Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1128/08.4TBBGC-B.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: EXECUÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A decisão judicial de deserção da instância justifica-se pela necessidade de observar o requisito da negligência das partes em promover os termos do processo, o que pressupõe, um exame crítico ao comportamento das partes no processo e, para o efeito, a sua audição prévia de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas ou de ambas, desde logo em observância do artigo 3.º, nº 3, do CPC quando se consigna que o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 1128/08.4TBBGC-B.G1

I - Nos presentes autos de execução em que é exequente Banco B. SA e executado C. foi proferido o seguinte despacho:

Os presentes autos aguardam pelo impulso processual da Exequente há mais de 6 meses, pelo que declaro a instância deserta nos termos do art.º 281.º, n.º 5 do Novo Código de Processo Civil, determinando a extinção da execução.
Custas pela Exequente.
Notifique.

Inconformado o exequente interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
Em conclusão, portanto, por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, do disposto no artigo 754º nº 1, alínea a), e igualmente por violação do disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 281º todos do Código de Processo Civil, deve, atento o que dos autos consta, o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a decisão que manteve a extinção da execução e substituindo-se a mesma por Acórdão que, aliás deferindo o referido a fls.-, ordene o normal e regular prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Tendo em 1 de Setembro de 2013 entrado em vigor o NCPC – cfr. artº 8º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, a lei processual deixou de prever a figura da interrupção da instância, prevendo apenas, no citado artº 281º do CPC, que se considera deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses.
As normas do Novo Código de Processo Civil ( vigente desde 1 de Setembro de 2013 ) são aplicáveis aos processos declarativos pendentes nos termos do artigos 5.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), e, assim, consequentemente, desde a indicada data é aplicável ao processo em curso a norma do artº 281º do CPC que prevê a deserção da instância em caso de “comportamento omissivo dos sujeitos processuais” por mais de seis meses ( v. NCPC, anotado, Abilio Neto ), tendo cessado, ope legis, a aplicação das normas dos artº 285º e 291º do anterior CPC.
A decisão judicial que a lei prevê justifica-se, precisamente, pela necessidade de observar o requisito da negligência das partes em promover os termos do processo, o que pressupõe, um exame crítico ao comportamento das partes no processo e, para o efeito, a sua audição prévia de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas ou de ambas.
Como se sustenta no acórdão da Relação do Porto de 02.02.2015 , disponível em www.dgsi.pt, deve até entender-se que tal dever decorre expressamente do artigo 3.º, nº 3, quando se consigna que o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciar.
Como referem J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed., 2014, pág 555, “No esquema do código revogado, tal como no do CPC de 1939, a deserção da instância pressupunha uma anterior interrupção da instância, quando as partes, maxime o autor, tivessem o ónus de impulso subsequente.”.
Actualmente, a deserção da instância decorre directamente da circunstância de o processo estar parado há mais de seis meses a aguardar o impulso da parte e o único despacho, legalmente previsto, é aquele que declara essa deserção, nada justificando um anterior despacho de alerta, nem podendo defender-se a sua obrigatoriedade em razão de se ter eliminado, na actual lei, a expressão do revogado art. 291º, nº 1 do CPC, “independentemente de qualquer decisão judicial”, pois, com a distinção da figura da interrupção da instância, como resulta bem claro da redacção do actual nº 1 do art. 281º, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transitou para a deserção, cfr. neste sentido vejam-se, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras in “Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma”, 2013, Vol. I, pág. 249.
Pois, como os mesmos continuam a fls. 250, “A ideia de negligência das partes não é conciliável com a ausência de uma decisão do juiz que a verifique. Embora a decisão, prevista no nº 4 seja meramente declarativa, até ser proferida não pode, pois, a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial.”, quanto a outro anterior despacho, defendem os mesmos autores que, “De modo a evitarem-se equívocos, pode justificar-se a notificação da parte, esclarecendo-se que o processo aguarda o seu impulso (art.7º). Esta notificação constitui um dever, nos casos abrangidos pela al. b) do art. 3º do diploma de aprovação do código”.
Ora no caso, não consta que tivesse sido dado conhecimento ao exequente das diligências sobre a penhora que o mesmo requereu, nem o mesmo foi notificado se a mesma se frustrou, para que o mesmo se pronunciasse sendo concedido ao exequente a possibilidade de requerer outras.
Como se refere no Ac. desta Relação de 12/7/16, proferido no processo n.º 157/12.8TBVFL.G1 “ no caso das acções executivas não se pode presumir que a inactividade da acção se deve à negligência do exequente, tendo em conta as competências cometidas aos agentes de execução, designadamente as diligências de penhora, ou venda, agindo este de forma autónoma, sendo que não é impossível, que a causa da paralisação dos autos seja atribuída aos ditos agentes”

III- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação procedente e, em consequência revogam o despacho recorrido, devendo a execução prosseguir.
Sem custas
Guimarães, 6 de Outubro de 2016.