Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
630/22.0T8PTL-A.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
NULIDADE DE CITAÇÃO
CUMULAÇÃO SUCESSIVA DE EXECUÇÕES
PENHORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO EXEQUENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
.1- Em sede de oposição à execução, quando apenas se discute a nulidade de citação no processo executivo, pode-se dispensar a realização da audiência prévia, se as partes discutiram a matéria nos articulados.
.2- Se efetuada em data anterior à admissão da cumulação sucessiva de execuções, é válida a penhora efetuada antes da citação, no processo executivo para pagamento de quantia certa com forma sumária, para garantia da quantia exequenda constante do requerimento executivo inicial.
.3- Pode entender-se que esta apenas garante esse crédito inicial e tem que ser elaborado novo auto de penhora para que garanta as demais quantias objeto das cumulações sucessivas.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

. I – Relatório

Recorrentes e Embargado: AA
Recorrido e Executado: BB
Apelação: em oposição à execução mediante embargos

1.- Do processo executivo

Em 1-6-2022, o Recorrente intentou execução para Pagamento de Quantia Certa no valor de 5 413,74 €, apresentando como título um cheque.
Em 7-7-2022, o exequente apresentou dois requerimentos para cumulação de execuções no valor de 46 143,06 €, invocando 8 cheques como títulos executivos, cujos originais não juntou.
Em 1-8-2022, foi elaborado auto de penhora que incidiu sobre um prédio urbano, indicando-se como limite da penhora a quantia de 6.600,00 € (quantia exequenda de 5.413,74 € e custas prováveis).
Em 23-11-2022, foi proferido despacho de aperfeiçoamento: “Notifique o Exequente para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos o original de todos os cheques apresentados como título executivo, sob pena de, não o fazendo, se declarar extinta a execução (cfr. art. 724º, nº5 do C.P.Civil).”
 Em 30-11-2022, o exequente juntou 8 cheques.
Em 6-12-2022, foi proferido o seguinte despacho “Veio o exequente requerer a cumulação sucessiva de execuções. Dispõe o artigo 711º do Código de Processo Civil que enquanto uma execução não for julgada extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não exista nenhuma das circunstâncias que impedem a cumulação.
Ora, no caso dos autos, a presente execução não se encontra extinta, os títulos executivos estão regularmente constituídos e não existe nenhum obstáculo que impeça a cumulação requerida, pelo que se admite a mesma, devendo a execução prosseguir para a cobrança da quantia resultante da cumulação acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Notifique.
 Prossiga a lide.”

Em 13-12-2022, foi alterado o valor da quantia exequenda pelo Agente de execução.
Na mesma data, foi elaborada efetuada nota de citação do executado: “Nos termos do disposto nos artigos 856º do Código Processo Civil (CPC), fica pela presente citado para os termos do presente processo executivo, tendo o prazo de 20 (vinte dias) para: a. Pagar a quantia em dívida, juros e custas; ou querendo, b. Deduzir oposição à execução através de embargos de executado; e/ou c. Deduzir oposição à penhora; Sem prejuízo do atrás referido e nos termos do nº 3 do artigo 753º do Código de Processo Civil fica também notificado que, no prazo da oposição e sob pena de ser condenado como litigante de má-fé, deve indicar os direitos, ónus e encargos não registáveis que recaiam sobre os bens penhorados, bem como os respetivos titulares ou beneficiários que pode requerer a substituição dos bens penhorados ou a substituição da penhora por caução, nas condições e nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 e no n.º 5 do artigo 751º do CPC.”.
Em 27-1-2023, o exequente veio apresentar novo requerimento de cumulação de execução para pagamento de quantia certa, esta feita pelo valor de 15 656,93 €, apresentando como título executivo cheque, o qual foi objeto de despacho, de 3-2-2023, semelhante ao proferido em 6-12-2022, supra reproduzido, tenho sido elaborada nova citação em 14-2-2023, com cópia do auto de penhora.

.2- Da oposição à execução por embargos:

Em 23-1-2023, o executado veio deduzir embargos em que invocou a nulidade da citação, arguindo, em súmula, que a cumulação de execuções determinou a alteração da forma de processo para o processo ordinário e a citação não foi feita tendo em conta essa alteração. O Executado foi citado nos termos do artigo 856º nº 2 do Código de Processo Civil, por nela se ler “citação após a penhora”. Dela não consta qualquer auto de penhora que lhe permita, antes de mais, opor-se à mesma e nem mesmo prestar as informações a que se encontra legalmente obrigado nos termos do nº 3 do artigo 753º CPC. “Considerando que da citação enviada ao Executado não consta qualquer auto de penhora ou qualquer outro documento do qual seja possível extrair a existência de algum bem penhorado, crê-se que tal citação está ferida de NULIDADE, nos termos do disposto do nº 1 do artigo 191º do C.P.C. Nulidade que se invoca para todos os efeitos legais”.
Mais requereu a suspensão da execução até o desfecho de processo criminal que se encontra a decorrer por lhe terem sido furtados os cheques dados à execução e subsidiariamente que os embargos sejam recebidos, julgados procedentes e a execução extinta.
 O embargado contestou invocando, em súmula, que a execução não deve ser suspensa, mas se o for se deve manter a penhora como garantia. Defende que a citação foi válida por ter ocorrido conforme a forma de processo sumário e que o embargante já teve acesso a todos os meios que lhe permitiam exercer os seus direitos, mais impugnando todo o demais invocado pelo embargante.
Foi determinada a apensação aos presentes embargos daqueles que foram intentados em 6-3-2023, também por apenso à execução, em que refere a existência de processo crime anterior à entrada da execução, a oposição à penhora, afirmando que, procedendo o pedido de suspensão da execução, requer o levantamento da penhora.
Foi designada data para a audiência prévia, a qual foi dada sem efeito por ter sido decidida a incompetência deste Juízo Local Cível para a tramitação dos autos de execução.
Veio a ser proferido despacho que entendeu que os autos não tinham complexidade que justificasse a convocação da audiência prévia  e que decidiu da nulidade da citação, declarando-se “nula e de nenhum efeito a citação efetuada nos autos de execução principais, de acordo com a previsão do art.º 856.º do CPC, determinando-se a respetiva repetição observando-se as formalidades prescritas no art.º 726.ºdo CPC, com a consequente nulidade dos atos de penhora entretanto levados a cabo pela AE, ordenando-se o respetivo levantamento”.
É desta decisão que o exequente recorre, apresentando as seguintes
conclusões:

I. O presente recurso de Embargos de Executado visa salvaguardar os direitos e interesses do Recorrente, gravemente colocados em causa pela douta sentença do Tribunal a quo,
II. Por esse motivo, o Recorrente, desde já, requer que o mesmo tenha efeito suspensivo (sublinhado nosso),
III. A sua pretensão encontra base legal nos artigos 853.º n.º 4 a contrario e 647.º n.º 4 do CPC,
IV. Porquanto, conforme expressamente consagrado, “o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável (…)”.
V. O que sucederá ao Recorrente, nestes digníssimos autos, se o presente recurso tiver efeito meramente devolutivo.
VI. Sem prescindir, frise-se que estamos perante uma execução cuja quantia exequenda se cifra, atualmente, em € 67.213,73 (sessenta e sete mil duzentos e treze euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros e despesas e demais encargos com o Exmo. A.E.
VII. Que sem o bem penhorado e aliado ao facto de o Executado/Recorrido não ter contas bancárias com saldo suscetível de penhora, nem rendimentos de trabalho ou outros, tornará a boa cobrança da quantia exequenda uma tarefa hercúlea, para não dizermos, impossível.
VIII. Desta forma, tendo em consideração o suprarreferido, desde já e mui respeitosamente, se requer a V. Exa. que seja decretado o efeito suspensivo do presente recurso (sublinhado nosso), com as necessárias consequências legais.
IX. Estamos perante um processo executivo, cujo título executivo, embora atualmente seja composto por vários cheques, inicialmente foi dirigido ao Juízo de Local Cível ..., por força do valor, e teve início com a execução de um cheque no montante de € 5.182,50 (cinco mil cento e oitenta e dois euros e cinquenta cêntimos),
X. E, por esse motivo, seguiu a forma sumária,
XI. Tendo, após, sofrido duas cumulações.
XII. Motivo pelo qual, a quantia exequenda se cifra, atualmente, em € 67.213,73 (sessenta e sete mil duzentos e treze euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros e despesas e demais encargos com o Exmo. A.E.
XIII. Nunca tendo sido colocados em causa ou perigado os direitos do Executado/Embargante/Recorrido.
XIV. A quem foi penhorado um imóvel que, após ordenada a sua venda, é expectável que cubra a quantia exequenda dos autos.
XV. Contudo, nos presentes autos, salvo o devido e merecido respeito, que é muito, foi proferido despacho saneador-sentença,
XVI. No qual ficou prescrito que:
“Da nulidade da citação
Veio, desde logo, o embargante BB arguir a nulidade da citação operada nos autos de execução, designadamente defendendo que: iniciou a presente demanda, a 27/05/2022, com o requerimento executivo titulado por um cheque bancário no montante de € 5.182,50, o que com o acréscimo de juros determinou que a quantia exequenda se fixasse em € 5.413,74; posteriormente, a 07/07/2022 o Exequente submeteu novo requerimento executivo, desta vez titulado por 8 cheques, o que determinou o apuramento de uma quantia exequenda de € 46.143,06, o que determinaria que o processo seguisse a tramitação ordinária; aquando da entrada do segundo requerimento executivo, o Exequente requereu a cumulação das execuções nos termos do disposto no art.º 711º do CPC e ainda a dispensa de citação prévia nos termos do art.º 727.º do CPC; nestes termos, o Tribunal através do despacho datado de 06/12/2022, pronunciou-se e admitiu a cumulação das execuções, mas nada disse quanto à dispensa de citação prévia, pelo que tal pedido não terá sido deferido.---
Em sede de contestação, veio o embargado pugnar pela improcedência da nulidade invocada.---
Vejamos.---
Analisados os autos verifica-se que, em face da admitida cumulação de execuções, o Tribunal mandou prosseguir os autos, não se tendo entretanto pronunciado quanto à requerida dispensa de citação, pelo que, assumindo os mesmos agora a forma ordinária, importaria que se desse cumprimento à previsão do art.º 726.º, n.ºs 1 e 6 do CPC.---
Entretanto, as nulidades de processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido [vide Manuel de Andrade, Noções Elem. Proc. Civil, 1979, p. 176, e A. Varela, Manual Proc. Civil, 1984, p. 373]. Neste sentido, a não citação do réu/executado implica a nulidade do processado posterior, nos termos da previsão do art.º 187.º do CPC, desde que a falta não se encontre sanada.---
Ora, como se sabe, existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no art.º 188.º do CPC; e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no art.º 191.º seguinte.---
E, a citação é nula “é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei” [art.º 191.º, n.º 1], sendo o prazo para a arguição da nulidade o que tiver sido indicado para a contestação [n.º 2].---
Desta feita, in casu, verifica-se a nulidade da citação do executado, ora embargante, precisamente por não terem sido observadas as formalidades prescritas na lei, porquanto aquele deveria ter sido citado previamente à penhora, nos termos do disposto no art.º 726.º, n.ºs 1 e 6 do CPC.--
Pelo exposto, declara-se nula e de nenhum efeito a citação efectuada nos autos de execução principais, de acordo com a previsão do art.º 856.º do CPC, determinando-se a respectiva repetição observando-se as formalidades prescritas no art.º 726.ºdo CPC, com a consequente nulidade dos actos de penhora entretanto levados a cabo pela AE, ordenando-se o respectivo levantamento.”
XVII. Assim, somos forçados a frisar que o digníssimo Tribunal a quo, com o seu Saneador-Sentença, prejudica gravemente o Recorrente,
XVIII. Quando decreta a nulidade da citação e demais atos já praticados, quando ordena o levantamento da penhora, quando altera uma decisão do Tribunal onde o processo se iniciou, Juízo local Cível ..., que já se tinha efetivado mas sem ter fundamento ou competência para tal,
XIX. No entanto, o Tribunal a quo ordenou o levantamento da penhora, diga-se, “ordenando-se o respetivo levantamento”.
XX. Com o levantamento da penhora do bem, juntamente com o efeito devolutivo deste recurso, poderá o Executado/Recorrido, vender o bem e desfazer-se do demais património que lhe pertença e, dessa forma, furtarse ao pagamento,
XXI. Note-se que este não possui contas bancárias com saldos suscetíveis de serem penhorados, nem rendimentos de trabalho ou outros
XXII. Com a agravante de que correm processos-crime entre Recorrente e Recorrido, em que ambos figuram como assistentes e arguidos e que estes autos se encontram a aguardar a conclusão desses processos-crime (sublinhado nosso), desconhecendo-se o tempo necessário para o seu término.
XXIII. Por esse motivo, desde já se requer que seja decretado o efeito suspensivo deste recurso e, posteriormente, que seja dado provimento ao mesmo.
XXIV. Acresce que, o Recorrido sabia que devia a quantia peticionada nestes autos ao Recorrente, sabia que era uma obrigação sua e, mesmo assim, entregou cheques sem cobertura ao Recorrente.
XXV. No entanto, após ser citado da execução, presentes autos, apresentou embargos de executado, na tentativa de se furtar ao pagamento do que bem sabe dever, o que poderá conseguir se o presente recurso tiver efeito meramente devolutivo.
XXVI. Acresce que, o digníssimo Tribunal a quo determinou a nulidade dos atos praticados, incluindo a citação,
XXVII. “Desta feita, in casu, verifica-se a nulidade da citação do executado, ora embargante, precisamente por não terem sido observadas as formalidades prescritas na lei, porquanto aquele deveria ter sido citado previamente à penhora, nos termos do disposto no art.º 726.º, n.ºs 1 e 6 do CPC”
XXVIII. O que, diga-se, que não se aceita, nem se concorda, até porque, conforme já supra referido, os presentes autos iniciaram-se com a execução de um cheque no montante de € 5.182,50.
XXIX. Ora, conforme o preceituado no artigo 703.º n.º 1 al. c) do CPC, com este montante a execução segue a forma sumária.
XXX. O que aconteceu e os direitos do Executado/Embargante/Recorrido foram salvaguardados.
XXXI. Após a entrada do requerimento executivo, no Juízo local Cível ..., o processo seguiu a forma sumária e foi penhorado um imóvel do executado, sendo, de seguida, o executado citado pelo Exmo. Agente de Execução
XXXII. Que foi estendida à cumulação. Não existiu uma nova penhora de bens.
XXXIII. E os ditames e bons costumes processuais preceituam que não sejam praticados atos nem inúteis nem duplicados.
XXXIV. Motivo pelo qual, quando existiu a segunda cumulação, em que foi requerida a dispensa de citação prévia, a penhora foi extensível a esta,
XXXV. Foi efetuada a citação do executado,
XXXVI. Mas não foram praticados atos inúteis ou duplicados.
XXXVII. O que aconteceria se houvesse uma nova citação mas desta feita seguindo a forma ordinária.
XXXVIII. Aliás, é nosso modesto entendimento que se tal tivesse ocorrido seria inútil.
XXXIX. Sem prescindir que o Exequente/Recorrente requereu, em ambos os requerimentos executivos que foram cumulados, a “dispensa de citação prévia” do executado.
XL. (No entanto) TIRAVA o digníssimo Tribunal ..., no seu despacho datado de 06/12/2022, após a primeira cumulação ---mas antes da segunda, --TIRAVA refere, expressamente, que:
“Veio o exequente requerer a cumulação sucessiva de execuções.

Dispõe o artigo 711º do Código de Processo Civil que enquanto uma execução não for julgada extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não exista nenhuma das circunstâncias que impedem a cumulação. Ora, no caso dos autos, a presente execução não se encontra extinta, os títulos executivos estão regularmente constituídos e não existe nenhum obstáculo que impeça a cumulação requerida, pelo que se admite a mesma, devendo a execução prosseguir para a cobrança da quantia resultante da cumulação acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. Notifique. Prossiga a lide.”
XLI. Ou seja, decretou, não só a cumulação sucessiva de execuções como o prosseguimento da lide (sublinhado nosso).
XLII. Se o meritíssimo juiz de direito ordenou que a lide prosseguisse, é nosso modesto entendimento que ao não se pronunciar quanto à dispensa de citação prévia, que esta foi, ainda que tacitamente, admitida.
XLIII. O processo prosseguiu com o demais atos a serem praticados
XLIV. Contudo, é nosso modesto entendimento que mal andou o digníssimo Tribunal a quo – Juízo Central Cível ... – J... – quando no seu Despacho Saneador-Sentença decreta o que passamos a explanar,
XLV. “ (...) posteriormente, a 07/07/2022 o Exequente submeteu novo requerimento executivo, desta vez titulado por 8 cheques, o que determinou o apuramento de uma quantia exequenda de € 46.143,06, o que determinaria que o processo seguisse a tramitação ordinária; aquando da entrada do segundo requerimento executivo, o Exequente requereu a cumulação das execuções nos termos do disposto no art.º 711º do CPC e ainda a dispensa de citação prévia nos termos do art.º 727.º do CPC; nestes termos, o Tribunal através do despacho datado de 06/12/2022, pronunciou-se e admitiu a cumulação das execuções, mas nada disse quanto à dispensa de citação prévia, pelo que tal pedido não terá sido deferido.--- Em sede de contestação, veio o embargado pugnar pela improcedência da nulidade invocada.--- Vejamos.--- Analisados os autos verifica-se que, em face da admitida cumulação de execuções, o Tribunal mandou prosseguir os autos, (negrito nosso) não se tendo entretanto pronunciado quanto à requerida dispensa de citação, pelo que, assumindo os mesmos agora a forma ordinária, importaria que se desse cumprimento à previsão do art.º 726.º, n.ºs 1 e 6 do CPC.--- Entretanto, as nulidades de processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido [vide Manuel de Andrade, Noções Elem. Proc. Civil, 1979, p. 176, e A. Varela, Manual Proc. Civil, 1984, p. 373]. Neste sentido, a não citação do réu/executado implica a nulidade do processado posterior, nos termos da previsão do art.º 187.º do CPC, desde que a falta não se encontre sanada.” (negrito nosso).
XLVI.  A existir a mencionada nulidade a mesma está sanada, o digníssimo Tribunal ... mandou prosseguir os autos,
XLVII. Além de que o Executado/Recorrido foi devidamente citado conforme a forma aplicável inicialmente ao processo.
XLVIII.  Contudo, de igual forma, preceitua o douto Despacho Saneador-Sentença que “E, a citação é nula “é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei” [art.º 191.º, n.º 1], sendo o prazo para a arguição da nulidade o que tiver sido indicado para a contestação [n.º 2].”
XLIX.  De mencionar que o n.º 4 do artigo 711.º do CPC prescreve que “A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado”.
L.   Pelo descrito, podemos concluir que não pode ser atendida,
LI.  E, no mesmo sentido, entendeu o Tribunal ..., além de que foram observadas todas as formalidades prescritas na lei.
LII. Motivo pelo qual desde já, e mui respeitosamente, se requer a V. Exas. que revertam a decisão do digníssimo Tribunal a quo, porquanto decreta que “Pelo exposto, declara-se nula e de nenhum efeito a citação efectuada nos autos de execução principais, de acordo com a previsão do art.º 856.º do CPC, determinando-se a respectiva repetição observando-se as formalidades prescritas no art.º 726.ºdo CPC, com a consequente nulidade dos actos de penhora entretanto levados a cabo pela AE, ordenando-se o respectivo levantamento.”
LIII. Que, conforme tudo o supra descrito, viola os princípios legalmente consagrados e visa lesar gravemente os direitos do Recorrente.
LIV. Motivo pelo qual vem interpor o presente recurso e, mui respeitosamente, desde já, requerer a V. Exa. que o douto Despacho Saneador-Sentença seja revogado e a sentença substituída por outra, ou seja NA QUAL, que seja dado total provimento ao presente recurso.
LV. Por mera cautela e dever de patrocínio, somos forçados a mencionar que o Despacho Saneador do digníssimo Tribunal a quo enferma de nulidade,
LVI. Porquanto, quando no Despacho refere:
“Da audiência prévia Atenta a natureza da causa, a posição das partes e o conjunto de factos que ainda se mostram divergentes, entende o Tribunal que os autos não têm complexidade que justifique a convocação de audiência prévia – cfr. art.º 597.º ex vi do art.º 732.º, n.º 2, todos do CPC.”
LVII. Ora, prescreve o Artigo 597.º do CPC - Termos posteriores aos articulados nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação
“Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 590.º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo:
a) Assegura o exercício do contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados;
b) Convoca audiência prévia;
c) Profere despacho saneador, nos termos do no n.º 1 do artigo 595.º;
d) Determina, após audição das partes, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo
547.º;
e) Profere o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º;
f) Profere despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas;
g) Designa logo dia para a audiência final, observando o disposto no artigo 151.º.”
LVIII.  E o artigo 732.º do CPC - Termos da oposição à execução
“2 - Se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo.”
LIX. Posto o que antecede, é nosso modesto entendimento que, nesta parte, o Despacho deve ser considerado nulo, pois fundamento a não existência de realização de Audiência Prévia em preceitos que se aplicam em ações até € 15.000,00.
LX. Nestes autos, e conforme já referido, a quantia exequenda cifra-se, atualmente, em € 67.213,73 (sessenta e sete mil duzentos e treze euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros e despesas e demais encargos com o Exmo. A.E.
Em suma,
LXI. Por tudo quanto o vertido na presente peça, deve ser aplicado o efeito suspensivo ao presente recurso e, desse modo, manter-se as penhoras até decisão dos Embargos de Executado,
LXII. No nosso modesto entendimento, o douto Despacho Saneador-Sentença, proferido pelo digníssimo Tribunal a quo, DEVE ser revogado e a sentença substituída por outra em que seja dado total provimento ao presente recurso. E
LXIII. O Despacho do digníssimo Tribunal a quo ser considerado nulo no que concerne à Audiência Prévia.

Termos em que e nos demais de direito,
. Deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele, ser revogado o Despacho Saneador recorrido e, em consequência, manterem-se os atos já praticados, a citação do executado ser considerada válida e eficaz, bem como os demais atos, e a penhora do bem manter-se até decisão final nos Embargos de Executado.
. Ser decretada a aplicação do efeito suspensivo ao presente recurso.
Assim se fazendo, como sempre, justiça!

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1, 5º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º, nº 2, do mesmo diploma.

Atento o teor das alegações e conclusões cumpre decidir:
- se o despacho recorrido é nulo por violação do princípio do contraditório;
- se ocorreu a nulidade da citação;
- caso se apure essa nulidade, se esta tem como consequência o levantamento da penhora realizada antes da admissão da cumulação de execuções.

III- Fundamentação de Facto

A matéria de facto a atender é exclusivamente de natureza processual e já se encontra elencada supra.                    

IV- Fundamentação de Direito

.1 - se o despacho recorrido é nulo por violação do princípio do contraditório;
O artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, é impressivo ao impor a observância do princípio do contraditório ao longo de todo o processo e bem assim a salientar que o juiz não deve decidir as questões, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciarem, “salvo caso de manifesta desnecessidade”.
O princípio do contraditório é uma das bases do Estado de Direito Democrático, como resulta dos artigos 20º da Constituição da República Portuguesa, sendo pedra mestra no acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
No artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, encontra-se plasmada uma conceção abrangente deste princípio, porquanto, para além de permitir às partes apresentar as suas pretensões e defesas e respetivos meios de prova, lhes dá mais profunda e contínua intervenção no processo, de molde a poderem influenciar a decisão, “entendida como uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.
Enfim, “Do princípio do contraditório decorre a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar”, como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 298/2005, de 7-6-2005.
O artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil exige então que o tribunal conceda às partes a faculdade de se pronunciar sobre tais questões.
A redação dos nºs 3 e 4 do artigo 3º do Código de Processo Civil vem já da reforma operada pelo DL 329-A/95, de 12/12, e as questões da decisão surpresa são discutidas desde então, como se verifica do seu preâmbulo “Assim, prescrevese, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e aplicandose tal regra não apenas na 1.ª instância mas também na regulamentação de diferentes aspetos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos”.
A forma abrangente como o princípio do contraditório vem sendo protegido no nosso Código de Processo Civil conduziu a que não só se dispusesse como regra a obrigatoriedade de convidar as partes para se pronunciarem sobre as questões levantadas (pela parte contrária) no último articulado possível, antes da prolação de decisão sobre elas com relevo para o destino dos autos, ou sobre aquelas (de conhecimento oficioso) não suscitadas pelas partes no processo, como se estabelecesse a obrigatoriedade da realização de audiência prévia quando o tribunal tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, na fase do saneamento dos autos, como decorre do disposto no artigo 591º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil.
 É certo que existem casos em que se verifica uma manifesta desnecessidade de suscitar esta intervenção das partes: quando a mesma possa ser dispensada por já estar assegurado o imperativo da sua participação efetiva no processo que tais atos visavam salvaguardar.
Verifica-se a desnecessidade do convite á pronúncia quando as partes por sua iniciativa usou desse direito, quando a parte cuja audição é preterida não fica prejudicada com a decisão ou quando se entende que, atentos os contornos da lide, a decisão era expectável para os seus destinatários, englobando os casos em que o efeito pretendido resulta indubitável da lei ou o enquadramento fáctico relevante se mostra totalmente insuscetível de controvérsia.
No entanto, atenta a importância do princípio do contraditório, base do nosso sistema jurídico, esta dispensa deve ser utilizada com muita parcimónia e só nos casos em que é indubitável que a celeridade que esta dispensa concede não posterga a finalidade do próprio processo, traduzida na obtenção de decisão obtida por meio equilibrado que permita a intervenção justa dos envolvidos.
Quanto à audiência prévia, há que verificar, antes de mais, que é obrigatório permitir às partes que nela participem, antes do conhecimento imediato do mérito na fase de saneamento, para que estas possam discutir, quer a possibilidade de decisão imediata do pleito, quer o próprio mérito da causa, face às pretensões e argumentos deduzidos nos articulados, concedendo ainda a faculdade de suprir as imprecisões ou deficiências que eventualmente resultem dos articulados.
Assim, nada obsta a que não se realize tal diligência, se as partes, ainda que mediante despacho que a tanto as incentive, nomeadamente por já terem lavrado por escrito tudo o que de relevante havia a dizer sobre a matéria, não se opuserem à dispensa da audiência prévia antes da prolação da decisão nesse momento.
 Com efeito, tem sido entendido que a dispensa pelo juiz da realização da audiência prévia, nos casos em que é obrigatória, nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, está também sujeita ao contraditório e que a nulidade decorrente dessa dispensa (expressa ou tácita, por resultar dos factos), se estende ainda ao despacho final (a título exemplificativo, cf os acórdãos proferidos nos processos 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1 de 12/16/2021, 3054/17.7T8LSB-A.L1-6 de 02/08/2018, 689/19.7T8PTL.G1 de 12/15/2022, 2314/21.7T8PRD.P1 de 10/27/2022, 12841/19.0T8LSB.L2-6 de 09/10/2020, 1502/20.8T8PTM.E1 de 09/23/2021).
Os presentes autos seguem, após a contestação, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo, nos termos do artigo 732º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Os embargos de executado são meio colocado à disposição dos executados que se queiram opor a uma execução; visam a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto da ação executiva.
 São inúmeros os fundamentos destes embargos, alguns gerais, e que, por isso, se aplicam sem ser necessário ter em atenção qual o título executivo apresentado, outros que não podem ser invocados em razão do título exequendo (cf artigos 856.º , 857.º e 860.º do Código de Processo Civil).
O efeito principal dos embargos consiste na extinção definitiva da execução, no todo ou em parte (artigo 732º nº 4 do Código de Processo Civil), por efeito do caso julgado formado pela decisão proferida neste enxerto, de carácter declarativo, na execução (ou a sua remessa para outro tribunal, caso se limitem à exceção dilatória da incompetência territorial).
 Postas estas reflexões, estamos em condições para verificar se no presente caso houve violação do princípio do contraditório.
No presente caso foram deduzidos nos embargos questões relativas à preterição de normas na realização de atos no processo executivo que não se reconduzem aos fundamentos admissíveis para oposição à execução: veio invocada a simples nulidade da citação no processo executivo (que não há que confundir com a falta de intervenção do réu no processo declarativo, esta prevista na alínea d) do artigo 729º do CPC).
A mesma deve ser arguida no próprio processo de execução, não em sede de embargos (neste sentido cf acórdão proferido no processo 1225362/04.7YYLSB-A.L1-7 , em 12/05/2023 e no processo 2305/17.2T8VNF-A.G1, em 03/07/2019, ambos propondo a convolação oficiosa para os meios processuais adequados). No entanto, essa irregularidade não é nesta fase questão de conhecimento oficioso, pelo que aqui não se aprecia. Mas releva para se concluir que, desde que as partes tenham sido ouvidas nos articulados sobre a questão da nulidade da citação, não se exige que se convoque uma audiência prévia para a sua decisão.
Por outro lado, as partes pronunciaram-se profusamente sobre essa matéria em sede de articulados, pelo que foi devidamente cumprido o princípio do contraditório.
Termos em que se conclui que se não verifica a nulidade invocada, visto que a decisão se limitou a apreciar a questão da nulidade da citação no processo executivo.

.2- se ocorreu a nulidade da citação;

Distingue-se nesta matéria a nulidade da citação lato sensu e a stricto sensu: a primeira ocorre quando o ato não se praticou ou quando na sua realização o desvio ao formalismo legal é tão grave que lhe deve ser equiparado (artigo 188º do Código de Processo Civil) e a segunda quando o ato foi praticado, mas não se observaram, na sua realização, as formalidades prescritas na lei, tal como previsto no art.º 191º do Código de Processo Civil.
Estes preceitos aplicam-se com as necessárias adaptações ao processo executivo e seus apensos, atento o estatuído no art.º 551.º, n.º 1 do CPC.
Na execução para pagamento de quantia certa com processo sumário, a penhora efetiva-se antes da citação do executado (artigo 855º nº 3 do Código de Processo Civil) e, feita a penhora, é o executado citado para a execução e, em simultâneo, notificado do ato de penhora, podendo deduzir, no prazo de 20 dias, embargos de executado e oposição à penhora (artigo 856º nº 1 do Código de Processo Civil)
Já quando esta execução segue a forma ordinária o processo é concluso para despacho liminar e quando o processo deva prosseguir, o juiz profere despacho de citação do executado para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução (artigo 726º, nº 6, do Código de Processo Civil).
Se a execução correr à revelia, pode o executado invocar, a todo o tempo, algum dos fundamentos previstos na alínea e), do artigo 696.º, do Código de Processo Civil, determina o artigo 851º do mesmo código. Entende-se que esta norma prevê apenas a ausência de citação, os casos mais graves, por prever a revelia do executado e já não a simples nulidade da sua citação, devendo esta conduzir, nos termos gerais, à anulação do ato e também dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente (artigo 195º nº 2 do Código de Processo Civil).
Vejamos as consequências da cumulação sucessiva de execuções. Esta dá-se, como é sabido, quando, estando em curso autos executivos por determinado título, se cumula, no mesmo processo, a execução de outro ou outros títulos: embora o processo seja o mesmo, na cumulação de execuções está-se perante diferentes pedidos, fundados em diferentes títulos. Visa-se, assim, pôr em prática o princípio da economia processual, concentrando-se num processo um conjunto de execuções.
A cumulação sucessiva de execuções encontra-se atualmente prevista no artigo 711º do Código de Processo Civil: “Enquanto uma execução não for extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não se verifique qualquer das circunstâncias que impedem a cumulação, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
É importante, nestes casos, obviamente, não pôr em causa as garantias de defesa do executado, porquanto perante cada uma das novas execuções sucessivas têm que correr as mesmas garantias de defesa que teria se o processo fosse intentado autonomamente e não enxertado, podendo deduzir oposição por embargos, mesmo que não o tenha feito em relação à execução inicial.
Determina o artigo 728º nº 2 do Código de Processo Civil: “4 - A citação do executado é substituída por notificação quando, citado o executado para a execução de determinado título, se cumule depois, no mesmo processo, a execução de outro título, aplicando-se, neste caso, o disposto no artigo 227.º, devidamente adaptado, sem prejuízo de a notificação se fazer na pessoa do mandatário, quando constituído.”

Concretização

No presente caso a execução seguia para pagamento da quantia titulada por um único cheque, sob a forma sumário, pelo que a citação devia ter lugar após a penhora.
A penhora efetuou-se já depois de formulado o pedido de cumulação, mas antes deste ser sequer apreciado e para garantia apenas da quantia exequenda titulada pelo valor inicial, como decorre do teor do auto de penhora.
Assim, quando a penhora foi realizada não foi cometida nenhuma irregularidade, porque o processo ainda seguia apenas para obter o pagamento da quantia titulada pelo primeiro cheque dado à execução e sob a forma sumária.
Só após a realização da penhora (em 1-8-2022) no processo sumário, foi proferido despacho que admitiu a cumulação de execuções (em 6-12-2022) (o qual não se pronunciou sobre a citação do executado, apesar de requerida a dispensa de citação prévia, nem sobre a alteração da forma do processo, matérias que podem não ser pacificas, mas que ora não importa decidir, por irrelevantes para a decisão deste recurso).
A decisão sob recurso tomou como pressuposto que a penhora fora efetuada já no âmbito do processo cumulado sem que tivesse aguardado pela citação do executado, mas como vimos, sem fundamento factual.
Como decorre do relatório realizado supra, não foi isso que aconteceu: a penhora foi realizada no âmbito da execução que prosseguia para pagamento da quantia de certa com forma sumária, antes de ser admitida a cumulação de execuções.
Assim, não faltava a realização da citação quando foi efetuada a penhora, porquanto esta no processo em causa precedia aquela.
O embargante, nos primeiros embargos, reclama de não ter recebido cópia do auto de penhora que lhe permitisse opor-se à penhora, mas nos segundos embargos, a estes apensos, dá conta de que tal omissão foi sanada.
Salienta que não pretende opor-se à penhora, exceto por ter sido realizada sem a sua citação prévia, mas como vimos, porque foi realizada quando o processo seguia a forma sumário e para garantia apenas da quantia peticionada pelo requerimento executivo inicial não tem razão neste vício.
Sanado o vício cometido, isto é, notificado da penhora para poder opor-se, o que o executado veio afirmar não pretender fazer, não se encontra qualquer outro desvio ao formalismo legal, visto que o executado foi também notificado do segundo requerimento cumulativo.
Importa, no entanto, referir neste aspeto, o alcance da penhora realizada ainda no âmbito do processo sumário. Como se realça no acordão do Tribunal da Relação do Porto, no processo 12582/18...., de 26/4/2021, também os terceiros não podem ser prejudicados com a cumulação sucessiva: “Pode, na verdade, haver outros credores do mesmo executado e até execuções movidas por terceiros (outros credores), com inerentes penhoras incidindo, ou não, sobre bens já penhorados na execução onde se vem a processar a cumulação sucessiva”, pelo que se pode colocar a questão de saber se a penhora realizada antes da cumulação das execuções garante os créditos que ainda não tinham sido objeto da acumulação.
Concluiu-se no citado processo, que “se no ínterim o exequente fizer uso da faculdade processual que lhe é conferida pelo art. 711º (e for admitida a cumulação sucessiva), terá - porque, como se notou, summo rigore se trata de uma execução diversa da execução originária - que ser realizada nova penhora que garanta a satisfação da quantia cumulada, penhora essa que se vier a incidir sobre o mesmo imóvel objeto da anterior penhora já decretada no processo terá igualmente de ser levada ao registo, posto que este é constitutivo da mesma, já que, à luz da actual lei adjectiva, a inscrição registal é elemento integrante da previsão da norma (art. 755º, nº 1) da qual a efectivação daquela é a estatuição. De facto, este preceito legal indica o modo como se realiza a penhora de coisas imóveis; ela realiza-se por comunicação eletrónica do agente de execução ao serviço de registo competente. Assim, na esteira da doutrina dominante, parece-nos claro que, atualmente, é com a inscrição no registo que se realiza, ou melhor, que existe penhora, sendo o registo, nestes termos, o criador deste direito real de garantia, pelo que é constitutivo deste direito.” Também impondo menos a comunicação ao registo das novas quantias que se pretendem garantir, cf acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06/05/2018, no processo 1678/12.8TBFIG-B.C1. Percebe-se que se entenda que a violação da regra da prioridade temporal relativamente a outras penhoras, prévias à cumulação, realizadas no âmbito de outras execuções, pode levar à frustração de forma injusta e lesiva da pretensão creditória daqueloutros credores com penhora e em concurso.
Assim, concluindo-se que não ocorreu qualquer nulidade nas citações efetuadas, mas mera irregularidade na notificação do auto de penhora que já se mostra sanada, há que revogar a decisão proferida que julgou nula a citação e anulou o mais realizado e determinar o prosseguimento dos autos com a realização da audiência prévia para o conhecimento das demais questões levantadas nos embargos.

V- Decisão

Por todo o exposto, julga -se a apelação procedente e em consequência revoga-se a decisão proferida e determina-se o prosseguimento dos autos com a realização da audiência prévia para o conhecimento das demais questões levantadas pelas oposições à execução por meio de embargos.
Custas da apelação pelo apelado. (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 14 de março de 2024

Sandra Melo
Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes
Jorge dos Santos