Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
187/11.7TUVCT.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO
FACTOS PROVADOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: Em processo emergente de acidente de trabalho os factos sobre os quais tenha havido acordo na tentativa de conciliação que encerra a fase conciliatória consideram-se assentes, devendo considerar-se não escrita a resposta a um quesito formulado em desrespeito a tal comando.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

M…, autora nos autos à margem melhor referenciados, tendo sido notificada da sentença e com a mesma não se conformando, vem dela interpor RECURSO DE APELAÇÃO.
Pede que seja alterada a matéria de facto nos termos peticionados e consequentemente alterada a douta Sentença recorrida, e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente por provada.
Caso assim se não entenda e porque o Sr. Juiz violou o artigo 72 do NCPC e art. 5 do NCPC deve o tribunal de recurso anular a decisão em apreço e proceder á ampliação da matéria de facto, nos termos exigidos pela citada norma, ordenando-se a produção de novos meios de prova nos termos do artigo 712, nº2 al. c) e b) do NCPC.
Após alegar, apresenta as seguintes conclusões:
1) Os autos de conciliação e, ou de não conciliação realizados na fase não contenciosa funcionam como um mecanismo delimitador do objeto do processo na fase contenciosa., sendo que
2) No caso concreto, o conteúdo do auto de não conciliação e a posterior posição do R. transmitida pelo seu requerimento de 15 de Maio de 2013, de fls.76 e 77, e mesmo a sua posição na contestação leva a concluir que não há duvidas que, naquele auto de não conciliação ficaram consignados factos e não juízos de valor ou conclusões. Sendo que o R. aceitou o acidente tal como foi descrito pela A., circunscrevendo a sua falta de acordo, á retribuição anual.
3) Pelo que se entende que é este auto de não conciliação (de fls.42,43,44), o delimitador do objeto processo e a fase contenciosa apenas poderia versar sobre os factos não acordados, ou seja a retribuição anual da A.
4) E permitir-se, como se permitiu na sentença em crise e alterar o objeto do processo, violou-se o princípio da boa-fé e da confiança que deve basilar a litigância em tribunal, pois que a A. sempre pensou que na fase contenciosa, o R. apenas iria pôr em causa a retribuição anual daquela.
5) Pelo que se impõe a revogação da douta sentença, substituindo-se por outra, que afinal considere, que o R. não poderia ter apresentado a defesa que apresentou, até porquanto, os alegados factos novos, que o R. trouxe aos autos com a contestação e que deram origem aos quesitos 5º e 6º e, que foram alvo de Instrução, tiveram a resposta de não provados.
6) Aliás a não prova deste supostos factos novos, tendo presente o teor dos atos praticados na fase administrativa, o posterior requerimento de 15 de Maio de 2013, de fls. 76 e 77 e mesmo o depoimento prestado pelo reu, fazem ressurgir, sem mais, os factos acordados pelo R, em sede de tentativa de conciliação.
7) Assim sendo, deveria, desde logo, dar-se por aceite o facto inserto no quesito primeiro, que foi o facto aceite em sede de tentativa de conciliação e em consequência proferir-se decisão que julgasse a ação procedente. Ao não agir assim o Meritíssimo Juiz, violou na douta sentença o disposto no artigo 111 e 112 do CPT.
8) Devendo, por isso este Tribunal de Recurso, revogar a decisão in recurso por outra que julgue a ação totalmente procedente, condenando o R. nos termos peticionados.
Sem prescindir
9) Na primeira sessão de julgamento depois de prestados os depoimentos das testemunhas indicadas pela A. e antes do depoimento da testemunha do Réu, N…, o seu ilustre mandatário requereu a junção aos autos de dois documentos juntos fls. 176 e fls. 177. Tendo igualmente no decorrer do depoimento da testemunha N…, ordenado a junção aos autos de um documento exibido por aquele, o documento de fls. 175.
10) A A. no âmbito do contraditório opôs-se a junção dos vários documentos, e impugnou-os nos termos do requerimento enviado a 7 de novembro de 2014, com a referência 179951417,
11) Na verdade os documentos trouxeram aos autos, em plena Instrução, factos novos, que extravasavam o objeto do processo. Sendo certo que os documentos de fls. 175, 176, 177 foram admitidos por douto despacho proferido em 14 de Novembro de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 423, nº3 do CPC, por o Meritíssimo Juiz entender serem” relevantes para a descoberta da verdade material”, sem que deste despacho judicial, as partes, nomeadamente a A. não fosse notificada
12) Após a resposta á matéria de facto foi proferida douta sentença que decidiu julgar totalmente improcedente a presente ação e em consequência, absolver o réu dos pedidos formulados pela A.
Da impugnação da matéria de facto
13) Mal andou o Tribunal ao decidir da matéria de facto da forma como o fez, designadamente respondendo nos termos em que o fez ao quesito primeiro.
Ou seja respondendo negativamente ao quesito primeiro. Quando deveria ter respondido de forma positiva. Ou seja: como provado.
14) Baseando a sua resposta principalmente no depoimento da testemunha N…, lhe deu conta do relato que a A. lhe deu conta de um facto novo, ou seja tinha feito de que o acidente tinha ocorrido na sua residência e que aquela testemunha procedeu á respetiva participação á companhia de seguros. E ainda nos documentos de fls. 175, 176, e 177, juntos em plena audiência de discussão e julgamento.
15) No entanto, nem esta suposta versão do acidente ocorreu, nem foi produzida prova que pudesse levar a um juízo positivo, pois que:
a)a testemunha N… acabou por confessar que não assistiu ao acidente relatado nos ditos documentos e a A. negou e explicou de forma credível a versão trazida pela testemunha do R..
b)os documentos juntos a fls. 175, 176, 177, estão em completa contradição com o que consta dos documentos juntos a fls. 119 e 120, (oficio nº 21/2014 dos Bombeiros Voluntários de Monção) e (Guia de serviço de ocorrência realizada no dia 15 de Dezembro de 2008)
16) As provas supra referidas atestam que a A. não chamou a ambulância, e que esta não a foi buscar a casa, aliás seria igualmente inverosímil, face às regras das experiencia comum que, a A. que, vive em Serzedo Longos – Vales, com a uma fratura do tornozelo esquerdo, fosse trabalhar, para a casa do Reu, em Reiriz- Troviscoso a cerca de 2,5 Km de casa a mulher, iniciasse o trabalho às 9 horas e depois dissesse á mulher do reu que se tinha lá magoado, tendo em conta, aliás, o historial clinico, que consta dos autos, designadamente a grave lesão com uma IPP de 14, 328% com que ficou e os 520 dias de ITA e os restantes dias de ITP e as pelo menos 5 operações cirúrgicas que teve que ser submetida, não permitiriam de todo, que tais factos ora conjeturados, se verificassem.
17) O Meritíssimo Juiz errou na apreciação da prova pois que o R. não justificou a alteração de posição pois que, quando o Sr. Juiz o questionou quando é que viu os documentos de que o acidente tinha sido noutro local, este respondeu: LOGO e além disso que tinha sido na casa do Sr. N… que este lhe contou
18) O que aliás, é contraditório com o depoimento da testemunha N… que disse que contou ao Sr. S… o suposto acidente da A. quando ambos praticavam desporto e estavam a conversar. E que disse que antes do Verão, ou foi no final do ano passado (2013) ou principio deste ano (2014). Salvo o devido respeito, mal andou o tribunal, ao atribuir credibilidade às declarações do R. e até da testemunha N… e dizer que aquele justificou a alteração de posição no processo. Até porque a contestação do Reu é apresentada em 5 de Junho de 2013.
19) Tais contradições relatadas deveriam ter abalado toda a credibilidade da testemunha N… em detrimento das declarações da A., que embora com interesse na ação assumiu e explicou os documentos de fls. 175, 176 e 177 dos autos de forma clara e convincente.
20) Os documentos de fls. 119 e fls. 120 (respetivamente o oficio dos Bombeiros Voluntários de Monção e a guia de serviço destes de 15-12-2008), com depoimento do reu e ainda com os depoimentos dos bombeiros e os depoimentos de J…, cônjuge da Autora, D…, filho da Autora, S…, filha da Autora e R…, irmã da Autora apenas poderiam ter levado o Meritíssimo Juiz a responder positivamente ao quesito primeiro.
21) Os familiares depuseram de forma imparcial, revelando, apenas, o que se tinha passado no dia 15 de Dezembro de 2008, como souberam do acidente da A., onde estavam, o que fizeram, e o que aquela lhes transmitiu. O facto de não assistirem ao acidente, não pode por em causa a sua credibilidade, mas antes atestar a autenticidade do depoimento, pois que, como é logico, nenhuma dessas pessoas assistiu ao referido acidente.
22) Também o facto de as ditas testemunhas não terem apresentado uma versão coincidente nos moldes exatos em que ocorreu a queda da A., até revela, nosso modesto entender, a imparcialidade dos mesmos e a autenticidade de como os mesmos depuseram em Tribunal.
23) O que realmente importa é que as ditas testemunhas confirmaram que efetivamente a A. sofreu uma queda, enquanto trabalhava para o R. e não em nenhum outro lugar. O que desde logo, é logica e racionalmente concordante com o que consta do documento de fls. 120 dos autos (guia de serviço dos Bombeiros Voluntários de Monção) e logica e racionalmente concordante com o depoimento dos bombeiros e com o que o R. aceitou na fase conciliatória.
24) Além de todos serem unanimes em dizer que naquele dia, a A. se se tinha
deslocado para ir para trabalhar para a casa do R..
25) Sendo que a filha da A., até esclareceu o Tribunal, a instancias do Sr. Juiz, que dias da semana em que a A. em que ela trabalhava, que era às 2ª feiras, 3ª feiras, 4ª feiras e 6ª feiras, das 9 às 12 horas meio dia.
26) E a irmã da A. esclareceu também o Tribunal de que era ela que todos os dias levava e trazia a A. para trabalhar, para desempenhar a atividade de empregada doméstica em casa do R.
27) Ora o dia 15 de Dezembro de 2008 (facto notório percetível pelo Tribunal) foi segunda-feira. (o que coincide com o dia de trabalho em casa do R.)
28) O que desde logo, contraria a versão do R., que diz que o acidente se deu quando ela prestava trabalho para o Sr. N…. Pois que, veja-se que a A. no seu depoimento disse que para este Senhor trabalhava ás 6ª feiras.
29) O que desde logo leva a dizer que o Meritíssimo juiz errou notoriamente na apreciação destes depoimentos, como a transcrição demonstra.
30) Em suma de toda a prova documental, constante dos autos, conjugada com a prova testemunhal, incluindo o depoimento do R. e sem esquecer a posição deste, na fase administrativa, obrigava o Meritíssimo Juiz a responder afirmativamente ao quesito 1º, (ou seja Provado) como respondeu afirmativamente aos quesitos 2º, 3º e 4º.
31) Ao responder negativamente ao quesito primeiro, violou salvo o devido respeito, o meritíssimo Juiz o princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 607,nº 4 e 5 do NCPC.
32) Assim perante esta alteração da matéria de facto, que se impõe, nos termos do artigo 662, nº1 do NC.P.C, que deve alterar a resposta a matéria de facto ao quesitos 1º, para provado, e dar como provado que: No dia 15 de Dezembro de 2008, pelas 10,00horas, quando se encontrava a exercer a atividade referida em B) na residência do R, a lavar as varandas, a A. escorregou e caiu. Deverá o Tribunal de recurso revogar a decisão em recurso e substituí-la por outra que julgue a ação totalmente procedente por provada.
Do ónus da prova
33) Entre a fase administrativa (conciliatória) e a fase contenciosa o R. alterou a sua posição processual. Deixando assim de assumir a responsabilidade do acidente tal como descrito na tentativa de conciliação alegando assim erro sobre o acidente e dizendo que o acidente tinha ocorrido enquanto a se encontrava ao serviço de G…, que, ao sair de casa (rua …), escorregou e partiu o pé, pelo que tinha, nos termos do artigo 342, nº2 do C.C fazer prova desses factos.
34) Ora tendo, a resposta aos quesitos 5º e 6º sido negativas (Não provados). O Senhor Juiz apenas poderia considerar validamente constituído o direito invocado pela A. e assim responder positivamente ao quesito 1º (com provado).
35) O que desde logo se impõe, nos termos do artigo 662, nº1 do NC.P.C, que se deve alterar a resposta a matéria de facto ao quesitos 1, para provada, nos termos supra referidos e deverá o Tribunal de recurso revogar a decisão em recurso e substituí-la por outra que julgue a ação totalmente procedente por provada.
Sem prescindir
36) O juiz assentou a sua convicção num novo facto, pelo que deveria o Meritíssimo Juiz, nos termos 72 do CPT, ter procedido a ampliação da base instrutória, nos termos da citada norma. Pois que, tal recurso a este facto novo viola o principio do dispositivo e da estabilidade da instancia. Pois que alterou por completo o objeto do processo.
37) O artigo 72 do CPT e o artigo 5º do NCPC impedia que o meritíssimo juiz tivesse em consideração o facto novo, sem ter dado a oportunidade de que sobre o mesmo tivesse incidido discussão.
38) Ao decidir como decidiu violou o Meritíssimo juiz o artigo 72 do CPT, pelo que deve o tribunal de recurso anular a decisão em apreço e proceder á ampliação da matéria de facto, nos termos exigidos pela citada norma, ordenando-se a produção de novos meios de prova nos termos do artigo 712, nº2 al. c) e b) do NCPC.

S… contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer segundo o qual o recurso deve ser julgado improcedente.

Eis, para cabal compreensão, um breve resumo dos autos.
M… veio propor a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra S….
Pede que seja reconhecido o acidente como sendo um acidente de trabalho, a existência de nexo causal entre o acidente e as lesões e reclama o pagamento das despesas médicas, de transportes, das incapacidades temporárias e da incapacidade definitiva, no valor global de Euros 38 786,65.
Para tanto, alega, em síntese, que foi vítima de um acidente, em 15 de Dezembro de 2008, pelas 10 horas, no Lugar de…, Monção, porquanto, quando se encontrava a lavar as varandas da casa do Demandado, para quem prestava a atividade de empregada doméstica, escorregou e caiu, o que lhe causou a fratura do tornozelo esquerdo.
Alega a A. que, devido às lesões provocadas pelo acidente, fez fisioterapia, foi sujeita a cirurgias, sofreu vários internamentos, esteve com uma incapacidade temporária absoluta de 520 dias e uma incapacidade temporária parcial de 764 dias, e ainda ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial de 14,3284%.
O Réu veio contestar, dizendo, em suma, que não reconhece o acidente invocado nos autos como acidente de trabalho da sua responsabilidade, na medida em que a sinistrada não sofreu a alegada queda ao serviço deste. Esclarece que a sinistrada fez uma participação desse mesmo acidente à companhia de seguros L…, dizendo, nessa participação, que o acidente ocorreu noutro local, a outra hora e quando estava ao serviço de G…. Pelo que conclui pela improcedência de todo o peticionado.
Procedeu-se à realização de julgamento e, após, foi proferida sentença que julgou improcedente a presente ação e, em consequência, absolveu o Réu do pedido formulado pela Autora.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O auto de tentativa de conciliação delimita o objeto do processo?
2ª – A não prova dos novos factos alegados após tentativa de conciliação faz ressurgir os factos acordados em sede de conciliação?
3ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
4ª – O tribunal assentou a sua convicção em facto novo?

O Recrte. formula o seguinte pedido no presente recurso:
- Que seja alterada a matéria de facto nos termos peticionados e consequentemente alterada a douta Sentença recorrida, e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente por provada.
- Caso assim se não entenda e porque o Sr. Juiz violou o artigo 72 do NCPC e art. 5 do NCPC deve o tribunal de recurso anular a decisão em apreço e proceder á ampliação da matéria de facto, nos termos exigidos pela citada norma, ordenando-se a produção de novos meios de prova nos termos do artigo 712, nº2 al. c) e b) do NCPC.
Deste modo, a 1ª questão a decidir será o invocado erro de julgamento da matéria de facto.
Segundo entendemos as conclusões algo confusas , a Recrte. pretende que o quesito 1º obtenha resposta de provado, fundando-se nos documentos de fls. 119 e fls. 120 (respetivamente o oficio dos Bombeiros Voluntários de Monção e a guia de serviço destes de 15-12-2008), depoimento do reu e ainda nos depoimentos dos bombeiros e nos depoimentos de J…, cônjuge da Autora, D…, filho da Autora, S…, filha da Autora e R…, irmã da Autora (conclusão 20ª).
Indagava-se no quesito 1º:
- No dia 15 de Dezembro de 2008, pelas 10,00 horas, quando se encontrava a exercer a atividade referida em B) na residência do R., a lavar as varandas, a A. escorregou e caiu?
O Tribunal respondeu que se provou apenas que no dia 15/12/2008 a A. sofreu fratura do tornozelo esquerdo.
Os autos são profícuos em incidentes de tramitação!
Na verdade, na sequência da participação efetuada pela A. reportando um acidente de trabalho sofrido em 15/12/2008 no domicílio do R. (fls. 3), veio este declarar nos autos, em ato contínuo e através de peça subscrita por advogado, munido de poderes especiais, que na sobredita data “a sinistrada sofreu um acidente no quintal da casa do exponente, o qual corresponde á descrição dos factos constantes dos autos…” (fls. 7)
Na tentativa de conciliação que encerrou a fase conciliatória, nenhuma das partes manifestou qualquer oposição à existência do mencionado acidente, tendo mesmo o R., por intermédio do seu mandatário, que o acompanhava na diligência, declarado que “aceita a existência de um acidente de trabalho…”, bem como de remuneração não coincidente com a declarada pela sinistrada, e não aceitando ainda a IPP atribuída pelo Gabinete Médico Legal.
Apresentada a petição inicial, o mesmo R. dá entrada de uma peça na qual prescinde de realização de exame por junta médica, conformando-se com a IPP (mantendo a discórdia quanto ao salário).
Não obstante, logo após (volvidos cerca de 20 dias) vem apresentar contestação onde nega a ocorrência do acidente!
Decorre do que se dispõe no Artº 112º/1 do CPT que, frustrando-se a tentativa de conciliação, no respetivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau de incapacidade atribuída.
O que ali se consigna tem consequências jurídicas, definindo, tal como alega a Recrte., o objeto do processo na medida em que cria nas partes uma expetativa legítima de que só as questões cujo acordo ali não se registou venham a ser objeto de discussão. Com o que a própria petição inicial fica balizada.
Efetivamente a exigência constante daquele normativo visa um duplo objetivo: reduzir o litígio às questões sobre as quais não foi possível obter acordo, sendo que as demais “não poderão depois ser objeto de discussão” e fornecer ao juiz “os elementos necessários à fixação de pensões ou indemnizações provisórias”, se for caso disso (Alberto Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 4ª Ed., 528).
Só assim se compreende a sanção consignada no nº 2 daquela disposição legal. E, por outro lado, é imperativo que os factos sobre os quais tenha havido acordo se consideram assentes (Artº 131º/c) do CPT).
Emerge daqui que tendo-se registado acordo quanto á existência do acidente, não podia vir depois a formular-se um quesito no qual se indagava acerca de tal ocorrência, porquanto é dever do juiz levar em consideração os factos que estão admitidos por acordo (Artº 607º/4 do CPC). Trata-se de prova vinculada, pelo que qualquer resposta em contrário se tem que considerar não escrita.
Argumentar-se-á que a existência de um acidente corresponde a uma conclusão que deve extrair-se de factos.
Ocorre que quando o ora Recrdº aceitou a existência do acidente se reportou à descrição do acidente constante do auto – aquele que ocorreu quando a sinistrada prestava a atividade de empregada doméstica sob as ordens, direção e fiscalização da sua pessoa.
Donde, é desta factualidade que se trata.
Por outro lado, a responsabilidade pela elaboração do auto cabe ao Ministério Público. Poderia, efetivamente tal auto ser mais descritivo, consignando os factos apurados durante a fase conciliatória, e vinculando os intervenientes a pronunciarem-se sobre tais factos (e só sobre eles), para daí se extraírem, depois, as consequências que se impusessem.
Alberto Leite Ferreira nota, a este propósito, que da tentativa de não conciliação devem constar, não conceitos jurídicos, mas “sim o acordo ou desacordo acerca dos elementos de facto que definem e caracterizam o acidente ou doença e o nexo causal” (Código de Processo de Trabalho Anotado, 4ª Ed., 527).
Porém, o próprio legislador não é absolutamente claro, remetendo, por um lado, para a consignação dos factos e, por outro, para a formulação de juízos (Artº 112º/1). Daqui extraímos que, sendo a matéria apreensível na linguagem comum, se cumpre o desiderato legal ainda quando se enunciam certas qualificações, como por exemplo, a aceitação do acidente como de trabalho.
Dúvidas não subsistem, porém, que a factualidade aceite por via do acordo se tem por assente, ficando o objeto do processo limitado às questões de facto e jurídicas sobre as quais não incidiu o acordo.
Mas, ainda que não se pudessem retirar das disposições legais citadas as consequências que entendemos deverem ser retiradas, a prova vai ao encontro da tese propugnada pela Recrte..
Vejamos!
Começamos por salientar que, em audiência de julgamento o R. requereu a junção de um conjunto de documentos (fls. 175 a 178), entre os quais um que corporiza um inquérito da Seguradora L… acerca de um acidente de trabalho ocorrido em 15/12/2008, na residência da sinistrada, entre o edifício e a via pública, datado de 19/02/2009 e assinado pela A.. O conteúdo de tal documento foi impugnado pela mesma, bem como foi requerida a sua não admissão. A versão eletrónica dos autos revela que aquele conjunto de documentos foi admitido em 14/11/2014, sem que a decisão respetiva tivesse sido notificada às partes. Contudo, na decisão que incidiu sobre a matéria de facto consta que se valorou o respetivo conteúdo.
Por outro lado, a fls. 127 consta a participação à L… do mesmo evento.
Aqueles documentos foram, contudo, explicados pela A. no seu depoimento.
Decorre deste que tais documentos decorreram do que o Sr. N… (outro patrão) lhe mandou fazer, tendo sido este que a mandou “por no papel”, dizendo-lhe que a ia por no Seguro. Explica tal atitude do seguinte modo: “Como eu trabalhava na casa dele, ele pensou que o seguro dele me ia valer”; “Não sei se ele fez isso combinado com alguém”. O que a A. sabia era que o acidente sofrido não tinha sido no local mencionado.
Extrai-se daqui que se registou uma tentativa de fraude. Porém, não que o acidente participado nos autos não tenha ocorrido.
Ouvimos também o depoimento do mencionado N… que declarou que não sabe se o acidente ocorreu ou não, tendo sido informado que no trajeto para a sua casa ocorreu o acidente. Como tinha seguro, acionou a apólice. Informou a D. R…. Encontrou o S… que lhe contou que estava metido numa situação que lhe dava dores de cabeça. Contou-lhe o que se tinha passado e ofereceu-se para testemunha. Esclareceu que o S… só tomou conhecimento desta situação recentemente por si (ou no final do ano passado, princípio deste ano).
Ora, compulsados os autos, verificamos que a contestação foi apresentada em Junho de 2013 e audiência decorreu em Outubro de 2014. Donde, algo não bate certo.
Acresce que logo em Fevereiro de 2009 a L… informou a mulher da testemunha que não assumia a responsabilidade (fls. 176). Porque se desenterrará agora a questão?
Por outro lado, a fls. 120 consta um documento da autoria dos Bombeiros Voluntários de Monção, onde se remete uma guia de ocorrência referente ao dia 15/12/2008, pelas 11h24m, onde se prestou assistência pré hospitalar em Reiriz, Troviscoso, por traumatismo/queda. O pedido emergiu de um particular, cujo telefone é ….
No seu depoimento o R. confirma que este número corresponde ao do seu local de trabalho e que a morada coincide com a que então era a sua residência.
Para além disso, como se disse, em peça ínsita a fls. 7, o R. confessa a existência do acidente.
No diário clínico da Unidade Local de Saúde do Alto Minho consta que em 15/12/2008, pelas 11h54m, a A. apresentava traumatismo em pé esquerdo e tornozelo (fls. 11).
No que concerne aos depoimentos, consideramos ainda relevante, o que foi prestado pelo R. que declarou que não estava em casa e não viu o acidente. Contudo, a mulher telefonou-lhe a dar conta do caso e, por isso, deslocou-se ao hospital, onde estava a sua mulher com a sinistrada. Também confirma que a A. estava em sua casa nesse dia, desconhecendo se a mesma ali caiu. Sabe que ela sofreu fratura do tornozelo esquerdo, porque lhe disseram no hospital. Ainda explicou que um seu amigo (N…), para o qual a A. também trabalhava, lhe disse que ela caiu na casa dela.
Tanto a filha (S…) quanto a irmã (R…) confirmaram que a A. partiu o pé em Reiriz, a fazer limpeza, na casa dos C…. Muito embora não tivessem assistido, sabiam, a 1ª que a mãe ali trabalhava e a 2ª que a deixara lá no dia.
Os demais depoimentos não assumem relevância.
Os elementos acabados de referir conjugam-se no sentido da ocorrência do acidente tal como o mesmo foi participado e confirmado pelo R.. Apenas não se esclareceu se o mesmo aconteceu a lavar as varandas. Mas a prova não deixa dúvidas de que em 15/12/2008, a A. se encontrava a exercer a sua atividade na casa do R. onde escorregou e caiu. Se assim não fora, a que propósito os bombeiros ali teriam sido chamados, especialmente se a residência da A. se situa em local distinto? Do número de telefone do local de trabalho do R.? E a que propósito a mulher do R. (que, segundo o mesmo não mantinha relação de amizade com a A.) estaria com ela na unidade de saúde a dar-lhe assistência? E a que propósito viria o R. a juntar aos autos em 31/10/2011 uma peça em que assume a ocorrência tal como relatada na participação?
É verdade que está muito mal explicada a participação à Seguradora da testemunha N…. Mas dali não decorre que a versão constante dos autos e assumida a vários passos pelo próprio R. não seja a real. A verdade é que o R. não tem seguro de acidentes de trabalho e aquele tinha!
Donde a resposta ao quesito 1º se modifica no sentido seguinte:
Provado que no dia 15/12/2008, pelas 10h, quando se encontrava a exercer a atividade referida em B), na residência do R., a A. escorregou e caiu.
Procede, assim, a questão em apreciação.

FACTOS APURADOS
Resultaram provados os seguintes factos:
1. A A. nasceu a 22/06/1964.
2. Desempenhava a atividade profissional de empregada doméstica, sob as ordens, direção e fiscalização do R. S….
3. Desempenhava essa atividade 3 horas por dia, 4 dias por semana, auferindo a retribuição de Euros 3,75/hora.
3.a - No dia 15/12/2008, pelas 10h, quando se encontrava a exercer a atividade referida em 2., na residência do R., a A. escorregou e caiu.
4. A A. esteve com ITA durante 520 dias, com ITP de 40% desde 16/09/2009 até 14/12/2009, com a mesma ITP desde 15/04/2010 até 26/01/2011, ainda com ITP de 40% desde 28/04/2011 até 23/04/2012, e com ITP de 20% desde 24/08/2012 até 23/09/2012.
5. Teve alta em 23/09/2012, com IPP de 14,3284%.
6. No dia 15 de Dezembro de 2008, a Autora sofreu fratura do tornozelo esquerdo.
7. Em consequência, a A. despendeu a quantia de Euros 478,10 em taxas moderadoras, consultas, exames médicos e sessões de fisioterapia.
8. E despendeu a quantia de Euros 739,60 em deslocações para consultas, exames médicos, sessões de fisioterapia, ao GML e ao Tribunal.

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Da análise tecida a propósito da reapreciação da matéria de facto já consta a resposta à 1ª questão enunciada, ficando prejudicados quaisquer considerandos acerca da 2ª.
A 4ª questão – o tribunal assentou a sua convicção em facto novo – improcede na medida em que o suposto facto novo trazido pela testemunha N… consta da contestação.
Cumpre agora retirar consequências da modificação da decisão de facto.
Em presença da data de ocorrência do sinistro é aplicável a Lei 100/97 de 13/09.
É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte (Artº 6º/1).
Provou-se que o dia 15/12/2008, pelas 10h, quando se encontrava a exercer a atividade de empregada doméstica, na residência do R., a A. escorregou e caiu, fraturando o tornozelo esquerdo, lesão da qual lhe resultou incapacidade temporária e permanente. Tem, por isso, direito á reparação (Artº 2º), que compreende as prestações consignadas no Artº 10º.
A A. reclama despesas médicas, de transporte, indemnização por IT e pensão por IP.
Provou-se que em consequência do acidente, a A. despendeu a quantia de 478,10€ em taxas moderadoras, consultas, exames médicos e sessões de fisioterapia e a de 739,60€ em deslocações para consultas, exames médicos, sessões de fisioterapia, ao GML e ao Tribunal.
Tem, pois, direito ao respetivo reembolso.
Além disso, esteve em ITA durante 520 dias, com ITP de 40% desde 16/09/2009 até 14/12/2009, com a mesma ITP desde 15/04/2010 até 26/01/2011, ainda com ITP de 40% desde 28/04/2011 até 23/04/2012, e com ITP de 20% desde 24/08/2012 até 23/09/2012.
Computam-se, assim, 520 dias em ITA, 723 dias em ITP de 40% e 30 dias de ITP de 20%.
A A. desempenhava a sua atividade 3 horas por dia, 4 dias por semana, auferindo a retribuição de Euros 3,75/hora.
Considerando o disposto no Artº 26º/1 e 3 da Lei, a retribuição para efeitos de cálculo da IT cifra-se em 180,00€ por mês (3,75x3x4x4).
Deste modo, a título de ITA é devida a quantia de 2.184,00€ (Artº 17º/1-e)). Pela ITP de 40%, é devido o montante de 1.214,64€. E pela ITP de 20%, a quantia de 25,20€ (Artº 17º/1-f)).
O montante global devido a este título ascende a 3.423,84€.
Resulta ainda do acervo fático que a A. ficou afetada de IPP de 14,3284%.
Por força da IPP tem direito ao capital de remição de uma pensão anual vitalícia de 252,75€ (Artº 17º/1-d) e 26º/2 e 4).

Sobre as quantias em dívida incidem juros de mora à taxa anual de 4%. Os que recaem sobre as despesas médicas são devidos desde o dia subsequente á sua reclamação no processo (23/04/2013); os demais são devidos desde a data de vencimento das prestações integrantes (Artº 17º/4).

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência revogar a sentença, e na procedência parcial da ação condenar o Recrdº a pagar à A.:
a) A quantia de mil duzentos e dezassete euros e setenta cêntimos (1.217,70€), acrescida de juros de mora á taxa anual de 4% desde 23/04/2013 até integral pagamento;
b) A quantia de três mil quatrocentos e vinte e três mil e oitenta e quatro cêntimos (.423,84€), acrescida de juros de mora á taxa anual de 4%, conforme sobredito e até integral pagamento;
c) O capital de remição de uma pensão anual vitalícia de duzentos e cinquenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos (252,75), desde 24/09/2012, acrescido de juros de mora á taxa anual de 4% até integral pagamento.
Custas pelo Recrdº.
Notifique.
Manuela Fialho
Moisés Silva
Antero Veiga