Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1224/18.0T8VNF-F.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

- Tendo falecido um credor na pendência do respectivo processo de insolvência e sendo os tribunais portugueses internacional e exclusivamente competentes em matéria de insolvência por força do disposto no art. 63º, al. e) do CPC, compete ao mesmo tribunal a apreciação do incidente de habilitação de herdeiros daquele credor para, em vez dele, prosseguir os termos da demanda, de harmonia com o disposto no art. 91º, nº 1, e 352º, nº 1, do CPC, ainda que esse credor português residisse em França.
- De acordo com o disposto nas alíneas a) e c) do nº 1, do art. 640º do CPC, exige-se, sob pena de rejeição, que o recorrente ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

Por apenso ao processo em que foi declarada a insolvência de A. C., veio R. P. requerer a habilitação dos herdeiros do credor M. C. para, em vez dele, prosseguir os termos da demanda.
Alega, para tanto, que o referido M. C. faleceu no dia - de dezembro de 2019 no estado de casado consigo e sem deixar descendentes nem qualquer ascendente sobrevivo.

Está junta a certidão do assento de óbito do mencionado M. C. (cfr. refª 9887366).

Apresentou contestação o insolvente nos termos do requerimento com a refª 9720774.

Foi proferida sentença que decidiu declarar o tribunal competente para apreciação do incidente de habilitação de herdeiros, improcedendo a invocada excepção da incompetência absoluta do Tribunal, e habilitar a requerente R. P. como herdeira do credor M. C. para, em sua substituição, prosseguir os termos da demanda.

Inconformado com a sentença dela veio recorrer o insolvente A. C., formulando as seguintes conclusões:

1. Por sentença datada de 16.11.2020, foi a Requerente, R. P. habilitada como única herdeira de M. C., resultando igualmente do introito da referida sentença que o Tribunal recorrido indeferiu os meios de prova solicitados pelo ora Requerente.

2. Resulta da decisão ora em crise que, não obstante o Recorrente ter invocado a excepção da incompetência absoluta do Tribunal recorrido para decidir do presente incidente de habilitação de herdeiros, o Tribunal recorrido considerou ser competente para decidir do presente litígio.

3. A decisão do Tribunal recorrido não pode manter-se pelos motivos porque:
a) decorre do art. 59º do CPC que, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º, excepto nos casos em que o contrário se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais;
b) à data do decesso do malogrado M. C. já estava em vigor o Regulamento nº 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, cujo art. 4º estatui o seguinte:
“São competentes para decidir do conjunto da sucessão os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em que o falecido tinha a sua residência habitual no momento do óbito;
c) as normas do Regulamento nº 650/2012 são directamente aplicáveis no nosso ordenamento juridico, e são elas que regem questões processuais relacionadas com as sucessões transnacionais, designadamente: qual o Estado-membro da União Europeia cujas autoridades irão tratar da sucessão, qual a legislação nacional aplicável à sucessão, quais os efeitos juridicos produzidos pelas decisões judiciais e atos notariais em materia sucessória noutro Estado-membro da EU e de que forma pode ser utilizado o certificado sucessório europeu.

3. No caso concreto, não obstante o malogrado M. C. ser cidadão português, é manifesto que tendo o mesmo residência há vários anos em França, Estado-Membro da União Europeia onde o mesmo veio a falecer aplica-se in casu as regras de sucessão previstas no ordenamento juridico francês (art. 4º do Regulamento nº 650/12 do Parlamento Europeu e do Conselho), pelo que face ao teor do art. 59º , nº 1, do CPC., 1ª parte e 4º do Regulamento da UE carecem os tribunais portugueses de competência para decidir do presente incidente de habilitação de herdeiros, verificando-se assim, ao contrário do que resulta da decisão ora em crise, a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunais portugueses para conhecer do presente incidente de habilitação de herdeiros.

4. Ainda que se considere que os tribunais portugueses são competentes para decidir do presente incidente, o que não se concebe, a sentença ora em crise sempre estaria ferida de nulidade, porquanto o Tribunal recorrido não conheceu de todas as questões suscitadas pelo Recorrente na contestação por si oferecida, designadamente a questão da aplicação, ou não, das normas de direito adjectivo e substantivo francês que regem a matéria do direito das sucessões, a saber as atinentes às classes de sucessíveis; existencia, ou não de direito de retorno, orgãos competentes para conhecer das questões de direito sucessório que integram o ordenamento jurídico francês;

5. Da lista de factos assentes que integra a decisão ora em crise decorre que o Tribunal recorrido deu como provado um único facto que o malogrado M. C. morreu a 19.12.2020, ab intestato, no estado de casado com a Requerente e sem ascendentes.

6. Para a boa decisão da presente lide, torna-se-ia necessário que o Tribunal recorrido tivesse levado à selecção da materia de facto:
a) factos que emergem de documento já junto aos presentes autos, nomeadamente, da certidão extraída do processo de inventário por óbito dos pais do de cujus
b) que o Tribunal ordenasse a junção pela Recorrida dos elementos solicitados pelo ora Recorrente na sua contestação, a saber certidão de documento que ateste o regime de casamento do dissolvido casal e identificação do Cartório Notarial onde corre, ou correu, termos o processo de inventário por óbito do malogrado M. C..

7. As diferenças existentes entre o ordenamento juridico francês e português relativamente à definição das classe de sucessíveis; à consagração naquele ordenamento juridico da obrigatoriedade da prévia liquidação do regime matrimonial entre os cônjuges e da intervenção do notário sempre que existam imóveis a partilhar, como sucede in casu (vide http://e-justice.europa.eu/content_sucession-166-fr-pt.do), impõe que o presente incidente seja instruído com outros elementos probatórios para além dos já juntos aos presentes autos, por forma a determinar-se quem são efectivamente os herdeiros de M. C..

8. Ao contrário do que sucede no ordenamento jurídico português, o Code Civil Francês consagra no art. 757º, nº 3, o direito de retorno, ou seja, o direito dos irmãos e irmãs do falecido receberem metade dos bens em espécie incluídos na herança que o de cujus recebeu dos seus ascendentes por herança ou doação.

9. No caso concreto, foi junta aos presentes autos certidão de inventário por óbito dos pais do de cujus, processo esse que correu termos na extinta 1ª Secção do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, do qual resulta ter sido ao mesmo adjudicado o imóvel melhor descrito na relação de bens junta aos referidos autos sob a verba nº 2, facto esse que não foi levado à selecção da matéria de facto dada como assente mas que não pode ser postergado face o teor do art. 757º, nº 3, do Code Civil Francês;

10. Importa apurar in casu se, e em que, Cartório ou Tribunal francês corre termos o processo de inventário por óbito de M. C., sendo que no caso sub judice é obrigatório que o mesmo pelo menos corra termos perante um Cartório Notarial Francês uma vez que o dissolvido casal adquiriu pelo menos um imóvel em França, imóvel esse que era a respectiva casa morada de família.

11. Face ao ordenamento juridico francês importa ainda que os presentes autos sejam instruídos com documento que ateste o regime de casamento do dissolvido casal, o que também não sucedeu in casu.

12. Do supra exposto decorre assim claramente que a selecção da materia de facto dada como provada no âmbito dos presentes autos é manifestamente insuficiente para que a Requerente possa ser habilitada no âmbito dos presentes autos como única herdeira do malogrado M. C..

13. A decisão ora em crise é nula, uma vez que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar, designadamente sobre a existência, ou não, in casu do direito de retorno, e consequentemente, e em caso de resposta afirmativa ordenar a realização das diligências necessárias ao apuramento da identidade de todos herdeiros do de cujus por forma a que os mesmos fossem habilitados como tal (art. 615º, nº 1, al.d) do CPC).

14. A decisão ora recorrida ser revogada, e, em consequência, ordenar-se a descida dos presentes autos ao Tribunal recorrido, por forma a que o mesmo ordene a realização das diligências probatórias, a saber:

a) Junção aos autos presentes autos de documento comprovativo do regime de casamento do dissolvido casal
b) Cópia do processo que deu entrada no Cartório Notarial e Serviços Fiscais franceses com a menção dos herdeiros e relação de bens por óbito do malogrado M. C..
c) a apurar-se que existe in casu direito de retorno, que a Recorrida instrua os irmãos e descendentes do malogrado M. C. de molde a que os mesmos sejam habilitados nos presentes autos como herdeiros do de cujus.

Termos em que
Deve a decisão recorrida ser revogada, pois só assim se fará justiça.

Houve contra-alegações pugnando pela total improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo Recorrente, cumpre apreciar

- Da competência absoluta do Tribunal recorrido para decidir do presente incidente de habilitação de herdeiros;
- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Se, em consequência, a sentença recorrida deve ser revogada, e, em consequência, ordenar-se a descida dos presentes autos ao Tribunal recorrido, por forma a que o mesmo ordene a realização das diligências probatórias indicadas.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos considerados provados na sentença:

A. M. C. faleceu no dia - de dezembro de 2019 no estado de casado com R. P. e sem deixar descendentes nem qualquer ascendente sobrevivo.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da (in)competência absoluta do Tribunal recorrido para decidir do presente incidente de habilitação de herdeiros

Alega o recorrente que a decisão do Tribunal recorrido não pode manter-se pelos seguintes motivos:

a) decorre do art. 59º do CPC que, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º, excepto nos casos em que o contrário se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais;
b) à data do decesso do malogrado M. C. já estava em vigor o Regulamento nº 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, cujo art. 4º estatui o seguinte:
“São competentes para decidir do conjunto da sucessão os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em que o falecido tinha a sua residência habitual no momento do óbito;
c) as normas do Regulamento nº 650/2012 são directamente aplicáveis no nosso ordenamento jurídico, e são elas que regem questões processuais relacionadas com as sucessões transnacionais, designadamente: qual o Estado-membro da União Europeia cujas autoridades irão tratar da sucessão, qual a legislação nacional aplicável à sucessão, quais os efeitos jurídicos produzidos pelas decisões judiciais e atos notariais em matéria sucessória noutro Estado-membro da EU e de que forma pode ser utilizado o certificado sucessório europeu.
Carece de razão o recorrente.
O aludido Regulamento é relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu.
Ora, conforme se sustenta na sentença recorrida, os presentes autos não visam decidir sobre a sucessão ou sobre o conjunto da sucessão, mas somente habilitar os herdeiros do falecido para que o substituam neste processo. Daí que é inaplicável ao caso vertente o citado Regulamento.
Com efeito, estamos aqui perante um incidente de instância de um processo de insolvência, cuja competência internacional dos tribunais portugueses não vem posta em causa e resulta do disposto no art. 63º, al. e) do Código de Processo Civil, que nos diz que os tribunais portugueses são exclusivamente competentes em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português.
Por conseguinte, a competência do tribunal a quo para apreciação deste incidente é uma competência por conexão com o processo principal de que o incidente depende, de harmonia com o disposto no art. 352º, nº 2 do Cód. Proc. Civil.
E o art. 91º, nº 1, do CPC, prevê que o tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa.
Constituindo estes autos um incidente processado no apenso “F” do processo principal de insolvência, a competência para conhecer dos mesmos cabe ao mesmo tribunal.
Concluímos, assim, que sentença recorrida decidiu bem ao julgar improcedente a invocada excepção da incompetência absoluta do Tribunal.
Deste modo, improcedem nesta parte as conclusões do recurso.
*

Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Alega o recorrente que ainda que se considere que os tribunais portugueses são competentes para decidir do presente incidente, o que não se concebe, a sentença ora em crise sempre estaria ferida de nulidade, porquanto o Tribunal recorrido não conheceu de todas as questões suscitadas pelo Recorrente na contestação por si oferecida, designadamente a questão da aplicação, ou não, das normas de direito adjectivo e substantivo francês que regem a matéria do direito das sucessões, a saber as atinentes às classes de sucessíveis; existência, ou não de direito de retorno, orgãos competentes para conhecer das questões de direito sucessório que integram o ordenamento jurídico francês.
Mais alega que a decisão ora em crise é nula, uma vez que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar, designadamente sobre a existência, ou não, in casu do direito de retorno, e consequentemente, e em caso de resposta afirmativa ordenar a realização das diligências necessárias ao apuramento da identidade de todos herdeiros do de cujus por forma a que os mesmos fossem habilitados como tal (art. 615º, nº 1, al.d) do CPC).

Vejamos.

Dispõe o art. 615º, nº1, alínea d), do CPC, que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tal norma é aplicável ao acórdão por força do disposto no art. 663º, nº 1, do CPC.

Dispõe o art. 615º, nº 1, que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018 in www.dgsi.pt).
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado.
Desta conjugação de normativos resulta que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Importa, porém, não confundir questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9.2.2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.
Assim, a falta de tratamento de questões suscitadas pelas partes integra-se na alínea d) do nº 1 do citado artigo 615º do CPC.
Tecidos estes considerandos, vamos ao caso.
A sentença recorrida não se pronunciou expressamente sobre as apontadas questões suscitadas pelo recorrente na contestação, nem tinha que o fazer.
É que, de harmonia com o citado art. 608º, nº 2, do CPC, o juiz não deve conhecer de questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Na verdade, atenta a factualidade considerada provada na sentença, que nos termos da mesma, (…) “demonstra a qualidade de herdeira da requerente R. P. em relação ao falecido M. C., e de harmonia com o disposto nos arts. 351º, n.º 2 e 354º, do Código de Processo Civil, e 2131º e 2133º, nº 1, als. a) e b) do Código Civil”, nela se concluindo que, por isso, deve proceder o pedido de habilitação deduzido, tal permite concluir que se evidencia prejudicado o conhecimento das questões apontadas pelo recorrente.
Assim sendo, seguindo a linha de raciocínio plasmado na sentença, que levou à procedência do pedido, que assentou na consideração da demonstração do óbito do referido M. C. sem deixar descendentes nem qualquer ascendente sobrevivo, na demonstração da qualidade de herdeira da Requerente à luz do direito nacional, que se considerou aplicável, o eventual conhecimento dessas questões suscitadas pelo recorrente constituiria inclusive a prática de acto inútil, o que a lei proíbe, de harmonia com as disposições conjugadas dos art. 2º e 130º do CPC.
De resto, conforme decorre do disposto no art. 5º nº 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Do exposto se conclui que não ocorre a apontada nulidade da sentença, improcedendo nessa parte a apelação.
*

Da pretendida alteração da matéria de facto, nos termos do art. 662º, do CPC

Cabe aqui apreciar se o tribunal cometeu algum erro da apreciação da prova e assim na decisão sobre a matéria de facto.
A este propósito o recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, alegando para o efeito que para a boa decisão da presente lide, torna-se-ia necessário que o Tribunal recorrido tivesse levado à selecção da materia de facto provada“factos que emergem de documento já junto aos presentes autos, nomeadamente, da certidão extraída do processo de inventário por óbito dos pais do de cujus.”
Cumpre começar por analisar se o recorrente cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, nomeadamente se indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especifica na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; se aprecia criticamente os meios de prova, se expressa na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da 1ª instância, previsto no art. 607º, nº5, do CPC.
Diversamente do que acontece no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prévia e legalmente fixada, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo O juiz, no seu livre exercício de convicção, tem de indicar os fundamentos que, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa sindicar da razoabilidade da decisão sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pg. 348).
Na verdade, o art. 607º, nº 4, do C.P.Civil, prevê expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Tal como se sustenta no Ac. da Relação do Porto, de 22.05.2019, (…)”na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Revertendo para o caso vertente, verifica-se que o recorrente, nas suas alegações e motivação do recurso, não especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Com efeito, a este propósito, o recorrente limita-se a alegar genericamente que devem ser considerados provados “factos que emergem de documento já junto aos presentes autos, nomeadamente, da certidão extraída do processo de inventário por óbito dos pais do de cujus.”, nada dizendo sobre o ou os concrectos factos que pretende ver aditados como provados.
Ora, esta alegação não cumpre as exigências formais previstas no nº 1 e 2 do art. 640º do CPC, pelo que é de rejeitar a impugnação em causa.
Mantém-se, por isso, inalterada a sentença quanto à matéria de facto, inexistindo fundamento que justifique a requerida anulação da decisão e realização das diligências requeridas nas conclusões do recurso, ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 2, do CPC, porquanto a matéria de facto apurada permite a boa decisão da causa.
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Aqui chegados, cumpre assinalar que o tribunal a quo fez uma correcta e adequada interpretação e aplicação do direito, nomeadamente tendo em conta o disposto nos art. 2131º e 2133º, nº 1, al. a) e b) do Cód. Civil, bem como o teor dos art. 351º, nº 2 e 354º do CPC, na base da qual julgou procedente o pedido de habilitação dos herdeiros do credor M. C..
Por isso, bem decidiu o tribunal recorrido em habilitar a requerente R. P. como herdeira do credor M. C. para, em sua substituição, prosseguir os termos da demanda.
Deste modo, improcede totalmente a apelação.
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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 18.02.2021

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves
Conceição Bucho