Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
69/20.1T8BEG.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DOS AUTORES PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença, nomeadamente quando a questão é suscitada em alegações orais, pelo que, nesse caso, é a sentença que há de decidir se o litigante procedeu de má fé; é aí que, em caso afirmativo, há de condená-lo em tal multa e indemnização; o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização.
II- Não o fazendo, a decisão que, depois da sentença, vier a proferir sobre a litigância de má fé não deixa de enfermar de nulidade por conhecer de questão de que nesse momento o juiz já não pode conhecer.
Decisão Texto Integral:
I- Relatório:

- AA e BB instauraram uma ação declarativa com a forma de processo comum contra CC e outros, que , por sentença proferida em 22-12-2023 foi “ julgada totalmente improcedente e absolvida a requerida do peticionado.
Custas a cargo dos AA”.

Após  e com o título “ Sobre a litigância de má-fé dos autores: art 542º, nº 2, al.a) do Cód de Proc Civil” é proferido o seguinte despacho:

In casu, compulsados os autos, o Tribunal considera existirem aqui indícios de litigância de má-fé.
A litigância de má-fé consiste num expediente processual destinado a dissuadir o uso reprovável do processo.
A este respeito, resulta do art. 542º do Cód de Proc Civil que:      
Artigo 542.º
Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.
Neste sentido, quem fizer do processo um uso censurável ou se tiver comportado de uma forma reprovável no mesmo, será condenado numa multa como forma de sanção e de prevenção de comportamentos similares futuros.
A lei permite sancionar a nível de má-fé não apenas a lide dolosa mas igualmente a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé tiverem sido violadas com culpa grave ou com erro grosseiro.      
Nos termos da jurisprudência vertida no Douto Acórdão do TRG de 10/09/2013, proc. n.º 50904/10.5YIPRT-A.G1, na litigância de má-fé, é necessário que se deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento as partes não ignoram, se tenha conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais, ou que se tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal ou de entorpecer a ação da justiça ou de impedir a descoberta da verdade; face à existência de uma contradição entre o alegado pela parte e a matéria de facto que se prova, a litigância de má-fé apenas não se verificará se não se provar a existência de dolo ou negligência grave ou se tal contradição não resultar da alteração da verdade dos factos ou da omissão dos factos relevantes para a decisão da causa.
Por seu turno, lê-se no Douto Acórdão do TRG de 05/07/2012, proc. n.º 5367/09.2TBGMR-A.G1, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Por último, nos termos do Douto Acórdão do STJ de 08/02/2022, proc n.º 4964/20.0T8GMR.G1.S1, o conhecimento da litigância de má-fé de uma das partes pode ocorrer oficiosamente, cumprido o devido contraditório.
Perante os factos, o Tribunal pode concluir pela má-fé da autora, nos termos previstos no art 542º, n.º 2, al.a) do Cód de Proc Civil.
Em primeiro lugar, conforme vimos supra, a hipótese de litigância de má-fé prevista no art 542º, n.º 2, al.a) do Cód de Proc Civil permite sancionar não apenas a lide dolosa mas igualmente a lide temerária, entendida como aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição »cuja falta de fundamento não devia ignorar«, i.e: não é necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má-fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão, sendo suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização (cfr o Douto Acórdão do STJ de 20/03/2014 (1063/11.9TVLSB.L1.S1); TRP de 14/03/2022 (2881/20.2T8AVR.P1)).  
Em segundo lugar, não podemos deixar de salientar a ligeireza com que os autores iniciaram esta acção.
No que diz respeito à autora BB, afigura-se extremamente curioso que a autora seja proprietária da dita fracção autónoma desde ../../1977, nunca tenha contribuído para as despesas de pavimentação e manutenção do logradouro ao longo de 46 anos, tendo inclusivamente feito essa distinção quando exerceu as funções de administração de condomínio, auto-isentando-se da comparticipação dessas despesase venha agora reclamar que o mesmo é parte comum do edifício e exigindo passar usar o dito logradouro (cfr pontos 3 e 13-25 dos factos provados).
No que diz respeito ao autor AA, consideramos que uma simples leitura do título constitutivo da propriedade horizontal e os registos – aliás ele mesmo junta com os articulados essa documentação – seria suficiente para que tivesse consciência de que a sua fracção autónoma não integrava o dito logradouro, por simples interpretação do negócio jurídico (pontos 2, 4, 10, 11 e 12 da matéria de facto).     
Em terceiro lugar, o Tribunal considera que se verifica aqui litigância de má-fé, na modalidade de lide temerária, na medida em que os autores simplesmente vieram tentar-se aproveitar de um dissídio jurisprudencial para tentar obter algo a que sabiam inteiramente que não tinham direito, nem que fosse por uma simples análise do título constitutivo (art 542º, nº 2, al.a) do Cód de Proc Civil).
Pelo que consideramos que devemos condenar os autores numa multa de 3UC, cada um, bem como no reembolso das despesas a que a má-fé dos litigantes tenha obrigado as partes contrárias, incluindo os honorários dos mandatários (art 542º, n.º 1 do Cód de Proc Civil).
Não havendo elementos para fixar a indemnização peticionada, relegamos os mesmos para liquidação em execução de sentença (art 543º, n.º 1, al.b) e n.º 3 do Cód de Proc Civil).
Notifique as partes para exercerem o contraditório sobre o exposto, concedendo-se 10 dias para o efeito.”.

- Foi interposto recurso pelos AA deste despacho, o qual não foi admitido pelas seguintes razões:
“ Os recorrentes vêm interpor recurso do despacho proferido na parte final da sentença em que dá às partes a possibilidade de exercerem o contraditório em relação à condenação de litigância de má-fé (refª ...15 (22/12/2023)).
Na medida em que o despacho não condena em qualquer multa, limitando-se a dar o contraditório às partes, assume a natureza de um despacho de mero expediente, pelo que não é recorrível (arts 152º, n.º 4 do e 630º, n.º 1 do Cód de Proc Civil).
Termos em que se rejeita o recurso, por ser legalmente inadmissível (art 641º, n.º 2, al.a) do Cód de Proc Civil).”

- Após ambas as partes se terem pronunciado, em 18-01-2024 é proferido o seguinte despacho ( ora recorrido):
Sobre a condenação como litigante de má-fé: refª ...57 (15/07/2024); ...28 (12/01/2024);
In casu, compulsados os autos, o Tribunal considera existirem aqui indícios de litigância de má-fé.
A litigância de má-fé consiste num expediente processual destinado a dissuadir o uso reprovável do processo.
A este respeito, resulta do art. 542º do Cód de Proc Civil que:      
Artigo 542.º
Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.
Neste sentido, quem fizer do processo um uso censurável ou se tiver comportado de uma forma reprovável no mesmo, será condenado numa multa como forma de sanção e de prevenção de comportamentos similares futuros.
A lei permite sancionar a nível de má-fé não apenas a lide dolosa mas igualmente a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé tiverem sido violadas com culpa grave ou com erro grosseiro.      
Nos termos da jurisprudência vertida no Douto Acórdão do TRG de 10/09/2013, proc. n.º 50904/10.5YIPRT-A.G1, na litigância de má-fé, é necessário que se deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento as partes não ignoram, se tenha conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais, ou que se tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal ou de entorpecer a ação da justiça ou de impedir a descoberta da verdade; face à existência de uma contradição entre o alegado pela parte e a matéria de facto que se prova, a litigância de má-fé apenas não se verificará se não se provar a existência de dolo ou negligência grave ou se tal contradição não resultar da alteração da verdade dos factos ou da omissão dos factos relevantes para a decisão da causa.
Por seu turno, lê-se no Douto Acórdão do TRG de 05/07/2012, proc. n.º 5367/09.2TBGMR-A.G1, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Por último, nos termos do Douto Acórdão do STJ de 08/02/2022, proc n.º 4964/20.0T8GMR.G1.S1, o conhecimento da litigância de má-fé de uma das partes pode ocorrer oficiosamente, cumprido o devido contraditório.
Perante os factos, o Tribunal pode concluir pela má-fé da autora, nos termos previstos no art 542º, n.º 2, al.a) do Cód de Proc Civil.
Em primeiro lugar, conforme vimos supra, a hipótese de litigância de má-fé prevista no art 542º, n.º 2, al.a) do Cód de Proc Civil permite sancionar não apenas a lide dolosa mas igualmente a lide temerária, entendida como aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição »cuja falta de fundamento não devia ignorar«, i.e: não é necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má-fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão, sendo suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização (cfr o Douto Acórdão do STJ de 20/03/2014 (1063/11.9TVLSB.L1.S1); TRP de 14/03/2022 (2881/20.2T8AVR.P1)).  
Em segundo lugar, não podemos deixar de salientar a ligeireza com que os autores iniciaram esta acção.     
No que diz respeito à autora BB, afigura-se extremamente curioso que a autora seja proprietária da dita fracção autónoma desde ../../1977, nunca tenha contribuído para as despesas de pavimentação e manutenção do logradouro ao longo de 46 anos, tendo inclusivamente feito essa distinção quando exerceu as funções de administração de condomínio, auto-isentando-se da comparticipação dessas despesase venha agora reclamar que o mesmo é parte comum do edifício e exigindo passar usar o dito logradouro (cfr pontos 3 e 13-25 dos factos provados).
No que diz respeito ao autor AA, consideramos que uma simples leitura do título constitutivo da propriedade horizontal e os registos – aliás ele mesmo junta com os articulados essa documentação – seria suficiente para que tivesse consciência de que a sua fracção autónoma não integrava o dito logradouro, por simples interpretação do negócio jurídico (pontos 2, 4, 10, 11 e 12 da matéria de facto).     
Em terceiro lugar, o Tribunal considera que se verifica aqui litigância de má-fé, na modalidade de lide temerária, na medida em que os autores simplesmente vieram tentar-se aproveitar de um dissídio jurisprudencial para tentar obter algo a que sabiam inteiramente que não tinham direito, nem que fosse por uma simples análise do título constitutivo (art 542º, nº 2, al.a) do Cód de Proc Civil).
Pelo que consideramos que devemos condenar os autores numa multa de 3UC, cada um, bem como no reembolso das despesas a que a má-fé dos litigantes tenha obrigado as partes contrárias, incluindo os honorários dos mandatários (art 542º, n.º 1 do Cód de Proc Civil).
Não havendo elementos para fixar a indemnização peticionada, relegamos os mesmos para liquidação em execução de sentença (art 543º, n.º 1, al.b) e n.º 3 do Cód de Proc Civil).”

- Foi interposto pelos AA recurso deste despacho com as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

“I. O inconformismo dos Autores/Recorrentes relativamente ao despacho recorrido assenta, em primeira linha, no facto de ter sido proferido após a prolação da sentença, com base em factos, circunstâncias e fundamentos que já constavam do processo e que já se verificavam à data da prolação da sentença, tendo aliás essa questão sido suscitada pelo mandatário dos Réus nas alegações orais que produziu no final da audiência e discussão de julgamento [cfr. as alegações orais do Exm.2 Mandatário dos Réus, Sr. Dr. DD, prestadas na sessão de julgamento do dia 15/12/2023, gravadas digitalmente na aplicação informática em uso, com início às 16:21 e termo às 16:29 horas, com a duração de 00:07:46, mais concretamente minutos 05:11 a 05:28 e 07:40 a 07:46], assim se infringindo o princípio da extinção do poder jurisdicional, o que determina a respetiva nulidade por excesso de pronúncia, por força das disposições conjugadas do art. 613.º, n.ºs 1 e 3 e art. 615.º, n.º 1- ai. d) 2.!! parte, ambos do CPCivil (cfr., neste sentido, além de outros o douto aresto do TRC, proferido no Proc. n.º 197/17.0T8TND.C2, em 08/09/2020, o douto acórdão do TRG, proferido no Proc. n.º 7105/19.2T8GMR-A.Gl, em 24/03/2022 e o douto aresto do TRP, proferido no Proc. n.º 19346/20.5T(PRT-A.P1, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
II. Em segunda linha, tendo em consideração que o despacho recorrido omitiu por completo a pronúncia sobre as nulidades arguidas no contraditório que exerceram em 15/01/2024, bem como sobre todas as questões de facto e de direito aí igualmente suscitadas (e antes se limitou a reproduzir integralmente, sem sequer alterar uma palavra, o despacho  proferido em 22/12/2023), infringindo assim o art. 608., n.º 2, do CPCivil, os Autores/Recorrentes também têm como certo que essa infração acarreta a nulidade do despacho sob recurso, por força do disposto nos arts. 613.2, n.2 3 e 615.2, n.º 1- alínea d), ambos do CPCivil, que aqui expressamente se invoca
III. Em terceira linha, os Autores/Recorrentes insurgem-se quanto ao despacho recorrido na parte em que julgou verificados os requisitos da litigância de má-fé por entenderem que o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento sobre a matéria de direito, assim violando o art. 542.2 nº2 2 do CPCivil.
IV. Por um lado, os Autores/Recorrentes sustentaram legitimamente a sua pretensão numa interpretação doutrinal e jurisprudencial que defende que o logradouro é uma parte imperativamente comum com previsão no art. 1421.º n.º 1 - aI. a) do CCivil e, portanto, insuscetível de alteração pelo título constitutivo da propriedade horizontal e de apropriação por usucapião (cfr., além de outros, o douto aresto do TRP, proferido no Proc. n.º 0752276, em 11/06/2007, bem como o douto acórdão do TRE, proferido no Proc. n.º 797/20.1T8llE.E1, em 13/01/2022, ambos disponíveis para consulta em www.dgsLpt), deste modo, a vingar tal entendimento, independentemente daquilo que constasse do título constitutivo da propriedade horizontal, e da leitura/interpretação que dele os Autores/Recorrentes fizessem, o logradouro era insuscetível de apropriação e a ação dos Autores/Recorrentes poderia vir a proceder.
V. Por outro lado, estando em causa "uma mera questão de interpretação e aplicação da lei aos factos, não há Iitigância de mé fé processual, porque a discordância na interpretação da lei, e na sua aplicação aos factos, é faculdade que não deve ser coarctada em nome de uma certeza jurídica" (cfr. neste sentido, o douto aresto do TRL, proferido no Proc. n.º 456/13.1TTFUN-B.L2-4, em 18/01/2023, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
VI. Não obstante aquilo que acaba de dizer-se, a verdade é que a interpretação e conjugação da escritura de constituição de propriedade horizontal e da escritura da respetiva  alteração (juntas à p. i. como does. n.2s 21 e 22) não era absolutamente clara e permitia aos Autores, sem qualquer dolo ou negligência grave, interpretar esses documentos nos termos constantes da da p. L, ainda que essa interpretação não fosse legalmente a correta.
VII. Acresce que, a simples leitura da própria sentença demonstra que, ao contrário daquilo que se exarou no despacho recorrido, a simples leitura do título constitutivo e dos registos não eram suficientes para que o Autor AA tivesse consciência de que o logradouro não era parte comum de todas as frações habitacionais, designadamente da sua, desde logo porque na própria sentença o Julgador teve necessidade de alicerçar os direitos em presença não só na interpretação que fez dos referidos documentos, mas também no instituto jurídico da usucapião (cfr. último paragrafo da página 21 da sentença).
VIII. Relativamente à Autora BB importa atentar que foi a própria que confessou tudo quanto consta dos pontos 1 e 13 a 25 dos factos provados e isso não afasta a convicção que ela tinha acerca do logradouro constituir parte comum de todos as frações habitacionais, incluindo a sua, até porque, de acordo com a jurisprudência que defende que o logradouro é uma parte imperativamente comum com previsão no art. 1421.º n.º 1 - ai. a) do CPCivil o mesmo sempre seria insuscetível de aquisição por usucapião. (cfr. os citados arestas do TRP e do TRE, proferidos nos Procs. n.ºs 0752276 e 797/20.1T8LLE.E1, em 11/06/2007 e 13/01/2022 respetivamente, ambos disponíveis para consulta em www.dgsLpt).
IX. Resta ainda acrescentar que, o facto de existir um dissídio jurisprudencial acerca da matéria em discussão nos presentes autos demonstra precisamente não ter existido qualquer aproveitamento por parte dos Autores/Recorrentes em tentar obter algo que sabiam não ter direito, porquanto a entender-se que o logradouro é uma parte imperativamente comum com previsão no art. 1421.º n.º 1 - aI. a) do CPCivil o mesmo sempre seria comum ainda que "emitidas no titulo constitutivo ou neste incluídas como fazendo parte de determinado fracção autónoma", pois "a sua natureza não pode ser modificada" e "assim é para que a própria utilização das fracções autónomas não fique prejudicada, já que a sua utilidade é fundamental como elemento essencial de toda a construção e se estende a todos os condóminos" (cfr. o citado douto aresto do TRE).
X. Não bastasse tudo quanto acaba de dizer-se, o Autores/Recorrentes agiram sempre convictos de que lhes assistia razão, não tendo atuado com dolo ou negligência grave.
XI. Em quarta linha, o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, na medida em que deu como assente que os Réus peticionaram a condenação dos Autores/Recorrentes no pagamento de indemnização como litigantes de má-fé, o que é falso e consequentemente fez uma incorreta aplicação e/ou interpretação do disposto no art. 542.º n.º 1 do CPCivil, que assim violou, além de ter conhecido de questões de que não podia conhecer (cfr. art. 615.º n.º 1 - aI. d) do CPCivil, aplicável por força do disposto no art. 613.º n.º 3 do mesmo diploma legal), o que acarreta a nulidade do despacho recorrido.
XII. Com efeito, pese embora nada conste na ata da audiência de julgamento de 15/12/2023, a verdade é que os Réus nas suas alegações pediram a condenação da Autora BB, e apenas desta, como litigante de má-fé, não tendo porém peticionado a sua condenação em qualquer indemnização [cfr. as alegações orais do Exm.º Mandatário dos Réus, Sr. Dr. DD, prestadas na sessão de julgamento do dia 15/12/2023, gravadas digitalmente na aplicação informática em uso, com inicio às 16:21 e termo às 16:29 horas, com a duração de 00:07:46, nas quais referiu o seguinte: "( ... ) eu acho que é um abuso de direito de facto, a Autora BB ao intentar esta ação sabendo, arrogando-se no direito que sabe que não tem, ela própria reconheceu que não tinha, embora agora venha dizer o contrário, portanto acho que deve ser condenada como litigante de má-fé (min. 05:11 a 05:28) e concluiu "julgando improcedente a ação e  condenando a Autora BB como litigante de má-fé, fará Justiça" (min. 07:40 a 07:46)).
XIII. Ora, não tendo os Réus formulado um pedido de condenação dos Autores/Recorrentes no pagamento de indemnização como litigantes de má-fé, atento o regime jurídico estatuído na última parte do art. 542.º n.º1 do CPCivil, jamais poderia o Tribunal, ex officio, substituir-se aos mesmos através da condenação e arbitramento dessa indemnização (cfr. neste sentido, o douto aresto do TRG, proferido no Proc. n.2 1639/14.2TBVCT.G2, também, Borges e também MARTA ALEXANDRA FRIAS, ln "Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé", Coimbra, 2014, disponível em estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28438/1/Algumas reflexoes em materia de litigancia de ma-fe.pdf, p. 104).
XIV. A este respeito importa ainda referir que o requerimento apresentado pelos Réus em 12/01/2024, no qual vieram peticionar a condenação dos Autores «como litigantes de má fé em multa e indemnização a favor dos Réus», na sequência do contraditório que lhes foi dirigido de forma absolutamente anómala e irregular pelo Tribunal a quo, jamais permitirá infirmar aquilo que acaba de dizer-se, pois não tem a virtualidade de lhes conceder a oportunidade de alterarem o pedido de condenação como litigante de má-fé que já haviam formulado anteriormente nas alegações orais produzidas na audiência de julgamento.
XV. Embora esta questão nem sequer se encontre em discussão (porquanto: da conjugação do despacho recorrido, com o despacho antecedente proferido em 22/12/2023 sobre a mesma matéria e o requerimento junto aos autos pelos Réus em 12/01/2024 resulta, de forma inequívoca, que a decisão recorrida não estriba a indemnização arbitrada nos pedidos formulados pelos Réus neste último requerimento), não deixamos de salientar que embora a lei não indique o momento em que qualquer das partes pode pedir a condenação da outra como litigante de má-fé (e consequentemente peticionar o pedido de arbitramento de indemnização), em primeira instância, sustentando-se esse pedido  mesmo em factos, circunstâncias e fundamentos que já constavam do processo, terá necessariamente de ocorrer antes de proferida a sentença, na qual, como acima já se deixou dito, também terá de ter lugar a apreciação dessa questão, bem como a eventual condenação em multa e no arbitramento da indemnização que haja sido peticionada (cfr. neste sentido, ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3! Ed., Coimbra Editora, pág. 281 E LEBRE DE FREITAS, ln Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 197).
XVI. Em quinta linha, entendem os Autores/Recorrentes que, na parte em que relega os elementos da indemnização para liquidação em execução de sentença com fundamento no disposto no art. 543.º, n.º 1 - alo b) e n.º 3 do CPCivil, o despacho recorrido é manifestamente ininteligível, o que acarreta a respetiva nulidade ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1 - ai. b) ln fine do CPCivil, ex vi do disposto no art. 613.º n.º 3, do mesmo diploma legal, além de incorrer em erro de julgamento sobre a matéria de direito, assim violando o disposto nos arts. 543.º n.º 1- alo b) e n.º 3 do CPCivil.
XVII. Por um lado, inexiste no despacho qualquer elemento ou referência que sequer permitisse condenar os Autores/Recorrentes/Recorrentes no pagamento da indemnização agravada prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 543.º do CPCivil.
XVIII. Por outro lado, o instituto jurídico da "liquidação em execução de sentença" encontra-se previsto no art. 609.º n.º 2 do CPCivil e consubstancia uma norma de carácter geral que se distingue do instituto jurídico destinado a fixar o quantum indemnizat6rio nas situações de falta de elementos em caso de condenação como litigante de má-fé prevista no art. 543.º n.º 3 do CPCivil, que consubstancia uma norma de caráter especial.
XIX. Assim, de acordo com a norma geral prevista no art. 609.º n.º 2 do CP Civil, a liquidação do quantum indemnizatório será feita em incidente autónomo posterior, já de acordo com a norma de carater especial prevista no art. 543.º n.º 3 do CPCivil o legislador quis, de forma clara, que o pedido de indemnização (e a fixação do seu quantum) por litigância de má-fé ficasse decidido e resolvido no próprio processo em que teve lugar a condenação da parte com base em tal comportamento processual. Assim, é manifesta a distinção entre o instituto jurídico de "liquidação em execução de sentença" e o instituto jurídico previsto no art. 543.º n.º 3 do CPCivil, razão pela qual jamais se pode aplicar o primeiro com fundamento no art. 543.º n.º 3 do CPCivil.
XX. Acresce que, não é legalmente admissível relegar para execução de sentença a liquidação ou a fixação da indemnização por litigância de má-fé, atento o regime estabelecido no art. 543.º n.º 3 do CPCivil (dr. além de outros, LEBRE DE FREITAS, in "Código de Processo Civil, Anotado", Vol. II, pág. 200, nota 3; RUI CORREIA DE SOUSA, in "Lítigância de Má Fé", Quid iuris, págs. 11/12" e o douto aresto do TRC, de 15/12/1998, in "BMJ 482 - 304").
XXI. Por fim, ainda que nenhum dos argumentos supra expostos venha a merecer acolhimento - o que não se concede, nem se concebe e apenas admite por cautela de patrodnio - os Autores/Recorrentes discordam do quantitativo da multa fixada no despacho sob recurso, por entenderem ser excessiva e não corresponder ao justo equilíbrio entre o grau de culpa e a censurabilidade do comportamento, não atender ao reduzido valor da ação (de apenas 10.000,00€), nem tampouco ter em consideração a sua irrepreensível conduta ao longo de todo o processo, devendo por isso ser reduzida ao mínimo legal, ou seja, 2 UCs cada (dr. art. 27.º no 3 do RCP),
XXII. E, quanto à indemnização, na parte correspondente aos honorários do mandatário da parte contrária, entendem que deve ser fixada com recurso à Tabela de Honorários para a Proteção Jurídica, anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro (dr., neste sentido, o douto aresto do TRL, proferido no Proc. n.º 7819/18.4T8LSB-D.L1-7, em 08/11/2022, disponível para consulta em www.dgsi.pt) e deduzida das quantias a que os Réus já têm direito para compensação das despesas com honorários do seu mandatário judicial, ao abrigo do regime jurídico estatuído nos arts. 26.º n.º 3 - aI. c) do RCP, sob pena de duplicação e enriquecimento ilegítimo dos Réus, à custa do empobrecimento dos  aqui Autores/Recorrentes.
Nestes termos, e nos melhores de direito que  V.IS Ex.ls doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, pelos fundamentos e nos termos explanados nas conclusões acabadas de alinhar, com o que se fará, como se espera, inteira JUSTIÇA”

- Foram apresentadas contra-alegações sustentando-se a manutenção da decisão recorrida.

- Em 19-02-2024 foi admitido o recurso da decisão ora recorrida, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, é a seguinte a questão a apreciar e decidir: se é de manter a decisão de condenação em litigância de má fé proferida posteriormente à sentença e em cujos factos se baseou.
Esta questão contende com a do esgotamento do poder jurisdicional decorrente da prolação da decisão final.
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III. Fundamentação de facto.

Relevantes são os factos constantes do relatório supra e matéria de facto em que assentou a decisão recorrida ou para a qual remete.

Acresce ainda o seguinte:
- “ Foi pedida a condenação dos AA como litigantes de má-fé nas alegações orais”.
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IV- Do mérito do recurso:
Os recorrentes defendem que a decisão que os condenou como litigantes de má fé é nula por excesso de pronúncia na medida em que conheceu de uma questão (a litigância de má fé) de que já não podia tomar conhecimento uma vez que tinha sido proferida sentença onde a questão não foi decidida e com esse ato esgotou-se o poder jurisdicional do juiz.
Cremos que lhes assiste razão.

Nesta temática são duas as correntes jurisprudenciais que se perfilam:
1) Uma delas, conforme, aliás, cremos ser jurisprudência maioritária, entende o seguinte: “Se a questão da litigância de má fé está colocada, oficiosamente ou a requerimento, no momento da sentença, é nessa peça que a mesma deve ser decidida, só podendo ser relegada para momento posterior a fixação do montante da indemnização a favor da parte contrária;  Proferida sentença sem aquela questão ter sido decidida, a decisão que vier a ser proferida sobre a mesma depois da sentença é nula por excesso de pronúncia por já se encontrar esgotado o poder jurisdicional do juiz.” ( in sumário do AC da RP de 15-12-2021, relator: Aristides Rodrigues de Almeida  e, neste sentido também Ac. deste TRG de 18-01-2024 ( relatora: Maria João Matos) e jurisprudência aí citada; mas a doutrina e a jurisprudência têm perfilhado posições que vão desde a nulidade da sentença, à sua ineficácia ou à sua inexistência – Vide, por todos, sobre a matéria, A. VARELA, “ Manual de Processo Civil “, 2ª edição, pág. 686, nota 3, ALBERTO dos REIS, “ Código de Processo Civil Anotado “, 1984, pág. 113 e segs…, AC RC de 20.10.2015, relator Des. MARIA DOMINGAS SIMÕES, AC RP de 21.02.2013, relator Des. ARISTIDES RODRIGUES de ALMEIDA, AC RP de 26.09.2023, já antes citado, AC STJ de 6.05.2010, relator Cons. ALVARO RODRIGUES, AC RG de 22.05.2014, relator Des. HELENA MELO, todos disponíveis in www.dgsi.pt.).).
2) Outra delas entende “ o citado art. 613º do CPC deve ser interpretado no sentido de que o poder jurisdicional que se esgota com a sentença é o poder jurisdicional relativo ao mérito da causa, sobre as questões aí concretamente decididas e que não viola o aludido normativo a decisão posterior à sentença que condenou a parte como litigante de má fé, após haver determinado na sentença a sua audição prévia” ( neste sentido se pronunciaram os acórdãos do TRG de 10.05.2018 (proc. n.º 27/15.8T8TMC.G1, rel. Alcides Rodrigues) e de 31.10.2019 (proc. n.º 587/18.1T8PTL-A.G1, rel. Paulo Reis), o ac. do TRL, de 12.07.2012 (proc. n.º 205/06.0TCSNT.L1-2, rel. Ezagüy Martins) e o ac. do TRC, de 02.02.2016 (proc. n.º 115/12.2TBPNC.C2, rel. Jorge Arcanjo).
Reportando-nos ao caso sub judicio, cremos que uma vez que a questão da condenação como litigante de má fé foi suscitada em alegações orais pelos RR, trata-se de questão que deveria inequivocamente ser tratada na sentença, pelo que aquela decisão de condenação como litigante de má fé, proferida posteriormente à decisão final dada nos autos, sempre sofreria de nulidade por ter sido proferida em momento processual desadequado.
Na verdade, após a prolação da sentença, foi proferido despacho sob o item “ o título “ Sobre a litigância de má-fé dos autores: art 542º, nº 2, al.a) do Cód de Proc Civil”, findo o qual foi ordenado o cumprimento do contraditório acerca da temática.
É bem certo que nesse mesmo despacho e antes de ordenar o cumprimento do contraditório foram analisados os indícios para a condenação em litigância de má fé e apesar de afirmar que os AA devem ser condenados em multa e nas despesas, na verdade, e conforme é dito no despacho que não admitiu o recurso desse despacho: “ dá às partes a possibilidade de exercerem o contraditório em relação à condenação de litigância de má-fé (refª ...15 (22/12/2023)).
Na medida em que o despacho não condena em qualquer multa, limitando-se a dar o contraditório às partes, assume a natureza de um despacho de mero expediente, pelo que não é recorrível (arts 152º, n.º 4 do e 630º, n.º 1 do Cód de Proc Civil).”.
Daí e por assim se ter entendido, após ter sido cumprido o contraditório e as partes pronunciarem-se, foi proferido o despacho ora recorrido e que reproduziu ipsis verbis aquele outro no que toca à análise dos indícios e condenou os AA como litigantes de má fé e em multa e nas despesas.
Mas, seria lícito ao juiz, na ocasião em que proferiu tal despacho-após a prolação da sentença-, conhecer da questão da litigância de má fé dos AA?
Para concluir pela tempestividade da apreciação, confortou-se o Mmo. Juiz nas considerações do Acordão do TRP de 23-05-2022 e que citou nos termos do qual se lê “ a litigância de má-fé constitui uma questão de conhecimento oficioso, pelo que o Tribunal não incorre em qualquer excesso de pronúncia; termos em que entendemos que a nulidade deve improceder.”
Nada há a apontar à bondade da doutrina e jurisprudência citada, apenas se entendendo que a mesma não serve para fundar a possibilidade de conhecer da questão da litigância de má fé dos AA em despacho posterior à sentença quando fundada em factos anteriores à prolação da mesma.
Vejamos porquê e tentando sintetizar o que a maioria da jurisprudência e doutrina sustenta, no essencial.
Sendo inequívoco que a questão da litigância de má fé é matéria do conhecimento oficioso – não carecendo, também, a correspondente condenação em multa, de ser requerida (ao contrário do que sucede com a indemnização) – a sua apreciação não pode ser efetuada em desrespeito pelo disposto no art.º 613º nº 1, do CPC.
Destarte, sendo proferida sentença ou despacho a colocar fim ao processo, deve fazer-se aí, se não se fez antes, a apreciação da conduta processual assumida pelas partes até então e que seja suscetível de configurar litigância de má fé ( cfr. art. 608º e 542º, ambos do CPC).
Quando não haja elementos para fixar o “quantum” indemnizatório que o litigante de má fé deve pagar à parte contrária, embora se possa condenar logo a parte como litigante de má fé no despacho ou sentença que põe termo ao processo, deve relegar-se a fixação do referido “quantum” indemnizatório, para momento posterior.
É o que resulta do disposto no art.º 543º, nº 3, do CPC, de onde se retira, também, a conclusão de que, em princípio, a condenação por litigância de má fé deve ser proferida na sentença (ou no despacho) que ponha termo ao processo.
Já o Prof. Alberto dos Reis, em anotação ao art.º 466º do CPC de 1939 ( Código de Processo Civil anotado, 3ª edição, 1981, volume II, pág. 281), dizia: «A apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença; é nesta que há-de decidir se o litigante procedeu de má fé; é aí que, em caso afirmativo, há-de condená-lo em tal multa e indemnização; o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização…”»
Pode suceder, todavia, que, chegado ao momento de proferir decisão que põe fim à causa, afigurando-se-lhe existir litigância de má fé, o julgador não possa emitir condenação a esse propósito, por haver necessidade de ouvir primeiro a parte, em cumprimento do contraditório (art.º 3º, nº 3, do CPC).
Ou seja, chegado o momento de proferir a sentença, e se as partes tiverem suscitado a questão da litigância de má fé, como ocorreu no caso vertente, o juiz deve pronunciar-se sobre a mesma nessa ocasião, condenando a parte que litigou de má fé em multa. O juiz só deve deixar de se pronunciar se ninguém lhe colocou a questão e entender que não houve litigância de má fé, não carecendo de justificar, pela negativa, que tal forma de litigância não ocorreu.
Se a litigância de má fé respeita à atuação processual anterior à sentença ela já se encontra evidenciada nos autos; trata-se nesse caso de uma questão a decidir.
O mais que pode suceder é não ser ainda possível decidir o “quantum” indemnizatório que o litigante de má fé deve pagar à parte contrária. Só nessa eventualidade e para essa finalidade estrita a lei processual admite no n.º 3 do artigo 543.º do Código de Processo Civil que a fixação desse segmento da condenação como litigante de má fé seja relegada para momento posterior.
No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2001, pág. 200, onde refere: «Havendo elementos suficientes para tanto, deve ser fixada a indemnização que deles resulte. Não havendo, o juiz, ouvidas as partes, fixará, já depois da sentença em que profira a condenação por má fé, mas nos autos da ação, aquilo que, no seu prudente arbítrio, lhe pareça razoável, não havendo assim lugar para a condenação no se liquidar em execução de sentença.» ( sublinhado nosso).
É claro que a parte pode litigar de má fé subsequentemente ao despacho ou à sentença que, na 1ª Instância, coloque termo ao processo, fazendo requerimentos que denotem essa litigância, ou manifestando esta no decorrer do recurso que interponha dessa decisão.
Obviamente que, nesses casos, em que a litigância de má fé se manifeste a jusante da decisão que põe termo ao processo na 1ª Instância e que nada disse quanto a tal matéria, a apreciação dessa litigância ter-se-á de fazer, pela natureza das coisas, posteriormente a essa decisão, mas, note-se, sem que possa incidir sobre a atuação passada anteriormente a ela.
A pergunta que se pode colocar, como se lê no citado AC da RP de 15-12-2021 “ é se o juiz pode anular esta obrigação (de decidir na sentença todas as questões que é mister conhecer) e contornar o impedimento decorrente da prolação da sentença (de, por via do esgotamento do seu poder jurisdicional, não poder mais tarde proferir decisão sobre as questões que deixou por conhecer), determinando, imediatamente a seguir a esta, a notificação das partes para se pronunciarem sobre a eventualidade de uma delas ser condenada como litigante de má fé.
Cremos que a resposta deve ser a mesma, se tivermos presente uma ideia inultrapassável: a obrigação do juiz na sentença não é a de levantar as questões, de aventar a possibilidade de elas virem a ser decididas, é sim, a de as decidir (é por isso que discordamos da decisão sumária antes citada onde se considera que por dessa forma a questão ter sido suscitada na sentença ainda pode ser decidida mais tarde).
As normas processuais têm natureza imperativa e o processo está subordinado ao princípio da legalidade das formas de processo e dos actos processuais. É certo que o juiz tem presentemente poderes de simplificação ou de gestão processual (artigo 6.º) e de adequação formal (artigo 547.º), poderes que, não obstante, só podem ser exercidos para as finalidades que lhe estão assinaladas e cujo exercício carece de ser justificado mediante a invocação dos respetivos.
Inexiste, porém, norma processual que permita ao juiz modificar o conteúdo da sentença ou definir caso a caso as questões de que pode ou deve conhecer na sentença. Da mesma forma que não lhe é consentido por despacho excluir ou limitar as consequências do artigo 613.º do Código de Processo Civil, sendo certo que no caso concreto nenhum daqueles poderes foi invocado para justificar a tramitação seguida.
Admitir que chegado à sentença, o juiz anteveja a possibilidade de condenar a parte como litigante de má fé e, mesmo assim, em vez de fazer o que a lei processual determina (que cumpra previamente o contraditório e depois na sentença profira decisão sobre essa questão), ordene a notificação das partes para se pronunciarem sobre essa eventualidade, relegando a decisão sobre a litigância de má fé para um momento em que o seu poder jurisdicional já se encontra esgotado, seria, bem vistas as coisas, permitir-lhe alterar o objecto da sentença e excluir uma das causas de nulidade desta.
Portanto, se se der essa circunstância, o que o juiz tem de fazer é sobrestar a prolação da sentença e exercer o contraditório que estiver por cumprir e sem o qual ainda não pode decidir a questão. Não o fazendo, a decisão que, depois da sentença, vier a proferir sobre a litigância de má fé não deixa de enfermar de nulidade por conhecer de questão de que nesse momento o juiz já não pode conhecer.”
No caso “sub judice”, o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, entendendo que elementos havia que levassem a afirmar a litigância de má fé dos AA e aliás pedida em alegações orais, não tendo conhecido da questão da litigância de má fé na sentença, não podia conhecer dessa questão depois da sentença, por tal lhe estar vedado pelos artigos 607.º, ns.º 1 e 2, 608.º, n.º 2, 613.º, ns.º 1 e 2, 543.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, do Código de Processo Civil, pelo que a decisão proferida depois da sentença sobre essa questão é nula por conhecer de questão de que o juiz já não podia tomar conhecimento.
Procede assim a questão da nulidade da decisão recorrida, a qual é insanável por se fundar na impossibilidade de conhecer da questão nela decidida.
Em face da conclusão que se extraiu quanto à ilegalidade do despacho recorrido, fica prejudicado o conhecimento da verificação dos pressupostos da litigância de má fé que o Tribunal “a quo” entendeu estarem reunidos.

V- Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgar o recurso da decisão proferida sobre a litigância de má fé procedente, anulando a dita decisão e absolvendo os autores da respetiva condenação.
Custas pelos RR, parte vencida ( cfr. art. 527º do CPC).
Guimarães, 14 de março de 2024

Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Fernanda Proença Fernandes e
Conceição Sampaio