ponto 29 dos factos provados).
Mas se algumas dúvidas sérias subsistissem quanto à autenticidade e consistência do depoimento prestado pela autora sobre esta matéria, logo ficariam ultrapassadas quando analisado à luz das referências objetivas que resultaram do depoimento da testemunha HH, funcionário da ré/recorrente Banco 1..., cuja função é a de compliance monitor, sendo que algumas das suas funções estão relacionadas com a prevenção de branqueamento de capitais.
Tal como se refere na motivação da decisão recorrida, a testemunha HH relatou, entre o mais e no essencial, que, no primeiro trimestre de maio foi alertado pela administração da Banco 1... para as operações bancárias realizadas pelo colega CC. Esclareceu o conselho de administração da ré Banco 1... deu início a um procedimento de inquérito interno ao funcionário CC, e nesse âmbito a testemunha explicou de forma detalhada, circunstanciada e esclarecedora as diligências que a ré Banco 1... encetou no sentido de apurar a responsabilidade do segundo réu, indicando as suspeitas que conduziram até ao segundo réu, minuciando os procedimentos que adotaram e as conclusões que lograram alcançar. A este propósito referiu que foram analisados os movimentos às contas da autora, tendo verificado que, as ordens de levantamento, designadamente as efetuadas em 14-10-2014 e 15-10-2014, relativas a montantes de € 10.000,00 cada, encontram-se registadas no sistema informático como tendo sido realizadas pelo réu CC, porém não se encontram arquivados, em pasta própria para o efeito, os respetivos suportes físicos das mesmas.
 Reapreciado integralmente o depoimento da testemunha HH, confirma-se efetivamente que o mesmo explicou o contexto em que analisou os movimentos/transações que constam do histórico da conta de depósitos à ordem, no balcão de ..., à qual foi atribuído o n.º ...96 - doc. ... junto com a petição inicial - da titularidade da autora, após contacto que a mesma fez com a Banco 1... em 2020, esclarecendo os critérios e procedimentos que veio a implementar a as razões pelas quais veio a classificar como suspeitos alguns dos movimentos analisados na referida conta da autora, dentro do padrão de atuação que tinha sido detetado já em casos anteriormente analisados relativamente a outros clientes da Banco 1..., que também envolviam suspeitas de um esquema de extração de fundos de clientes para uso próprio, recaindo sobre a atuação funcional do referido colaborador da Banco 1... (referenciado  no ponto 2 dos factos provados), em especial as ordens de levantamento em numerário fracionadas, de valor redondo, e créditos periódicos idênticos de depósitos em numerários (supostamente uma remuneração ficcionada ou similares à remuneração de uma aplicação na Banco 1...), sendo que os comprovativos de depósito em numerários identificados como suposta remuneração do capital tinham, no caso em análise (como infelizmente noutros casos idênticos), apenas uma rubrica, pelo que não é possível identificar de forma clara quem os efetuou, ainda que em todos seja certa a intervenção do referido funcionário, enquanto operador.
Mais referiu que, no âmbito das queixas que foram sendo apresentadas por clientes da Banco 1..., estes exibiram documentos que para estes titulavam aplicações naquela entidade bancária, que a testemunha apelidou de “promissórias falsas”, e que tinham por base uma transação existente no próprio sistema informático da Banco 1..., mas que continham, designadamente, a morada do próprio cliente e não tinham a designação de “simulação de DP”, contrariamente ao que normalmente era gerado pelo sistema.
Neste contexto, aquela testemunha aludiu de forma específica à mobilização efetuada em 2014 na conta da autora, de um depósito a prazo de maior expressão (liquidação do depósito a prazo com o n.º ...92, no valor de 19.500,00€), logo seguido de duas ordens de levantamento em numerário fracionadas e idênticas, em dias subsequentes, no valor de 10.000,00€, que considerou suspeitas, e que constam do histórico da conta de depósitos à ordem, no balcão de ..., à qual foi atribuído o n.º ...96 - doc. ... junto com a petição inicial - da titularidade da autora -, a que correspondem os movimentos bancários aludidos em 10. a), b) e c) agora impugnados. Mais referiu que as respetivas ordens de levantamento não constam, como deviam, dos arquivos diários da Banco 1... referentes ao referido operador (operador ...08, ora segundo réu), situação que a testemunha admitiu também não ser normal. Porém, referiu que todas as referidas operações ficaram registadas em sistema com o operador que as efetua, e o operador corresponde ao ora 2.º réu, ainda que a Banco 1... não disponha do documento físico que titula o respetivo movimento, nas operações em causa, nem o possa apresentar.
Por razões idênticas, identificou como suspeita a ordem de levantamento em numerário no valor de 6.000,00€, de 01-12-2015, e a ordem de levantamento em numerário no valor de 4.500,00€ que aconteceu em 31-11-2015, por corresponderem ao esquema padrão do possível fracionamento, sendo precedidos da operação atinente à liquidação da conta poupança da autora (em 30-11-2015), a que corresponde o movimento bancário aludido em 10. d) agora impugnado.
Com relevo para a aferição da matéria em apreciação, importa ainda realçar as referências efetuadas pelas testemunhas LL e KK, que, entre outras testemunhas, reportaram em audiência um quadro fáctico em tudo semelhante ao referenciado pela autora, referindo que também ficaram sem as suas quantias monetárias com as quais haviam constituído depósitos a prazo, à semelhança da autora, com a intervenção do funcionário, ora segundo réu, sendo que muitas das circunstâncias enunciadas pelas testemunhas, designadamente por KK e pela própria autora, foram consignadas no âmbito dos factos tidos por provados no âmbito do relatório preliminar do procedimento disciplinar instaurado pela ora ré Banco 1... ao trabalhador em questão, datado de 14 de agosto de 2020 (doc. ...5 junto com a contestação) o qual serviu de base à deliberação do Conselho de Administração da ora ré, que decidiu proceder ao despedimento com justa causa do mesmo trabalhador, conforme também consta do doc. ...6 junto pela ré com a contestação.
De resto, resulta da matéria de facto definitivamente assente nos autos que a primeira ré instaurou procedimento disciplinar contra o réu CC que culminou no seu despedimento com justa causa, em 18-08-2020 (tal como consta do ponto 32 dos factos provados).
Por todo o exposto, em consonância com a valoração enunciada na sentença recorrida, julgamos que os meios de prova antes analisados permitem sustentar um juízo de suficiente probabilidade e verosimilhança quanto à afirmação da prova de que foi o segundo réu quem levantou os 25.943,38€, apropriando-se, assim, dessa quantia, de forma ilegítima, porque sem autorização ou consentimento da sua proprietária, aqui autora, bem como ainda que tal valor é integrado por valores que resultaram não só da liquidação do depósito a prazo com o n.º ...92, no valor de 19.500,00€ e da liquidação da conta poupança ...58, no valor de 3.043,14€ como necessariamente por outros valores que foram confiados em depósito à 1.ª ré, no âmbito da conta de depósitos à ordem, no balcão de ..., à qual foi atribuído o n.º ...96, visto resultar definitivamente assente nos autos que, desde 14-10-2014 e 30-11-2015 a autora não titula os produtos financeiros id. em b. e c. do facto 6., respetivamente, nem qualquer outro (ponto 27 dos factos provados).
Contudo, relativamente ao segmento enunciado na al. g) do ponto 10 dos factos provados - reportado à ordem de levantamento n.º ...72, no valor de 1.500,00€ em 26-10-2018 -, assiste efetivamente razão à recorrente, porquanto se verifica que a autora nada referiu de relevante a propósito de tal movimento, sendo certo que dos autos consta um documento assinado e cuja assinatura vem imputada à própria autora, corporizando tal ordem de levantamento.
Procede, assim, ainda que parcialmente, nos termos expostos, a impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente.
Por todo o exposto, feita a reapreciação crítica e concatenação de todos os meios de prova e dos factos antes enunciados à luz das regras gerais da experiência comum, alicerçadas em juízos de probabilidade e de normalidade social, não vemos razões para alterar a resposta vertida pelo tribunal a quo relativamente aos factos 8., 9., e 10 dos factos provados (este, com exceção do segmento enunciado na al. g., único que passará a integrar a matéria não provada), impondo-se, contudo, a alteração do ponto 19., dos factos provados, compatibilizando-o com a restante matéria de facto já definitivamente assente nos autos, à luz dos meios de prova reapreciados, o qual passará a ter a seguinte redação:
19. O segundo réu procedeu à liquidação do depósito a prazo e da conta poupança da autora, à movimentação e levantamento dos correspondentes montantes e de outros que foram depositados no âmbito da conta de depósitos à ordem aludida em 4., sem a autorização e conhecimento desta, em montante não inferior a 25.943,38€.

2.2. Da reapreciação do mérito da decisão de direito

Atenta a parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados em 1.1., supra, com alteração da redação dos pontos 10., 12., 13., 14., 19., e o aditamento aos factos provados de um novo ponto, na sequência da parcial procedência da impugnação da decisão da decisão relativa à matéria de facto deduzida pelo recorrente quanto ao ponto da matéria de facto não provada supra enunciado em i).
Assim, os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados em 1.1., supra, com as seguintes alterações:
-  Alteração da redação do ponto 10., dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
10. A autora não autorizou e desconhece quem ordenou os seguintes movimentos bancários refletidos na conta id. em a. do facto 6.:
a. Em 14-10-2014, ordem de liquidação do DP com o n.º ...92, no valor de € 19.500,00;
b. Em 14-10-2014, ordem de levantamento com n.º ...27, no valor de €10.000,00;
c. Em 15-10-2014, ordem de levantamento com n.º ...31, no valor de €10.000,00;
d. Em 30-11-2015, liquidação da conta poupança ...58, no valor de € 3043,14;
e. Em 30-11-2015, ordem de levantamento com n.º ...06, no valor de € 4 500,00;
f. Em 01-12-2015, ordem de levantamento com n.º ...69 no valor de € 6.000,00.
-  Alteração da redação do ponto 12., dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
12. Desde o ano 2013 até 2020, foram efetuadas várias transferências/entrega de valores/depósito em numerário para/na conta à ordem da autora, designadamente:
- 11-10-2013 o capital de 19.500,00€ (transferência);
- 06-06-2015 o capital de 1.000,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 26-11-2015 o capital de 8.312,00€ (entrega de valores);
- 12-06-2017 o capital de 2.000,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 20-10-2017 o capital de 1.500,00€ (depósito em numerário);
- 13-12-2017 o capital de 2.900,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 27-02-2018 o capital de 3.000,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 16-05-2018 o capital de 5.000,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 12-07-2018 o capital de 4.000,00€ (transferência feita do estrangeiro pela autora);
- 11-12-2018 o capital de 1.933,73€ (transferência feita do estrangeiro pela autora).
-  Alteração da redação do ponto 13., dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
13. Era o segundo réu quem recebia e atendia, nas instalações da primeira ré a autora, disponibilizando-se para proceder aos depósitos, criando assim uma efetiva relação de confiança com a autora mostrando-se sempre disponível e lhe apresentava as aplicações financeiras vigentes na Banco 1... para os clientes.
-  Alteração da redação do ponto 14., dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
14. Em data não concretamente apurada, não anterior a 2014, a autora foi aliciada pelo segundo réu, enquanto funcionário da primeira ré, para efetuar um único depósito a prazo com as suas poupanças.
-  Alteração da redação do ponto 19., dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
19. O segundo réu procedeu à liquidação do depósito a prazo e da conta poupança da autora, à movimentação e levantamento dos correspondentes montantes e de outros que foram depositados no âmbito da conta de depósitos à ordem aludida em 4., sem a autorização e conhecimento desta, em montante não inferior a 25.943,38€.
- Aditamento à matéria de facto provada de um novo ponto, com a seguinte redação:
33. A autora podia aceder aos movimentos efetuados na referida conta através da caderneta de que dispõe da referida conta.
Cumpre, então, verificar se a solução de direito dada ao caso sub judice é a adequada tendo por base a matéria de facto agora definitivamente dada por assente.
A sentença recorrida fez o enquadramento das questões de natureza jurídica relevantes para o objeto da presente ação.
Neste domínio, o tribunal a quo começou por analisar a responsabilidade civil do 2.º réu, CC, concluindo - e bem - que a pretensão formulada pela autora se enquadra no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, tal como consagrada no artigo 483.º, n.º 1 do CC, norma que impõe a quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
São, assim, vários os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Relativamente à ilicitude, enquanto requisito necessário para que o ato seja gerador de responsabilidade civil extracontratual, a mesma tanto pode consubstanciar a violação de direitos subjetivos - os quais podem ser absolutos (direitos de personalidade, direitos reais), mas também direitos familiares, de conteúdo patrimonial ou, mesmo, pessoal - como a de uma norma protetora de um interesse alheio.
Já a culpa pondera o lado subjetivo do comportamento do agente do facto, pressupondo um juízo de censura ou de reprovação da conduta, podendo surgir fundamentalmente na modalidade de mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência), nos casos em que o agente não previu o resultado ilícito ou, tendo-o previsto, confiou temerariamente na sua não ocorrência, ou de dolo, quando o agente, tendo previsto o resultado, o aceitou como possível, isto é, não deixou de atuar em razão dessa possibilidade[23].
Nos termos do artigo 487.º, n.º 2, do CC, a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada situação.
Mas o facto ilícito culposo só implica responsabilidade civil caso ocorra um dano ou prejuízo a ressarcir, consubstanciado este de forma genérica como toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica[24].
Por último, além do facto e do dano, exige-se o nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que o facto constitua causa do dano, requisito que desempenha a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar[25].
Neste domínio, a sentença recorrida considerou verificados os pressupostos da responsabilidade civil em análise, concluindo que, em consequência da autuação do segundo réu, a autora ficou espoliada do montante de 25.943,38€, quantia que aquele fez sua e não restituiu, representando aquela conduta causa adequada à produção dos sobrevindos prejuízos (ou seja, aqueles danos não teriam ocorrido se não fosse pela atuação deste réu), a qual reputou como culposa, concluindo pela obrigação de indemnizar a cargo do 2.º réu.
Em consequência, o tribunal recorrido entendeu assistir à autora o direito a ser indemnizada no valor de 25.943,38€, a título de danos patrimoniais, correspondente ao prejuízo sofrido com base na apropriação ilegítima do mesmo montante pelo referido réu, acrescido do montante de 1.750,00€ a título de danos não patrimoniais resultantes para a autora da atuação ilícita do segundo réu.
Ponderando o que decorre da matéria de facto definitivamente provada, e não obstante as alterações introduzidas em tal matéria, entendemos que se impõe, quanto a esta questão, um juízo de total concordância relativamente à decisão recorrida.
Efetivamente, o logro causado à autora pelo referido funcionário bancário, ora segundo réu, mediante a proposta de uma suposta constituição de um único depósito a prazo, com recurso a um documento fabricado, ou forjado, pelo mesmo réu, com base numa simulação de depósito a prazo, da qual o mesmo réu eliminou as menções à simulação de depósito a prazo e manteve o timbre da primeira ré, incluiu o nome e morada da autora, o valor do capital investido, o prazo e a taxa de juro aplicável, e a entrega de tal documento à autora, no balcão da primeira ré, alegando tratar-se de uma “promissória” que titulava a constituição de um depósito a prazo, no valor de 25.943,38€ (o seu capital), pelo prazo de 365 dias, com início naquela data, à taxa de juro de 1,90%, em conjunto com o aliciamento da cliente do mesmo banco, aqui autora, para efetuar um único depósito a prazo com as suas poupanças, enquanto atuava na qualidade de funcionário da primeira ré Banco 1..., creditando na conta à ordem da mesma, existente no mesmo banco, um valor que a autora presumia tratar-se dos correspondentes juros, criaram nesta a convicção de que o seu capital se encontrava investido na primeira ré e motivava-a a renovar a aplicação financeira, apesar de se comprovar que a primeira ré Banco 1... não possui nos seus balcões qualquer depósito a prazo titulado pela autora, com o capital, periodicidade e taxa de juro referidas em 18.
Contudo, na realidade, verifica-se que o segundo réu procedeu à liquidação do depósito a prazo e da conta poupança da autora, à movimentação e levantamento dos correspondentes montantes e de outros que foram depositados no âmbito da conta de depósitos à ordem aludida em 4., sem a autorização e conhecimento desta, em montante não inferior a 25.943,38€.
Mais se verifica que, a autora é pessoa honesta, trabalhadora, responsável e confiou na primeira ré, onde depositou todas as economias e poupanças de toda a vida e, como consequência direta da descrita atuação do segundo réu, desde junho de 2020, vive revoltada, desgostosa, desanimada, triste e com receio da atuação da primeira ré por ter reclamado, junto desta, as suas verbas monetárias, e aquela ainda não as repôs.
Com relevo para a aferição da existência dos pressupostos de direito que justifiquem a condenação do segundo réu a indemnizar a autora pelos danos verificados, importa ainda considerar que a autora não outorgou procuração a favor de terceiro concedendo-lhe poderes para movimentar as suas contas bancárias, e que o segundo réu conhecia das disponibilidades financeiras da autora, conhecimento que lhe advinha do exercício das suas funções na primeira, que dispunha de acesso ao sistema informático da primeira ré, aí realizando as operações inerentes à sua atividade.
Neste quadro, a conduta do 2.º réu, ao integrar no seu património quantias que não se encontrava autorizado a dispor no âmbito do contrato de depósito bancário em causa, o que era necessariamente do seu conhecimento, é ilícita e culposa.
Tal como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2010[26], os bancos são civilmente responsáveis, nos termos dos artigos 165.º e 500.º do Código Civil, pelos danos sofridos pelos clientes com a atuação ilícita dos seus funcionários, o que sucede, por exemplo, se o funcionário convence o cliente a adquirir um produto bancário inexistente, com vista a utilizar o dinheiro entregue para tal fim em proveito próprio.
Neste enquadramento, e à semelhança do que fez o tribunal a quo, também nós consideramos que se encontram preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual e da correspondente obrigação de indemnizar a cargo do 2.º réu, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela autora, nos concretos valores determinados pelo tribunal a quo na sentença recorrida, improcedendo assim, nesta parte, as correspondentes conclusões da apelação.
Quanto à questão da responsabilidade civil da 1.ª ré, Banco 1... CRL, em face da verificada responsabilização do 2.º réu, CC[27], o tribunal a quo concluiu, no essencial, que a conduta ilícita levada a cabo pelo 2.º réu foi facilitada pelo facto de este ser um funcionário da instituição bancária, ora 1.ª ré, numa relação de comitente-comissário, o que permitia o acesso aos elementos e instrumentos aí existentes dos quais, aliás, se serviu para falsificar documentos e dessa forma convencer a cliente da Banco 1..., aqui autora, por forma a dar a aparência de realidade ao negociado, designadamente criando a convicção na autora de que a autora tinha constituído um depósito a prazo nos termos inscritos no referido documento.
Com efeito, mostra-se devidamente assente nos autos, entre o mais, que era o segundo réu quem recebia e atendia, nas instalações da primeira ré a autora, disponibilizando-se para proceder aos depósitos, criando assim uma efetiva relação de confiança com a autora mostrando-se sempre disponível e lhe apresentava as aplicações financeiras vigentes na Banco 1... para os clientes.
Deste modo, atenta a sua qualidade de comitente relativamente ao respetivo funcionário, aqui segundo réu, o tribunal a quo entendeu ser de responsabilizar a ré Banco 1... pelos danos causados pelo seu funcionário à autora, por via da relação de comissão existente entre ambos, a qual responde a título de responsabilidade objetiva pelos danos causados por este na esfera de um terceiro, por se tratar de um dos casos em que existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa, sem prejuízo de, em princípio, poder vir a exercer o direito de regresso sobre o comissário quanto às quantias que a esse título satisfaça ao lesado, nos termos previstos no artigo 500.º, n.º 3 do CC.
A responsabilidade civil bancária poderá ocorrer quer por violação de contrato estabelecido entre as partes - responsabilidade contratual - quer ainda por responsabilidade aquiliana, verificados que estejam os pressupostos de cada uma delas[28], ou seja, a responsabilidade do banqueiro não dispensa a verificação dos requisitos da responsabilidade civil[29].
Por outro lado, a atividade bancária está sujeita a um conjunto de regras e procedimentos que contemplam o relacionamento das instituições de crédito com os clientes, a organização, competência e diligência no âmbito das atividades que exercem, tal como previstas, designadamente, no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec. Lei n.º 298/92, de 31-12, não esquecendo que a relação bancária tem origem contratual, o que nos remete, no caso, para o regime do contrato de depósito bancário.
Tal como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-11-2008[30]: «[o]s Bancos são entidades legalmente habilitadas a praticar, profissionalmente actos bancários. E a referência ao carácter profissional da sua actividade significa, antes de mais, que se trata de uma prática habitual - o banco não se limita à prática de actos bancários ocasionais ou isolados, mas sim à sua prática em cadeia, em sequência articulada - lucrativa, isto é, que visa a obtenção de lucros, de proventos, assentando, por isso, numa organização empresarial - e tendencialmente exclusiva, do ponto em que só pode ser exercida por certas entidades (as instituições de crédito, categoria em que se englobam), que, em princípio, só devem exercer a actividade bancária (e não qualquer outra, ou mais qualquer outra).
Estas características obrigam as instituições bancárias a adoptar uma orgânica própria e muito especializada, que possa responder, com eficácia, ao complexo de deveres a que estão vinculadas, e que têm a ver, no sector bancário, não só com preocupações de política económica, de salvaguarda do sistema, mas também com a tutela dos direitos e interesses dos clientes.
É assim que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC) contém um complexo de normas relativas às regras de conduta do banqueiro, aí sendo destacadas, no que tange a deveres gerais, regras respeitantes à competência técnica, às relações com os clientes, ao dever de informação e ao critério de diligência (arts. 73º a 76º).
A competência técnica (art. 73º) tem subjacente deveres de qualidade e de eficiência: o banqueiro deve assegurar ao cliente, em todas as actividades que exerça, “elevados níveis de competência técnica”, devendo, para a consecução de tal objectivo, dotar a sua organização empresarial “com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.
No tocante às relações com os clientes (art. 74º) vem referenciado o dever de adopção, por parte do banqueiro, enquanto instituição, de procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados.
E quanto ao critério de diligência (art. 76º), também referenciando o banqueiro, enquanto instituição, aponta ele para o modelo do banqueiro criterioso e ordenado, no que pode ver-se a recuperação, com fins bancários, da figura do bonus paterfamilias, prudente, ordenado e dedicado».
A recorrente não vem questionar, no recurso, a verificação dos referidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, por via da sua qualidade de comitente e da correspondente assunção da posição de garante da indemnização perante o terceiro lesado, respondendo na mesma medida da responsabilidade do comissário, pondo em causa unicamente a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do próprio comissário, ora segundo réu (os quais já foram apreciados) e alegando, por outro lado, que estamos perante uma situação em que será de convocar a culpa da autora na produção dos factos danosos, nos termos do disposto no artigo 570.º do CC, pelo que, na sua decisão, o tribunal a quo deveria ter ponderado a culpa da autora para a exclusão da indemnização que foi arbitrada.
Para o efeito, a recorrente sustenta, no essencial, que a própria autora relatou que, por vezes, telefonava ao segundo réu para este lhe fazer transferências para a conta do filho e neto, do que retira que foi a própria autora a conferir tais poderes ao segundo réu, dando assim azo a que tais poderes fossem abusados e ultrapassados, mais alegando que a autora também tinha o conhecimento e a experiência anterior para saber como é que o pagamento dos juros dos “verdadeiros” depósitos a prazo era efetuado, tal como resulta do ponto 28 dos factos provados, e que as aplicações a prazo tinham um número e designação. Conclui que a autora estava em condições de poder e dever agir de modo a evitar os danos que alega ter sofrido na sua esfera jurídica, até porque, conforme alteração que propôs em sede de impugnação da matéria de facto, resulta dos factos provados que a autora teve conhecimento de todos os movimentos efetuados na sua conta à ordem através da caderneta da referida conta.

Vejamos se assim é.

O artigo 570.º do CPC, com a epígrafe «Culpa do lesado», preceitua o seguinte:
1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar».
Preliminarmente, cumpre salientar que partilhamos do entendimento que defende a correção interpretativa do n.º 2 do citado preceito, segundo a qual, a referida norma só ganha um verdadeiro sentido útil desde que se exija ao presumível culpado a prova, mais ou menos qualificada, da exclusividade causal do comportamento «culposo» do lesado, por se afigurar que a maior perigosidade da atividade lesiva (máxime no círculo de aplicação dos artigos 493.º, 2 e 503.º, 3), parece incompatível com o efeito exoneratório ligado à demonstração de uma culpa leve e exclusiva do lesado[31].
Tal equivale à «exigência da dissipação de quaisquer dúvidas sobre o papel contributivo do responsável ou, por outras palavras, a demonstração da ausência de um nexo de causalidade é uma forma indirecta de o presumível culpado afastar a conexão presuntiva de culpa», pelo que, não logrando o lesante vencer o ónus da prova nos termos que ficaram descritos, mas demonstrando, apenas, a «culpa» do lesado, também não vemos que este último careça em absoluto de provar a culpa do lesante, para poder funcionar a solução concursal prevista no artigo 570.º, 1 embora seja inegável o interesse dessa comprovação»[32].
A este propósito, refere ainda José Brandão Proença[33]: «A hipótese do n.º 2 do preceito cobre manifestamente as diversas presunções legais de culpa, pertencendo ao lesante, por força da inversão do ónus da prova, demonstrar que o dano foi devido à conduta culposa do lesado.
(…)
Uma interpretação que tenha em conta o local sistemático do n.º 2 não parece prescindir de uma concausalidade efetiva, ponderando-se a culpa presumida e a culpa do lesado, grave ou leve (…). Essa concausalidade não terá lugar na hipótese de o lesante provar que o dano só ocorreu por culpa do lesado, não ficando, assim, qualquer margem de incerteza sobre a origem da imputação danosa (v.g., provando o condutor comissário que o atropelamento foi devido apenas à desatenção do atropelado, demonstrando o vigilante que o animal vigiado foi acirrado pelo lesado, provando o dono do edifício que o lesado entrou no prédio em ruínas apesar das barreiras e avisos existentes ou demonstrando o devedor que o credor recusou receber sem motivo a prestação). Mais do que provar diretamente que não teve culpa, beneficiar da presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 624.º do CPC ou provar que o lesado teve culpa, o presumido culpado deve, na verdade, provar que o dano foi exclusiva e adequadamente devido à culpa do lesado (…). No fundo, o que parece presente no n.º 2 é uma técnica similar à prevista no artigo 505.º com o objetivo, neste caso, de evitar um concurso entre o risco e a culpa do lesado».
Independentemente da interpretação antes assumida, entendemos que, no caso concreto em análise, não tem aplicação o citado artigo 570.º do CC.
 Assim, seguindo de perto os fundamentos aduzidos no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 15-10-2020[34], os quais entendemos de sufragar inteiramente, por terem inteira aplicação ao caso em apreciação, «a haver concorrência, seria entre dolo e culpa.
Vaz Serra (BMJ n.º 86, páginas 138 a 140) afirma efectivamente que se o dolo for do prejudicado não pode o mesmo exigir indemnização ao causador do dano simultaneamente culposo, e que se o dolo for do causador do dano, a culpa do prejudicado pode ou não, consoante a sua gravidade, ser tida em conta, visto que aquele dolo não basta para esta culpa ser havida por inexistente, mas quando o responsável procedeu com dolo, parece que a simples culpa do prejudicado não deve, em regra, ter influência, cabendo ao juiz ponderar a gravidade das respectivas culpas, para decidir se deve reduzir a indemnização, não a reduzir ou afastá-la.
(…)
Em regra, no caso de concorrência de dolo com culpa a indemnização não deve ser em princípio reduzida e, a considerar-se a concorrência esta deve essencialmente ter em atenção os actos do lesado que obstem ao agravamento dos danos».
Por outro lado, importa salientar que as referências a alegados telefonemas da autora ao segundo réu para este lhe fazer transferências para a conta do filho e neto, dando assim azo a que tais poderes fossem abusados e ultrapassados, não constam da matéria de facto provada, não tendo cabimento a correspondente argumentação da recorrente, por assentar em pressupostos fácticos que não podem relevar para o efeito.
De resto, a relação de confiança é precisamente uma das bases da relação bancária. Como se refere no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-11-2008, «(…) entre as partes - banqueiro e cliente - haverá deveres de conduta, decorrentes da boa fé, em articulação com os usos ou os acordos parcelares que venham a celebrar, designadamente deveres de lealdade, com especial incidência sobre a parte profissional, o banqueiro.
Como decorre do que já ficou referido, este fica vinculado a deveres de actuação conformes com aquilo que é expectável da parte de um profissional tecnicamente competente, que conhece e domina as regras da ars bancaria, e que deve ter na mira a defesa e o respeito dos interesses do seu cliente. A tutela da confiança é um dos valores fundamentais a ter em conta no desenvolvimento da relação bancária (…).
(…) «esta especial relação obrigacional complexa, de confiança mútua e dominada pelo intuitus personae», imporá à instituição financeira, mesmo no silêncio do contrato, «padrões profissionais e éticos elevados numa política de “conhece o teu cliente”, traduzidos em deveres de protecção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé (…)».
Ademais, entendemos não ser exigível à autora (que se provou residir habitualmente no ..., enviando o seu dinheiro para ser guardado na primeira ré, sendo pessoa honesta, trabalhadora, responsável e confiou na primeira ré, onde depositou todas as economias e poupanças de toda a vida) o efetivo e rigoroso conhecimento de como era efetuado o pagamento dos juros dos “verdadeiros” depósitos a prazo pela entidade bancária em referência, ou que as aplicações a prazo tinham necessariamente um número e designação, porquanto o homem médio confia nas instituições bancárias e no efetivo cumprimento dos respetivos procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
Por último, resulta manifesto que os argumentos invocados pela apelante a propósito do conhecimento pela autora de todos os movimentos efetuados na sua conta à ordem através da caderneta da referida conta, assentavam exclusivamente na pretendida modificação da decisão de facto no que respeita ao facto contante da al. i) da matéria não provada, o que não sucedeu na exata formulação pretendida pela recorrente.
De todo o modo, também aqui entendemos inexistir fundamento válido para exonerar a recorrente da responsabilidade objetiva que lhe advém da relação de comissão estabelecida com o seu funcionário, ora segundo réu, pois, mais uma vez, consideramos que a conduta revelada pela autora ao longo dos anos, desde o dia .../.../2012, data em que procedeu à abertura de uma Conta de Depósitos à Ordem, no balcão de ..., assentou essencialmente na relação de confiança mantida com o funcionário da referida agência bancária (ora segundo réu) posto que era este quem recebia e atendia, nas instalações da primeira ré a autora, disponibilizando-se para proceder aos depósitos, criando assim uma efetiva relação de confiança com a autora mostrando-se sempre disponível e lhe apresentava as aplicações financeiras vigentes na Banco 1... para os clientes.
A este propósito, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2016[35] que não faz sentido «penalizar os clientes pelo facto de acreditarem - como deve acreditar-se - que os funcionários bancários são pessoas honestas e confiáveis, designadamente para lidarem com operações bancárias e com os interesses monetários dos clientes».
Entendemos, assim, que não se mostra provado qualquer facto que permita inferir a existência de um comportamento culposo da autora que tenha sido concausal do evento, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 570.º do CC.
Daí que a sentença decisão recorrida não mereça censura.
Improcedem, assim, as correspondentes conclusões da apelação.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação interposta pela ré Banco 1... e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 10 de julho de 2023
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Cf. Comentário ao Código Civil: Parte Geral, coord. de Luís Carvalho Fernandes, José Brandão Proença; Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, p. 856.
[2] Cf. A Prova por Documentos Particulares, Almedina, Coimbra, 1987, p. 856.
[3] Cf. A Falsidade no Direito Probatório, Livraria Almedina, 1984, p. 53.
[4] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Coimbra, Almedina, 2020, p. 157.
[5] Cf., José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 461.
[6] Cf. o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 126.
[8] Cf. Abrantes Geraldes - Obra citada - nota 5.
[9] Cf., por todos, o Ac. TRP de 23-04-2018 (relator: Jorge Seabra), p. 972/14.8T8GDM.P1; em sentido idêntico, cf., entre outros, os Acs. TRG de 2-05-2019 (relatora: Maria Amália Santos), p. 3128/15.9T8GMR.G1; TRL de 30-04-2019 (relator: José Capacete), p. 30502/16.0T8LSB.L1-7; TRG de 11-07-2017 (relatora: Maria João Matos), p. 5527/16.0T8GMR.G1; TRG de 10-09-2015 (relatora: Manuela Fialho), p. 639/13.4TTBRG.G1; TRC de 24-04-2012 (relator António Beça Pereira), p. 219/10.6T2VGS.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[10] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Coimbra, Almedina, 2016 - Reimpressão -, p. 373.
[11] Obra citada -, p. 373.
[12] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 598.
[13] Cf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 4.ª edição, Coimbra, Gestlegal, 2017, pgs. 734 e 735.
[14] Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 312.
[15] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2013, 2.ª edição, p. 51. 
[16] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 57. 
[17] Cf. Lopes do Rego, Comentário do Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, p. 200-201.
[18] Neste sentido, cf. por todos, o Ac. TRG de 30-11-2017 (relator: António Barroca Penha) p. 1426/15.0T8BGC-A. G1, disponível em www.dgsi.pt.
[19] Cf., a propósito, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pgs. 690-691.
[20] Cf., Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - Obra citada - p. 694.
[21] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 224.
[22] Mais resultando devidamente assente nos autos que, o segundo réu conhecia das disponibilidades financeiras da autora, conhecimento que lhe advinha do exercício das suas funções na primeira, que dispunha de acesso ao sistema informático da primeira ré, aí realizando as operações inerentes à sua atividade (ponto 21 dos factos provados).
[23] Cf., Ana Prata, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 627-628.
[24] Cf., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 591.
[25] Cf., Mário Júlio de Almeida Costa - obra citada -, p. 605.
[26] Relator Gonçalves Ferreira, p. 306/04.0TBSEI.C1; disponível em www.dgsi.pt.
[27] O qual, conforme demonstrado, foi trabalhador da primeira ré, pelo menos desde o dia .../.../1994 até ao dia 18 de agosto de 2020, com o número do operador ...08, exercendo durante esse período, sob a responsabilidade e vigilância da primeira ré, nomeadamente, as funções de atendimento de clientes ao balcão, processamento informático dos movimentos que os clientes pretendiam efetuar nas suas contas, recebimento de valores em numerário e cheques para depósito nas contas dos clientes, constituição de depósitos a prazo e outras aplicações financeiras disponibilizadas pela Banco 1... aos seus clientes, abertura e encerramento de contas de depósito, preenchimento de impressos e demais documentação que lhe era apresentada pelos clientes.
[28] Neste sentido, cf. o Ac. TRP de 12-07-2001 (relator: Mário Fernandes), p. 01..., disponível em www.dgsi.pt.
[29] Cf. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2.ª edição, 2001, Almedina, Coimbra, p. 405.
[30] Relator A. Santos Bernardino, p. 08B2429, disponível em www.dgsi.pt.
[31] Cf. José Carlos Brandão Proença, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Colecção Teses, Coimbra, Almedina, 1997, pg. 491.
[32] Cf. José Carlos Brandão Proença - obra citada - p. 491.
[33] Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações - Das Obrigações em Geral, coord. de José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021 - p. 580.
[34] Relatora: Raquel Baptista Tavares, p. 3007/19.0T8GMR.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[35] Relator: Abrantes Geraldes, p. 85/14.2T8PVZ.P1. S1, disponível em www.dgsi.pt.