Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3660/14.1T8VNF-G.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
ACÇÃO EXECUTIVA
INEFICÁCIA DA PARTILHA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

I. Penhorado um determinado bem comum do casal, numa execução movida unicamente contra um dos cônjuges, e citado o outro cônjuge ao abrigo do disposto no art. 740º do CPC, das duas, uma:

- Ou o cônjuge do executado não requer a separação de meações nem junta certidão de acção pendente, e a execução prossegue contra o bem penhorado, para a sua venda ou adjudicação na acção executiva;
- Ou o cônjuge requer a separação de meações ou junta certidão comprovativa de processo de separação de bens já instaurado, suspendendo-se a execução nos bens comuns até à partilha.

II. Nesta última situação, podem ocorrer duas hipóteses:

1ª Ou o bem penhorado é adjudicado ao executado.
2º Ou é adjudicado ao seu cônjuge.

III. Naquela primeira hipótese, não surge, neste âmbito, qualquer problema, uma vez que se o bem penhorado for adjudicado ao executado, a execução pode voltar a prosseguir os seus trâmites ulteriores relativamente a tal bem. No entanto, se se verificar a segunda hipótese, e o bem penhorado for adjudicado antes ao cônjuge do executado, ficando o executado com a sua meação preenchida com o direito às tornas, deve-se entender que a garantia de pagamento do crédito do exequente resultante da primitiva penhora (que incidia sobre um bem comum do casal) transfere-se automaticamente para os bens que passaram a constituir o quinhão do executado/devedor.

IV. Nessa medida, qualquer acordo de composição dos quinhões que tenha sido estabelecido pelos cônjuges naquele Inventário, por via do qual se atinja aquele resultado (o bem penhorado seja adjudicado ao cônjuge não executado, ficando o cônjuge executado com direito a tornas, logo, alegadamente, pagas em mão), deve ser considerado ineficaz em relação ao Tribunal da execução por aplicação do regime da penhora de créditos (artºs. 740º, nº 2; cf. art. 777º do CPC; e artºs. 820º e 823º do CC, este por analogia), ficando o executado (ou o cônjuge do executado) obrigado a entregar as tornas no processo executivo - mesmo que estas já tenham sido alegada e indevidamente entregues ao executado.

V. Enquanto isso não suceder, a penhora que incide sobre os bens imóveis (bens comuns do casal) tem que se manter, pois que, conforme decorre do disposto no art. 740º, nº 2 do CPC a penhora primitiva mantém-se (“permanece”) “até à nova apreensão”

VI. Além disso, tendo em conta a afirmada ineficácia dos actos de partilha efectuados (designadamente, da entrega em mão das tornas) perante a penhora vigente dos bens comuns do casal (cf. nº 2 do art. 740º do CPC), não se pode julgar verificada a existência de caso julgado (seja em que modalidade for), uma vez que a decisão proferida no processo de inventário (sentença que homologou a partilha) não impõe a sua autoridade, nem obsta a que se reconheça a ineficácia (limitada) dos actos de partilha homologados, em face dos efeitos sub-rogatórios (automáticos) da penhora dos bens comuns sobre as tornas ou o direito às tornas que vieram a integrar o património do executado”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente: - Maria (…);
Recorrido: - Banque (…) - Societé Par actions simplifiée;
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Maria (…) s, inconformada com a seguinte decisão proferida pelo Tribunal Recorrido (fls. 23 e ss.):

“(…) Assim, realizada a partilha, verifica-se que os bens penhorados na execução não couberam ao executado. Neste caso, podem ser penhorados outros bens que lhe tenham cabido, para que respondam pela dívida exequenda apenas os bens do devedor, permanecendo, contudo, a penhora primitiva até à nova apreensão de bens (artigo 825.º, n.º 7, in fine, do CPC, de 2003, actual artigo 740º, n.º 2 do CPC).

Ora, ao aqui executado no referido inventário couberam tornas, as quais o mesmo refere que recebeu em mão. Então, urge o referido executado depositar as tornas que lhe couberam no inventário nestes autos, no valor de € 146.814,97 (€ 50.000,00+121.814,97), para as quais se transferirá a penhora e após o que se levantará as penhoras que incidem sob os supra identificados imóveis. Até lá permanecem as penhoras, o que se determina (cfr. actual artigo 740º, n.º 2 do CPC) (ver a este respeito Acórdãos RC, de 16/09/2014 (Maria João Areias) e de 26/09/2006 (Jaime Ferreira) e do STJ de 06/07/2006 (Bettencourt de Faria).
Na verdade, não é eficaz em relação ao exequente o alegado pagamento das tornas ao executado pelo cônjuge do executado.

Assim, sendo certo que o alegado pagamento das tornas ao executado pelo cônjuge do executado, não é eficaz em relação ao exequente, determino que:

I- O executado Virgílio (…) venha, em 10 dias, depositar à ordem da agente de execução as tornas que lhe couberam no inventário, no valor de € 146.814,97 (€ 25.000,00+121.814,97), que diz ter recebido;
II- Caso o mesmo não o faça, em 10 dias, deverá o cônjuge do executado Maria (…) ser notificado para em 10 dias, depositar à ordem da agente de execução as tornas no valor de € 146.814,97 (€ 25.000,00+121.814,97), sem prejuízo da quantia em dívida lhe poder vir a ser exigida, nos termos do que dispõe o artigo 777º, n.º 3 do CPC.
Notifique e oportunamente abra conclusão nos autos de embargos de terceiro.”.
*
… veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

1. Nos termos do artigo 723º do CPC é da competência do Juiz, sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui (i) proferir despacho liminar, quando deva ter lugar (ii) julgar a oposição à execução e à penhora, bem como (iii) verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação; (iv) julgar sem possibilidade de recurso as reclamações de actos e impugnações de decisões de agente de execução pelas partes ou por terceiros intervenientes no prazo de 5 dias.
2. Por sua vez dispõe o art. 751º do CPC e 719º que cabe ao Agente de execução efectuar todas as diligências que não sejam da competência do juiz incluindo notificações e penhoras, sendo certo que em relação às penhoras o Agente de Execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende prioritariamente ver penhorados.
3. Das normas supra aludidas, resulta que, não é da competência do Juiz, em sede de processo executivo, determinar oficiosamente quais as diligências a providenciar, para se penhorar bens que garantam o pagamento do crédito exequendo. Tal ónus impende sobre o Exequente e sobre o Agente de Execução nomeado nos autos (cf. art. 723º 751º e 719º todos do CPC).
4. A questão decidida pelo Tribunal a quo não foi suscitada por nenhuma das partes, em momento algum as partes colocaram em causa a forma de pagamento das tornas e se esta era ou não eficaz em relação ao Exequente.
5. Em momento algum, o Exequente indicou à penhora a quantia que coube ao executado a título de tornas no âmbito do processo executivo, como era seu ónus, ou requereu qualquer diligência nesse sentido.
6. Nos termos dos artigos 615º n.º 1 al. d) e 551º n.º 1 do CPC do CPC é nulo o despacho quando o Juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Nulidade que aqui se argui e se requer que seja declarada.

ACRESCE QUE

7. Prescreve o n.º 2 do art. 607º do Código de Processo Civil que, na sentença, deve o Juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
8. A omissão deste dever de fundamentação, de facto e de direito, consubstancia a nulidade de sentença prevista na al. b) do n.º 1 do art. 615º do Código de Processo Civil.
9. O Tribunal a quo, determinou que não é eficaz em relação ao exequente o alegado pagamento das tornas ao executado pelo cônjuge do executado. Porém, o despacho quanto a essa matéria não tem qualquer fundamentação, nem de facto, nem de direito, resume-se a declarar a sua ineficácia.
10. Padece assim de o despacho ora em crise flagrante nulidade por falta de fundamentação de direito, porquanto, de forma inadmissivelmente absoluta, não indicou ou mencionou a interpretação ou aplicação das normas jurídicas que considerava subsumíveis ao caso e que justificam a decisão proferida. Nulidade que se argui e requer que seja declarada.
11. Em sede de processo de inventário que correu seus termos no apenso C, foi realizada a partilha dos bens do casal, tendo sido adjudicado à aqui recorrente os bens imóveis penhorados nos autos, e o pagamento das tornas devidas ao executado sido pago em mão.
12. O mapa de partilha não foi alvo de qualquer reclamação, tendo o mesmo transitado em julgado e em consequência, foram adjudicados à aqui recorrente os imóveis penhorados nestes autos em 22 de Janeiro de 2014, por sentença homologatório da partilha já transitada em julgado.
13. A decisão proferida sobre o mesmo objecto vale entre as mesmas partes de ambas as acções como autoridade de caso julgado e, quando tal suceda, o tribunal da acção posterior está vinculado à decisão proferida na causa anterior, O que significa que, mesmo sem essa completa identidade, o tribunal está vinculado na acção subsequente a tudo o que esteja coberto pela autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida na causa anterior.
14. O despacho recorrido ao decidir que tal pagamento é ineficaz em relação ao exequente, e ao determinar que a recorrente deve depositar tais tornas no processo executivo é contrário ao decidido pelas partes em acta de conferência de interessados, ao mapa de partilha e à sentença homologatória já transitada em julgado,
15. O que consiste numa colisão de decisões e que leva à contradição de julgados e, portanto, à existência de decisões, em concreto, incompatíveis.
16. Viola assim o despacho ora em crise a autoridade do caso julgado, razão pela qual o mesmo não se pode manter e deve ser revogado.

SEM PRESCINDIR

17. O despacho a determinar o pagamento imediato do crédito, nos termos do artigo 1357º do antigo CPC, actual art. 41º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março, ou a determinar o deposito das tornas, deve ser proferido em sede de processo de inventário.
18. Os credores sentindo-se lesados pelos cônjuges que requereram a separação de bens nos termos do art. 740 n.º 2 do CPC devem intervir no âmbito do processo de inventário, garantindo o exercício dos seus direitos.
19. Nos presentes autos tais direitos foram devidamente acautelados e quer o credor reclamante, quer o exequente, deram o seu acordo à pretensão dos cônjuges e à composição das suas meações, tendo o exequente dado o seu consentimento para que a adjudicação e o pagamento das tornas fossem realizados nos termos acordados em sede de conferencia de interessados.
20. Elaborado mapa de partilha naqueles termos e proferida sentença homologatória, as partes do processo de inventário, que são comuns aos presentes autos, conformaram-se com os termos do mesmo e a instância foi definitivamente decidida e estabilizada.
21. É assim errada a interpretação e o julgamento do Tribunal a quo, ao declarar que não é eficaz em relação ao exequente o alegado pagamento das tornas ao executado pelo cônjuge do executado.
22. Após o trânsito em julgado da homologação do mapa de partilha e a adjudicação dos quinhões aos interessados, devia a penhora que incide sobre os bens da Recorrente ter sido cancelada, uma vez que a Recorrente, não é parte na execução, nem tão pouco responsável pela dívida, prosseguindo os autos de execução, para penhora de outros bens do executado, designadamente, a penhora do valor que o executado recebeu, sendo este notificado de imediato para proceder ao depósito daquela quantia. Ou, pelo menos averiguando-se a existência de outros bens.
23. Não é subsumível aos autos a aplicação do disposto no art. 820º do CC, na medida em que a nestes autos não foi penhorado qualquer crédito ao devedor, como o pagamento do crédito foi simultâneo com a partilha e com consentimento expresso, em acta judicial do Exequente.
24. Transitado em julgado a sentença homologatória do mapa de partilha deviam os autos de execução ter prosseguido, nos termos e para os efeitos do art. 740º, n.º 2 do CPC.
25. Assim, ao se verificar que da partilha resultou que o valor que ficou a compor a meação do Executado, no caso o valor recibo por tornas, era suficiente para pagar o crédito exequendo, deveria o exequente ter indicado à penhora tal quantia, nos termos do art. 764º do CPC e ter requerido a notificação do executado, para depositar tal quantia juntos dos presentes autos, substituindo a penhora dos imóveis, pela quantia recebida em sede de inventário, nos termos do art. 740º n.º2 do CPC.
26. O Exequente era conhecedor destes dispositivos legais, e, se não requereu ou tomou qualquer uma daquelas providências, nem indicou à penhora o crédito, ou o dinheiro, de forma a cautelar e garantir o pagamento do seu crédito é porque não quis, em consciência e em exercício dos seus direitos e liberdades.
27. Porém, não pode a Recorrente, ser punida pela falta de providência e inércia do Exequente e ver a penhora dos seus imóveis manter-se pendente nos autos, até que o Exequente se digne a requerer diligências que permitam a penhora de outros bens do executado.
28. Não pode, o Exequente continuar a beneficiar da garantia de bens que, de plena propriedade, pertencem a quem não é devedor, em clara violação dos direitos da aqui Recorrente.
29. Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal de Guimarães datado de 11-05-2017 disponível in www.dgsi.pt: “Movida a execução apenas contra um dos cônjuges, se forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é citado o seu cônjuge para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida. Visando a eficácia da garantia do crédito do exequente, a penhora anterior permanece até à nova apreensão dos bens que tenham sido adjudicados ao executado, podendo, porém, ser levantada nas situações em que a apreensão destes bens se não mostre possível no imediato, seja por não serem encontrados, seja por razões atinentes ao próprio credor exequente, que não promoveu activamente a realização de todos os actos conducentes à penhora.”
30. Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, prolatado em 29-01-2014, com o seguinte sumário: Adjudicado ao cônjuge do executado não responsável pela dívida exequenda bem imóvel sobre o qual incide penhora por dívida tributária da exclusiva responsabilidade do outro cônjuge, terá a penhora de ser levantada, penhorando-se, ao invés, os bens que na partilha couberem ao cônjuge responsável pela dívida.
31. O despacho aqui recorrido fez um errado julgamento dos factos, ao decidir que a declaração de pagamento de tornas é ineficaz em relação ao Exequente e que se devem manter pendentes as penhoras realizadas nos autos, quando o Exequente expressamente aceitou o pagamento das tornas dessa forma e por exclusiva inércia do Exequente não se penhorou o valor que o executado recebeu em sede de inventário, pois, não requereu qualquer diligência nem lançou mão do disposto no artigo 764º do CPC e determinado a notificação do executado, para depositar tal quantia juntos dos presentes autos, substituindo a penhora dos imóveis, pela quantia recebida em sede de inventário, nos termos do art. 740º, n.º 2 do CPC.
32. O despacho viola o art. 740º n.º2 do CPC razão pela qual não se pode manter e deve ser revogado. Em consequência deve ser proferido acórdão que determine que a declaração de pagamento de tornas pela Recorrente ao Executado é eficaz e que determine o levantamento das penhoras que incidem sobre os bens imóveis penhorados nos autos.
Termos em que, dando-se provimento ao recurso, deve revogar-se o despacho recorrido…”.
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Foram apresentadas contra-alegações, onde a Recorrida pugna pela improcedência do Recurso.
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Em sede própria, o presente Tribunal confirmou a tempestividade do Recurso interposto.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir, considerando-se que não é aqui indispensável a pronúncia do Tribunal de Primeira Instância sobre as nulidades invocadas (art. 617º, nº 5 do CPC).
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:

1. Saber se a decisão enferma dos vícios enunciados nas alíneas b) e d) do artigo 615° do CPC, padecendo de nulidade;
2. Saber se a decisão proferida viola a autoridade do caso julgado resultante das decisões proferidas em sede de processo de Inventário;
3. Saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento, ao decidir que:
3.1. A declaração de pagamento de tornas (em mão) é ineficaz em relação ao Exequente;
3.2. E que se devem manter pendentes as penhoras efectivadas sobre os bens imóveis realizados nos autos.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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É a seguinte a matéria de facto que se pode considerar como provada (tal como, aliás, resulta do relatório da decisão proferida):

“Pelo Exequente Banque (…) foi intentada acção executiva para pagamento de quantia certa contra o executado Virgílio (…).

Para pagamento da quantia exequenda foram penhorados 2 imóveis, a saber:

1- Fracção Autónoma, destinada a habitação, correspondente ao .. andar, Norte|Sul e garagem sita no bloco adjacente à Rua (…), de freguesia de …, do concelho de ..., inscrita na matriz predial sob o art. (…) e descrita na Conservatória do Registo Predial da ... sob o art. (…) e
2- Prédio Urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, composto por três andares, sito o lugar do (…), com área total de 1125 m2, inscrito na matriz sob o artigo (…), da freguesia de ..., concelho de Esposende, descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º (..).
Estes bens imóveis constituíam bens comuns do casal formado pelo executado e pela aqui Recorrente, tendo sido penhorados por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado.
O cônjuge do executado citado nos termos e para os efeitos do art. 825.º, n. º1, do CPC, na versão anterior à Lei 41/2013, de 26/06 (actual artigo 740º do CPC), requereu, nos presentes autos, a separação, tendo a execução ficado suspensa no respeitante àqueles bens comuns.
Na sequência, por apenso aos autos principais, foi intentado processo de inventário e partilha de bens.

No aludido processo de inventário que correu seus termos por apenso foi realizada a partilha dos bens do casal, tendo sido adjudicados ao cônjuge do executado os acima identificados bens imóveis.

Realizada a Conferência de Interessados, o aqui executado Virgílio (…) declarou que, “já recebeu em mão as tornas a que tinha direito” – fls. 16 da certidão judicial junta.
Exequente ((…)- Banque) e credor reclamante (Banco …) estiveram presentes na aludida conferência de interessados, não se tendo oposto ao acordo estabelecido entre o casal, quanto à partilha – fls. 16.

No decurso da conferência de interessados, nenhum dos supra referidos credores (credor reclamante ou exequente), requereram o pagamento imediato dos seus créditos, nem o depósito das tornas devidas ao executado.

No âmbito do aludido processo de inventário foi elaborado o mapa de partilha, o qual não foi alvo de qualquer reclamação - fls. 17 v. e 18 da certidão junta,

De seguida, foi proferida sentença homologatória da partilha, tendo sido “(adjudicados) aos interessados os respectivos quinhões”.

A exequente, em momento algum, indicou à penhora o bem que coube ao executado em sede de partilha, ou seja, as tornas.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em:

1. Saber se a decisão enferma dos vícios enunciados nas alíneas b) e d) do artigo 615° do CPC, padecendo de nulidade
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Comecemos por apreciar a questão da invocada nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação (de facto e de direito) - deixando a outra nulidade invocada para apreciação posterior.

A Recorrente entende, de uma forma mais específica, que o Tribunal Recorrido, tendo determinado que não é eficaz em relação ao exequente o alegado pagamento das tornas ao executado pelo cônjuge do executado, não apresentou qualquer fundamentação, nem de facto, nem de direito, resumindo-se a declarar a sua ineficácia.

Vejamos, então, se a Recorrente tem razão na argumentação que apresenta.

O vício que é apontado à decisão é a nulidade a que alude a al. b) do art. 615º do CPC.
Como é sabido, uma coisa é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, outra coisa é nulidade da sentença quando não especifique os fundamentos, de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) do citado artigo 615.º nº 1 do CPC).

A nulidade decorrente da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607º, nº 3 do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Como é entendimento pacífico da doutrina, nestes casos só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (1).

Portanto, para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão (2).
Nessa medida, trata-se de uma situação que não se verifica, no caso concreto, quanto à questão que aqui é colocada.
Na verdade, como se pode constatar da fundamentação de facto mencionada na decisão, o Tribunal colocou na base da decisão que proferiu a factualidade pertinente, pelo que, obviamente, não se verifica o vício de nulidade apontado.
Finalmente, importa dizer que também a Recorrente não tem razão quando argui a falta de fundamentação de direito.
Desde logo, porque, como se referiu, só se pode entender que a decisão recorrida se encontra viciada por falta de fundamentação no sentido aqui exigido, quando se constata existir total ausência de fundamentação- o que não é seguramente o caso concreto da decisão aqui questionada.

Importa dizer que, quanto à arguição deste vício de nulidade, à excepção dos actos meramente ordenadores do processo e dos despachos de mero expediente, compete, efectivamente, ao juiz fundamentar todas as decisões tomadas: art. 154º, nº 1 do CPC (“As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre justificadas”).

Mesmo que o CPC não o referisse, essa necessidade de fundamentação resultaria por imposição directa do art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP):

“as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Será esta fundamentação que assegura ao cidadão o controlo da decisão e permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.

Essa fundamentação deve ser expressa e, ainda que sucinta, deve ser suficiente para permitir o controlo do acto.

Ora, no caso concreto, e conforme resulta da decisão proferida, o Tribunal Recorrido não só invocou, como iremos ver, de uma forma pertinente, o fundamento legal da decisão que proferiu, como além do mais citou de uma forma precisa Jurisprudência que acolhe a posição defendida.

Não há, assim, dúvidas que o Tribunal fundamenta a sua decisão, não se verificando o vício de falta de fundamentação que a Recorrente invoca.

Não pode, pois, o presente Tribunal reconhecer o vício imputado à decisão pela Recorrente.

De qualquer forma, mesmo que se reconhecesse a eventual nulidade da decisão, por falta de fundamentação de direito, sempre tal nulidade poderia/teria de ser suprida pelo presente Tribunal- que aqui interviria como Tribunal de Substituição (cfr. art. 665º do CPC) (3) -, uma vez que dispomos de todos os elementos que nos permitem pronunciar sobre a questão enunciada.

Improcede a nulidade invocada.
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Aqui chegados, avancemos para as demais questões atrás enunciadas, iniciando esta pronúncia pelo esclarecimento geral do âmbito da penhora aqui em discussão.

Vejamos, então, como funciona actualmente a penhora de bens comuns.

Penhorado um determinado bem comum do casal, numa execução movida unicamente contra um dos cônjuges, e citado o outro cônjuge ao abrigo do disposto no art. 740º do CPC, das duas, uma:

- Ou o cônjuge do executado não requer a separação de meações nem junta certidão de acção pendente, e a execução prossegue contra o bem penhorado, para a sua venda ou adjudicação na acção executiva;
- Ou o cônjuge requer a separação de meações ou junta certidão comprovativa de processo de separação de bens já instaurado, suspendendo-se a execução nos bens comuns até à partilha (que foi o que sucedeu no caso concreto).

Nesta última situação (que é a que nos interessa), podem ocorrer duas hipóteses:

Ou o bem é adjudicado ao executado.
Ou é adjudicado ao seu cônjuge (que foi o que sucedeu no caso concreto).

Naquela primeira hipótese, não surge, neste âmbito, qualquer problema, uma vez que se o bem penhorado for adjudicado ao executado, a execução pode voltar a prosseguir os seus trâmites ulteriores relativamente a tal bem.

No entanto, se se verificar a segunda hipótese, e o bem penhorado for adjudicado antes ao cônjuge do executado, a penhora terá que ser, oportunamente levantada, podendo ser penhorados outros bens que tenham cabido ao executado, permanecendo a penhora até à nova apreensão (art. 825º, nº 7, do CPC; actual art. 740º, nº 2 do NCPC).

Assim, nesta última hipótese, a penhora anterior permanece unicamente até que a segunda tenha lugar, para eficácia da garantia do exequente.

A especialidade da situação que aqui se discute, resulta do facto de, na sequência da partilha, os bens primitivamente penhorados (bens comuns do casal) terem sido adjudicados ao cônjuge do executado, tendo o quinhão do executado sido preenchido com o direito às tornas (alegadamente já entregues em mão).

E a questão que se coloca é a de saber se esta entrega em mão das tornas pode ser considerada eficaz em relação à execução, ficando o exequente sem a garantia que resultava da penhora efectivada.

O Tribunal Recorrido entendeu que tal entrega era ineficaz, considerando que a penhora dos bens comuns do casal se transferiu para o direito às tornas que coube ao executado.

Já a Recorrente entenderá que levantada a primitiva penhora, teria a exequente que nomear à penhora o novo direito que surgiu no património do executado (ou seja, o direito às tornas) - e como estas já foram entregues em mão, sem oposição do exequente, já não seria possível essa penhora.

Assim, uma das questões que se coloca – e que parece estar implícita na posição assumida pelo Recorrente – é, pois, a de saber se, como considerou o Tribunal Recorrido, esta “segunda penhora” pode tornar-se operativa por conversão automática da primeira, numa outra que recairá sobre os bens que constituem o quinhão do executado resultante da partilha (que, no caso concreto, coincidem com as tornas ou o direito às tornas); ou se – como parece defender a Recorrente – tal conversão dependerá de requerimento da exequente.

Ora, julga-se que a primeira solução é aquela que merece aqui acolhimento, tendo em conta o regime jurídico aplicável e os interesses (do exequente, do executado e do cônjuge do executado) aqui em jogo.

Com efeito, atento o disposto no art. 740º, nº 2 do CPC (e o anterior nº 7 do art. 825º do CPC), nestas situações em que o bem penhorado é adjudicado ao cônjuge do executado, em sede de Inventário para separação de meações, deve ser entendido que a garantia de pagamento do crédito do exequente resultante da primitiva penhora (que incidia sobre um bem comum do casal) transfere-se para os bens que hão-de constituir o quinhão do executado/devedor – no nosso caso, como bem entendeu o Tribunal Recorrido, para o valor das tornas.

Na verdade, tal solução legal decorre não só do disposto no citado preceito legal, mas também do que se estabelece nos artºs. 819º e ss. do CC.

E que esta é a solução que se impõe, basta ter em atenção o resultado que se poderia obter, se se adoptasse a posição da Recorrente, nomeadamente, quanto à salvaguarda dos aludidos interesses aqui em jogo.

Com efeito, se se aceitasse a posição perfilhada pela Apelante, relativamente à não exigibilidade do depósito das tornas à ordem dos presentes autos, com essa solução aceitar-se-ia subverter os princípios gerais em que assenta a razão de ser do inventário para separação de bens, em consequência de penhora de bens comuns, ou seja, a protecção do cônjuge do executado, salvaguardando-se, sempre, no entanto, a não verificação de prejuízo excessivo para o exequente.

No caso dos autos, a defender-se aquela tese, tínhamos que reconhecer, ter havido protecção do cônjuge (a ora Recorrente que receberia os bens imóveis desonerados), protecção do executado (que recebeu (receberia) as tornas sem que as mesmas pudessem ser “atingidas” pelo exequente) e prejuízo total da exequente, que ficaria sem a garantia que resultava da penhora, sem ser pago do seu crédito.

Esta solução, conduzindo a estes efeitos, não pode obviamente ser aqui acolhida porque não decorre dos citados dispositivos legais e não foi certamente essa a intenção do legislador, tendo em conta os referidos interesses em jogo.

Na verdade, quando o legislador no art. 1406º, nº 1 do CPC anterior, faculta ao cônjuge do executado o direito de escolher livremente os bens que hão-de constituir a sua meação, em sede de inventário, esse direito deve ser exercido, tendo como limite o valor desta (da meação), com vista a coordenar-se com o direito dos credores.

Assim, quando a Recorrente, sabendo que sobre os bens que lhe foram adjudicados incidia uma penhora, tem de entregar tornas ao seu cônjuge (executado), porque o valor dos bens que lhe foram adjudicados excede (em muito) o valor da sua meação, não devia (podia) - no pressuposto de que o fez - ter efectuado o pagamento das tornas em mão ao cônjuge, aqui executado.

Na verdade, nestas situações, como bem entendeu o Tribunal Recorrido, impõe-se que a Recorrente proceda ao depósito das tornas à ordem do presente processo, conforme lhe foi ordenado, com vista a salvaguardar os interesses do credor, que depois dos seus, merecem primazia sobre os do cônjuge/executado.

Esta solução, além de traduzir, como se acaba de salientar, a melhor ponderação dos interesses aqui em jogo, é aquela que decorre também do disposto nos artºs. 819º e ss. do CC.

Na verdade, pode-se ler no art. 819º do CC que “… são inoponíveis à execução os actos de disposição … dos bens penhorados…”.

Da mesma forma, estabelece o art. 820º do CC que “sendo penhorado algum crédito do devedor, a extinção dele por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor, verificada depois da penhora é igualmente inoponível à execução”.

Finalmente, refere o art. 823º do CC que “se a coisa penhorada se perder, for expropriada ou sofrer diminuição do valor e, em qualquer dos casos, houver lugar a indemnização de terceiro, o exequente conserva sobre os créditos respectivos, ou sobre as quantias pagas a título de indemnização, o direito que tinha sobre a coisa”.

Como decorre destes preceitos legais, o legislador visou impedir que o executado, de alguma forma, pudesse, por acto seu ou de terceiro, diminuir o valor dos bens penhorados ou impedir a sua venda executiva.

Assim, e desde logo - para o que aqui nos interessa -, o legislador estabeleceu que, após a efectivação da penhora, qualquer acto de disposição do bem ou direito penhorado é inoponível à execução; o mesmo sucedendo (inoponibilidade) com a extinção de um direito de crédito penhorado, por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor (arts. 819º e 820º do CC).

Significa esta inoponibilidade que a disposição (ou extinção) de um bem ou direito penhorado, efectuada pelo executado, ou por um terceiro em sua representação ou a seu pedido, é válida, já que a penhora limita-se a onerar o direito em causa, mantendo-se o executado como o proprietário do bem ou do direito. No entanto, a eficácia plena daqueles actos praticados ficam dependentes do desfecho da execução, sendo inoponíveis à própria execução.

Trata-se de uma situação de ineficácia; não estamos perante uma invalidade; os actos são válidos, o executado não ficou privado dos poderes de disposição (ou de extinção), mas estes não produzem efeitos enquanto estiverem penhorados.

“Com a penhora, o executado não fica privado do poder de dispor do seu direito, podendo, depois da penhora, continuar a praticar actos de disposição ou oneração. Os actos de disposição ou oneração comprometeriam, no entanto, a função se tivessem eficácia plena. Por isso, são inoponíveis à execução” (4).

“O mesmo é dizer que a execução prossegue os seus termos normais, tudo se passando como se não tivesse havido qualquer acto de disposição, oneração ou arrendamento do bem penhorado…. Assim, se, por exemplo, for penhorado o direito e acção do executado sobre uma herança ou um bem que integre o património comum do casal, é inoponível em relação à execução a partilha que seja realizada na pendência da acção executiva(5).

Por outro lado, no caso de perda da coisa penhorada estabelece o legislador que a penhora pode passar a incidir sobre a eventual indemnização de terceiro (art. 823º do CC).

Neste preceito legal prevê-se um caso de convolação automática da penhora de coisa penhorada, que deixe de figurar no património do executado (por ex. por perda ou expropriação), pelo eventual direito de crédito indemnizatório que possa surgir, em substituição, no património do executado (6).

Ora, é justamente por assim ser que se invoca este preceito legal em abono da tese aqui defendida.

É que com a adjudicação do bem penhorado à Recorrente (cônjuge do executado) no processo de inventário, tal bem é retirado do património do executado, sendo substituído neste, pelo correspondente quinhão que veio a caber ao executado (constituído pelas tornas ou direito às tornas).

Ora, por força da situação analógica prevista no art. 823º do CC, deve-se entender que, nestas situações, a penhora, por identidade de razões, se deve transferir (por sub-rogação ou convolação automática) para os bens que hão-se constituir o quinhão do seu cônjuge, devedor, no caso, o valor das tornas, sobre elas passando a incidir a garantia do pagamento do crédito (7).

É por tudo isto que o eventual pagamento das tornas ao cônjuge/executado (extinção do direito de crédito que passou a estar penhorado, pelo pagamento) ter-se-á que considerar ineficaz em relação à execução, atento o disposto no arts. 819º e ss. do CC, como bem entendeu o Tribunal Recorrido.

Isso decorre, como resulta do exposto, do facto de se ter concluído que a conversão da penhora primitiva nesta “segunda penhora” torna-se operativa por conversão automática da primeira, numa outra que recairá sobre os bens que constituem o quinhão do executado (no caso concreto, as tornas ou o direito às tornas).

E é também por isso que, contrariamente ao que defende a Recorrente, é aqui aplicável o disposto no art. 820º do CC (a Recorrente referia que este preceito legal não era aplicável porque os bens penhorados não tinham a natureza de um direito de crédito), porque incindindo a nova (convertida) penhora sobre um direito de crédito (o direito às tornas), também a sua extinção (pelo alegado pagamento), como se referiu, é inoponível à execução.

E, obviamente, concluindo-se que esta conversão é automática, naturalmente que a questão em causa era do conhecimento oficioso do Tribunal Recorrido (cf. art. 3º do CPC), pelo que, estando, além do mais, obrigado a dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção (art. 6º do CPC), o Tribunal da execução detinha o poder de proferir a decisão aqui posta em crise, não se verificando a invocada nulidade por excesso de pronúncia (art. 615º, al. d) do CPC).

Com efeito, embora o legislador tenha concedido ao Agente de Execução a primazia na efectivação de todas as diligências do processo executivo (cf. art. 719º do CPC), a verdade é que não se pode negar ao Tribunal a intervenção aqui questionada, na medida em que a decisão proferida implicava o conhecimento de uma questão jurídica (de conhecimento oficioso) para a qual se mostra obviamente reservada a competência do Juiz (8).

Nesta conformidade, julga-se que, tendo em conta o regular prosseguimento da instância executiva, incumbia ao Tribunal, no âmbito da penhora efectivada (sobre bens comuns), promover a sua concretização, esclarecendo de que forma tal devia ser efectuado, como resultado da interpretação dos pertinentes preceitos legais invocados e indicação do efeito jurídico (ineficácia) que resultava da primitiva penhora para os actos praticados em sede do processo apenso (de disposição/partilha e, principalmente, extinção, pelo alegado pagamento, do direito às tornas).

Aqui chegados, pode-se, assim, concluir que:

- Se no processo de Inventário para separação de meações instaurado, na sequência do cumprimento do disposto no art. 740º, nº 1 do CPC, por apenso à acção executiva que corre termos apenas contra um dos cônjuges, os bens imóveis (comuns do casal) que se mostravam penhorados vierem a ser adjudicados ao cônjuge do executado, a penhora que onerava os referidos bens converte-se automaticamente numa outra que recairá sobre os bens que constituem o quinhão do executado (no caso concreto, as tornas ou o direito às tornas);
- Nessa medida, qualquer acordo de composição dos quinhões que tenha sido estabelecido pelos cônjuges naquele Inventário, por via do qual se atinja aquele resultado (o bem penhorado seja adjudicado ao cônjuge não executado, ficando o cônjuge executado com direito a tornas, logo, alegadamente, pagas em mão), deve ser considerado ineficaz em relação ao Tribunal da execução por aplicação analógica do regime da penhora de créditos (artºs. 740º, nº 2; cf. art. 777º do CPC; e artºs. 820º e 823º do CC, este por analogia), ficando o executado (ou o cônjuge do executado) obrigado a entregar as tornas no processo executivo - mesmo que estas já tenham sido alegada e indevidamente entregues ao executado pelas razões já atrás explanadas (ineficácia do acto extintivo do direito de crédito – direito às tornas).

Enquanto isso não suceder, como entendeu também o Tribunal Recorrido, a penhora que incide sobre os bens imóveis tem que se manter, pois que, conforme já ficou referido, decorre do disposto no art. 740º, nº 2 do CPC que a penhora primitiva se mantém (“permanece”) “até à nova apreensão”.
*
É esta a solução que, em termos gerais, vem sendo defendido pela Doutrina mais relevante:

- Remédio Marques, in “Curso de processo executivo comum”, pág. 204, nota 561 que refere que nestas situações nada obsta à escolha do cônjuge não executado (que fica com o bem penhorado na composição acordada dos quinhões) “É que neste caso ultimada a partilha, o crédito de tornas que coube ao executado pode ser penhorado…. Uma outra solução pode passar pela sub-rogação da penhora dos bens comuns adjudicados ao cônjuge do executado na penhora do valor (de tornas) que exceder a sua meação, ficando o cônjuge do executado adstrito a entregar o montante das tornas ao Tribunal de execução (ou ao respectivo adquirente na venda executiva, se o credito de tornas já tiver sido vendido ou adjudicado e esta eventualidade já tiver sido notificado ao cônjuge do executado: cf. art. 860º/2) – cf. neste sentido, ac. da RC de 2/11/1999, in CJ 1999, Tomo 5, pág. 14. O efeito prático desta solução só residirá na desnecessidade de o exequente requerer a penhora do eventual crédito de tornas ou a penhora da expectativa de aquisição. Pelo que, convertendo-se a penhora dos bens comuns na penhora do direito de crédito de tornas, o pagamento que o cônjuge do executado faça ao executado é ineficaz relativamente à execução, pois que lhe é aplicável o regime previsto no art. 860º do CPC, máxime, o nº 3 (actual, art. 777º, do NCPC). Cremos que esta solução – que constitui hoje um afloramento da regra geral da sub-rogação de bens ou direitos penhorados por outros bens ou direitos (o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Acção executiva, pág. 201 fala, a este propósito, de um fenómeno de convolação da penhora, de que são exemplos, as situações previstas nos arts. 850-A, 842-A e 851º do CPC e 823º do CC – é razoável nos casos em que o valor dos bens comuns adjudicados ao cônjuge do executado, exceda a sua meação… “.
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- Lebre de Freitas, in “A acção executiva à luz do CPC de 2013” (6ª edição), pág. 260 “ (Citado o cônjuge do executado – art. 786, nº 1, al. a) do CPC) … se…nada fizer, a execução prosseguirá nos bens penhorados (art. 740º, nº 1). Caso contrário, a execução é suspensa até que se verifique a partilha e se, nesta, os bens penhorados não forem atribuídos ao executado, poderão ser penhorados outros que lhe tenham cabido (art. 740º, nº 2) ”, referindo em nota o seguinte: (41) “ (o exequente e os outros credores têm o direito de, no próprio processo de separação, reclamar contra a escolha efectuada (art. 81º, nº 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário) …) sem prejuízo de poderem recorrer ao meio geral da impugnação pauliana, em acção própria, se porventura forem prejudicados com os termos em que a partilha é efectuada (art. 610º) ”; (42) “A penhora anterior permanece até que a segunda tenha lugar, para eficácia da garantia do credor”;
*
- Rui Pinto, in “Manual da execução…” (2013), pág. 542: “Nesta segunda hipótese, com a adjudicação do bem, onerado por penhora, ao cônjuge não executado, por força do efeito subrogatório associado à perda da coisa do património do executado do art. 823º do CC, a penhora transfere-se, também para os bens do cônjuge do executado, que hão-de constituir o quinhão executado como valor de tornas. Ou seja: sobre eles passa a incidir a garantia de pagamento do crédito, apesar de serem bens de terceiro à dívida. Enquanto não forem transmitidos para o património do executado, o cônjuge devedor das tornas fica colocado na posição de fiel depositário, com todos os deveres daí inerentes, inclusive, com a obrigação de prestar contas (art. 760º, nº1 do CPC). Por isso sobre ele incide o dever de conservar as tornas em seu poder ou de as depositar à ordem do Tribunal.

Paralelamente e para maior garantia para o exequente, o nº 2 do art. 740º do CPC determina que a penhora anterior permanece até nova apreensão de outros bens que hajam cabido ao executado imediatamente ou futuramente a título de tornas, acrescentamos.

Esta solução suscita-nos profundas reservas: não encontramos fundamento para estarem penhorados bens que, na verdade, não vão responder pela dívida, visto serem do cônjuge não devedor. Não é aceitável que os bens continuem submetidos aos efeitos da penhora – apreendidos e sem possibilidade de alienação eficaz a terceiros. Acresce que o seu titular fica sujeito, sem prazo, aos resultados das diligências de busca e indicação à penhora de novos bens”.

Noutro passo da sua lição (pág. 542) este Autor refere que nestas situações (da escolha dos bens) “a não existência de conflito entre os cônjuges e a estratégia deliberada para colocar os melhores bens no património do cônjuge-mulher e não executada, com vista à subtracção ao pagamento, consubstancia um comportamento malicioso tendente a fazer do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de atingir um objectivo ilegal, ou seja, manifesta má fé processual”.
*
- Marco Gonçalves, in “Lições de processo civil executivo”, pág. 268:

“Se, na sequência dessa partilha, os bens penhorados ficarem a pertencer ao executado, a execução prossegue sobre esses bens. Diversamente, se os bens penhorados não couberem ao executado, mas antes ao seu cônjuge, podem ser penhorados outros bens que lhe venham a ser adjudicados na partilha, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão. Se na partilha não forem adjudicados bens ao executado, cabendo-lhe antes o direito a receber tornas, ou seja, uma compensação pecuniária correspondente à sua quota-parte na partilha, nesse caso o cônjuge do executado, por aplicação analógica do regime da penhora de créditos, deve entregar as tornas ao agente de execução, não ficando desonerado dessa obrigação se entregar as tornas, ainda que indevidamente ao executado”.
*
E é essa também a Jurisprudência que tem prevalecido:

- ac. da RC de 2.11.1999 (relator: Garcia Calejo) – só sumário:
“Nos termos do art. 825° n° 4 do C.P.Civil (na redacção anterior à introduzida pelo Dec-Lei 329/A/95 de 12/12), apensado o requerimento de separação de bens dos cônjuges ou junta a certidão comprovativa da pendência de outro processo em que a separação já tenha sido requerida, a execução fica suspensa até à partilha. Se por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser nomeados outros que lhe tenham cabido, contando-se o prazo para nova nomeação a partir do trânsito da sentença homologatória.

Assim se pela partilha, os bens penhorados couberem ao cônjuge não executado, a penhora é levantada em relação a esses bens, podendo o exequente nomear outros que tenham cabido ao executado.

Caso ao executado caibam tornas, não é possível entregá-las em mão a este, dado que estas devem permanecer penhoradas por " transferência " da penhora primitiva. É que sendo os bens penhorados retirados da disponibilidade do executado não é compreensível que o bem que recebe por troca da sua parte no bem penhorado (dinheiro de tornas), não mantenha essa indisponibilidade. Entendendo-se que as tornas recebidas devem manter esta indisponibilidade, não podem ser dadas em mão ao executado, pois isto significaria a sua livre disposição por parte dele, pelo menos, até se efectuar nova penhora, abrangendo-as”.
*
Ac. do STJ de 21.9.2000 (proc. 1695/00) citado por Marco Gonçalves, in “Lições de processo civil executivo”, pág. 267, nota 823:

No qual se decidiu que a possibilidade de o cônjuge do executado requerer a separação de bens não pode servir para, através do acordo entre os interessados, defraudar as legítimas expectativas do exequente. “Assim, se na conferência de interessados estes acordam em que o bem penhorado fique a preencher o quinhão do cônjuge, e o valor dos restantes bens não é suficiente para garantir o crédito exequendo, declarando o executado que já recebera em mão as tornas, não pode deixar de ser obrigatório o depósito das tornas, transferindo-se para ele a penhora que incidia sobre o objecto da partilha, nos termos do art. 823º do CC, considerando-se ineficaz o eventual pagamento ao interessado executado”.
*
- Ac. da RC de 13.11.2001, in CJ Ano XXVI, Tomo V, pág. 18, defendendo este que, transitada em julgado a sentença homologatória da separação de meações, proferida no inventário respectivo, o credor exequente pode pedir a venda dos bens adjudicados ao cônjuge do executado, devedor das tornas, para pagamento do seu crédito, ao abrigo do disposto no art. 1378º do CC.
*
Ac. da RE de 25.11.2004 (relator: Ana Resende):

“No processo para separação de bens nos termos do art.º 825, do CPC, cabendo os bens penhorados ao cônjuge do executado, as tornas de que este possa, consequentemente, ser credor, não lhe devem ser entregues em mão, não ficando o devedor desonerado de tal obrigação, se fizer a entrega em tais termos”.

No texto do Acórdão acrescenta-se o seguinte:

“Com efeito, não pode ser esquecido que os bens objecto de penhora, correspondendo às verbas 26 e 30, repita-se, avaliados, respectivamente em 44.470,00€, e 400,00€ foram escolhidos, pela Agravante e à mesma adjudicados, ficando assim desonerados, daí que, pelo menos até à realização de nova penhora sobre outros bens do executado nos termos do n.º 3, do art.º 825, do CPC, se poderá dizer que aquela garantia se transfere para os bens que hão-de constituir o quinhão do executado, isto é, as tornas devidas – veja-se o disposto no art. 823º do CPC (CC)”.
*
- Ac. da RE de 13.12.2005 (relator: Mata Ribeiro):

“ (…) 2 – No inventário para separação de meações com a adjudicação do bem, onerado por penhora, ao cônjuge não executado, transfere-se, também, este ónus, nos termos do art.º 823º do Cód. Civil para os bens que hão-de constituir o quinhão do seu cônjuge, devedor, o valor das tornas, sobre elas passando a incidir a garantia do pagamento do crédito.
3 - O devedor das tornas fica colocado na posição de fiel depositário, com todos os deveres daí inerentes, inclusive, com a obrigação e prestar contas (art.º 843º n.º 1 do CPC), pelo que sobre ele incide o dever de conservar as tornas em seu poder ou de as depositar à ordem do tribunal.
4 – A não existência de conflito entre os cônjuges, e a estratégia deliberada para colocar o imóvel - o único bem capaz de garantir substancialmente a satisfação do crédito do credor Estado Português - no património da cônjuge-mulher e não executada, com vista à subtracção ao pagamento, consubstancia um comportamento malicioso tendente a fazer do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de atingir um objectivo ilegal, ou seja, manifesta má fé processual.
4 – No inventário para separação de meações, atento o interesse dos credores, quando aos bens é atribuído valor muito diferente dos valores de mercado deve o juiz, oficiosamente, ao abrigo do disposto no art.º 1353º n.º 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, determinar se proceda à avaliação”.
*
Ac. do STJ de 6.7.2006 (relator: Bettencourt Faria)

“I - Na separação de bens efectuada ao abrigo do artº 825º do C. P. Civil, não é possível preencher o quinhão de um dos cônjuges com a atribuição do direito à habitação da casa de morada de família, previsto no artº 2013º do C. Civil para o cônjuge sobrevivo, na partilha mortis causa.
II - Com efeito, na separação de meações devido à penhora de bens comuns, não se pode presumir o eventual conflito de interesses, que fundamenta a faculdade daquele artº 2013º.
III - Acresce que poder-se-ia traduzir numa diminuição da garantia patrimonial do credor exequente.
IV - No mesmo tipo de separação de bens, a declaração do credor de tornas de que já as recebeu em mão não tem força confessória, uma vez que esse facto não lhe é, em abstracto, necessariamente desfavorável, podendo-se configurar como uma forma expedita do dinheiro permanecer no casal, frustando os direitos que exequente possa ter sobre tal quantia.
V - Assim, torna-se necessário o efectivo depósito das tornas”.
*
Ac. da RC 29.09.2006 (relator: Jaime Ferreira)

“1– Tendo o cônjuge não executado manifestado-se no sentido de querer escolher os bens com que seria formada a sua meação – conforme lhe permite o artº 1406º, nº 1, al. c), do CPC - e verificando-se que essa escolha incidiu em mais bens do que os necessários para se perfazer o valor da sua meação, e tendo o credor-exequente logo requerido que o cônjuge-meeiro, devedor de tornas, fosse notificado para delas fazer depósito à ordem do Tribunal, com vista ao seu pagamento por elas, o que se verificou, deve considerar-se como penhorado esse crédito de tornas, nos termos do artº 856º do CPC.
2 - O suposto pagamento dessas tornas efectuado pelo cônjuge do executado a este não é eficaz (é inoponível, nos termos dos arts. 819º e 820º do C. Civ.) em relação ao exequente, devendo o devedor das tornas ser notificado para proceder ao depósito de tal montante na Caixa ..., à ordem do Tribunal, sem prejuízo da quantia em dívida lhe poder vir a ser exigida, nos termos do artº 860º, nº 3, CPC, e da sua eventual condenação como litigante de má fé
3 - O cônjuge meeiro responsável pelo pagamento das tornas penhoradas a favor do exequente está obrigado a depositar a respectiva importância na Caixa ..., à ordem do Tribunal, e a juntar ao processo o documento do depósito, ou a entregar a coisa devida ao exequente, que funcionará como seu depositário, nos termos do artº 860º, nº 1, do CPC”.
*
- Ac. do STJ de 4.11.2010 (relator: Maria dos Prazeres Beleza)

“1. Sendo a execução movida contra um só dos cônjuges, seja por dívidas da sua exclusiva responsabilidade, seja por dívidas da responsabilidade de ambos, recai sobre o executado o ónus de vir requerer a separação de bens, sob pena de a execução prosseguir sobre bens comuns.
2. Sendo tempestivamente requerida a separação, a execução suspende-se até à partilha, mantendo-se a penhora se os bens vierem a caber ao executado, ou, se assim não suceder, passando a incidir sobre outros que lhe forem adjudicados. (…) ”.
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Ac. da RC de 2.11.2014 (relator: Maria João Areias):

“1.- Penhorado um determinado bem comum do casal ou a “meação nos bens comuns”, numa execução movida unicamente contra um dos cônjuges, e citado o cônjuge ao abrigo do disposto no art. 825º do CPC, das duas, uma:
- Ou o cônjuge do executado não requer a separação de meações nem junta certidão de acção pendente, e a execução prossegue contra o bem penhorado, para a sua venda ou adjudicação na acção executiva;
- Ou o cônjuge requer a separação de meações ou junta certidão comprovativa de processo de separação de bens já instaurado, suspendendo-se a execução nos bens comuns até à partilha. E aí, o bem é adjudicado ao executado ou ao seu cônjuge.
2.- Se o bem penhorado for adjudicado ao executado, a execução prossegue relativamente a tal bem. Se o bem penhorado não lhe for adjudicado, é levantada a penhora, podendo ser penhorados outros bens que tenham cabido ao executado, permanecendo a penhora até à nova apreensão.
3.- Nesta última hipótese, a penhora anterior permanece unicamente até que a segunda tenha lugar, para eficácia da garantia do exequente.
4.- Com a adjudicação do bem penhorado ao cônjuge do executado, a garantia de pagamento do crédito do exequente resultante da penhora transfere-se para os bens que hão de constituir o quinhão do executado/devedor, neste caso, o valor das tornas.
5.- Contudo, apenas a garantia de pagamento do crédito exequendo resultante da penhora se transmite para os bens que hão de constituir o quinhão do cônjuge executado, o que não sucederá com as demais garantias reais ou privilégios que incidam sobre os penhorados e que venham a ser adjudicados ao seu cônjuge, garantias estas que se manterão intocadas a partir do momento em que tais bens venham a ser excluídos da execução (…)”.
*
Aqui chegados, e sendo estas as conclusões a que chegamos, torna-se evidente que a invocação do caso julgado (ou da autoridade de caso julgado) não tem campo de aplicação no caso concreto.

Na verdade, independentemente da não verificação dos seus requisitos nas questões aqui tratadas (não existe identidade de pedido e de causa de pedir, nem foi proferida com anterioridade no presente processo, qualquer decisão que se possa considerar contraditória com a decisão recorrida – cf. artºs 576.º, n.º 2, 577.º, al. i), 580.º, n.º 1, 581° e 619°, nº 1, todos do CPC), a verdade é que as condutas processuais assumidas pelas partes no processo apenso, nenhum reflexo podem ter (9) no normal prosseguimento da acção executiva.

Assim, o Tribunal (ou o Agente de Execução), independentemente daquelas posições das partes (que, quanto ao exequente e credores, foram de exercício limitado – v. nota de rodapé), deve promover a legalidade e a eficácia dos actos de penhora efectivados nos autos e, oficiosamente, anunciar a ineficácia daqueles actos de partilha (nomeadamente, da entrega em mão das tornas), perante a já referida convolação automática da penhora efectivada (em bens comuns do casal) nos bens que couberam ao executado na partilha efectuada no processo apenso.

Decorre, pois, destas conclusões que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, tendo em conta a afirmada ineficácia dos actos de partilha efectuados (designadamente, da entrega em mão das tornas) perante a penhora vigente dos bens comuns do casal (cfr. nº 2 do art. 740º do CPC), não se pode julgar verificada a existência de caso julgado (seja em que modalidade for), uma vez que a decisão aí proferida (sentença que homologou a partilha) não impõe a sua autoridade, nem obsta a que se reconheça a ineficácia (limitada) dos actos de partilha homologados, em face dos efeitos sub-rogatórios (automáticos) da penhora dos bens comuns sobre as tornas ou o direito às tornas que vieram a integrar o património do executado.

Improcede, pois, totalmente o Recurso.
*
III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o Recurso e, em consequência, manter integralmente a decisão recorrida.
*
Custas pela Recorrente
Notifique.
*
Guimarães, 7 de Março de 2019

(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)

1. Neste sentido, v. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, vol. V, pág. 140 e Antunes Varela, in, “Manual de Processo Civil”, pág. 669.
2. Cfr. Antunes Varela, obra citada pág. 670.
3. Abrantes Geraldes, in “Recursos no NCPC”, pág. 289 “… a anulação da decisão… não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do Recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo…”.
4. Lebre de Freitas, in “CC- anotado” (Coord. Ana Prata), Vol. I, pág. 1031.
5. Marco Gonçalves, in “Lições de Processo civil executivo”, pág. 235.
6. A Varela/ P. Lima, in “CC anotado”, Vol. II, pág. 96 “… há na base da preferência que se mantém, o fenómeno da sub-rogação real que consiste na substituição imediata (sem necessidade de prévio requerimento do exequente) da coisa penhorada pelo crédito da indemnização ou pela própria indemnização como objecto do direito de preferência”.
7. Segundo A. Varela/ P. Lima, in “CC anotado”, Vol. II, pág. 92 “a tese de que a penhora do direito se converte imediatamente na penhora dos bens com que a quota do executado foi preenchida só poderá ser aceite se o penhorante tiver intervindo como interessado, na realização da partilha e a tiver aceitado (Anselmo de Castro, Acção executiva, 2ª ed., págs. 159 e ss.) ”.
8. Virgínio Ribeiro/ Sérgio Rebelo, in “A acção executiva anotada e comentada” (2015), pág. 221: “Para além dos casos expressamente referidos, ainda que actualmente inexista norma prevendo o poder geral de controlo, essa circunstância não obsta a que o juiz possa interferir nos actos praticados pelo agente de execução, no caso de ter sido praticada uma qualquer ilegalidade. Finalmente, interessará ainda ter presente o princípio da reserva do juiz, pelo que, mesmo nos casos em que a sua intervenção não esteja expressamente prevista na lei, tratando-se de dizer o direito, a respectiva decisão será sempre da sua competência”.
9. Nem mesmo em sede de abuso de direito (art. 334º do CC), se tivesse sido o exequente a levantar a questão que aqui foi colocada, já que, conforme decorre do exposto, aquele apenas pode reclamar do exercício do direito de escolha pelo cônjuge do executado, com a consequência do juiz ordenar a avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados (art. 1406º do anterior CPC). Isto significa que, mesmo que o exequente e os credores usem desta faculdade, tal não impede que o acordo de composição de quinhões possa ser homologado pelo Tribunal, já que o acordo daqueles não é condição necessária para essa homologação.