Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
577/04.1TBVPA-G.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
ACUMULAÇÃO DE AÇÕES
OBJETO PROCESSUAL MÚLTIPLO
VALOR DA SUCUMBÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DESATENDIDA
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Nos termos do art. 35º, do CPC, no litisconsórcio voluntário há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes.
O “litisconsórcio voluntário, que tem como alternativa a apreciação separada das situações jurídicas dos vários litisconsortes, leva a que, quando se constitui, por cada um ou contra cada um seja exercido um direito de ação, gerando-se assim um objeto processual múltiplo, o que implica que cada litisconsorte constitua uma parte processual”.
II - Por isso, o valor da sucumbência tem de ser aferido atendendo ao valor que cada um dos litisconsortes foi condenado a pagar, e não à soma das condenações de todos os réus litisconsortes ou à soma das condenações das duas litisconsortes recorrentes.
III - Tendo cada uma das rés litisconsortes voluntárias sido condenada no pagamento da quantia de € 1 689,33, é esse o valor da sucumbência, o qual é inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância, razão pela qual a decisão não é recorrível.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

A. R., L. A. e A. P., por si e como herdeiros da herança aberta por óbito de A. M., intentaram ação de processo comum contra A. F., R. J., R. F. e T. J. pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhes solidariamente a quantia total de € 6 867,12, a título de honorários, despesas e IVA e juros, sobre aquela importância, sem o IVA, calculados à taxa de juro civil, desde o término do prazo de pagamento, dia 31/12/2010, até efetivo e integral recebimento.
Alegaram, em síntese, que o falecido advogado A. P. foi contactado por J. L. e A. F. as quais lhe solicitaram que as representasse, bem como aos seus irmãos, no processo de inventário nº 577/02.1TBVPA, na sequência do que o Sr. advogado praticou diversos atos no aludido processo.
Alegaram ainda que os réus não procederam ao pagamento da nota de honorários e despesas que lhes foi remetida, sendo que os restantes três herdeiros que o falecido advogado também representava já efetuaram o pagamento da sua quota-parte.
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A ré A. F. apresentou contestação e deduziu reconvenção pedindo que os autores fossem condenados a pagar-lhe a quantia de 153,22€, acrescida da quantia devida a título de taxas de justiça e custas de parte não reclamadas no processo e apensos.
Fundamenta este pedido no facto de ela e a sua irmã J. L. terem efetuado diversos pagamentos a título de honorários e despesas pelos serviços prestados pelo Sr. Advogado, faltando pagar somente a quantia de € 254,78. Porém, tendo em conta o crédito de € 408 das custas de parte do apenso E, fazendo a compensação, os autores ainda lhe têm a pagar a quantia de € 153,22 (€ 408 - € 254,78) que peticiona em reconvenção.
Além disso, o Dr. A. P. não reclamou as custas de parte devidas à ré nos processos em que a patrocinou nem requereu a restituição da taxa de justiça que a mesma pagou, razão pela qual devem os autores indemnizar a ré dos danos por esta sofridos a esse título em montante a fixar em sede de liquidação.
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Os réus R. J., R. F. e T. J., regular e pessoalmente citados, não deduziram contestação.
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Foi proferida sentença que, no que aqui releva:

- condenou os réus R. J., R. F. e T. J. a pagar, cada um, aos autores A. R., L. A. e A. P. a quantia de € 1 689,33, acrescida de juros de mora vencidos desde 1.1.2011, à taxa legal aplicável às obrigações civis até efetivo e integral pagamento, e absolveu a ré A. F. do peticionado.
- julgou a reconvenção totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu os Autores/Reconvindos A. R., L. A. e A. P. do peticionado.
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Da factualidade dada como provada na sentença resulta que o falecido advogado A. P. foi contactado por J. L. e A. F. as quais lhe solicitaram que as representasse bem como aos seus irmãos R. P., R. F. e T. J. no processo de inventário nº 577/02.1TBVPA, na sequência do que o Sr. advogado praticou diversos atos no aludido processo.
A sentença considerou que existiu um contrato de mandato judicial outorgado entre o falecido advogado A. P. e os réus.
Considerou ainda que as obrigações dos réus eram parciárias, o que entendeu ser corroborado pelo facto do falecido advogado A. P. ter exigido a cada um dos mesmos uma fração do quantum global de honorários e despesas no valor de € 1 689,33.
Em conformidade, condenou cada um dos réus no pagamento desse valor, com exceção da ré A. F. em virtude de a mesma ter efetuado o pagamento da respetiva quota-parte da obrigação parciária.
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As rés T. J. e R. F. interpuseram recurso da sentença.
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Sobre tal recurso incidiu despacho que, na parte que aqui releva, tem o seguinte teor:

“Na situação sub judice, esmiuçando-se a sentença exarada no processo, afere-se que cada uma das Rés recorrentes foi condenada a pagar aos Autores a quantia de 1.689,33€ (mil, seiscentos e oitenta e nove euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde 1.1.2011 à taxa legal aplicável às obrigações civis até efetivo e integral pagamento.
Sopesando-se o exposto, atesta-se que valor da sucumbência de cada uma das Rés, como crivo da recorribilidade em sede de decaimento parcial, se reconduz ao montante de 1.689,33€, i.e., manifestamente inferior a metade da alçada do tribunal de 1.ª instância (5.000,00€).
Enfatize-se que os pressupostos de recorribilidade plasmados no art.º 629.º/1, do Código de Processo Civil são cumulativos, i.e., o valor da causa tem de exceder a alçada do tribunal de 1.ª instância e o valor da sucumbência tem de ser superior a metade da mesma (vd. António Abrantes Santos Geraldes, ob. cit.)
Em decorrência, conquanto o valor da causa exceda a alçada do tribunal de 1.ª instância, conclui-se linearmente que a supra sentença é irrecorrível em função do valor da sucumbência, o qual é inferior a metade da mesma, sendo que outrossim não se subsume nas previsões taxativas dos n.º 2 e 3, do art.º 629.º, do CPC.
Consequentemente, não se afiguram perfectibilizados os pressupostos de admissibilidade do recurso, postulando-se a sua rejeição liminar.
Pelo supra exposto, indefere-se liminarmente os recursos aduzidos pelas Rés T. J. e R. F..
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Inconformadas com o despacho que não admitiu o recurso que interpuseram da sentença, por falta de verificação do requisito atinente ao valor da sucumbência, vieram as rés T. J. e R. F. apresentar reclamação ao abrigo do disposto no artigo 643º, do CPC.
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Foi proferida decisão pela relatora a qual considerou que o valor da sucumbência é de € 1 689,33 e, por isso, sendo inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância, a decisão não é recorrível, tendo, consequentemente, indeferido a reclamação apresentada pelas recorrentes e mantido o despacho reclamado que não admitiu o recurso interposto.
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Inconformadas com tal decisão, vieram as reclamantes requerer que sobre a matéria do despacho da relatora recaia acórdão, nos termos do disposto no art. 652.º, nº 3, do CPC, apresentando as seguintes conclusões:

“1.º A admissibilidade do recurso está dependente da verificação de vários requisitos, de entre estes, o requisito do valor da acção e o requisito do valor da sucumbência;
2.º No presente caso, está em discussão saber qual é o valor da sucumbência quando são condenados 3 de 4 RR., contra os quais foi formulado o seguinte pedido: “(...) serem condenados a pagar solidariamente aos a AA. quantia total de 6.867,12€ (...)” e o Tribunal profere a seguinte decisão: Condenar os Réus (...) a pagar, cada um, ao Autores (...) a quantia de 1.689,33€(...);
3.º O valor da presente acção, atenta a utilidade imediata económica do pedido, é de 6.867,12€ nos termos do disposto no art.º 296.º, n.º 1 do CPC
4.º Atenta a sentença proferida, caso o recurso não viesse a ser admitido (ou venha a ser julgado improcedente), atento o valor reclamado pelos AA., sucumbiram estes em 1.689,33€ e irão receber a quantia de 5.067,99€;
5.º Ou seja, atento o facto de, quer a contestação, quer o recurso, aproveitarem todos os RR. (mesmo os não contestantes ou recorrentes) - art.ºs 568.º e 631.º, n.º 1 - terá de se considerar que aquele valor (5.067,99€) é o valor da sucumbência dos RR. e concluir-se pela admissibilidade do recurso;
6.º Mas, ainda que assim não se entenda e para efeitos de determinação do valor da sucumbência apenas se pudesse considerar o valor a que cada uma das RR/Recorrentes foi, individualmente condenada, ainda assim terá de se efectuar a soma aritmética de ambas as parcelas e concluir-se que a sucumbência é de 3.378,66€;
7.º De qualquer uma das formas, concluir-se pela admissibilidade do recurso atento o disposto no n.º 1 do art.º 629.º do CPC;
8.º O Tribunal “a quo”, salvaguardado sempre o devido respeito, fez uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, com violação do disposto nos art.ºs 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 1, 568.º, 629.º, n.º 1 e 631.º, n.º 1, todos do CPC, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais;
9.º em sede de resposta à reclamação apresentada, acabou o Tribunal da Relação por perfilhar igual entendimento, desconsiderando que a sentença proferida configura uma alteração do pedido formulado;
10.º Citados os RR., produz-se a estabilidade da instância quanto, designadamente, o pedido. E é considerando a acção, tal qual esta se mostra configurada pelos AA. que os RR. definem a sua estratégia;
11.º E é por lhes ser impossível antever todos os desfechos possíveis, que o Tribunal não pode condenar em pedido diferente do formulado, o que impunha tivesse o Tribunal de primeira instância de proferir a seguinte sentença: “Condenar os Réus a R. J., R. F. e T. J. a pagar, ao Autores A. R., L. A. e A. P. a quantia de 5.067,99€ (cinco mil e sessenta e sete euros e noventa e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde 1.1.2011 à taxa legal aplicável às obrigações civis até efetivo e integral pagamento” - O que permitiria agora aos RR. não contestantes recorrer;
12.º Por fim, entendendo-se por sucumbência o valor a que a parte foi condenada a pagar, acrescido no caso de haver pedido reconvencional, do valor que deixará de auferir, terá de se considerar que na presente acção, cada uma das RR./Recorrentes individualmente considerada, sucumbiu em 3.063,66€ - valor que resulta da soma do capital com os juros de mora com o valor do pedido reconvencional, julgado improcedente;
13.º Mas que no final é superior a metade do valor da alçada do Tribunal da Relação, dessa forma admitindo-se o recurso interposto;
14.º Entendem por via disso as reclamantes que sobre a reclamação apresentada ao despacho que não admitiu o recurso deverá recair um acórdão que admita o recurso.
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Notificada de tal requerimento, a parte contrária não se pronunciou.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DA RECLAMAÇÃO

A questão a decidir consiste em saber se o recurso interposto pelas reclamantes deve ser admitido, por o valor da sucumbência ser superior a metade do valor da alçada da 1ª instância.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos a considerar são os que se encontram descritos no relatório.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir.

Vejamos, então, se a rés ora reclamantes T. J. e R. F. podem ou não recorrer da sentença, por o valor da sucumbência ser superior a metade do valor da alçada da 1ª instância.

Dispõe o art. 629º, nº 1, do CPC, que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

Portanto, à luz desta norma, para que seja admissível o recurso é necessário que se verifiquem dois requisitos:
1) o valor da causa tem de ser superior a € 5 000, por ser esse o valor da alçada do tribunal recorrido;
2) o valor da sucumbência tem de ser superior a € 2 500, correspondente a metade do valor dessa alçada.
Basta que faleça um dos requisitos para que o recurso não seja admissível, pois que a lei exige a sua verificação cumulativa.
No caso em apreço, cada uma das rés recorrentes foi condenada a pagar aos autores a quantia de € 1 689,33.
O despacho reclamado considerou ser esse o valor da sucumbência e não admitiu o recurso por o mesmo ser inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância.
As recorrentes discordam e consideram que o valor da sucumbência é de € 5 067,99, correspondente à soma da condenação de cada um dos três réus na sentença (€ 1 689,33 x 3), ou, pelo menos, de € 3 378,66, correspondente à soma da condenação das duas rés recorrentes (€ 1 689,33 x 2), ou, então de € 3 063,66, valor que resulta da soma do capital (€ 1 689,33) com os juros de mora contabilizados até 14.12.2020 (€ 681,47) e com o valor do pedido reconvencional, julgado improcedente (€ 692,86).

Vejamos, então, qual é o valor da sucumbência a considerar nos presentes autos.

Como é sabido “a sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte e que, por isso, se designa parte vencida; esta é, portanto, aquela a quem a decisão prejudica, que com ela sofreu gravame ou a quem ela foi desfavorável, em suma, quem perdeu…” (Acórdão do STJ, de 14.5.2015, Relator Fernando Bento, in www.dgsi.pt).
Com este requisito, que foi introduzido com a reforma processual de 1985, pretendeu-se filtrar as questões suscetíveis de serem submetidas à reapreciação dos tribunais superiores, impedindo a possibilidade de recurso em casos em que a parte ficasse vencida em escassa dimensão, com vista a que as energias se concentrem naquilo que é importante, como forma de erradicar instrumentos potenciadores de morosidade da resposta judiciária e levando ainda em linha de conta o interesse de dignificar a atividade dos tribunais superiores (neste sentido cf. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo CPC, 5ª edição, págs. 44 e 45).

A relação material controvertida que é invocada nos autos é uma relação de mandato judicial celebrado entre o falecido advogado A. P., na qualidade de mandatário, e os réus, na qualidade de mandantes. O mandato foi outorgado para que o Sr. advogado os representasse no âmbito de um processo de inventário. Assim, do ponto de vista substancial, temos uma única relação de mandato judicial, com um único mandatário e uma pluralidade de mandantes.
Por conseguinte, há uma única relação material controvertida (a relação de mandato judicial) a qual é plural do lado passivo, visto que são vários os mandantes.
Dispõe o art. 32º, nº 1, do CPC, sob a epígrafe litisconsórcio voluntário, que “se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.
Assim, usando as palavras de Paulo Pimenta (in Processo Civil Declarativo, 3ª ed., pág. 84), “o litisconsórcio ocorre quando se discute em juízo uma determinada relação jurídica que envolve diversos sujeitos, os quais, por isso, isto é, em virtude de serem titulares da relação controvertida, são partes na ação. Quer dizer, à unicidade de relação controvertida corresponde uma pluralidade de partes”.
Nas situações de litisconsórcio voluntário a cumulação subjetiva depende exclusivamente da vontade das partes, às quais cabe decidir se a ação é proposta por todos ou contra todos os interessados, ou, diversamente, se apenas é proposta por alguns ou contra alguns dos interessados. Se apenas parte dos interessados estiver em juízo, então o tribunal tem que restringir o conhecimento à respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.
Dada a existência de unicidade de relação material controvertida, mas com pluralidade de partes, coloca-se a questão de saber qual o posicionamento dos litisconsortes nas suas relações recíprocas, designadamente em que medida é que os atos praticados por um se repercutem e refletem na posição dos demais consortes.
Tal dúvida é solucionada pelo art. 35º, do CPC, o qual dispõe que no litisconsórcio voluntário há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes, norma esta de onde se pode concluir, como regra geral, que cada um dos consortes atua com independência em relação aos outros, mantendo-se a natureza independente das ações, embora estejam cumuladas no mesmo processo.
Como manifestação ou decorrência desta posição de independência dos litisconsortes voluntários, o art. 288º, nº 1, do CPC, consagra a liberdade de confissão, desistência e transação individual, limitada ao interesse de cada um na causa e o art. 634º, nº 2, als. a) a c), também do CPC, regula os casos em que, fora do litisconsórcio necessário, o recurso aproveita aos compartes não recorrentes, daí resultando, a contrario, que, nos demais casos, o recurso não aproveita aos não recorrentes.
O “litisconsórcio voluntário, que tem como alternativa a apreciação separada das situações jurídicas dos vários litisconsortes, leva a que, quando se constitui, por cada um ou contra cada um seja exercido um direito de ação, gerando-se assim um objeto processual múltiplo, o que implica que cada litisconsorte constitua uma parte processual” (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 104).
Ora, revertendo e aplicando estas considerações ao caso em apreço, os autores demandaram os réus com fundamento numa relação material controvertida consubstanciada na relação de mandato judicial. Os autores não demandaram todos os mandantes, pois três deles já tinham procedido ao pagamento da sua quota-parte de responsabilidade quanto ao valor global da nota de honorários e despesas, só tendo demandado os réus, alegando que os mesmos não efetuaram o pagamento da sua quota-parte.
Por conseguinte, estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário passivo.
Como decorre do citado art. 35º, do CPC, nesta situação há uma mera acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes.
Por isso, o valor da sucumbência tem de ser aferido atendendo ao valor que cada um dos litisconsortes foi condenado a pagar, e não à soma das condenações de todos os réus litisconsortes ou à soma das condenações das duas litisconsortes recorrentes.
Uma vez que cada litisconsorte foi condenado no pagamento da quantia € 1 689,33, valor que é inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância (€ 2 500), falece efetivamente o requisito atinente ao valor da sucumbência, sendo a decisão irrecorrível, nos termos do art. 629º, nº 1, do CPC.
Por outro lado, também não releva aqui o valor do pedido reconvencional julgado improcedente para efeitos de determinação do valor da sucumbência.
Com efeito, esse pedido reconvencional não foi deduzido pelas rés recorrentes e reclamantes T. J. e R. F., mas sim pela ré A. F., a qual não recorreu da decisão e à qual, dada a situação de litisconsórcio voluntário, não aproveita o recurso interposto pelas demais rés por não se verificar nenhuma das hipóteses a que alude o art. 634º, nº 2, do CPC.
Por conseguinte, o valor do pedido reconvencional julgado improcedente não se pode somar ao valor em que as rés T. J. e R. F. foram condenadas para efeitos de determinar o valor das respetivas sucumbências.
Também o valor dos juros de mora não releva para determinação do valor de sucumbência. Mas, mesmo que se entendesse diversamente, somando tal valor, que as rés consideram ser de € 681,47, contabilizados até 14.12.2020, com a quantia de € 1 689,36 em que foram condenadas, ainda assim o valor global seria de € 2 370,83, o qual não excede metade da alçada do tribunal de 1ª instância que é de € 2 500.

Por conseguinte, e em suma, entende-se que a sucumbência das duas rés recorrentes e reclamantes corresponde unicamente ao valor de € 1 689,33 em que cada uma delas foi condenada.

No que toca aos demais argumentos em concreto esgrimidos pelas reclamantes, entende-se que não se mostra violada nenhuma das normas invocadas, sendo de referir que o invocado art. 568º, al. a), do CPC - que exceciona dos efeitos da revelia a situação em que, havendo vários réus algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar, obstando, assim, a que tais factos se tenham como confessados - em nada releva para a situação em apreço. Tal norma rege unicamente quanto à matéria factual que se tem ou não como confessada, em nada interferindo com a posição de independência dos litisconsortes voluntários que está consagrada no art. 35º e em nada influenciando a determinação do que constitui o valor da sucumbência.
Acresce que, embora o art. 631º, nº 1, do CPC, disponha que pode recorrer quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, tal norma prende-se com a legitimidade para recorrer, e não com os pressupostos de recorribilidade da decisão, os quais se encontram definidos no art. 629º, do mesmo diploma legal.
Como tal, uma parte pode ter legitimidade para recorrer, por ser parte principal e ter ficado vencida, e ainda assim a decisão não admitir recurso por falecerem os requisitos atinentes ao valor da causa e da sucumbência.
Importa relembrar que “a legitimidade constitui apenas um dos pressupostos processuais, devendo observar-se ainda os demais pressupostos, com especial realce para os que atinam com o valor da causa e com o valor da sucumbência” (Abrantes Geraldes e outros in CPC Anotado, Vol. I, 2ª ed., pág. 782).
Por outro lado, diversamente do afirmado pelas reclamantes, o recurso interposto pelas mesmas não aproveita aos demais réus. Uma vez que no caso há uma situação de litisconsórcio voluntário passivo, o recurso apenas aproveitaria aos não recorrentes se ocorresse alguma das situações elencadas nas als. a) a c), do nº 2, do art. 634º, do CPC, as quais, no caso, não se verificam.
O raciocínio das reclamantes para considerar que o valor da sucumbência é equivalente à soma das condenações dos três réus não é correto pois assenta numa premissa que não se verifica, visto que o recurso não aproveita a todos os réus e estes, dada a situação de litisconsórcio voluntário, têm uma posição de independência quanto aos compartes, nos termos do art. 35º, do CPC.
Finalmente, e quanto à questão de a sentença ter condenado em objeto diverso do pedido, tal situação, a ocorrer, apenas relevaria em sede de apreciação do mérito do recurso, mas já não releva para efeitos de determinação do valor da sucumbência. Dito de outro modo, admitindo, para efeitos de raciocínio, a versão sustentada pelas recorrentes de que a sentença não podia condenar os réus como fez e só podia condenar no pagamento da quantia global de € 5 067,99, tal circunstância apenas teria como consequência que a sentença pudesse ser revogada, em sede de recurso, se esse recurso fosse admissível. Porém, se a sentença, ainda que erradamente - o que apenas estamos a pressupor para efeitos de raciocínio e não a afirmar que houve erro porque de tal matéria não se ocupa esta reclamação - condenou em € 1 689,33, o valor que releva para determinação da sucumbência e determinação da recorribilidade da decisão é o valor da condenação efetiva e não aquele outro valor em que, na ótica dos recorrentes, a sentença deveria ter condenado.
Consequentemente, e em síntese, tendo cada uma das rés litisconsortes voluntárias sido condenada no pagamento da quantia de € 1 689,33, é esse o valor da sucumbência, o qual é inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância, razão pela qual a decisão não é recorrível, tal como decidido no despacho reclamado, tendo a reclamação de ser indeferida.
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Improcedendo a reclamação, as reclamantes têm de suportar as custas respetivas, nos termos do art. 527º, nº s 1 e 2, do CPC, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 UC.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em indeferir a reclamação apresentada, mantendo o despacho reclamado.
Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 UC.
Notifique.
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Guimarães, 21 de outubro de 2021

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Fernando Barroso Cabanelas