Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
94298/12.4YIPRT
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: DEFEITO DA COISA
IVA
REDUÇÃO DO PREÇO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE DA AUTORA PROCEDENTE DA RÉ
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Na redução do preço, por via de defeitos na coisa fornecida, deve englobar-se proporcionalmente o valor relativo a IVA que havia sido reclamado no preço global constante do pedido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

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I – Relatório;

Apelantes e Apeladas: M…, Unipessoal, L.da (AA.) e P…, SA (RR.);


Pedido:
A apelante/autora intentou procedimento de injunção contra a apelada/ré, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 14.372,67 (catorze mil trezentos e setenta e dois euros e sessenta e sete cêntimos), a título de capital, e € 255,16 (duzentos e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos), a título de juros de mora vencidos:

Causa de pedir:
No exercício da sua actividade, a Autora forneceu à Ré, a pedido desta, os produtos constantes da factura n.º 220058, emitida a 20.03.2012, com vencimento do mesmo dia, no montante de € 64.372,67; a Ré procedeu ao pagamento da quantia de € 50.000,00, encontrando-se em dívida o montante de € 14.372,67; a Ré não efectuou o pagamento daquela quantia, apesar de diversas vezes interpelada para tal.
*
Citada, a ré, aceitou ter existido a aludida relação comercial entre as partes, tendo feito o pagamento parcial de € 50.000,00 e ainda o pagamento adicional da quantia de € 7.501,97. Contrapôs que o montante remanescente não é devido, em virtude de a Autora ter cumprido defeituosamente a obrigação de entrega dos produtos fornecidos, posto que o fio utilizado era mais fino (tinha menos gramagem daquela que foi empregue na amostra previamente fornecida), a renda ficava mais aberta, e os fios ficavam puxados; perante o defeito, as partes acordaram que a Ré aceitava a renda, mas com reserva de o cliente final, vindo a reclamá-lo, debitar àquela o prejuízo respectivo; 2.526 peças de renda estavam impróprias para o uso normal, o que representa o custo de € 6.870,78.
Respondeu a Autora, admitindo o pagamento adicional de € 7.501,97 e, por isso, requerendo a redução do pedido em conformidade para o montante de € 7.227,86. Mais sustentou que a Autora aceitou a renda, sem qualquer reclamação, nunca tendo comunicado qualquer desconformidade naquela.

Veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.307,40 (mil trezentos e sete euros e quarenta cêntimos), a que acrescem os juros moratórios, à taxa legal de juro aplicável às transacções comerciais, desde a data de citação até integral pagamento;

Inconformadas com o julgado, interpôs a autora recurso independente de apelação e a ré recurso subordinado, em cujas alegações sintetizam as seguintes conclusões:
A – Recurso da Autora:
(…)

B – Recurso da Ré:
(…)

Houve contra alegações da ré pugnando parcialmente pelo julgado.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas apelantes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas são, em suma:

a) Recurso da A.: erro na apreciação da matéria de facto e consequente erro de direito;
b) Recurso da R.: erro de julgamento em matéria de direito: não inclusão do IVA;


III – Fundamentos;

1. De facto;

São os seguintes os factos dadas como provados na sentença:
1. Factos provados:
a. A Autora dedica-se à actividade de comércio por grosso e retalho de vestuário e acessórios.
b. A Ré dedica-se à confecção de outro vestuário e acessórios.
c. No exercício da sua actividade, a Autora forneceu à Ré, a pedido desta, os produtos constantes da factura n.º 220058, emitida a 20.03.2012, no montante de € 64.372,67.
d. A Ré pagou à Autora a quantia parcelar de € 50.000,00, por conta do preço mencionado em c.
e. A Ré pagou à Autora a quantia de € 7.501,97, por conta do preço mencionado em c.
f. Parte da renda fornecida pela Autora à Ré veio a apresentar o seguinte:
- O fio utilizado era mais fino, ou seja, tinha menos gramagem do que aquele que foi empregue na amostra previamente fornecida e com base foi decidida a compra;
- A renda ficava mais aberta, ou seja, os fios mais soltos e o desenho perdia linearidade e consistência;
- Com facilidade, os fios ficavam puxados.
g. O que foi comunicado à Autora.
h. A Autora verificou o enunciado mas entendeu que o mesmo não era relevante e que por isso era aceitável por qualquer consumidor que viesse, a final, a adquirir o produto final (vestuário) onde tal renda foi incorporada.
i. A Ré comunicou e acordou com a Autora que, detectado o defeito, aceitava os artigos fornecidos mas com reserva.
j. Ou seja, que a renda em causa seria incorporada nas peças de vestuário a que se destinava e assim fornecida ao cliente da Ré, sob reserva de caso o cliente da Ré viesse a reclamar o defeito, e sendo o mesmo imputável à Autora, a esta seriam debitados os respectivos prejuízos.
k. Em 13.06.2012 a Ré veio a apurar que 2.520 peças da renda fornecida pela Autora, denotavam o enunciado em f. e estavam impróprias para o uso normal.
l. As 2.520 peças tinham 0,166 metros de renda cada uma.
m. O preço acordado entre as partes era o de € 13,30/metro.
2. Factos não provados:
a. O prazo acordado para o vencimento da factura foi o da data de emissão da factura.
b. A comunicação aludida em g. foi efectuada prontamente.
c. O cliente da Ré não aceitou mais peças para além das referidas em k.

2. De direito;

A – Recurso da autora:
a) Erro na apreciação da matéria de facto e consequente erro de direito;
(…)
Concluindo, à luz do estatuído no artº 662º, do CPC, inexiste fundamento para se alterar a matéria de facto vertida na decisão recorrida, pelo que se desatende a modificação da materialidade fáctica constantes dos pontos f), g), h), i), j), k), l) dos factos provados que foram impugnados.
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Consequência do exposto, improcede também o alegado erro de direito, que justificaria a condenação da ré no pedido, uma vez que aquele se alicerçava totalmente na alteração da matéria de facto pretendida.

B – Recurso da ré:
b) Erro de julgamento em matéria de direito: não inclusão do IVA;

A questão jurídica que subordinadamente a apelante/ré suscita prende-se com o englobamento do valor do IVA no apuramento da redução do preço, por via do apontado defeito das peças de vestuário.
Afigura-se-nos que assiste razão à recorrente.
A autora formulou o pedido de pagamento de IVA, o qual reclamou, tendo junto factura, no valor de 64.372,67€, onde processou o mesmo, no montante de € 12.037,17 – cfr. doc. 5, a fls. 47 dos autos.
A autora, enquanto empreiteira ou prestadora de serviços, não é credora deste imposto, mas antes seu sujeito passivo, devendo recebê-lo do cliente e de o entregar, no todo ou em parte, ao estado (artºs 2º, nº1, e 26º, do Código de IVA).
Nessa qualidade de contribuinte, ela é obrigada a “emitir factura ou documento equivalente por cada…prestação de serviços…” e “ a importância do imposto liquidado deverá ser adicionada ao valor da factura ou documento equivalente, para efeitos da sua exigência aos…utilizadores dos serviços [artºs 28º, nº1. al. b) e 36º do referido Código].
Assim, o seu pedido inicial relativo ao custo da totalidade da mercadoria fornecida englobou o pagamento do IVA, sendo que a autora, enquanto empreiteira, juntou à acção documento (factura) da qual consta, além do preço (total) da empreitada, o montante do referido imposto [1].
Logo, havendo uma redução do preço global de € 64.372,67€, nos termos consignados na sentença, no montante de € 5.563,66 [418,32€x13,30 (de notar que este quantitativo de 13,30 era sem IVA – cfr. a dita factura)] deve levar-se ainda em linha de conta o valor de IVA, já que este havia sido incluído naquele preço global. Ou seja, €1.279,64 (5.563.66€x23% de IVA), o que totaliza € 6.843,30.
Daí que estando em causa o montante de € 6.870,70 e não € 7.227,86 (uma vez que os juros de mora são contados desde a citação, como decorre da sentença) e cifrando-se a aquela redução do preço em € 6.843,30, resta à ré pagar o montante de € 27,40 (vinte e sete euros e quarenta cêntimos).
Procede, assim, o englobamento da quantia respeitante a IVA, invocado pela ré.

Sintetizando:
I – Na redução do preço, por via de defeitos na coisa fornecida, deve englobar-se proporcionalmente o valor relativo a IVA que havia sido reclamado no preço global constante do pedido.

IV – Decisão;

Em face do exposto, acordam os juízes da 1ª secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação da autora e procedente a apelação da ré e, por consequência:
a) Revoga-se em parte a sentença, condenando-se a Ré a pagar à Autora, a quantia de € 27,40 (vinte e sete euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de juro aplicável às transacções comerciais, desde a data de citação até integral pagamento;

Custas da acção pela autora e ré na proporção do decaimento.
Custas dos recursos pela apelante autora.

Guimarães, 6 de novembro de 2014
António Sobrinho
Isabel Rocha
Moisés Silva
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[1] Neste sentido, vide Acórdão do STJ, de 15.06.1999, proc. nº 172/99, relatado pelo Exmº Cons. Martins Costa.